Flor a Flora - Capítulo 1

Flor a Flora é o segundo conto da Série Urdidura das Feiticeiras, assim é continuação direta do conto anterior Roda das Princesas.

É imprescindível que o leitor tenha acompanhado Roda das Princesas para compreender o segmento dos acontecimentos.

Como os capítulos de uma telenovela a leitura de Flor a Flora segue em cenas, em cada instante da leitura acompanhamos um momento diferente da história e por isso é necessário ter atenção ao ler.


FLOR A FLORA 






Segundo conto da Série Urdidura das Feiticeiras 


Capítulo 1
"Narciso"






Tudo que existe na terra existe no céu, inclusive o Preconceito.

O preconceito gera violencia.

Violencia sempre trará a destruição.


A Roda das Princesas desencadeou uma enorme guerra, uma batalha que trouxe as "Pombagiras" muita fama. Porém algumas divindades não gostaram disto, pois Pombagiras são espíritos humanos desencarnados e na opinião de alguns Deuses elas não deviam ser mais famosas que eles próprios por serem consideradas entidades e não divindades.

Humanos são vistos pelos deuses como criaturas feitas para servi-los, nisto

a idéia de um espírito humano ser cultuado para eles é algo inconcebível.


Vinte e um anos após a fatídica de traição de Ellen, a Menina do Cabaré, que tentou forçar a arealização da Roda das Princesas muita coisa mudou. 


Rosa Vermelha e Rosa Caveira se uniram a mais seis moças e as oito formaram a "Falange das Rosas".


Rosa Vermelha, Rosana a bruta.

Rosa Caveira, Rosário, a cruel.

Rosa dos ventos, Simone, a vidente.

Rosa Negra, Miranda, a maleficente.

Rosa Cigana, Dolores, a ilusionista.

Rosa Menina, Perla, a amável.

Rosa Kalunga, Tauane, a carrasca.

Rosa de Fogo, Monique, a orgulhosa.


A falange das Rosas alcançou muito prestigio tanto no mundo dos vivos

quanto na terra dos divinos por terem realizado muitos feitos notórios, porém o aumento da fama causou um imenso malestar entre os Deuses.

Uma Deusa resolveu intervir.

Afrodite é uma das Deusas do amor, ela

não gostava que seu simbolo mór fosse usado por simples espíritos de mulheres mortas. O símbolo de Afrodite era justamente a flor rosa.



🌹- I 

13 de Abril de 1928, Vinte e um anos após Roda das Princesas.


O carro Ford Model-A amarelo gema estava parado diante do restaurante Checchino, o mais tradicional de Roma. 

O taxista esparramado displicente no banco do motorista, já era tarde, passava das dez e para o desalento do jovem nenhum cliente do restaurante se interessou por uma corrida. 

Ele no entanto estava distraído, lia com muita atenção a matéria principal do "Corriere Della Sera", o principal jornal em circulação no país, é ali em matéria de folha dupla se lia a manchete "Vossa Alteza Real Dom Vitor Emanuel III sobrevive a atentado terrorista em Milão".


TOC! TOC! TOC!


O taxista amassou o jornal assustado ao ouvir as batidas no vidro, se aprumou no banco e olhou para a janela, ali estavam dois rapazes, ambos jovens de cabelos pretos curtos, um praticamente segurando o outro pois o mais debilitado estava imundo cheio de pó nas vestes, mostrava grandes ferimentos na face e sangue escorrendo pelo canto da boca.

O taxista se inclinou sobre o banco do carona e girou a manivela abaixando o vidro.



— Per favore signore, devo raggiungere un indirizzo velocemente, il mio amico è ferito. Puoi portarmi? Ci puoi portare? pagato in anticipo. — Disse o rapaz que segurava o outro com dificuldade.


O taxista saiu do carro e foi até eles para abrir a porta. Percebendo o forte sotaque perguntou:

— Siete stranieri? Turisti?

— Siamo brasiliani.

— Brasileiros? Que otimo, eu falo português. 

— Ai graças a Deus! Por favor eu preciso mesmo de ajuda!

