RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 16

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS 


Capítulo 16
"Zureta"






❤ - I 

No Barquinho de Ouro as moças iam rumo a ilha.

Quitéria sentada na lateral do barco se abanava com um leque. 

— Onde diabos fica essa ilha? É a Ilha redonda? — Quiteria perguntou.

— Já passamos dela. — Maria Padilha olhou em volta. 


Praiana e Dama da Noite se entre olharam.

— Porque essa cara? — Rosa Caveira perguntou.

— Não acredito que não contou a elas... — Praiana riu.

— É eu acabei esquecendo de dizer... — Dama da Noite deu de ombros.

— Dizer o que? — Cigana perguntou.

— A ilha que vamos... meio que não fica neste mundo.

— Como assim? — Rosa Caveira se espantou.

— Nós vamos para Shambala. — disse Praiana.

— Shambala Avalokiteshvara? A ilha dos imortais? Mas isso não existe, é uma lenda. — disse Rosa Caveira.

— Na verdade existe. — disse Quitéria.

— Sim, e tem um portal logo mais a diante, no máximo uma hora e meia e caímos em Shambala! — disse Praiana.

— Que diabos você e o tal veludo foram fazer em Shambala? Pelo que sei lá não e um bom lugar pra se passar a lua de mel... — disse Quitéria.


Dama da Noite deu uma tímida risada.

— Quando conheci Sete Catacumbas ela me trouxe na ilha pra que eu aprendesse mais sobre os poderes que eu mesma possuo, e Veludo veio comigo. Eu e ele sempre estivemos juntos, mas ele.... bom, Veludo nao estava bem, ele estava perturbado com a morte, ele não aceitava ser um desencarnado. Ele viu o quando Veludo significava para mim e então o prendeu em uma ânfora e deixou aos cuidados de um nobre da Ilha.

— Ele? Sete Encruzilhadas? — Quitéria perguntou.

— Sim.

— Como pudemos todas ser enganadas por ele? Eu não entendo. — disse Rosa Caveira.

— Ele é um anjo, tem seus dons. — disse Quitéria.

— Me diga mais sobre a ilha. — pediu Cigana.


Praiana sorriu e explicou:

— Shamabala Avalokiteshvara, e um dos nomes da ilha e significa "aquele que olha para baixo". Nós vamos ter descer a um plano inferior, o Reino de Shambala governado por um Deus chamado Sanat Kumara.

— Plano inferior? Nós vamos para o Inferno? Se for isso mesmo eu vou pular desse barco agora! — disse Cigana.

— Não, Shambala não é o inferno, Shambala foi criada para ser o berço do Messias, mas o Messia meio que nunca passou por la, ai Sanat Kumara tomou posse do lugar. Sanat é muito velho, e Shambala agora existe graças aos poderes dele. — Praiana explicou.

— Já que teremos tempo até chegar lá, Quitéria posso lhe fazer uma pergunta? — disse Rosa Caveira.

— Claro.

— Você e Sete Catacumbas eram amantes? Mulheres de Lesbos?


Todas as moças olharam pra Quiteria aguardando a resposta. Quitéria sem pestanejar respondeu:

— Sim, fomos amantes. Na nossa cultura as questões sexuais são vistas de maneira diferente. Bruxas nunca foram mulheres tradicionais. Eu me relacionei com homens, mulheres e ate com diabos. 

— Mentira que eu nunca lhe dei ousadia! — disse Padilha.


Todas riram.

A Brisa soprava suave, mas uma energia forte foi sentida, vinha da superfície das águas e isso alertou Praiana que sussurrou:

— Meninas, parece que tem uma Nereida adiante. Cuidado. Melhor que só eu fale com ela, se for quem estou pensando é bom ter cautela.  


— O que é uma Nereida? perguntou Padilha sussurrando.

— Uma Sereia. — disse Rosa Caveira.

— Sim, mas não é como as Sereias dos contos de fadas, essas no caso são reais, vem de longe e são perversas, muito velhas. Dizem que são fruto de relações entre os Deuses e os gigantes.


Um assobio agudo ecoou ao longe, o som da água se movimentando ficou mais forte. O barco diminuiu a velocidade até parar.

Duas maos se apoiaram na lateral do lado de fora, e foi então que surgiu a cabeça de uma mulher por cima da borda, ela olhou para Praiana e disse com um forte sotaque grego:

— Sereias da terra eu as saúdo. 

— Que Deus seja contigo Oceânide Calipso... Tudo em paz? — disse Praiana


Calipso respondeu com seu sotaque quadrado:

— Sim Tudo em Paz. Só uns gritos de horror as vezes pra me alegrar. E me diga, as Irmãs da Agua ainda mantem as portas fechadas? 

— Sim, elas ainda não deixam ninguem passar.

— Severas aquelas Iabás...


