Flor a Flora - Capítulo 3
Felipe Caprini
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FLOR A FLORA
—Segundo conto da Série Urdidura das Feiticeiras
Capítulo 3
"A Torre"
🌹- I
Belladonna examinou Henrique com afinco, encontrou no bolso da calça dele uma triqueta de Jade e imediatamente escondeu no próprio decote, continuou o exame e pós uma avaliação minuciosa ela aliviada olhou para Salaí sorrindo:
— Você fez um excelente trabalho, o corpo dele está completamente são, tem um hematoma aqui outro acolá, umas fissuras nos musculos das coxas, mas de um modo geral em no máximo duas semanas ele vai estar pronto para outra.
Salaí se aproximou do rapaz acamado e se inclinou observando com atenção as pálpebras de Henrique que se movimentavam, os olhos pareciam estar se movendo com agilidade.
— O que está acontecendo com os olhos dele?
— Ele está... — Belladonna o tocou na fronte — próximo de recobrar a consciência, então acredito que dentro da mente deve estar revivendo os acontecimentos da noite passada, está sonhando. Você que é Niromante devia saber disso.
— Sim eu sei disso, mas quando se trata de Henrique eu nunca consigo usar a razão para tratar das coisas, sempre caio nas preocupações da emoção.
🌹- II
Tudo estava um pouco nublado, parecia uma visão enevoada, e isso era porque era um sonho.
Henrique não fazia a menor ideia de que estava sonhando, dentro de sua mente reproduzia passo a passo o que tinha vivido algumas horas antes.
Estava sentado na poltrona de chintz amarelo na sala de música do Casarão de Magnólia, havia chegado havia apenas uma hora e estava juntando forças para ir até o hotel de Belladonna fazer uma surpresa a irmã.
— Tenho uma conhecida que trabalha no hotel Donna Charlotte, ela me disse que sua irmã esta causando perturbação por lá, que anda dando em cima de homens casados e até chega a andar pelos corredores de camisola. — disse Magnólia em nítida reprovação.
— Ela é assim mesmo, deixe ela tia Mag, sabe que Bella é uma feminista.
— Eu também sou feminista, fiz parte das passeatas pelo voto feminino, ser feminista não é beber champanhe o dia todo, ir dormir as cinco da manhã e acordar as três da tarde de porre e abraçada a um homem casado.
Henrique gargalhou sabendo que a descrição de Magnólia não era nem um pouco exagerada.
Foi então que o telefone tocou e Magnólia correu apressada para atender, conversou em italiano por longos minutos com a pessoa do outro lado da linha, depois colocou o telefone no gancho e olhou para Henrique com os olhos apertados.
— Sei que você está acabado, mas um cliente quer que eu vá fazer uma limpeza espiritual em uma casa, parece que tem algum fantasma lá impedindo a demolição do lugar, não fica muito longe daqui, acontece que eu não estou me sentindo muito bem hoje, acho que comi alguma coisa estragada... você quer ir no meu lugar? Se você quiser o dinheiro é todo seu e vão ser novecentas mil liras.
— Caramba tia Mag! Novecentas mil para fazer uma limpeza? — Henrique se animou.
— Calma bebê, novecentas mil liras é mais ou menos equivalente a vinte mirréis apenas.
— Poxa ainda assim vale a pena, eu só vou tomar um banho e vou lá.
— Certo, mas quando chegar não se esqueça de que aqui na Itália primeiro você recebe e depois se faz a macumba.— Magnólia aconselhou.
Henrique trocou de roupa, vestiu uma camisa verde escura com calça azul marinho e risca de giz, apanhou sua maleta com alguns apetrechos então tomou um táxi rumo ao local combinado.
Chegando lá rapidamente foi informado pelo dono do imóvel o que estava acontecendo, este era um senhor gorducho e calvo com um farto bigode ruivo que enfiava os polegares roliços embaixo das alças do suspensório demonstrando nervosismo, não ousou nem sequer cruzar o portão do terreno, pagou Henrique na calçada mesmo colocando nas mãos do rapaz o envelope com o valor e a chave da casa, depois virou as costas e foi embora correndo de forma estranha.