— Calma, vamos por seu amigo no banco de trás e levo vocês onde quiserem.



Eles ajeitaram o ferido no banco traseiro e depois embarcaram, o motorista deu partida no carro e seguiu pela rua.

— Mas qual endereço devo ir?

— Droga... não lembro o nome da rua... mas é um convento desativado em Garbatella.

— Acho que sei onde é, casarão de três pavimentos, tudo em cor de abóbora.

— Isso! 

— Ah me perdoe, me chamo Uriel, serei seu chofer esta noite.

— Obrigado, eu... me chamo Salaí e meu amigo aqui é Henrique. 

— Salaí? Como o menino da história do Da Vinci?

— Sim, é meu apelido, meu nome mesmo é Maximiliano, mas me chamam só de Salaí.

— Se meteram em briga de rua? Roma é perigosa a noite, os nacionalistas estão cada vez mais preconceituosos com... — Uriel olhou pelo espelho retrovisor Salaí ajeitando Henrique no banco com gestos excessivamente carinhosos — Com estrangeiros.

— Não foi briga de rua, foi só um acidente.


Em cerca de vinte minutos o carro parou em frente ao casarão.

— Deu setenta e cinco liras, Senhor.


Salaí enfiou as mãos nos bolsos e entregou ao taxista duzentas liras italianas.

— Pode ficar com o troco, mas... mas o Senhor por favor pode me ajudar a descer meu amigo? Ele apagou de vez e eu acho que não aguento ele sozinho.

— Claro, com prazer.


Ambos agarraram Henrique e juntos o levaram ate a porta do casarão, uma porta de folha dupla que abriu assim que se aproximaram antes que fosse necessário tocar a campainha. Ali diante deles estava a dona do imóvel, Madame Magnólia.

— Che diavolo! —  gritou ela assutada ao ver Henrique sendo carregado — ele está morto? Meu Deus, Doralice vai me matar se o menino estiver morto!

— Só está desacordado, madame. — Disse o taxista.


Henrique foi deitado em um sofá na sala, então o taxista rapidamente se despediu e saiu apressado.

Magnólia era uma mulher de meia idade, ja na casa dos cinquenta anos, italiana mas que tinha parentes no Brasil e que por isso falava português fluentemente, e foi em nome de sua prima Doralice Salvaterra que ela aceitou hospedar Henrique, que também era seu primo de segundo grau e o "amigo" dele, Salaí.


— ele foi atropelado por uma jamanta ou o quê? Está em frangalhos do coitado... — Magnólia tocou a testa de Henrique sentindo que o corpo estava esfriando.

— na verdade uma parede de tijolos caiu em cima dele, não quebrou nenhum osso graças a Deus mas por dentro está dilacerado.

— Eu... eu vou fazer um chá de papoula. — disse ela apressada indo para a cozinha.

— Eu preciso de conhaque. —  disse Salaí sentando no chão ao lado do sofá.


Magnólia parou e olhou para trás com os olhos apertados.

— Foi o que eu penso que foi?

— Ah tia Mag... a Cigana, isso aqui é tudo  culpa da Cigana Sarah.




🌹- II

Quem pode exterminar uma flor senão outra?


A terra dos Deuses é muito próxima da terra dos homens, é separada fisicamente por centenas de anos luz, porém é também separada apenas por uma fina membrana invisível, e ao mesmo tempo que é próxima de nós é inalcançável por aqueles que são de carne e osso.

Porém a dificuldade é unilateral, os humanos não Podem subir mas os divinos conseguem descer com extrema facilidade.


Ela caminhava com passos leves, as pessoas a volta não tinham a capacidade de enxergar a divindade, não existia nos vivos a capacidade de ver os deuses, ainda bem que não existia pois imagine o pânico das pessoas se avistassem aquela mulher loira de mais de quinze metros de altura trajada com uma túnica branca caminhando pelas ruas de Didim, cidade litorânea da Turquia. 



