Flor a Flora - Capítulo 4

 Felipe Caprini 

FLOR A FLORA 


Segundo conto da Série Urdidura das Feiticeiras 


Capítulo 
"Mudain"





🌹- I


As Rosas tentaram encontrar Narciso, não era possível. A radiestesia que Rosa Caveira conseguia fazer com os ossos de suas costelas apontava à existência daquela energia porém em algum lugar inalcançável.

As Rosas agora estavam Sempre juntas, em alguns momentos tiveram até que abrir mão de atender os seus médiuns quando eram chamadas pois a calamidade da situação as fazia ficar demasiadamente cautelosas, durante três semanas elas procuraram tanto a localização de Narciso quanto uma resposta verdadeira para o que havia acontecido com Rosa de Fogo, mas no fim não encontraram resposta nem para uma coisa e nem para outra.


— Por quanto tempo mais eu terei de esperar?— disse Narciso sentado em frente a uma penteadeira em seu quarto.


Estava ali desde o ato cometido contra Rosa de Fogo, a deusa Afrodite o recolhera para o seu palácio no fundo do oceano, um Palácio que ela havia ganhado de presente de um Deus amigo, ali Narciso tinha um quarto só seu todo mobiliado com móveis cor de rosa como era o gosto da deusa.

Por mais que ele estivesse escondido na casa dela, ela por sua vez já não aparecia pessoalmente fazia algum tempo. A voz da deusa ecoou pelas paredes como se ela estivesse ali junto dele porém Narciso sabia que ela estava muito longe e provavelmente em outro mundo.


— Eu já te disse, não sou tola de te deixar à solta após ter eliminado uma delas. Por mais que eu as abomine, não as subestimo. A essa altura aquelas mocinhas devem estar te caçando como raposas atrás deu uma lebre.

— Não tenho medo delas. — ele passou a escova de ouro pelo cabelo ajeitando os fios rebeldes.

— Mas devia ter. Você foi excelente meu querido, inclusive reparei que a cor dos seus olhos mudou depois daquilo.


Narciso se olhou no espelho vendo a Íris de seus olhos brilhando em tom de Violeta.

— São da mesma cor dos olhos da minha mãe.

— Eu sei que são, conheci a sua mãe, a mais bela das Ninfas... e a mais tola também. Mas não é sobre sua mãe que quero falar e sim mostrar que o fato dos seus olhos terem retomado a cor vivida diante é porque eu estou cumprindo a minha promessa, se você cumpriu a sua ficará cada vez mais vivo e mais perto do seu amado Nico.


Narciso apanhou a espada que estava desembanhada em cima da cama acolchoada, segurou com cuidado com ambas as mãos.

— Quando eu olho na lâmina da espada ainda vejo as oito que me indicou exterminar, mas aquela que eu feri com a espada não se reflete mais com brilho amarelado do Ouro, ela parece vivida em cores, e às vezes acho que me encara com raiva.


Ele olhou a espada atento e viu a imagem de oito rostos aparecendo um de cada vez porém o de Rosa de Fogo era o único entre eles que aparecia como uma imagem absolutamente nítida tal qual uma fotografia em alta resolução.


— Tem perguntas que não precisam ser feitas já que de qualquer forma não serão respondidas. Mas uma coisa tenho de falar, entre as oito tenha um especial cuidado com aquela que é metade osso e aquela que se veste de vermelho.

— O que tem de especial nelas?

— Já são experientes em batalha, e me dói admitir mas de fato já tem seus nomes marcados na historia.

— Tudo bem, com essas duas eu terei maior cautela.

— Aguarde, em breve te soltarei no mundo dos vivos e assim poderá podar mais uma flor indesejada.

— E Enquanto isso, o que eu faço?

— Não faça nada, corra pelos corredores do meu oalácio e brinque com todos os meus brinquedos e jóias, use o que quiser porém não saia dele de modo algum, o feitiço que te oculta possui validade apenas dentro dessas paredes, se você colocar um dedinho que seja para o lado de fora elas virão te encontrar e não duvide que terão poder de lhe estraçalhar se estiverem todas juntas. Tenha paciência para agir no momento certo.


E Narciso Ficou ali sozinho caminhando pelos corredores largos de um Palácio escuro, esperando até ser requisitado mais uma vez.


