Boiadeiro Navizala
🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄
Meu avô era um homem do campo,
Toda a vida foi trabalhador da
Agro pecuária no sul da Bahia.
Em 1997 ele veio morar conosco
Em Belo Horizonte pois na capital
Era mais fácil o acesso ao tratamento
De saúde que precisava fazer.
Meu avô era viúvo e
Já tinha quase oitenta anos mas como
Um bom peão que sempre foi
ele gostava de ser independente.
Aqui em casa éramos todos da
Umbanda e meu avô nunca teve
Nada contra mas nunca tinha ido,
Toda a vida foi católico.
Um dia ele estava muito cabisbaixo
Sentadinho em uma cadeira no quintal,
Era nítido que não estava a vontade
Estando de hospede em nossa casa,
Tudo que ele queria era voltar
Para seu sítio lá em Canavieiras,
Estava preocupado se seus vizinhos
estavam cuidando bem de seu cavalo
E sua única vaca leiteira,
Mas ele só poderia voltar quando
terminasse o tratamento para a tiróide.
Nesse dia eu o chamei para ir comigo
Ao terreiro, e ele prontamente aceitou,
Mais para ter álgum lugar para ir
Do que por interesse na umbanda.
Mas quando chegamos lá ele ficou
Muito animado, na verdade
Ficou maravilhado com o que viu,
Aquele dia era gira de Boiadeiro.
E eu fiquei muito surpreso
Pois muitas cantigas ele sabia cantar
e muitos passos de dança ele sabia,
E eu estranhei pois sabia que
ele nunca antes tinha ido a macumba.
E o mais engraçado foi que
Um dos mediuns incorporados
Tratou meu avô de forma diferente.
Todos os boiadeiros em terra
Chamavam o povo de "filho"
Era meu filho pra cá, Minha filha pra lá,
Mas quando um caboclo
Chegou perto do meu avô
eu ouvi nitidamente a entidade
dizer "Como tem passado, Borba?"
O nome do meu avô era Agnaldo
Mas o apelido dele lá em Canavieiras
Era Borba.
No fim da gira meu avô estava
Extremamente emocinado
E quando a mãe de Santo perguntou
se ele tinha gostado
ele sorriu e disse:
— Sim, eu não sabia que era possível ver meus companheiros de novo. Eu conhecia eles sabe? Principalmente Navizala, eu trabalhei com ele puxando boiada quando era menino.
E então todos riram.
Não riram com meu avô, na verdade
riram da cara do meu avô
O tirando como um velho doido.
Vi o sorriso do meu velho murchar
E empolgação sumir dando
lugar a constrangimento.
No fim quando entramos
no carro para ir embora
eu perguntei se ele estava bem,
Ele me olhou com os olhos cheios de lágrimas.
— Ô Claudia eu juro que eu falei a verdade... Quando eu era moleque puxava boiada pela Bahia toda. Eu conheci Navizala, homem mestiço de índio com negro, homem bom e honesto. Cantei hoje as zuelas que se cantava na vaquejada, e ele lembrou de mim quando me viu. Porque o povo riu da minha cara?
Eu não soube muito bem o que dizer
Pois eu mesma não acreditei muito nele.
Mas depois daquilo ele sempre
Pedia para ir nas giras de boiadeiro,
Só já nao falava com ninguém do terreiro,
Ele ficava só de conversa com as
Entidades, principalmente com Navizala
Do qual parecia ser mesmo muito amigo.
Depois de um ano ele melhorou
e voltou para o sitio
Onde morava sozinho.
Então em uma gira seu Navizala
Veio falar comigo e me disse que
Se eu quisesse ver meu avô uma
Última vez que devia ir até a casa dele
Pois em pouco tempo ele ira falecer.
Navizala me disse para avisar meu avô
que quando chegasse a hora ele
Tinha de tocar o berrante
que eles, os boiadeiros, viriam busca-lo.
Não entendi muito bem mas
No dia seguinte eu e minha mãe
fomos para Canavieirias ver como
Ele estava e quando chegamos lá
meu avô estava de cama, doente.
Cuidamos dele por dois dias e
No fim eu contei a ele o que Navizala
Havia dito.
Contei achando que tocar o berrante
Era algo que iria trazer a melhora
para saude do meu velho.
Meu avo estava muito fraco
mas pediu ajuda ir buscar o berrante.
Fui buscar na sala
pois ficava pendurado na parede
Como um enfeite, um berrante
Enorme preto e branco
Que meu avô tinha ganhado
Do avô dele que era também da roça.
Levei para ele no quarto
E meu avô tentou tocar o berrante
Mas não conseguia pois não
Tinha forças.
Tentou e tentou até que desistiu.
Naquela noite ele me contou
As histórias de boiada,
E eu ouvi com toda atenção
Mas ainda sem acreditar muito,
Parecia mais invenção do que
História real.
Contou que Navizala era um homem
De beleza sem igual pois tinha
a pele escura por ter o pai negro,
O cabelo cumprido e liso por ter
A mãe sendo uma india tupinambá,
E tinha um par de olhos verdes que
Devia ter vindo de alguma mistura
de gente branca na familia do pai.
Ele contou que Navizala era muito
bom no trabalho mas só tinha um
Defeito, era mulherengo.