O Templo de Apolo agora não passava de ruínas, três ou quatro colunas ainda em pé e uma porção de pedregulhos por toda a volta. Afrodite olhou aquilo desgostosa de pensar que dois mil anos atrás aquele local era um assombroso Palácio de mármore carrara, e agora já não era mais nada.

Ela caminhou a Passos largos até a lateral do templo, se abaixou e com sua mão do tamanho de um carro revolveu a terra removendo com cuidado uma ossada humana.


Quando o homem abriu os olhos se viu deitado em uma mesa de pedra ainda sujo de terra, estava nu e com com o corpo inteiro rígido. Olhando para o teto viu que era de vidro, um tipo de cristal que reflete as cores do Sol, mas prestando atenção no sol percebeu que era de um tamanho muito maior do que o natural, era um sol esbranquiçado em que emitia um halo de arco-íris a sua volta.


— Olimpo... — ele murmurou para si mesmo.


— Ah que bom que já acordou! depois de tanto tempo apagado Achei que ia acordar imediatamente, mas depois que eu refiz a sua carne Você ainda ficou duas horas dormindo, seu preguiçoso...


Ele virou a cabeça lentamente para o lado e viu uma belíssima mulher, a deusa que agora exibia a estatura normal de um ser humano, ela usava de um borrifador para umedecer as folhas de uma roseira plantada em um grande vaso de cerâmica.


— Minha senhora, a senhora é mesmo quem estou pensando que é?


— Todos reconhecem Afrodite quando a veem, é claro que você ia me reconhecer querido. Seja bem-vindo à minha casa, Narciso.



🌹- III

Magnólia voltou com duas chicaras de chá nas mãos, colocou uma sobre a mesinha de centro enquanto olhava Salaí trabalhar no corpo de Henrique.

— Sabe mesmo o que esta fazendo? — ela observava temerosa.


Henrique estava com a camisa aberta deitado sobre o sofá ainda desacordado, Salaí ajoelhado no chão diante dele movia as mãos sobre o corpo do moribundo fazendo gestos com os dedos similares a linguagem de sinais.

— Sei.

— E o que ele tem?

— Hemorragias internas, eu mas nenhum órgão esmagado, graças aos Deuses... não se preocupe tia Mag, eu sei trabalhar com mudras muito bem.


Magnólia sentou na poltrona ao lado do sofá atenta aos gestos das mãos de Salaí.

— Símbolos Mudras com gestos de mão... Você sabe muita coisa rapaz, estou admirada. Na sua idade eu ainda achava que nossa gente voava em vassouras, era uma tola que acreditava que ser Bruxa era usar varinha de condão e falar "abracadabra".


Salaí sorriu sem desviar o olhar do abdômen de Henrique.

— Teve bons pais então, entre nós somente os bons pais preservam a inocência dos filhos.

— Disso não posso reclamar, mamãe era uma santa. Mas me conte, como aprendeu tanto?

— A ocasião faz o ladrão. Eu tive contato com a magia profunda desde cedo.

— Sim, Doralice me falou, você é o menino sobrevivente da famosa Roda das Princesas... mais de vinte anos se passaram mas essa história ecoa até hoje aqui na Europa. 

— Eu imagino.

— Sinto muito pelo ocorrido com a outra moça, Doralice contou que foram salvos aquele dia você e a garotinha. Uma pena ela ter se...

— Não quero falar disso. — Salaí mudou o tom da voz para algo mais sério.

— Ah sim... desculpe. — Magnólia bebericou a caneca de chá.


Salai juntou as mãos em um simbolo clássico budista e as encostou no umbigo de Henrique.

— Dhyana Mudra.  — sussurrou.


Henrique estremeceu e lentamente abriu os olhos.

— Salaí... onde... como? — falou com voz fraca.

— A casa desabou Henri, a Cigana explodiu a casa com você dentro. 

— Sarah... eu... eu preciso falar com ela, pedir perdão... — Henrique tentou se levantar mas assim que dobrou um pouco o corpo caiu desfalecido novamente.

— Merda, rompeu um vaso no intestino... vou ter de fazer mais mudras. — disse Salaí irritado.