Henrique já estava acostumado com esse tipo de reação, por mais que o próprio ser humano tivesse sua origem em questões sobrenaturais ainda assim a humanidade comum temia tudo o que era do espírito, então Henrique enfiou o pagamento em sua maleta e usando a chave que o homem havia lhe dado abriu o portão e atravessou um jardim depredado, seco e sujo até entrar no sobrado.
Era sim um belíssimo sobrado da época da Renascença, mas que devido a ter sido erguido em um terreno de esquina deveria valer muito, ainda mais naquele bairro efervescente, o casarão estava completamente abandonado como se ninguém morasse ali há pelo menos vinte anos, e pelo tanto de ferramentas de construção civil, areia e pedras amontoadas pelo jardim era claro que a intenção a primórdio era restaurar aquela casa, mas devido a tantas dificuldades o dono agora queria apenas demolir o imóvel e vender o terreno.
Henrique chegou a porta de entrada e virou a chave, assim que entrou viu a sala principal da casa totalmente vazia e empoeirada e empoeirada, estava tudo muito escuro e a casa já não possuía os lampiões a gás tradicionais na época, então Henrique colocou sua maleta no chão e abriu retirando dali uma peça que havia ganhado de Doralice, algo que havia pertencido a sua própria mãe Sarana mas que Doralice havia guardado, e o que apanhou dentro da maleta foi uma mão esquelética meio apodrecida, a mão de um homem enforcado, a mão de um Ladrão, esse era um feitiço muito popular mas ao mesmo tempo muito difícil de se fazer chamado de "mão da Glória".
O portador de uma mão da Glória tinha habilidade de ver no escuro absoluto, quando segurava a mão decepada as suas vistas se iluminavam como se a noite houvesse se tornando dia.
Henrique agarrou aquele membro grotesco pelo pulso e o estendeu a frente do rosto enquanto murmurava uma ladainha para ativar os poderes daquela coisa macabra, assim imediatamente os seus olhos se iluminaram e ele passou a enxergar toda a casa como se houvesse uma luz interna a clareando.
Ele se baixou novamente e puxou dentro da maleta uma bússola enferrujada, esse tinha sido um presente ganhado do pai de sua irmã, o falecido de Jorn que havia sido também um grande Feiticeiro. Henrique então foi levando a mão da Glória diante do rosto suspensa pela mão direita enquanto caminhava pelo Corredor da casa olhando para bússola que estava em sua mão esquerda. A Bússola apontava para o norte como todas apontam, ele caminhava atento, o assoalho rangia sob o peso dos passos.
Em um determinado momento enquanto passava diante da porta de um quarto vazio o ponteiro da bússola girou desnorteado.
— Tem vento aqui? — ele cochichou para a bússola que vibrou em sua mão em resposta — vamos lá, apareça! — ele ergueu a voz — Nós dois sabemos muito bem de toda a situação, eu sei que você sabe porque estou aqui e o que eu posso fazer, eu sei também que você só está aqui porque existe algum interesse da sua parte dentro deste local. Não me tome como um padre exorcista, não estou aqui para mandá-lo embora a troco de nada, espírito se você me dizer o que te prende esta casa eu posso ajudá-lo e você em contra partida me ajuda se retirando após obter o que quer.
Henrique ficou olhando para os lados para ver se havia alguma manifestação espiritual.
Quak!
Tomou um susto tão grande que chegou a dar um pulo para trás e bater as costas na parede quando viu o Pato de penas brancas vindo em sua direção caminhando pelo corredor com as patas desengonçadas. Sorriu para quilo, sabia que existia um lago bem próximo dali então era bem possível que patos e gansos frequentassem as casas abandonadas da região para fazer ninhos. Continuou então caminhando pelo corredor, olhava atento para todos os lados, mais um pouco e chegou a uma escadaria que dava acesso ao pavimento superior, no entanto quando pisou no primeiro degrau Henrique parou e a sua mente te trouxe uma informação quase esquecida, um dos Espíritos mais comuns da Itália era Ipos, o demônio ganso.