Sendo bonito como era
Vivia tendo de fugir das aldeias
Quando os maridos descobriam
Que ele estava de caso com as
Moças casadas de cada lugar.
Meu avô ria contando histórias
de como ele, Navizala, Zé Vaqueiro
e Zé dos Anjos fugiram de Bocaiúva
Sob uma saraivada de balas
Pois Navizala tinha sido pego
aos beijos com a dona da fazenda
que estavam trabalhando,
Contou de quando foram
cercados por índios na mata
E um tal de Zé do laço levou
uma flechada no traseiro que o
Fez ter medo de índio o resto da vida,
Contou tantos causo que eu
Comecei a acreditar nele.
De madrugada acordei com
Meu avô gritando meu nome,
Corri até o quarto dele
E ele desesperado olhou pra mim
E pediu para levar ele lá para fora
Que a boiada estava passando.
Era quatro e pouco da manhã
e eu tentei acalmar ele dizendo
Que não tinha boiada nenhuma.
Mas então eu mesma ouvi o som
Do trote de milhares de pisadas,
Aquilo era som casco batendo
Contra a terra.
Aquela era uma região rural
Então passar uma boiada de vez
Em quando era normal,
Mas meu coração tremeu dentro
Do peito como se aquilo
Fosse coisa do outro mundo.
Acordei minha mãe
e ela me ajudou a levar meu avô
para fora, chegamos até a porteira do sítio,
Um frio que fazia o vento doer na pele.
A boiada veio vindo pela estrada
Eram mesmo centenas de bois e vacas
Sendo guiados por alguns vaqueiros
Montados a cavalo.
Meu avô pegou o berrante
e tentou soprar, não conseguiu.
Tentou muitas vezes e enquanto
Isso a boiada ia passando.
Depois de muitas tentativas
A boiada passou e ele não conseguiu.
Ficamos vendo os bois indo embora
Ao longe era possível ver aquela massa
Branca formada por todo o gado
Indo pela estrada.
Meu avo perdeu as forças
e caiu ajoelhado, nós o seguramos
Mas ele chorava muito,
Dizia que tinham deixado ele pra trás.
Então minha mãe pegou o berrante,
Ficou em pé, murmurou
"que Deus me ajude"
E soprou o berrante.
O som foi tão alto que eu
Tive de cobrir as orelhas.
Minha mãe nunca tinha
tocado um berrante antes
mas soou como se ela fosse
Uma vaqueira experiente.
Meu avô caiu para trás,
Seu rosto marcado em um sorriso largo.
Mas ele ja estava sem vida.
Meu velho morreu na idade de 79 anos.
Então ouvi minha mãe gritando
"Pai! Pai!"
Mas ela não estava olhando
para o corpo do meu avô ali caído,
Ela correu e se agarrou na porteira
gritando e já chorando.
Fui ate ela e olhei para onde
Ela estava olhando.
Do outro lado da estrada
bem na nossa frente estava
um menino adolescente vestido
com roupa de peão e chapéu de
Couro na cabeça.
O menino jovem de olhos grandes
Sorria para nós, e as feições dele
Lembravam a do meu avô.
Então veio vindo pela estrada um
Homem a cavalo, de pele escura e
Cabelo cumprido.
O homem olhou para nós e tocou
A aba do chapéu em cumprimento
E vimos o brilho de seu belo par
De olhos verdes.
O menino subiu no cavalo dele
Segurou o homem pela cintura
E então saíram a galope pela estrada.
Ficamos nos duas olhando aquilo
Completamente abobadas.
O cavalo deles lá ao longe se misturou
A aquela boiada e sumiu.
Chamamos um vizinho que ajudou
a levar o corpo de meu avô para dentro,
E lá minha mãe correu para o quarto
Que era da minha bisavó já falecida.
Ela voltou trazendo um quadro,
Uma pintura que estava lá na parede.
Naquele pintura estava o retrato
de um menino, idêntico aquele
que tínhamos acabado de ver
Na estrada.
Na base do retrato estava escrito
"Borba".
Hoje quem mora naquele sítio
é minha mãe e meu padrasto,
E quando vou lá as vezes
acordo de madrugada para ver
A boiada passar
Ansiosa para que talvez
Possa ver o menino borba
Na garupa do cavalo de Navizala novamente.
Um conselho que dou é que
Não duvide se alguém um dia
contar uma história.
Se eu tivesse acredito em meu avô
Quantas coisas eu teria aprendido?
Quantos segredos dos boiadeiros
Eu teria para contar?
Mas de toda fico feliz
Pois hoje lá em uma das sete cidades
da Jurema está o velho Borba
Trabalhando novamente
com seu amigo Navizala.
🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄
Memórias de Terreiro, Arte e texto por Felipe Caprini
🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄
Espero que tenham gostado!
Não copie o texto ou reposte a arte sem dar os créditos! Seja Honesto!
🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄🐃🐂🐄
Quer saber sobre os mistérios da vida?
Ouvi descobrir quem são suas entidades?
Venha jogar Tarô comigo!
O jogo custa 35,00 e dá direito a 5 perguntas em até uma hora.
Me chame no whatsapp
11944833724
Ou simplesmente clique no link:
https://wa.me/message/3AXPJWLXRT4QM1
Comentários
Postar um comentário