— O que aconteceu? Me conte a história toda. — Magnólia pediu.

— Ah tia Mag, é uma história muito longa.

— Temos até o sol raiar. — Magnólia insistiu.


Salaí acariciou o rosto de Henrique, então voltou a fazer os mudras sobre o abdômen dele.

— Henrique traiu a confiança de uma Pombagira, no caso a Pombagira dele.

— O que ele fez para Sarah ficar tão furiosa? Eu fazia uma idéia muito diferente dela, não achei que era raivosa.

— Ela não é. Foi Henrique que ultrapassou todos os limites.

— Ué, você disse que a culpa era dela, mas então foi culpa dele?

— Como todas as situações envolvendo magia, todos os envolvidos são culpados.


🌹- IV

Narciso levou a mão ao peito, tocou a pele satisfeito de continuar sedosa como sempre, porém um detalhe chamou a atenção, o peito de Narciso estava parado, internamente não havia coração que batia.

— minha senhora... eu estou vivo ou morto? Me mexo e tenho novamente meu corpo de carne mas no coração não bate e eu me sinto um pouco estranho.



Afrodite sorriu e de modo zombeteiro simbolizou um coração com as mãos Unidas:

— um coração que bate? É disso que sente falta Narciso? Você acha mesmo que eu lhe daria tudo a troco de nada? Te daria um corpo e de repente até colocaria dentro da caixa do peito um coração batendo? Que caridade não é? Ressuscitar alguém que está morto há mais de dois mil anos assim de graça...

— Mas não foi de graça, não é?

— E quando foi que nós Olimpianos fizemos caridade meu querido?— a deusa gargalhou e sua voz era similar ao tilintar de sinos em um riso místico.

— Se eu estou aqui novamente, se estou vivo e consciente através da sua magia minha senhora, qual foi o motivo que levou a fazer isso por mim?

— Ora Narciso, o que rege o mundo é sempre comércio não é? As pessoas precisam fazer favores uma das outras, Isto é a base da civilização. Eu te ressuscitei e assim te dei uma nova chance de existir e de viver mais uma longa vida sobre a terra, mas para que você realmente obtenha isso vai ter que trabalhar para mim um bocadinho.

— Mas e se eu recusar te ajudar e preferir voltar ao repouso dos mortos? Em nenhum momento eu disse que queria voltar à vida minha senhora.

— Eu por acaso eu sou tola de fazer meus planos sem nenhuma garantia? Venha aqui meu querido,  saia logo dessa mesa, não se preocupe com roupas pode vir nu mesmo, só estamos nós dois aqui, aliás devo me corrigir pois na verdade estamos nós três aqui, mas o o meu segundo convidado se encontra impossibilitado de perceber qualquer coisa.



Narciso em um salto pulou da mesa de pedra e caminhou com passos vacilantes até a deusa, fazia mais de dois mil anos que não andava por isso tinha esquecido um pouco de como era a sensação de ter os pés no chão. Afrodite muito faceira foi caminhando rebolosa e Narciso a seguia a passos estremecidos, então chegaram diante de uma grande figueira com frutos purpureos pendurados nos galhos, o tronco da árvore era muito mais grosso do que o natural para aquela espécie e nele havia uma fenda grande na madeira.

— Vai lá meu amor, dê uma olhadinha dentro daquela rachadura e você vai ver que tem um amiguinho meu lá dentro esperando que um príncipe encantado venha e o salve...— a deusa rodopiou dramaticamente como quem de fato conta uma história infantil.


Narciso caminhou até rachadura e quando observou a parte interna e o tronco da árvore em um piscar de segundos começou a berrar e a esmurrar a madeira tentando abrir espaço para remover a pessoa que se encontrava lá dentro.

— Não adianta bater na árvore meu bem, foi Apolo quem fez essa árvore ser desta forma, apenas outro Deus poderia desfazer o feitiço e tirar este pobre coitado aí de dentro.


Narciso começou a chorar, as lágrimas escorriam pela sua bochecha e ele tremia, ali pela rachadura observava um homem adormecido com uma Adaga cravada no peito.