Ele imediatamente virou as costas e voltou correndo até aquele quarto vazio onde a bússola havia se comportado de maneira estranha, entrou e olhou para ela novamente mas agora o ponteiro não girou e o pato não estava visível em lugar algum.
Ele então lentamente voltou a escada e subiu o degrau por degrau até o segundo andar, a escadaria dava em uma sala de convivência com algumas estantes onde ainda continham livros roidos por traças, cadeiras quebradas tombadas e uma caixa de velas ainda com as embalagens lacradas colocada no no canto do aposento, Henrique continuou caminhando, a mão da Glória em riste e atenção sempre se voltando para ver se o ponteiro da bússola emitia algum sinal, começou a se achar muito tolo por ter imaginado que um simples pato podia ser o grande demônio Ipos, os feiticeiros às vezes ficam tão imersos em magia que passam a ver o sobrenatural até onde não tem.
Caminhou pelo corredor que se abria após a sala de convivência, na segunda porta a bússola girou novamente totalmente desnorteada, Henrique então passou pelo batente da porta e quando entrou no quarto por um desencargo de consciência recitou a reza ao demônio Ipos:
— Ave da água, ave do ar, que sabe de todas as coisas do passado, presente e futuro, diz a mim Ipos, diz a mim se poderá me dar as respostas que eu desejo saber...
Imediatamente sentiu uma arrepio tomando conta da pele das costas, e lentamente girou o corpo e viu ali no corredor diante dele aquele pequeno pato o encarando do chão.
Henrique se abaixou e com certa reverência comprimentou o pato:
— Senhor Ipos...
— Estúpido...— o pato respondeu pronunciando a palavra como se fosse uma criança com língua presa.
— O quê? — Henrique fez uma careta de espanto.
— Eu não sou Ipos seu imbecil, você acha mesmo que um demônio da corte imperial estaria assombrando uma casa abandonada? Deixe de ser imbecil seu brasileiro imbecil.
Henrique ficou parado um segundo pensando no que faria em seguida pois esperava tudo menos que um pato de quarenta centímetros de altura ficasse ali o chamando de nomes feios.
— Se você não é ipos, Quem é então?
— Olha pra mim, não vê que sou um pato?
— Patos não falam.
— Mulas também não, no entanto cá estou eu falando com uma.
— Deixe de ser abusado! — Henrique já começava a se aborrecer.
— Mula manca brasileira, se o que queria perguntar era meu nome, eu sou o pequeno Ipoyiós, filho de Ipos. E quando eu digo filho você sabe que não foi ele que me pariu ou chocou meu ovo, eu só trabalho para ele.
— E... o que você está fazendo aqui nesta casa?
— Porra nenhuma seu imbecil.
— Pare de me chamar de imbecil!
— De baixo daquela escada que você usou para subir para cá, no oco do terceiro degrau de baixo para cima está escondido um tesouro de Ipos, isso porque a antiga moradora do local era uma adoradora dele. Infelizmente a velha imbecil teve um enfarte, morreu e não contou para ninguém que o diabo do negócio estava ali, e eu não consigo colocar minhas patas nele pois está Encantado. Por isso fico aqui simplesmente afastando as pessoas.
— Você que afugentou o dono da casa?
— Aquele gordo imbecil? Dono da casa uma porra, é só casado com a herdeira. Ele queria que os pedreiros batessem marretas nos degraus da escada para quebrar as tábuas e substituir por outras mas se ele fizesse isso iria estilhaçar aquilo que eu protejo, então assustei os homens para que fosse embora, e agora o Maldito gordo está querendo botar explosivos aqui dentro para detonar a casa inteira, quer demolir e eu não posso deixar pois se a casa for pelos ares o tesouro também vai.
— Se eu de forma cuidadosa abrir aquele degrau e pegar o tesouro para você, isso...
— Se fizer isso por mim meu querido, amado e belo efeminado imbecil brasileiro, eu agarro o tesouro e vou embora pois acredite que não gosto nada e ter que ficar nesta casa suja esperando o dia de poder cumprir minha missão.
— Eu não sou efeminado!
— Ficou nervosa? Isso ai se apertar mia heim... quak!
