Exu Cigano

 

O amor a consequência e a justiça, essas três coisas são fatores que todo ser humano terá que lidar seja nessa vida ou seja após ela.
Enquanto o Raul olhava para o cadáver sem vida logo ali na sua frente ele já começava a sentir o poder das consequências de seus atos.

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Todos nós sabemos que a cultura cigana é maravilhosa, todos sabemos como é bonita e tudo mais, porém jamais podemos esquecer que nossa visão sobre o ciganos é uma visão externa, nós lidamos com a cultura cigana mas não fazemos parte dela de forma integral pois somos todos gadje.
Gadje é o nome que se dá aos não ciganos.

Raul nasceu com sangue cigano, e seu nascimento foi muito esperado pois sua mãe teve a gestação enquanto estava de luto pela morte do marido.
Alastor havia sido um grande chefe Cigano, líder de mais de um acampamento pois era chamado então líder dos líderes e chefe do chefes.
Por mais que fosse um homem forte de músculos imbatíveis e de mente aguçada ainda assim a natureza prega algumas peças. Mal havia chego aos quarenta anos e foi acometido pela doença da tristeza.
Parece um nome estranho mas antigamente, antes que houvesse diagnósticos e nomes precisos para cada mal de saúde, a tuberculose era chamada como doença do amor ou doença da tristeza e foi isso que matou alastor.
Por uma questão até mesmo incompreensível, sua esposa, uma jovem cigana chamada Madalena, cuidou de Alastor durante toda a doença mas nunca foi infectada.
Devido ao grande nervosismo e apreensão durante a convalescência do marido ela parou de contar suas próprias regras e não percebeu que o sangue não lhe descia há meses.
Após enterrarem Alastor foi que ela se deu conta que estava grávida.
Todo o povo entrou em festejo fazendo preces e sempre abençoando a barriga de Madalena na esperança que dali nascesse um filho homem para ser o substituto de Alastor como chefe daquele bando.
Os ciganos não trabalham com hereditariedade porém um homem tão digno quanto Alastor com certeza teria um filho tão forte e correto como ele, isso era uma certeza não é?
Não é?

O desejo se cumpriu e um filho homem nasceu, o nome que a mãe escolhera fora Raul, o nome de um antigo Rei da França, terra onde alastor nasceu,  nome este que carregava grande simbolismo pois Raul significa "o que houve os conselhos do lobo," ou seja um filho obediente ao pai.
Mas Raul não fez jus ao nome.

Durante toda a infância se mostrou uma criança muito rebelde e na adolescência a coisa piorou, a cada dia mais demonstrava ter vergonha de ser Cigano, principalmente quando o acampamento se estabelecia em lugares próximos a grandes cidades, nesses momentos Raul se travestia de gadje ia para a cidade ficar de namorico com as moças e de Aventura com os rapazes fingindo que era uma pessoa do povo comum.
Mas as características dele sempre faziam o disfarce ir por água abaixo pois qualquer um que olhasse com atenção conseguia perceber que ele era Cigano.

Madalena e as outras mulheres da família tentavam ao máximo educá-lo dentro dos costumes Mas cada vez percebiam que o menino não levava jeito para ser líder, mais de uma vez Raul queimou as roupas de suas bagagens dizendo que odiava as sedas coloridas e o algodão bordado, que odiava os lenços na cabeça e o kajal nos olhos, que odiava os brincos nas orelhas e os dentes de ouro, que odiava os cabelos compridos e as botas de salto carrapeta, que odiava Santa Sara Kali e as malditas carruagens.
Com quinze anos ele fugiu, porém logo foi capturado e trazido de volta.
Com dezessete anos ele fugiu novamente e mais uma vez foi capturado.
Com 21 anos ele foi expulso.
Madalena não aguentava mais, sentia que o filho a odiava e não entendia o motivo, tudo o que ela fazia era o melhor que podia para ele mas o melhor nunca foi valorizado.
Após mais uma discussão com a mãe ela mesma apontou o dedo para a estrada e disse:

💜— Vá! Suma daqui! Se tem tanto ódio da nossa gente vai embora e não volte mais!