— Tire ele daí!— Narciso berrou o mais alto que podia para deusa— eu tenho de dar um enterro digno a ele!


— Como assim um enterro Digno meu bem? Eu disse que o meu segundo convidado não estava em condições de perceber coisa alguma, porém em nenhum momento eu disse que o jovem Nicandro estava morto.

— tire ele daí por favor, deixe ele em paz!


— Ah meu querido Narciso, eu sou a deusa do amor não se esqueça, amor e paz são duas coisas que não caminham juntas, o amor é sempre uma turbulência.— novamente ela riu com sua voz de tilintar de sinos— mas eu realmente eu sou encantada por essa história, sabia que até hoje as pessoas não conhecem ela? Durante esses dois milênios que se passaram o seu nome ficou famoso entre os filósofos, cunharam até um termo baseado no seu nome meu querido, dizem narcisismo, um termo usado para pessoas que amam somente a si mesmas, pessoas egoístas sabe?


— Por que dizem isso de mim?— Narciso tinha a voz trêmula e a testa encostada no tronco da árvore Como se quisesse atravessá-la.

— Sabe como é Apolo, ele é um pouco... ressentido com situações de rejeição. Quando ele te conheceu achou que seria um amor eterno, afinal de contas você sendo filho de uma ninfa, um homem com tanta beleza só poderia se apaixonar pelo próprio Deus da beleza, mas você apenas teve um namoro com o meu querido irmão Apolo, e depois o abandonou para ficar com essa coisinha meiga que está presa aí dentro do tronco da árvore, você largou o Deus Apolo para namorar com um caçador da Etiópia, Nicandro, ou como você carinhosamente o chamava" Nico". Então Apolo fez todo aquele plano de iludir Nico, o enfeitiçou e colocou no coração do pobre jovem que você Narciso não o amava, então Apolo o guiou até a entrada daquela caverna onde você estava escondido...

— Eu estava tentando ajudar Eco que estava presa lá.


— Eu sei meu querido, mas Apolo fez Nico ver você beijando eco, e não precisa me explicar que você nunca w beijou porque eu sei todos os deuses sabem, mas a magia ilusória de Apolo fez Nico visualizar aquela cena falsa, nos olhos de Nico surgiu a imagem de você beijando apaixonadamente a Ninfa Eco. Nico tirou o punhal que trazia no cinturão, pensou e avançar contra vocês para matá-los! Aí eu realmente adoro crimes passionais...— a deusa rio mais uma vez rodopiando na ponta dos pés — Mas no fim ele o amava tanto que decidiu não machucá-lo de forma alguma, o que fez foi cravar o punhal no próprio peito numa tentativa alucinada de tirar a própria vida. Mas como você já deve imaginar Nico era extremamente belo e também extremamente burro, sair enfiando facas no peito não é garantia de morte, para Morrer precisa atingir o coração e o que ele atingiu foi uma musculatura, uma coisa boba que não causa a morte a ninguém, mas o sangramento deixou tonto e Apolo soprou um vento o fazendo caminhar para trás até que Nico caiu dentro daquela poça de água. — havia zombaria na voz da Deusa — E como uma simples poça de água poderia afogar alguém? Apolo transformou uma pequena porção de água em algo profundo como um poço, então você ouviu o som de algo caindo na água  do lado de fora da caverna e saiu para ver se havia perigo, e quando olhou para aquela poça de água você viu Nico afundando ali e correu para tentar tirá-lo daquela situação, mas a água estava enfeitiçada e você foi puxado para dentro dela e também morreu afogado.

— Porque está me contando essa história se eu já conheço? Eu era o personagem principal então não precisa me dizer o óbvio.

— Não não não — ela ergueu o dedo indicador e o balançou do lado para o outro indicando para Narciso não fizesse aquilo — você não pode falar comigo assim, eu irei relevar esta sua grosseria porque eu sei que você está sofrendo por amor. A realidade é que Apolo inventou uma mitologia de que você Narciso era um homem apaixonado apenas por si mesmo e que você morreu afogado naquela poça de água porque ficava mirando o seu próprio reflexo na água, e queria tanto beijar a si mesmo que um dia se lançou dentro da água e não conseguiu sair.