E assim foram passando as horas e os dias, Narciso às vezes treinava fazer alguns feitiços e Magias que costumava realizar quando era vivo, tentava voltar a velha forma de grande guerreiro místico, treinava para que na próxima vez que tivesse que enfrentar as Rosas não fosse derrubado e humilhado tantas vezes como fora na luta contra Rosa de Fogo. Ele mesmo ao relatar a morte da Rosa de fogo para Afrodite usou de termos que vangloriavam sua própria imagem, descreveu a luta como tendo um brilhante empenho mas na verdade ele sabia que não, o único motivo de ter conseguido destruir Rosa de fogo foi ter usado de inteligência em um golpe furtivo, se a tivesse encarado em um verdadeiro mano a mano com certeza agora quem estaria morto seria ele.


Afrodite cheia de maldade fez aparecer no grande salão principal do palácio uma pintura colossal, um afresco que tomava toda a parede e que representava o rosto de Nico sorrindo alegremente, aquilo era tortura, era a Deusa sempre querendo lembrar que podia manipular as situações como bem quisesse.

Passaram-se pouco mais de três semanas completamente isolado naquele suntuoso palácio que agora mais parecia horripilante calabouço, então um dia enquanto Narciso se banhava tranquilamente em uma fonte de águas quentes localizada no quarto das águas, enquanto lavava seus cabelos ouviu a voz suave e zombeteira da deusa o avisando:

— Vista suas boas roupas, põe a espada cingida, então parte para matar mais uma.




🌹- II

Segunda-feira, 7 de Maio de 1928


Salaí acordou mais uma vez com as Batidas na porta de sua cabine.

— deixa eu entrar, por favor...— disse a voz de Henrique do lado de fora.


Estavam em um navio faziam dois dias, havia levado três semanas para Henrique se recuperar completamente e agora ele estavam estavam em um navio Transatlântico rumo ao Brasil.

Naquela época não havia transporte aéreo, o único meio de se viajar de um continente a outro era através das grandes naus movidas a vapor, e

Salaí havia manifestada vontade de voltar antes para o Brasil, porém quando Belladonna se ofereceu para apagar de seu próprio bolso uma cabine no grande transatlântico de luxo RMS Magestic ele claramente aceitou mesmo sabendo que ela pagaria por duas cabines, uma para ele e outra para Henrique na intenção da longa viagem os unir novamente, o plano era nítido. Salaí não era criança, ele compreendia os próprios sentimentos por aquele que por muito tempo tinha sido o grande amor da sua vida, mas com muita consciência ele compreendia também que tudo tem o seu tempo e que aquele com certeza não era tempo de reatar o romance.

Henrique bateu mais algumas vezes na porta do quarto, Salaí viu a sombra da cabeça dela tentando ver algo pela janelinha redonda tipo escotilha, mas  como não houve resposta o rapaz acabou indo embora.


Salaí se levantou da cama apenas de cuecas, a cabine era minúscula, não mais que três metros quadrados, ele abriu a porta do armário que era espelhada, apanhou no cabideiro sua calça de brim verde escuro e a camisa de chifom creme, quando fechou a porta viu no reflexo do espelho a figura daquele homem garboso sentado na minúscula cama da qual ele havia acabado de se levantar. Lentamente Salaí virou o rosto encarou Rudá que estava ali passando os dedos de ponta quadrada de sua mão pelos fios longos e seus cabelos lisos como crina de corcel negro, Rudá estava deslumbrante, uma pintura vermelha como faixa na direção dos olhos, como sempre vinha com o dorso nu e usava um saiote de palha trançada colorida feita com tanto esmero que parecia mais uma obra de arte do que uma peça de vestimenta.

— Podemos conversar um pouco?— disse o espírito indígena com sua voz ao mesmo tempo máscula mas suave.

— Não acredito que tenha nada para conversar com você.— Salaí começou a vestir as calças um tanto constrangido por estar apenas de cuecas diante daquele que era conhecido por todos como um caboclo mas que ele sabia que na verdade era um Deus indígena muito antigo e poderoso.

— Mas eu acredito que temos coisas para conversar. Para ser mais direto eu quero falar com você

— Mas e se eu me recusar?