Henrique ficou em pé, bufou de raiva e com passos lentos foi caminhando para a escada, a desceu totalmente e então se abaixou e tocou com os dedos o terceiro degrau, com a mão nua conseguiu sentir uma lebre vibração de magia. De repente o pato estava ali em pé sobre o quinto degrau da escada.
— Você não sentiu nada quando pisou em cima dele quando estava subindo?
— Eu acabei de chegar de viagem estou muito cansado, acho que por isso não prestei atenção na vibração.
— Bruxo, você sabe qual é o segredo do morcego?
— Não, qual?
— Meu pau no seu rego. — disse o pato tem nenhuma emoção na voz.
— Mais uma gracinha dessa e eu mesmo quebro o tal tesouro de Ipos, e se você é um serviçal dele aposto que voltar de mãos vazias vai deixar seu patrão bem zangado.
O pato se sacudiu ao ouvir àquilo e fez silêncio. Henrique bufou já ficando irritado pelo xingamentos, a passos largos correu até a entrada da casa onde estava sua maleta e apanhou lá dentro um athame, o que é uma pequena Adaga usada em magia, mas naquele momento ele não precisava de um feitiço, precisava apenas de algo forte para conseguir arrancar o tampo de madeira do degrau. Enfiou o athame por baixo da fenda da madeira e como uma alavanca fez força e conseguiu quê o piso de assoalho que revestia o degrau fosse removido totalmente, e ali no nicho sob o degrau estava uma pequena caixa de madeira e um embrulho de pano ao lado.
— Pronto, está aí o seu tesouro. — Henrique abriu o embrulho de pano e apanhou na mão uma peça de pedra verde — Uau, uma triqueta de jade! São muito raras!
— Porcaria, pode ficar com esse lixo seu imbecil, o que é tesouro é aquilo que está dentro da caixa.
— Certo, pode pegar então.
— Tem que abrir a caixa seu imbecil, você achou que minha dificuldade era remover um pedaço de madeira da escada? Brasileiro imbecil, o que eu não consigo fazer é abrir a caixa sozinho pois está enfeitiçada.
Todo Feiticeiro sabe que quando alguém te diz que determinado objeto está enfeitiçado você não deve tocá-lo, mas Henrique o tocou. Assim que seu dedo indicador levemente encostou na caixa de madeira ele foi tomado por uma onda de choque no corpo inteiro e caiu deitado em espasmos similares a um ataque epilético.
— Mas porque é que você foi enfiando a mão assim no negócio? Seu brasileiro imbecil, agora vai morrer aí todo torto... imbecil.— disse o pato um tanto quanto revoltado.
No auge de seu sofrimento Henrique soltou a mão da Glória que rolou para o lado então ele se viu em um corredor tão escuro que não conseguia enxergar coisa alguma, tentou gritar mas acabou mordendo a língua, os espasmos eram tão fortes que sua cabeça batia contra o chão e o corpo saltava alguns centímetros em cada ataque.
Guiado pelo desespero ele usou a força de seu pensamento para chamar a única pessoa a qual ele sabia que podia salvá-lo naquela situação e que poderia ouvi-lo mesmo à distância, a dor era intensa mas a mente dele se focou no nome dela.
Poucos segundos depois ele ouviu um som de explosão, algo como se um grande saco cheio de pó houvesse sido estourado e assim ele soube que ela estava lá.
— quem é você loirona? Aqui não é lugar para mulheres mortas... Não vai me dizer que também é uma imbecil brasileira?— o pato falou zombando.
Ali caminhando pelo corredor estava uma mulher de longos cabelos loiros encaracolados que brilhavam como se fossem feitos de fios de ouro, usava roupas ciganas com muitas moedas douradas penduradas em seu cinto, a saia era de tecido diafano em tons de azul e verde, trazia tantas pulseiras nos braços que Quando andava produzia som de tilintar suave, seus olhos adornados com kajal pareciam profundos e mais bonito eram suas íris de cor azul intenso que lembravam muito pedras Safiras, ela veio andando lentamente com seus pequenos pés descalços adornados por desenhos de henna indiana, então quando se aproximou de Henrique apenas inclinou e o tocou na testa, o feitiço se quebrou e ele parou de convulsionar.
