Meu Pai Oxossi
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"Odé komórodé... Odé komórodé...Odé Arerê, Odé komórodé ni maó, Odé komórodé... Oni ê..."
Eu fiquei grávida com dezessete anos.
Isso na década de oitenta,
Então vocês podem imaginar
como foi difícil.
O meu namorado na época
Quando soube da gravidez
Me abandonou,
Então contei apenas com
A ajuda do meu pai.
Sim, quando eu fiquei grávida
Muitos acharam que meu pai
Iria me expulsar de casa
Ou que pelo menos ia me dar
Uma surra,
Mas não, ele ficou muito bravo
Quando soube mas depois
Passou a me apoiar muito.
Me lembro como se fosse hoje
Ele me levando diante de uma
Grande estátua de São Sebastião
que tínhamos em casa
e rezando comigo para que Oxossi
Abençoasse meu bebê.
Meu pai era do Axé,
Se nome era Antonio
Mas no terreiro lhe chamavam
De Odélaió,
O Oxossi dele era lindo,
Dançava sempre muito rapido
E elegante, era maravilhoso de se ver.
Éramos só nós dois no mundo,
Eu, ele e minha mãe
Viemos da Bahia para são Paulo
Quando eu ainda era criança de colo,
Mas assim que chegamos
Minha mãe ficou doente e em
Poucos meses faleceu.
Eu mal me lembro dela,
Por mais que a respeite muito,
Mas para mim meu Pai era tudo.
Se desdobrou como podia para
Me criar sozinho,
E sempre que namorava com
Outras mulheres deixava claro
Que namorada passa, filho é pra sempre,
E assim sempre fui a prioridade.
Uma das maiores lembranças que tenho
é ele cantando enquanto me dava banho,
Na época ele me enfiava dentro de
Um tanque de lavar roupa e com água
Morna me lavava de forma muito parecida
como o ato de se banhar um cachorro,
E eu rio disso quando eu lembro
pois ele não sabia cuidar de criança
e assim fazia sempre o maximo que podia.
Enquanto me banhava ele cantava
"Odé komórodé... Odé komórodé...Odé Arerê, Odé komórodé ni maó, Odé komórodé... Oni ê..."
Meu pai era um trabalhador,
Era mecânico, pedreiro, marceneiro,
Encanador, ele sabia fazer de tudo
E assim sempre estava trabalhando
Para garantir nosso sustento.
Quando meu bebê nasceu
eu decidi que não seria um peso
Para meu pai, eu disse a ele
Que iria procurar emprego
De empregada doméstica
Para ajudar em casa.
Meu pai não deixou,
Ele queria o melhor pra mim,
Então o que fez foi me dar
Um dos maiores presentes
da minha vida, ele me deu a
Minha profissão.
Meu pai me matriculou em
Uma escola de cabeleiros
E por um ano inteiro
Pagou aquele curso que
Na época era muito caro.
No dia da minha formatura
Ele estava lá,
Eu peguei o meu diploma
E ele estava lá aplaudindo.
Após me formar cabeleireira
Eu me iniciei no Candomblé para Oxum,
E que alegria foi para meu pai
Pois agora no terreiro Oxossi e Oxum
Dançavam juntos nas festas.
A fé que ele tinha nos Orixás
Era surpreendente.
Ele lutou muito para juntar dinheiro
e comprar uma casa,
Mas não qualquer casa.
Quando ele fechou o negócio
me chamou para ver o imóvel,
E a primeira coisa que eu vi
Era que a casa era um sobrado,
E a parte de baixo era um salão vazio.
Quando entramos ele me apresentou
todo orgulhoso que aquele seria
O meu salão de cabeleireiro.
Muitos anos se passaram,
Meu bebê se tornou um rapaz
Forte o qual meu pai tratava com
mais dengo do que a mim,
Mas a vida é assim,
Neto é filho com açúcar.
Meu filho se tornou adulto
e começou a trabalhar,
E assim meu pai o ajudou a comprar
Uma moto.
Eles revezavam o uso dela,
As vezes saiam juntos para pescar
Montados na moto.
Uma noite eu e meu pai estavamos
Em casa e ouvi
O som da moto parando na calçada,
Mas logo em seguida ouvi
O som de outra moto
E vozes alteradas.
Rápido como um raio
Meu pai desceu e foi para a rua
Ver o que estava acontecendo.
Eu corri para a janela e vi
Dois homens tentando roubar
A moto do meu filho,
Um deles com um revólver na mão.
Meu pai entrou no meio
Dizendo que era para eles levarem
A moto e irem embora logo,
Mas o bandido com a arma na mão
nitidamente era perverso,
Ele nao saiu aquela noite apenas
Para assaltar.