— Se você se recusar a falar comigo vou te perseguir e te incomodar durante o tempo que for necessário até que eu consiga ter a sua atenção, então em vez de passar por tanto aborrecimento porque não falamos agora e encerramos com isso?


Salaí ficou um tempo parado olhando para Rudá com a sobrancelha erguida cheio de desdém, mas depois de um curto tempo de resistência ele acabou sentando ao lado do índio e ali ficou esperando que conversa fosse iniciada.

— Eu acho que te devo um pedido de desculpas.

— Você acha? — Salaí tinha sarcasmo e agressividade na voz.

— Acho. Você é humano, eu não, e isso muda muito as coisas, os pontos de vista.

— Vai usar sua imortalidade como desculpa, Rudá? 

— Vou. 

— Brilhante...

— Escute, durante milênios eu fui um Deus, já nasci sendo Deus e sempre fui Deus. Deuses não precisam lidar com consequências, eu não precisava. Sempre fiz o que eu quis sem nunca cogitar se minhas ações eram boas ou más, coisas como egocentrismo e egoísmo eram desconhecidas para mim  mesmo que eu de fato agisse desse jeito, eram termos desconhecidos pois eu pensava que ser egoísta era simplesmente... normal.

— E onde você quer chegar com essa conversa?

— Eu não sou um Deus, não mais, agora eu tento ser um caboclo como os outros...

— Não faça essa comparação, acha que Sete Flechas ou Tupinambá fariam o que você fez? Que sairiam aos beijos com humanos?! — Salaí ficou em pé irritado.

— Esses que você citou foram homems humanos que se tornaram entidades, eles sempre conheceram os limites. Eu não. Mas... mas foi só um beijo Salaí, eu so dei um beijo e nada mais.

— Você fala como se realmente não tivesse sido nada.

— E não foi, vocês estavam brigados e então tinham terminado, ele não foi infiel a você.

— Talvez com todo seu histórico divino você tenha desenvolvido na verdade algum problema mental, não é possível que não consiga compreender absolutamente nada dos motivos de eu estar tão triste.

— Então explique esse motivo.

— O motivo é que Henrique se tivesse beijado qualquer pessoa nesse planeta Eu não teria ficado tão triste quanto o fato dele ter beijado você. Eu te conheci quando ainda era criança, quando Doralice me levou para morar na casa dela depois daquela situação toda com Sarana, e durante toda minha vida Você e Kainana foram os meus melhores amigos, principalmente você era o meu principal confidente. Antes de eu me declarar para Henrique eu contei a você que eu o amava, antes de qualquer coisa você sabia. Eu realmente acreditava que entre todas as pessoas que eu conheço você seria a última queria trair a minha confiança.


Rudá arregalou os olhos tomado de uma sincera surpresa.

— Então significa que você está triste pelo beijo não porque significa somente uma traição por parte de Henrique, você se sentiu traído por mim também?

— Obviamente. Durante vinte anos você foi a pessoa que eu mais confiei. Por mais que eu sempre tivesse nutrido amor por Henrique, nem mesmo ele recebeu tanta confiança da minha parte quanto você. Nem mesmo Doralice que salvou a minha vida mais de uma vez gozou de tanta confiança da minha parte quando você Ruda. O que me dói mais naquele beijo que eu vi refletido no espelho do tal demônio pato, e eu sei que provavelmente você já sabe dos detalhes da explosão naquele sobrado afinal de contas cigana Sarah já deve ter te contado, o que doeu mesmo foi ter visto você e Henrique rindo correndo e brincando mesmo antes de se beijar, você rindo com ele tendo me consolado poucas horas antes. Eu me lembro bem daquele dia Rudá, Henrique disse que ia tomar banho de rio e me chamou para ir com ele, e eu claramente não fui porque nós estávamos brigados. Fui eu que te contei isso pois você foi até o meu quarto na casa de Doralice e eu desabafei tudo que estava sentindo, e depois de você ouvir tudo sobre os meus sentimentos o que você fez foi sair dali e ir para o Rio e beijar Henrique ao mesmo tempo sabia que eu estava sozinho naquele quarto chorando. Você é um merda Rudá. O fato de você ter sido um Deus e de que agora está tentando ao máximo ser um caboclo não muda o fato de você ser um baita de um merda. 