Raul foi tomado de surpresa já que não esperava que a própria mãe lhe mandasse embora, porém não se fez de rogado e saiu dali com a roupa do corpo acreditando que nunca mais voltaria a ver aquela gente.
A idiotice da Juventude o fez acreditar que logo iria alcançar alguma cidade para conseguir um casamento e ser um homem normal como todos os outros.
Mas não foi isso que aconteceu.
Por onde andava ninguém lhe dava emprego e sempre o acusavam de ser ladrão, dizia que roubava ouro e que também roubava crianças, diziam que tinha pacto com o diabo e que era Pagão, diziam que seduzia as mulheres casadas e destruia famílias, mas tudo isso que diziam era mentira porque na verdade Raul era apenas um rapaz perdido na vida que nunca tinha feito nada de mal a ninguém e estava sofrendo de algo que ele não tinha percebido até aquele momento, ele não tinha percebido que o ciganos eram odiados pelo povo.
Ele sempre odiou o povo cigano e naquele momento estava percebendo que não importava se trocasse suas roupas ou mudasse o sotaque, todos também odiariam por ser Cigano.

Certa vez quando o Raul revirava uma lixeira atrás de alguma coisa para comer percebeu que um homem o olhava. É claro que por ele estar revirando uma lixeira no meio da cidade todo mundo iria olhar, porém aquele homem lhe chamou atenção pois Raul também sabia reconhecer os outros ciganos e aquele homem sem dúvida tinha o mesmo sangue que o seu.

O homem se aproximou dele e o reconhecimento foi imediato, se apresentou como Miguel, era mais velho já com a barba branca mas pelo som melódico da voz era inconfundível a Origem.
Convidou Raul para ir comer em sua casa e o rapaz obviamente aceitou pois quando o estômago ronca se aceita qualquer coisa.
Lá Miguel contou que também era Cigano Mas que havia sido expulso de seu acampamento há muito tempo, e ofereceu a Raul a chance de trabalhar com ele na cidade.
O pagamento era alto mas a atividade não era o que Raul havia planejado para si. Miguel comentou que eles como homens ciganos tinham um talento natural, o talento de serem sorrateiros e de quase se tornarem invisíveis na noite. Ele contou a Miguel que pessoas muito Poderosas pagavam altas quantias para que ele ceifasse a vida de outros seres humanos, contou que fazia isso há décadas mas que agora não conseguia aceitar qualquer tarefa e cumpria apenas as mais fáceis pois a idade já cobrava sua saúde e sua agilidade.
Imediatamente Raul entendeu que Miguel queria um substituto, um jovem com os mesmos talentos que ele para continuar o trabalho de matador de aluguel.
Raul Então pensou nas opções, ou aceitava aquele trabalho escuso ou voltava para a rua para revirar lixeiras.
Estavam ali os dois homens jantando uma farta refeição sobre uma mesa quando Miguel deslizou por entre os pratos o punhal, então Raul apanhou o punhal e guardou no bolso de seu casaco mostrando que aceitava o trabalho.

Pelos próximos quinze anos que se seguiram mais de trezentas pessoas perderam a vida no punhal de Raul. Se tornou habilidoso em invadir casas no meio da noite e cortar o pescoço da vítima sem que ela despertasse do sono portanto quando o cadáver era descoberto pela manhã Raul já estava muito longe.
O dinheiro entrava aos torrões mas da mesma forma que entrava muito também saía muito pois Raul aprendeu com Miguel a esbanjar a gastar com bebidas e com mulheres, comprar roupas caras, jóias e tudo mais.
Mas com o tempo Raul foi ficando esperto e começou a poupar pelo menos metade de cada ganho para assim ter recursos suficiente para um dia conseguir se aposentar. Mas a questão é que Miguel não pensava da mesma forma e sempre que ganhavam uma grande quantia o velho esbanjava tudo e muitas vezes em uma única noite gastou fortunas, gastava valores equivalentes ao preço de um castelo ou de um Palácio em uma única semana com farra e libertinagem. O resultado foi que Miguel ficou velho e Pobre Mesmo tendo tido acesso a muito dinheiro durante a vida.
No dia em que Raul completou quarenta anos ele e Miguel fizeram um jantar só os dois para comemorar, mas a comemoração logo acabou quando o Raul disse:

⚔— Decidi parar de trabalhar. Vou embora, dizem que a vila de São Paulo está prosperando muito e talvez um dia seja até uma cidade, quero ir para lá comprar algumas terras e viver de renda. Vou para lá ou para São Vicente. É meu velho, A
acabaram as matanças.