— Sarah... M-muito obrigado...— ele disse ofegante.
Cigana Sara era um espírito, fazia parte de uma categoria que em território brasileiro era nomeada de Pombagira, porém esses espíritos na Europa tinham outro nome.
— Você é uma Moura Encantada?— perguntou o pato um tanto quanto assombrado.
— Eu sou, e você é um filho de Ipos não é?
— Você é uma brasileira, mas não é imbecil.— disse o pato com muita sinceridade nas palavras.
— Muito obrigada. Agora vamos resolver essa situação pois eu não gosto de sair da minha terra e a Europa com certeza não é meu lar.
Cigana simplesmente tocando a caixa de madeira com a unha no dedo mindinho removeu todo o feitiço que estava nela, então abriu a caixa e retirou dela um pequeno frasco contendo um líquido púrpura e entregou para o pato que prontamente abocanhou com seu bico e engoliu aquilo.
— você é mesmo uma Moura Encantada, somente Mouras Encantadas são almas de mortas mas conseguem mexer nas coisas como se fossem vivas...— disse o pato com voz embargada devido ao frasco estar em sua garganta.
— Na minha terra me chamam de Pombagira, mas eu sei que muito tempo atrás por essa região principalmente lá pelas bandas de Portugal tinham espíritos como eu e minhas amigas, esses que você se refere como Mouras Encantadas, aquelas que levavam pedras de um lado para o outro formando o santuários não é?
— você não é nada imbecil, Meus parabéns.
Cigana sorriu para o pato, virou as costas e foi-se afastando lentamente sem nem sequer olhar para Henrique que ainda estava com dificuldades de se levantar do chão.
— Você acredita em destino Dona pomba gira?— disse o pato com voz animada.
— Acredito.
— Eu sou filho de Ipos, o grande demônio que pode prever o futuro, elucidar o presente e revelar o passado. Eu sou muito novo Dona Pombagira, nem trezentos anos tenho ainda, mas eu já sei fazer algumas coisas e a senhora me ajudou de graça, então a senhora me diga o que quer saber e eu vou lhe contar. Vejo nos seus olhos e na sua aura que algo lhe perturba tremendamente, e vejo na sua cintura essa bolsinha onde carrega as suas cartas onde a Senhora mesma pode prever o futuro se quiser, onde pode descobrir o passado se quiser, mas vejo que a coisa que a senhora precisa saber a magoa tanto que não teve coragem de usar as suas próprias cartas para ter a resposta. Pergunte Dona Pombagira, e eu irei responder aquilo que for a verdade pois foi o destino que me colocou no seu caminho.
Sara ficou parada no meio do Corredor ainda de costas sem olhar nem para o pato nem para Henrique que agora já estava sentado e parecia muito apreensivo.
— Filho de Ipos... eu gostaria de saber se esse rapaz que está aí sentado a seus pés me faltou com respeito em algum momento.
O pato deu um salto no ar e quando voltou a tocar os pés no chão já não era um pato, tinha a forma de um menino de aproximadamente doze ou treze anos, continuava com as cores características da ave que fora segundos antes, a pele extremamente branca como as penas eram e seus lábios eram alaranjados como a cor do bico do pato. Ele trazia em sua mão um pequeno espelho oval o qual colocou acima da cabeça Segurando como ambas as mãos em uma posição fixa, o espelho brilhou iluminando todo o corredor com uma luz azulada, Sara então se virou e caminhou novamente para próximo da escada e parou bem diante do espelho, pela posição que o menino agora segurava o objeto ficava bem diante do rosto da Cigana.
Refletido naquele vidro o que ela viu foi dois homens correndo dentro de uma floresta, gargalhavam, brincavam correndo semi-nus e molhados pois acabavam de tomar banho de rio, um destes homens tinha a pele clara e erq feito de carne e osso, o outro homem não era feito de carne pois não era humano e sim um espírito, era um belo rapaz indígena de corpo esbelto e cabelos muito cumpridos e lisos que caíram até abaixo de sua cintura.