— Então eu sou o vilão da história?— Rudá perguntou com a voz quebrada.

— O mundo é cruel, ele corta como uma navalha afiada até deixar marcas, tudo se quebra em algum momento, a confiança se quebra, a amizade se parte, a honra se parte, mas nada se parte com tanta violência quanto um coração.


Rudá mantinha aquela expressão de surpresa no rosto, era nítido que tudo o que havia dito era verdade, seu senso de limite era praticamente inexistente e naquele momento quando percebia que havia ultrapassado um limite que na verdade nem sequer sabia que existia, o que aconteceu foi a mente dele entrar em colapso, então invés de prosseguir a conversa ou dizer qualquer coisa ele apenas murmurou " desculpe" e desapareceu na cabine em um piscar de olhos.




🌹- III

A Falange das Rosas contava com a presença de duas entidades ciganas, Rosa dos Ventos e rosa cigana. Por mais que as duas compartilhassem a mesma origem havia muita diferença entre elas, principalmente havia uma certa inveja.

Para explicar essa inveja é necessário contar um pouco sobre o sangue Mudain.


Muito tempo atrás, antes dos homens se erguerem em grandes impérios eles viviam em pequenas aldeias, e em todo o planeta existe apenas um local que possuía um reino de verdade, este foi o reino que existiu antes de todos os outros, um reino que cresceu em uma pequena Ilha na baía de bengala, bem próximo à Índia. Este era o Reino de Mu, e é muito comum que na mitologia e nas lendas humana se relate que Mú foi um continente gigantesco que um dia desapareceu, dizem até que era a própria Atlântida, mas isso não passa de lenda exagerada pois Mu era apenas uma única Ilha que abrigava uma população de menos de trezentas mil pessoas e que ainda assim deixava a ilha superlotada para terem ideia do tamanho mínimo que ela tinha.

O grande problema é que a população de Mu não era humana, eles eram o que hoje é chamado de Mudain.


A humanidade foi criada pelos Deuses, na própria Bíblia se fala de Adão e Eva, mas esse casal não foi o único primordial, cada um dos deuses antigos criou um casal de humanos para povoar a terra, e cada casal foi colocado em um ponto específico do planeta, e isso justifica a humanidade ser uma única espécie mas ter muitas diferenças entre si pois foram criados por Deuses diferentes. Mas o problema é que o povo de Mu Foi um erro, todos descendiam de uma criação defeituosa chamada Namu.

O que acontece é que no momento em que Namu foi criada a intenção era que ela fosse simplesmente mais uma mulher matriz, tal como a Eva dos Hebreus e a Pandora dos gregos, mas quando o Deus Amú, senhor dos sumérios, criou Namu ele errou ao colocar nela sem querer uma raiz divina, então Namu veio à terra e ao contrário do que se esperava não se uniu à nenhum homem de carne e osso pois ela sozinha sem o auxílio de macho algum conseguia se reproduzir. 

Em um ano Namu teve vinte e dois filhos, estes se reproduziram entre si como os seres humanos normais e apos algumas decadas a população dos descendentes era equivalente a mais de mil pessoas sobre a terra. 

O grande problema é que por terem a raiz divina seus filhos tinham poderes que não eram naturais aos seres humanos comuns, eles podiam realizar o que hoje se chama de magia.

É claro que todo ser humano pode usar magia mas os filhos de Namu tinha um talento superior nesse aspectos, isso não agradou os deuses que viam naquelas criaturas um poder que rivalizavam com o deles mesmos, por isso a primeira Decisão foi isolar os filhos de Namu na ilha que levou o nome dela, primeiramente a ilha se chamava Namo e depois apenas ia de ilha de Mu.


Mas o mundo inteiro temia o povo de Mu e por isso os Deuses em consenso decidiram afundar a ilha e assim acabaram por cometer um genocídio que eliminou a grande maioria dos seres descendentes de Namu e que agora ja eram conhecidos como povo Mudain.

A maioria de fato foi exterminado naquele dia, mas muitos Mudain conseguiram escapar indo para Índia e de lá migrando para o mundo todo.

Ao se relacionarem com seres humanos puros o sangue mudain foi sendo diluído, porém alguns grupos ou famílias se mantiveram o máximo possível íntegros nas suas linhagens, e uma dessas famílias se tornou o que hoje se conhece como o povo cigano.