Miguel foi pego de surpresa e a reação que teve foi inesperada pois rapidamente ficou em pé e começou a berrar dizendo que Raul era ingrato e que agora após ter conseguido tudo o que queria o estava deixando para trás.
Raul tentou argumentar que não era verdade pois todo o dinheiro que ganhou não foi de graça e sim através dos trabalhos que realizava, e jogou na cara de Miguel que se ele não tinha um centavo no bolso a culpa não era sua afinal de contas de todo o trabalho que Raul realizava dez porcento ficava com Miguel que era quem acertava o negócio com o mandante, nunca houve caridade ali pois Miguel sempre recebeu mais do que o suficiente.
Havia ódio no olhar de Miguel e Raul se pegou imaginando se aquele homem sempre havia sido odioso daquele jeito Pois na verdade no decorrer dos anos nunca transpareceu o que era assim, mas é bem verdade que quando se trata de dinheiro muito facilmente um homem vira bicho.
Miguel se acalmou, ou pelo menos fingiu que estava mais calmo, então com a voz fina pediu que Raul realizasse um último trabalho e que fizesse sesse isso por consideração a ele para que ele tivesse pelo menos um último ganho.
Raul concordou inclusive disse que naquele último trabalho Miguel não ficaria com os 10% e sim com todo o valor afinal de contas seria uma despedida entre os dois e depois daquilo cada um seguiria um rumo diferente.

Na noite seguinte Miguel chegou com o endereço de uma estalagem e disse que Raul devia entrar em um determinado quarto e ceifar a vida de uma mulher que estaria dormindo na cama.
Raul ficou um pouco confuso afinal de contas era acostumado a tirar a vida de pessoas muito ricas ou muito ilustres e não de pessoas simples acomodada em estalagens à beira de estrada, porém não questionou e aceitou o serviço.
Naquela madrugada vestiu-se com as costumeiras roupas pretas que usava no trabalho e foi até a estalagem.
Por fora contou janelas para saber qual delas deveria arrombar para entrar no quarto certo. Escalou a sacada e adentrou pela janela e ali na cama virada de bruços estava a pessoa dormindo, ele então agiu como de costume e como extrema agilidade puxou o punhal da cintura cravou no pescoço da pessoa dormente puxando o punho para trás afim de rasgar todas as veias e não haver como a vítima gritar ou resistir. Houve apenas um gorgolejar do sangue vazando pelo rasgo e um suspiro agoniado que era coisa que ele sempre ouvia em seu trabalho, então limpou o punhal em um lenço e colocou de volta na bainha e assim se virou para sair do quarto.
Nesse momento a luz da lua entrou pela janela iluminou um xale jogado sobre uma cadeira, um xale púrpura bordado com fios Dourados. Raul ficou paralisado, petrificado ao ver aquele xale velho e puído. Ele sabia de quem era aquele xale, então lentamente se virou para a cama,  inclinou-se sobre o cadáver e sua mão segurou-lhe a cabeça fazendo com que o rosto da mulher fosse trazido para cima, para a luz. E ali estava Raul olhando para o rosto de sua mãe, pálida, gélida e morta.

Ficou um bom tempo olhando para aquilo pensando que estava louco pois não era possível, só podia ser um pesadelo não havia como aquilo estar acontecendo.
Então largou o corpo da mãe e olhou em volta no quarto e pela primeira vez percebeu a quantidade de roupas e objetos ciganos espalhados por ali. Tudo que ele viu era reconhecível pois tudo era dela.
Saiu do quarto tropeçando e quase caiu da janela quando pulou para fora e andou pelas ruas com o corpo tremendo totalmente fora de si.
Levou consigo aquele xale púrpura e quando chegou em casa Miguel estava sentado à mesa bebendo cerveja o esperando. Raul não disse nada mas Miguel olhou para o xale que ele trazia nas mãos e sorriu, e então contou:

👳‍♂️— A cerca de uma semana uma senhora cigana chamada Madalena me procurou, ela sabia onde me encontrar afinal de contas é minha cunhada. Ou melhor pelo visto "era" minha cunhada. Raul o fato é que eu e seu pai nunca nos demos bem e foi por isso que ele me expulsou do acampamento. No dia que eu te vi naquela lixeira revirando os dejetos atrás de comida, te encarei naquela forma porque o seu rosto é o mesmo que o dele, você é idêntico ao meu querido alastor, que Santa Sara o tenha em bom lugar.
Não valia de nada te contar velhas histórias nem falar de parentescos pois eu acreditava que a nossa amizade era verdadeira e que nós dois estaríamos juntos para sempre. Eu percebi que você estava guardando dinheiro mas acreditei que como bons amigos você estava pensando em nós, mas estava pensando só em você não é? Iria me deixar para trás iria viver uma vida boa em São Paulo e deixar o velho Miguel para trás. Por isso eu disse a Madalena e que ela devia se hospedar naquela estalagem pois eu  amanhã cedo mandaria o filhinho dela até lá. Eu compri a minha promessa e lhe mandei lá não foi? Madalena estava cheia de saudade... matou a saudade dela? Ou matou mais que a saudade?