Sarah a observou os dois correndo um atrás do outro em uma brincadeira que dê certo modo parecia infantil e boba, mas em um determinado momento o índio segurou o rapaz pela cintura e o pressionou contra o tronco de uma árvore, o rapaz branco apoiou as mãos no ombro do Índio e os dois se beijaram com tanta intensidade que parecia queriam se engolir mutuamente.
— Meu Deus...— disse a voz de um outro homem nitidamente ofegante.
— Sarah olhou para trás e viu na ponta extrema do Corredor Salaí ali em pé vendo a mesma cena que ela, ele tinha as faces avermelhadas como se tivesse corrido muito para chegar até lá.
Henrique estava imóvel no chão olhando fixamente para os próprios sapatos sem ter coragem de dizer coisa alguma.
— Eu já desconfiava há muito tempo...— disse Sarah abaixando a cabeça e olhando para Henrique enojada.
— Eu... Desculpa... Eu...
— Você o que? — a dureza na voz a tornava ameaçadora.
— Eu sei que você gosta muito dele e... — Henrique falou baixinho tentando se desculpar.
— O pato estava certo, você é um brasileiro imbecil.— disse Sarah com muita tristeza na voz— está achando que eu estou triste ou enciumada por causa de Rudá? Está achando que eu vou me comportar como uma namoradinha traída? Você não percebe menino? Eu gosto de Rudá mas tudo que eu tive com ele foi um romance sem compromisso, nunca nutri nem esperança e nem mesmo desejo de firmar qualquer tipo de relacionamento sério com ele. O único relacionamento sério que eu tinha era com você.
Henrique ergueu os olhos assombrado, a olhou e tentou dizer algo pois sua boca abriu e fechou várias vezes mas no fim fez silêncio, olhou para Salaí parado imóvel do outro lado do Corredor ainda mirando as imagens que se repetiam no espelho do garoto filho do demônio ali exibindo tudo para quem quisesse ver. Cigana suspirou e continuou:
— Desde que você era um bebê... eu o conheci quando ainda era uma criança de colo sendo cuidado pela minha grande amiga Doralice, e partiu dela a vontade de que você tivesse uma guardiã, e eu me voluntariei para ser a sua. Se arrependimento matasse eu morreria uma segunda vez no dia de hoje. Você acha que eu não percebia? Todas as vezes que você mentiu para mim? Todas as vezes que fez tramoias e mentiras, e por fim nos últimos tempos em todas as vezes que você me fazia de trouxa para tentar me afastar de Rudá para que ele pudesse te encontrar nos momentos que estavam a sós? Quando Rudá estava comigo você se incomodava, então fazia joguetes me implorando que lhe fizesse alguns favores que me fariam perder muito tempo e esse tempo você usaria para ficar aos beijos com o homem que você sabia que fazia parte da minha vida. Talvez você houvesse pensado que caso eu descobrisse iria ficar brava com Rudá, mas ele não me deve nada assim como eu não devo nada a ele, já você seu garoto tolo me deve absolutamente tudo pois desde o momento em que a porca da sua mãe foi enviada para o inferno junto com a pombagira Menina, quem zelou pela sua vida fui eu, quem trabalhou o dia e noite incansávelmente para te manter seguro e feliz fui eu, e você me apunhalou pelas costas. Foda-se o Rudá, não é sobre ele se é que ainda não percebeu, é sobre nós dois, porque nos últimos vinte anos eu o amei como se você fosse meu próprio filho, e você zombou de mim como se eu não fosse nada. — Sarah terminou sua fala com voz embargada de pranto, deu as costas e continuou caminhando rumo a saída onde estava Salaí, então quando chegou na entrada virou o rosto na direção da escada — Filho de hipo, fuja.
O garoto que segurava o espelho deu mais um salto no ar imediatamente desapareceu como se jamais houvesse estado ali.
— Você vai ficar aí parado rapaz?— disse cigana olhando para Salaí com os olhos marejados de lágrimas.
— Você não vai fazer isso... Não faça isso...— Salaí pediu com a voz baixa.
— Não vai me dizer que sonhou comigo fazendo exatamente o que eu estou com vontade de fazer agora?