E aí que começa a inveja entre Cigana Rosa e Rosa dos Ventos, isso porque com o passar dos milênios alguns ciganos também foram se miscigenando pelos locais de onde passavam tornando apenas uma pequena parte deles ainda portadores do verdadeiro sangue mudain, sangue esse que alterava natureza da alma do Cigano o tornando especial até após a morte.

Rosa dos ventos era Mudain, Rosa Cigana não.

Por mais que Rosa cigana fosse uma excelente Feiticeira, que pudesse manipular os elementos dentro da magia natural cigana, ela nunca conseguiu ter o dom de vaticínio que Rosa dos Ventos possuía, o vaticínio é um dom Mudain.

É claro que todas as bruxas e feiticeiros conseguem prever o futuro usando de suas cartas, bolas de cristal ou qualquer ferramenta para ativar a clarividência porém as previsões feitas de modo comum tem uma grande margem de erro ao contrário das previsões realizadas pelos Mudain que são infalíveis.

Mesmo que ambas mantivessem convivência por quse duas décadas nunca houve entre ela verdadeira amizade, e Rosa Cigana sabia que as  previsões feitas por Rosa dos Ventos dependiam muito do Estado emocional que ela se encontrava, então tentou convencer a si mesma de que não iria pedir que ela fizessem uma previsão pois é nítido que ainda estava muito abalada pela morte ou desaparecimento de rosa de Fogo, mas isso não era bem verdade, porque na real ela não queria era ter esse rebaixar pois seria uma humilhação ela sendo Cigana ter que pedir a uma outra cigana que fizesse uma adivinhação.

Assim Rosa cigana em um determinado momento contrariando as indicações de Rosa Vermelha se afastou de suas companheiras de falange e decidiu ir visitar uma velha amiga, uma Feiticeira nas redondezas da cidade de Sabará em Minas Gerais, lá morava uma família de sobrenome Carmelo, uma família de Mudain.


Alexandra estava na varanda de seu quarto no segundo andar, em volta era apenas mata fechada então poderia ficar ali com a saia erguidas tomando sol nas pernas, odiava a ideia de ter os braços bronzeados pelo sol e as pernas brancas como Palmitos devido a nunca poder exibir as publicamente. Detestava os pudores da sociedade brasileira da década de 20, se pudesse nunca teria saído de sua aldeia na Bolívia mas os compromissos profissionais de seu pai e marido a forçaram a vir para o Brasil e conviver com as pessoas retrógradas que existiam aqui.

De repente Alexandra ficou em pé deixando a saia cor de pêssego cobrir novamente as pernas segurando balaústre inclinou para frente olhando a serra cheia de árvores, sabia que havia alguém a espreita nas sombras.


Então pouco a pouco o vento foi se formando e na parte do descampado da colina um grande redemoinho se formou, Alexandra apertou os olhos para examinar a distância o que seria aquilo que logo abriu um largo sorriso, viu no meio da coluna de Vento aquela mulher de estatura mediana, pele cor de canela e longos cabelos ondulados tão negros quanto o petróleo, seus lábios adornados com um batom Rosado combinavam com suas vestes ciganas em tecidos em tons de salmão e rosa claro, aquela era sua grande amiga Dolores, a Rosa Cigana.


Todos sabem que os espíritos da noite quando saem pelo dia são rejeitados pela luz do sol que os envolve com grandes redemoinhos de Vento, mas o casarão de Alexandra era tão isolado que Rosa Cigana não viu nenhum problema em caminhar sobre a luz clara da manhã.

Quando chegou na entrada foi abraçada pela sombra da casa, não precisou nem se anunciar pois Alexandra já estava no batente da porta à sua espera. Ali estava mais uma amizade entre uma mulher viva e uma mulher morta.


Alexandra recebeu amiga com grande alegria pois faziam anos que não se viam, assim que Rosa Cigana entrou Alexandra abriu a boca e começou a despejar as novidades, aquela uma era muito faladeira, mas Cigana sorria se dando conta que desde que entrara na casa não tinha aberto a boca para dizer nada pois não tinha tido tempo afinal de contas Alexandra estava relatando tantos acontecimentos que parecia que em algum momento iria desmaiar sem fôlego de tanto falar.