⚔— Porque fez isso?
👳‍♂️— Porque você pretendia me abandonar. Já que você quer ir... vá. Mas vá chorando.

As mãos de Raul tremiam de ódio e Miguel já percebendo que iria acontecer deslizou os dedos para a cintura afim de puxar o próprio punhal mas antes que tivesse tempo de agarrar o cabo da lâmina Raul sacou seu próprio punhal e atirou na direção dele cravando o ferro frio no peito do velho.

Ficou meses perdido em profunda depressão e agonia, sempre imaginou que um dia iria voltar a encontrar a mãe e pedir perdão mas jamais passou pela cabeça que ele seria o algoz daquela doce senhora.
Ele nasceu para ser um líder Cigano igual ao pai, mas o que fez foi se tornar Assassino a ponto de matar a própria mãe. Na lei da Justiça não interessa nem um pouco a intenção o que interessa é o fato e mesmo que ele tivesse tirado a vida de Madalena sem saber o que estava fazendo ele ainda assim sim matou a própria mãe.

Por muito tempo pensou no que fazer dali por diante e constantemente pensava em tirar a própria vida, mas então antes de fazer isso decidiu procurar Magnólia, uma cigana muito velha que diziam ter mais de cem anos e com certeza tinha mesmo ou até o dobro e que vivia por aí em um pequeno grupo de ciganos kalon.
Todos sabiam que Magnólia era algo que estava se extinguindo,  ela era uma feiticeira cigana, uma adivinha que podia falar com os espíritos.

Demorou algum tempo até achar o rastro Mas conseguiu finalmente encontrar a localização do acampamento de Magnólia e foi lá falar com ela.
A velha o recebeu como se já o esperasse, e quando entrou na tenda dela Raul não precisou dizer coisa alguma pois a velha fumando de um cachimbo simplesmente o encarava mostrando que sabia de todas as coisas que haviam acontecido.

⚔— A senhora tem como me ajudar a falar com a alma da minha mãe?

Magnólia sorriu para ele com sua boca que quase não havia mais dentes e Então disse:

👵🏻— de fato uma alma quero falar contigo.

E soprando a fumaça do cachimbo no rosto e Raul ela trouxe diante dos olhos dele a visão daquela alma mas que não era a alma de Madalena.
Alastor estava ali diante do filho o olhando com raiva, ou melhor, o encarando com ódio. Muitas coisas foram ditas coisas que nem mesmo em um relato devem ser repetidas, e Raul se sentiu o pior dos homens e a mais inferior das criaturas após ouvir as palavras saindo da boca Isso é o falecido pai.
O mais intenso foi a alma do pai dizer:

"Maldito seja, cigano filho de ninguém."

Naquele dia em diante ele nunca mais foi conhecido por Raul, a partir daquele dia ele era chamado apenas de Cigano, um cigano filho de ninguém.
Ficou ali aos cuidados de Magnólia e envelheceu ao lado dela até que faleceu até de forma precoce.
A velha o enterrou diante das raízes de uma figueira rezando o seu corpo para que acontecesse o que de fato aconteceu.

Para sempre será cigano mas não será Parte de nenhum Clã. Trabalhará com a magia cigana mas jamais carregará a bandeira.
Uma alma amaldiçoada pelo sangue inocente da mãe e pelo ódio veemente do pai. É um cigano mas nunca será um cigano do oriente nunca caminhará com Esmeralda, Sarah, Ruby. Vladimir, Igor, Pablo ou qualquer um dos outros.
Aquele homem se tornou um cigano de verdade mas um Cigano da Encruzilhada, um cigano só.
Até hoje ele é Exu Cigano.

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Arte e texto por Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado!
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Comentários

  1. Lindo texto , fale sobre o Exu tranca tudo e a pomba gira rosa negra

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  2. Obrigado por apresentar sua arte incrível e bonita! De um admirador no Canadá.

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