— Infelizmente eu sonhei e por isso eu vim tão rápido.— disse que Salaí assustado.
Cigana sorriu e uma lágrima correu pela sua bochecha.
— Que coração bonito você tem. Sabe, um dia eu tive um coração bonito também.
— Sarah... por favor... vamos conversar?— Henrique choramingou.
— Ouvi dizer que o dono deste móvel estava com dificuldades para realizar a demolição. — Sarah falou com falso ânimo.
— Por favor, não...— Salaí pediu mais uma vez.
Cigana se virou e deu mais dois passos ficando bem próximo da porta de saída, então com uma agilidade nunca antes vista passou a sua mão direta próxima a cintura bem perto de onde ficava presa a sua bolsinha de contas coloridas onde guardava seu tarot, então a carta da Torre apareceu em sua mão, ela girou nos calcanhares e arremessou a carta como uma lâmina na direção de Henrique, ele só teve tempo de cobrir o rosto o protegendo com os braços, Salaí deitou no chão, então o poder da carta da Torre que é a décima sexta carta dos arcanos maiores se revelou, ainda no ar ela se tornou vermelha como se o papel da carta houvesse tornado uma fita de brasa, então explodiu com tanta força que as paredes do corredor foram empurrados para os lados entrando para dentro dos quartos, o teto do corredor foi empurrado para cima com tanta força que subiu batendo no teto o seguinte do segundo pavimento e depois despencando em pedaços de entulho que choveram sobre Henrique, um pedaço grande de parede caiu sobre o rapaz e ele gritou de dor, Salaí rapidamente erguer a suas mãos e fazendo um símbolo mudra para tentar parar o tempo conseguiu fazer com que a cena congelasse apenas por menos de 10 segundos mas foi o suficiente para que pudesse correr até Henrique, retirar de cima dele o pedaço de parede que eu pressionava no abdômen, agarrá-lo por baixo dos braços e correr com ele até a sala de entrada, mas quando estavam na sala feitiço mudra parou de funcionar e o tempo voltou a correr e o casarão veio abaixo com eles ainda dentro.
Cigana Sara caminhava pela rua, ia com seus passos vacilantes pois não conseguia prestar atenção no caminhar já que sua cabeça estava a mil.
Olhou para trás vendo a nuvem de poeira que vinha da casa que ela poucos havia mandado pelos ares, suspirou cheia de tristeza então desapareceu dali.
Henrique abriu os olhos, estava suando e sentia diversas pontadas similares a agulhadas dentro da barriga, assim que conseguiu focar a sua visão viu sentada em sua cama sua irmã Belladonna, ela levou uma mão até a testa suada do irmão medindo a temperatura no top.
— Calma, já passou, você está na casa da Magnólia, agora vai ficar tudo bem.
🌹- III
— Como assim ela explodiu?!— gritou Rosa vermelha com os olhos arregalados.
Todas as sete moças remanescentes da falange das Rosas estavam na casa de Dama da Noite, formavam um círculo em volta de Rosa dos Ventos que já havia contado a história mais de quatro vezes, e Rosa Vermelha sempre voltava ao ponto de fazer as mesmas perguntas.
— Ela já explicou Rosana, agora pare de pressionar a pobrezinha, temos que pensar na situação com calma.— disse Rosa caveira que respirava lentamente tentando se acalmar.
— Mas como é que você acha que eu vou ficar calma? Eu estava... estava trabalhando em uma coisa que uma médium minha e pediu, então de repente Tetemburu aparece e diz que eu tenho que vir para cá urgente porque Rosa de fogo se explodiu! E eu achei que era uma brincadeira daquele menino, mas quando eu chego aqui descubro que ela se explodiu de verdade e que pelo visto está morta mesmo que todas nós tivéssemos a certeza que só se morre uma vez, mas agora Rosa de fogo que estava já falecida como todas nós estamos morreu uma segunda vez e pelo jeito foi para sempre! E você espera que eu fique calma!
Rosa Kalunga segurava uma pétala de rosa de cor alaranjada nas mãos, ia passando entre os dedos tentando sentir a energia.