— E as pessoas acreditaram nessa estupidez? — Narciso mostrava incredulidade.

— Claro, quanto mais estúpida a história mais bem aceita ela é.

— E o que você quer de mim para libertar Nico desta árvore?

— Não me chame de "você", não é porque você está todo revoltadinho que pode perder a disciplina.

— perdão, o que é vossa Majestade Sereníssima deseja que eu faça em troca de libertar Nico do tronco desta árvore?— Narciso falou azedo.

— Preciso que você seja meu jardineiro...

— Jardineiro? Como assim?

— eu preciso que você extermine algumas rosas para mim.


🌹- V

— como você conseguiu chegar aqui tão rápido? Veio com um portal mágico ou coisa assim?— Magnólia perguntou curiosa.

— Não tia Mag, eu vim de navio, 15 dias dentro do Maldito barco até chegar aqui.


— Mas como você soube que Henrique iria passar por um apuro desses? Ele te mandou uma carta?

— Uma carta vinda da Europa demora até dois meses para chegar ao Brasil. Não foi carta, na verdade eu fui abençoado com o dom da Niromancia.

— Niromante? Nossa, é um dom muito raro, dom da revelação através dos sonhos. Você sonhou com ele?

— Sonhei com toda a situação. Quando eu entrei naquele barco fiquei muito contrariado se realmente devia vir ou não, Mas independente do que aconteça entre eu e Henrique eu pelo menos tinha a responsabilidade de tentar salvar a vida dele.


— Isso tem a ver com aquele índio não é? Eu vi ele aqui dentro de casa algumas vezes enquanto Henrique estava dormindo.


— Desde a época da roda das princesas cigana Sarah e Rudá desenvolveram uma espécie de relacionamento romântico, Rudá a senhora sabe tia Mag que é o mesmo Caboclo da Lua, mas ele não é um caboclo de verdade, na realidade ele usa esse nome para ser bem aceito atualmente porém Rudá é uma divindade.

— Deus indígena? 

— Sim. — Salaí sentou sobre as panturrilhas demonstrando cansaço.

— Achei que esses deuses brasileiros estavam todos mortos. 

— Alguns ainda existem.

— Ah meu Deus, não me diga que esse Rudá cai no velho vício dos deuses antigos?


Salaí suspirou aborrecido:

— Infelizmente ele não é diferente dos outros da mesma categoria. Sendo uma divindade Rudá consegue criar para si uma forma física...

— Você está querendo dizer que Henrique esse Rudá tiveram algo íntimo?

— Fuderam como cães no cio.

— Que horror! — Magnólia levou a mão a boca.

— E pior de tudo é que a Cigana descobriu.



🌹- VI

Narciso segurava nas mãos uma espada de aproximadamente oitenta centímetros feita em ouro maciço, o cabo era adornado com pequenas rosas douradas e na lâmina havia uma inscrição em uma língua desconhecida por Narciso e que parecia um pouco árabe.

— Ayaba ti o ni ade ti o pa oju rẹ mọ... O que isso significa? Que lingua é essa?

— Não é necessário saber. — Afrodite deu de ombros.

— Quer dizer que eu tenho que viajar até o outro lado do mundo dos vivos para exterminar um grupo de espíritos? Mas porque eu é que tenho que fazer isso?

— Para não levantar suspeitas.— disse Afrodite sorridente.

— Como assim não levantar suspeitas?

— Ora rapaz, você realmente acha que vou te dar todas as explicações? Simplesmente vá lá e faça o que tem que fazer e vai receber a sua recompensa, colocarei seu coração de volta no seu peito e libertarei seu precioso único para que você e ele vivam o seu romance de uma vez por todas. Não é pagamento suficiente? Saiba que existem muitos outros semideuses que eu posso reviver para cumprir o meu intento, se não estiver bom para você é só falar que encerramos por aqui e você volta para o buraco sujo de onde eu tirei seus ossos.