— Onde estão os meninos?— Rosa Cigana falou alto interrompendo amiga.

— Com o pai na cidade, ele está ensinando a Clarita a gerir o negócio, Martin foi junto, mas sabe como é nós mulheres Carmelo vivemos muito e os homens nem tanto, então ele está deixando tudo organizado para clarita tomar conta.

— Não me diga que você está sozinha aqui? Sabe que é perigoso.

— Não tem nenhum perigo aqui meu bem, inclusive você só me encontrou porque já sabia onde eu morava mas a maioria das pessoas que passa por aqui não faz a menor ideia de onde fica minha casa, ainda sou boa com feitiços de ocultação.— disse Alexandra tomada imediatamente por um arrepio nas costas.

— Claro, você que ensinou Rosa Vermelha a ocultar a nossa ilha.

— Sim...

— O que foi?— perguntou Rosa Cigana vendo a mudança repentina na expressão na amiga.

— Não sei, quando eu falei que estava segura aqui de repente senti um arrepio, talvez não esteja tão seguro assim...— disse Alexandra olhando para o lado de fora através da porta que ainda estava aberta.

— É sobre questões de segurança mesmo que quero falar com você, e por favor não se aborreça por eu ter vindo exclusivamente para te pedir um favor sendo que não te faço uma visita há tanto tempo, mas a situação em que eu me encontro no momento é a mais grave de todas.


Alexandra levou Rosa Cigana até o porão onde ficava o seu quartinho de mistérios, um pequeno cômodo ladeado de estantes e com uma mesa de granito posicionada no centro onde Alexandra fazia suas adivinhações.

— você não conseguiu prever que eu estava vindo?— perguntou o Rosa Cigana ao sentar na cadeira diante da mesa.

— Você sabe, nós de sangue antigo se não nos policiarmos acabamos ficando loucas de tantas coisas que ouvimos ao mesmo tempo vindo dos caminhos de vaticínio, por isso na maior parte do tempo eu prefiro me esforçar para me manter surda as questões espirituais, se não fosse isso provavelmente esta altura eu estaria em um manicômio.


Então Rosa cigana colocou Alexandra a par de toda a situação.


— Você realmente acredita que a Rosa de Fogo está de fato morta? No sentido literal de estar agora... Inexistente?

— Eu não sei no que acreditar mas Rosa dos Ventos estava convicta disso.


Alexandra se levantou e apanhou uma garrafa de vidro cheia de água em uma estantezinha ao lado, em uma outra prateleira empoeirada Ela apanhou uma bandeja de prata, colocou a bandeja sobre a mesa e derramou um pouco de água sobre ela até que todo o fundo fosse coberto com pelo menos dois centímetros de líquido transparente. Ela sentou e colocou as duas mãos abertas em cima da mesa enquanto olhava fixamente para água e entoava algum cântico antigo em língua antiga.

Então de um modo claro mas ondulante as imagens se formaram dentro da bandeja e Roda cigana se debruçou sobre a mesa observando com extrema atenção toda a cena que havia sido descrita por Rosa dos Ventos, a luta de Narciso e Rosa de Fogo diante do Casarão Flor a Flora. A visão continuou e ela viu Rosa dos Ventos arrastar Rosa de fogo até dentro de seu quarto e desaparecer através do espelho, viu Narciso revirar a casa à procura de algo que revelasse para onde elas tinham ido, depois o viu desaparecer em um relâmpago, a água ondulou com mais força então imediatamente Rosa Cigana viu seu próprio cabelo, a água mostrava o seu cabelo visto por trás, então a visão se abriu e ela se viu sentada na mesa diante de Alexandra observando a bandeja de prata, a visão mostrava o que realmente estava acontecendo naquele segundo e ambas não entenderam o porquê a água refletia aquele exato momento, mas assim que a voz masculina pigarreou elas entenderam, elas pediram para que a água mostrasse Narciso e Narciso estava ali.


— Quem deu ordem de você entrar na minha casa?!— grito Alexandra ficando em pé encarando aquele rapaz que agora olhava com olhos cor de violeta.

— Desculpe minha senhora, longe de mim invadir propriedade privada, mas a missão que eu devo cumprir não respeita nenhuma restrição de local.— Ele olhou para Rosa cigana com certa pena — entenda meu bem, nada disso é pessoal, estou apenas cumprindo ordens.