— Rosário, tem como usar a sua radiestesia?
Rosa caveira, a qual tinha o nome original de Rosário, assentiu levemente.
— Não gosto de fazer isso mas se tem uma situação que merece ser uma exceção é essa. Me dê essa pétala de Rosa por favor.
Rosa kalunga entregou a pétala e rosa caveira apanhou com a ponta dos dedos e colocou dentro da boca, depois disso desamarrou O espartilho em silêncio revelando seu busto nu na frente de todas, Mas em vez de admirarem a beleza do corpo dela logo todas ficaram um tanto quanto assustadas quando Rosa caveira enfiou a mão para dentro do próprio corpo e com som de estalos removeu através de um buraco na pele abaixo dos seios duas costelas e as trouxe segurando na palma da mão. Passou a costela menor para mão esquerda e a maior para mão direita, bateu a ponta das duas três vezes e fechou os olhos, então com a pétala de rosa embaixo da língua pronunciou o nome:
— Monique da Rosa de Fogo.
Então ficou esperando para que os seus ossos indicassem o caminho, mas após um minuto de espera Rosa caveira percebeu que não era possível encontrar a energia de Rosa de Fogo com aquela técnica pois a energia que ela estava buscando parecia não existir mais.
Desconfiada ela resolveu fazer um teste, pronunciou o nome de Rosa Vermelha e mediatamente seus ossos deram uma guinada e os seus braços se moveram apontando na direção de rosa vermelha presente ali na sala, ela fez a mesma coisa falando o nome de Dama da Noite e depois de Rosa Menina, e seus olhos se moveram na direção de cada nome pronunciado, por fim mais uma vez ela fechou os olhos e tentou encontrar a energia de rosa de Fogo mas os ossos que segurava não se moveram, nem um sinal foi captado.
— Com essa questão, com as minhas costelas eu consigo encontrar qualquer pessoa neste mundo ou no outro, mas Rosa de fogo eu não consigo encontrar. Nunca aconteceu isso antes, é como se...
— Como se ela não existisse, Não é?— disse Rosa Negra.
— Exatamente.— Rosa Caveira confirmou.
— E o que vamos fazer agora?— perguntou Rosa Cigana.
Rosa vermelha ergueu o punho Cerrado e com a voz embargada cheia de ódio falou:
— Nós vamos encontrar este tal Narciso e vamos dar a ele um destino muito pior do que este que ele deu a nossa irmã. Não guarde os ossos ainda Rosa Caveira, pense no nome de Narciso, nos diga onde ele se esconde!
—
📚 Glossário:
1. Triqueta: Triquætra, símbolo tríplice usado na magia simbolizar o infinito.
2. Mirréis: Mil Réis, moeda brasileira corrente entre os anos de 1549 até 1942.
3. Ipos: um dos demonios cultuados da Goecia, acredita-se que tem dons proféticos e de revelar acontecimentos passados.
4. Kajal: também chamado de Kohl, é um pigmento negro produzido com carvão ou estibina era usado para delinear os olhos na Ásia e na arábia antiga. Atualmente foi substituído pelos tradicionais lápis de olho.
5. Moura Encantada: Moiras, Mouras encantadas ou "Mouriscas" são espíritos, seres fantásticos com poderes sobrenaturais dos folclores Português e Galego. As lendas descrevem as Mouras encantadas como jovens donzelas de grande beleza e "perigosamente sedutoras". Acredita-se que o culto de Pombagiras brasileiro têm sua origem nas Mouras Encantadas portuguesas.
6. Radiestesia: técnica milenar desenvolvida pelos antigos egípcios para se encontrar Campos energéticos, pode ser utilizada com vários instrumentos inclusive com Forquilhas ou pêndulos.
Oque falar sobre esse capítulo??
ResponderExcluirFalar que fiquei nervosa p saber oque
E era anágua da caixa,do pat
O boca suja,do medo q tive da cigana e da tristeza que senti
Quando ela se decepcionou com seu protegido.
Do Pânico que me deu ao imaginar os ossos das costelas me mexendo.
E demais pra mim.
Simplesmente Fantástico.
😍👏👏
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