— Onde é esse lugar? Onde esses espíritos estão?

— No Brasil.

— Brasil? Isso é o quê? Alguma Ilha do mar Egeu, ? não me lembro de nenhum lugar com esse nome.

— Volto a dizer que você morreu há mais de dois mil anos e o Brasil foi descoberto há pouco mais de 400 anos meu amor, aliás descoberto não pois local já era habitado mas alguns simpáticos europeus foram lá e fizeram o de sempre quando se encontra uma região fragilizada.

— Genocídio? Como... como em Tróia?

— exatamente, mas em uma escala muito maior, fizeram um genocídio e fundaram na região um novo país, existe o Brasil agora e você vai para lá e resolverá toda a parada.

— Mas como eu vou me deslocar em uma terra que não sei onde fica E nem sei como é?

— Essa espada que você tem nas mãos se chama Eudora, foi um presente que ganhei de... uma amiga. A espada é forjada com ouro retirado do solo do Brasil, coloquei um feitiço nela, a espada vai servir de bússola e te levar exatamente onde deve ir. Ainda sabe fazer magia, não sabe?

— Ainda sei.

— Ótimo.— Afrodite apontou para uma pilha de tecidos posicionados em cima uma mesinha de pedra rosada bem ao lado de Narciso— Vista aquelas roupas e pode ir, vá o quanto antes pois não quero ficar perdendo muito tempo com esse assunto.


Narciso olhou atentamente para espada, no passado quando era vivo ele teve em sua posse muitas armas produzidas pelo Deus Ferreiro Hefesto, mas a forma daquela espada que mais parecia uma cimitarra levantou desconfiança.


— Quem fez essa arma? De onde veio exatamente?

— Do Brasil, acabei de falar.— Afrodite reviroiuos olhos impacientemente.

— Mas essa arma não foi forjada por Hefesto.


Afrodite se aproximou dele com passos rápidos em segundos o nariz dela estava a centímetros no de Narciso com a voz grave ela falou enquanto encarava nos olhos:

— Cale a sua boca e faça o que eu estou mandando.


Narciso anuiu movimentando a cabeça para cima e para baixo lentamente, apanhou os tecidos e vestiu-se com a camisa de seda cor de areia e a calça do mesmo tecido porém branca com fitinhas em lilás enfeitando a costura da lateral, calçou o par de sandálias de couro Amarelo, enfiou a espada na bainha e olhou para deusa com certo receio.


— E agora o que eu faço?

— Pergunte a espada Qual é seu alvo e ela lhe mostrará.

—  as até o momento a senhora não explicou como eu irei exterminar espíritos, pelo que eu saiba eles podem ser aprisionados mas não destruídos, apenas uma matéria pode morrer mas Espíritos não.

— essa espada foi forjada com este propósito, Eudora é uma lâmina incomum. Empunhe a espada com coragem e ataque os alvos, os espíritos irão perecer na lâmina dela. Não duvide da magia antiga Narciso, a magia antiga não conhece Barreiras.


Narciso olhou com atenção para a lâmina da espada e imediatamente a imagem de diversas mulheres de beleza incomum apareceram refletidas nela, e a que mais chamou a atenção foi aquela posicionada no centro da imagem refletida, uma que era corpulenta e ajeitava com cuidado uma rosa vermelha que enfeitava seus longos cabelos  negros.


📚 Glossário:

 1. Mudras: no hinduísmo são gestos feitos com as mãos durante as danças sagradas, cada movimentação com os dedos ou com os pulsos servem para simbolizar algo e assim durante a dança contar uma história, porém no budismo os mudras recebem a conotação de serem gestos manuais que podem liberar energias e por isto o mudra budista é chamado de um dos três segredos do universo.

 2. Niromancia: arte mediúnica de obter revelações ou fazer previsões através dos sonhos.

 3. Salaí: significa "diabinho", apelido original do mais famoso assistente de Leonardo da Vinci.

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