Quando subiu da moto
Do meu filho ele se virou para trás,
Apontou o revolver para ele e disparou.
Mas não pegou no meu filho,
Meu pai no último segundo deu
Um empurrão no neto e se lançou
na frente da bala.
Os bandidos fugiram cantando pneu,
E eu desci para ver a pior cena,
Algo que eu jamais havia imaginado ver.
Meu filho no chão abraçado ao meu pai
Enquanto gritava por socorro.
Eu me abaixei ao lado deles
e foi so o tempo do meu velho
Olhar pra mim e dar um leve sorriso.
Ali na calçada meu pai morreu.
Depois disso entrei em depressão,
Fechei o salão, larguei a religião.
A tristeza era tão grande que
Eu não tinha forças para nada.
Meu filho, que nao era religioso,
Começou a ir nas festas do terreiro,
Disse que era porque ali no meio
Dos Orixás e das entidades ele sentia
um pouco do avô.
Ele ia para as festas, tinha muitos
Amigos la e eu o incentivava a ir,
Queria que ele fosse feliz,
Quando ele me chamava para
Ir junto eu recusava.
Passou um ano e certa vez
Meu filho foi para a festa
de Ogun e Oxossi, que era
Calendário tradicional do terreiro.
La pelas nove horas
O telefone tocou e quando atendi
era a mãe de santo.
Achei que ela me diria mais uma vez
para voltar para o axé e coisas do tipo,
Mas não, a frase dela foi curta
— O Wellington desmaiou e ninguém consegue fazer ele acordar.
Desliguei o telefone, me vesti
E fui para lá.
Quando eu cheguei
Passei pela festa e me levaram
Até o roncó,
Meu filho estava deitado em uma esteira
Dormindo tranquilamente.
Obviamente ele havia bolado.
Perguntei a mãe de santo
porque ela nao havia tentando
acordar ele, afinal quem é do axé
Sabe como fazer.
Ela disse que quem devia acordar ele
Era eu.
Perguntei como e ela me disse
Que era para cantar o darin.
Darin é uma cantiga especial
para um Orixá,
Uma cantiga predileta entre todas
As outras.
Mas como eu saberia o darin do Orixá
Do Wellington? Ele não era iniciado
E eu nem tinha certez qual era
o Orixá dele.
Mas ainda assim, no fundo do meu
Coração eu sabia.
Sentei no chão, apoie a cabeça dele
No meu colo e cantei
"Odé komórodé... Odé komórodé...Odé Arerê, Odé komórodé ni maó, Odé komórodé... Oni ê..."
Esse era o darin do oxossi do meu pai.
enquanto eu cantava
Meu filho abriu os olhos e sorriu.
A mãe de santo entrou no quarto
Com o a peneira de buzios na mão
e disse que ia jogar apenas porque
Era tradição, mas que não precisava,
Eu e ela sabíamos,
Aquele era Oxossi, o mesmo
Orixá do meu pai.
Meu filho nao saiu do ronco,
Ficou la para se iniciar.
Para a minha surpresa a mae de santo
me mostrou um comprovante de
Deposito bancário no valor exato
De uma iniciação.
Dias antes de morrer
Meu pai havia deixado pago
a iniciação do neto sem falar pra ninguem.
E pela memoria do meu pai
E por amor a meu filho eu voltei
ao terreiro.
O assentamento do oxossi meu pai
Foi dado a Wellington.
No dia da festa eu estava la,
Vi Oxossi incorporado no meu menino,
Vi aquilo com dupla felicidade,
Tanto minha quanto
Do meu pai, pois era o sonho dele.
Na hora de sair paramentado
Qual não foi a minha surpresa quando
Quem entrou no barracão...
Foi meu pai.
De olhos fechados, dançando
como tantas vezes eu havia presenciado.
Chorei muito ao ver aquilo
sem saber se estava sonhando
ou se estava acordada.
Então ele se aproximou de mim
E me abraçou e eu ouvi todo o
Povo do terreiro cantar
"Odé komórodé... Odé komórodé...Odé Arerê, Odé komórodé ni maó, Odé komórodé... Oni ê..."
Mas quando o abraço terminou
e ele se afastou eu olhei para o
Rosto de meu pai e nao era ele,
Era meu filho.
Eu sei que quem está no mundo
Está sujeito as coisas do mundo.
Eu sei que o que aconteceu com
Meu pai nao foi culpa dos Orixás
e sim do livre arbítrio dos homens
Que decidem fazer coisas más.
Mas eu também sei que meu pai
Esta junto a Oxossi
E que um dia eu o verei novamente.
Okê!
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Relatos e Contos do Axé, Arte e texto por Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado!
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