E se levantou sobre ela com espada em punho, girou a lâmina no ar com tanta agilidade que o som do metal cortando um espaço vazio fez o coração de Alexandra acelerar, Narciso acreditava que iria degolar Rosa Cigana naquele momento mas a espada bateu firme contra a madeira da mesa, Rosa havia se atirado ao chão, e com grande agilidade ficou em pé e avançou contra dle o empurrando, Tarcísio foi cambaleou para trás sem a espada pois ela ficou cravada na madeira da mesa junto a bandeja de prata, então Rosa cigana saltou para frente e começou a subir as escadas correndo, Narciso olhou para Alexandra e sacudiu a cabeça indicando que não faria mal a ela, e levantou e foi até a mesa retirando a espada com um pouco de dificuldade então correu também para cima atrás de Rosa Cigana.


Quando chegou no andar de cima ouviu um leve ribombar e viu a porta da casa aberta e logo correu para fora antes que sua presa escapasse, mas quando colocou o pé na varanda foi atingido por um grande galho de árvore que o chicotou ou nas costas o fazendo cair minando sangue de um corte que ia do ombro ao quadril. Narciso gemeu de dor,, ergueu um pouco o rosto e viu Rosa Cigana encarapitada em cima de uma grande árvore que se movia pelo terreno como se fosse gente, a árvore havia arrancado as próprias Raízes do chão e agora se movimentava tranquilamente como se fosse uma pessoa, o som de bombar vinha dos Passos a árvore estava Caminhando com duas pernas de tronco e agitando no ar dois braços de galho enquanto Rosa cigana pousava tranquilamente abraçada a um ramo na Copa com o vento agitando os seus cabelos e as folhas, o intenso vento de um redemoinho tentava se formar quando o Sol tocava a figura dela porém a folhagem da copa da árvore impedia que é totalmente assim apenas uma leve brisa se formava agitando as roupas e cabelos da Cigana de um jeito assombroso.


— Eu não vou subestimar você como fez a Rosa de Fogo, eu sei que você é forte Narciso, mas ao contrário dela eu não gosto de brincadeiras, e eu não sou com as minhas outras companheiras que querem capturá-lo para interrogatório, Na verdade eu só quero uma coisa, quero matar você.


— Fer ki shemut Arahá! — gritou Alexandra logo atrás de Narciso.


Ele deu um pulo berrando desesperado tentando arrancar a camisa que vestia pois o tecido estava quente como se fosse o fundo de uma frigideira, Alexandre havia lançado um feitiço de calor.

Quando olhou para trás a viu usando uma espécie de tiara na testa, um Diadema com uma estrela de sete pontas no centro da fronte, imediatamente ele percebeu que aquela era a Matertua daquela Feiticeira, mas ao prestar maior atenção percebeu que conhecia aquele adereço muito bem.

— Esse é o Diadema de Aludra?— ele perguntou ofegante.

— Que bom saber que conhece a joias do meu povo, e você sentirá o peso dela agora mesmo.— disse Alexandra.

— Minhas senhoras, as duas contra apenas um não é justo.

— você invadiu a minha casa e atacou minha amiga na minha presença, não existirá justiça para com você meu querido.— disse Alexandra com uma expressão dura no rosto.

— Que seja, então vem as duas, vamos brincar um pouco.


🌹- IV

As outras seis Rosas estavam juntas em seu casarão na ilha, Rosa Vermelha estava muito desgostoso com o sumiço de Rosa Cigana, então acabou por pedir que Rosa dos Ventos tentasse localizá-la.

Rosa dos Ventos chamou todas as moças no salão de convivência então fechou os olhos mentalizando a energia e Rosa Cigana.

— Dolores... Onde você está Dolores... onde foi que se meteu... ah não!

— O que foi? Onde ela está?— perguntou Rosa caveira.

— Está sendo atacada pelo Narciso neste exato momento, está na casa da Feiticeira Alexandra, nós temos que ir lá imediatamente!





📚 Glossário:

 1. Vaticínio: Dom mediúnico referente a realizar profecias e prever o futuro.

 2. Aludra: uma das estrelas da constelação de Cão Maior. 


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