Calipso era uma mulher linda e assustadora ao mesmo tempo, negra e com o cabelo trançado enfeitado com perolas, os seus labios eram mais negros que sua pele e seus dentes eram pontiagudos, as suas mãos apoiadas na borda da nau mostravam unhas grossas e puntudas como as de uma Harpia. 

— Onde voces estao indo?  

— Vamos ver um amigo em Shambala. — disse Praiana.

— Ele é de carne? — Calipso lambeu os lábios.

— Não, é Alma como eu. Ele caiu na Ânfora de Segi, vamos la reaver isso.


Calipso gargalhou.

— Eu vim aqui pra zombar de vocês e vocês e zombam de mim? Já que estão em uma missao suicida, eu vou deixa-las em paz. Terão o meu respeito se conseguirem voltar da ilha... 

— Porque diz isso? Teremos algum empecilho?  


Calipso soltou a borda do barco dando um empulso para tras, nadou para longe e antes de partir ela virou o rosto e falou:

—  O cântaro de Segi está com o Aquariano... o misógino.


A Sereia entro na água e antes de desparecer por completo deixo que as meninas vissem a sua calda de escamas alaranjadas.

Calipso se foi, Dama da Noite perguntou a Praiana o que ela quis dizer, e ela explicou:

— Quando ela falou do Aquariano ela se refere a Ganimedes, o amante de Zeus, um homem muito estranho, cuidado com ele, ele odeia mulheres.   

— Então as coisas se complicaram... 



❤ - II

Bem Próximo dali as tres bruxas olhavam para o mar, sobre um alto rochedo elas estavam a espreita, Figueira com suas roupas negras, Sete Catacumbas com suas roupas brancas e Rainha com suas roupas vermelhas. Parecia um enorme cliché pois estás eram as cores que naturalmente dividiam os tipos de bruxas que existem no mundo.

Rainha com os olhos arregalados usava sua capacidade de olhar a distancia para tentar localizar o barco dourado, mas ele ja havia desaparecido no horizonte.

— Elas foram pra Shambala, que malucas. — disse Sete Catacumbas.

— É, com certeza vão atrás da liberdade de Veludo. — disse Figueira.

— Eu acho melhor irmos tambem, se elas conseguirem aprender alguma coisa na ilha vai ficar mais dificil pra nós. A previsão da velha Catarina e que elas vão impedir o nosso plano. — disse Rainha.

— Sete Encruzilhadas passou a anfora de Segi para as mãos do Aquariano ja pra dificultar. Que merda, se a aquela vagabunda da Helena não tivesse dado para trás nosso plano estaria seguro. — disse Figueira.

— Mas já foi, agora temos que resolver. Agora um problema e se ele sair da ânfora e se lembrar de como foi parar lá. Quitéria é foda, se ela orientar essas vadias eu temo pelo nosso futuro. — Disse Rainha.

— Como assim? — perguntou Sete Catacumbas.

— A ânfora de Segi não é um item barato ou vagabundo, Sete Encruzilhadas teve que colocar Veludo lá porque ele sabia demais. É claro que a questão de usar o como refém contra Dama da Noite foi muito útil mas a verdadeira intenção de Sete Encruzilhadas ao prender Veludo era para que ele ficasse de bico fechado. Aquele desgraçado tem a mania de ouvir Atrás das portas, se ele abrir a boca e contar tudo que sabe ele ensinará a Quitéria e suas lacaias como nos combater, e eu me refiro a contar a elas exatamente o que fazer para nos impedir e até mesmo nos destruir. Não tem coisa mais feia do que o homem fofoqueiro. — disse Figueira

— Mas como iremos se Praiana está em posse do barco? — Perguntou Rainha.

— Nós vamos por outro caminho, vamos nos tornar piratas! — disse Figueira.


As três riram e olharam para um pequeno veleiro que estava parado no cais proximo.

— Apenas o barco dourado tem o poder de passar pelo Portal sem se desmantelar, aquele veleiro vai virar fumaça quando passarmos por lá, sem contar que enquanto Espíritos não podemos navegar. — disse Sete Catacumbas.

— Certo, vamos possuir os corpos daqueles marinheiros, — ela apontou para três pescadores que sentados em uma canoa virada na areia se concentravam em desembaraçar uma rede de pesca — apagamos eles e os usamos para navegar o barco até a passagem para o lado de la. — disse Figueira.

— Mas... no momento de descer o portal eles vão se afogar... — receou Sete Catacumbas.

— O que é isso? Vai dar importância a vida de três caiçaras imundos? — indagou Rainha.

— Não claro que não, bobagem minha.


As tres desceram para onde estava o veleiro, realmente elas iriam para Shambala. O pequeno barco era um veleiro de pesca, uma única vela de lona azul. Possuíram os tres homens e através deles saltaram na embarcação e assim que o barco partiu elas estavam na proa prontas para dar o bote.



❤ - III

Sete Saias Estava ainda zanzando pela noite, seu caráter curioso estava lhe remoendo, ela queria muito saber sobre a vida de Rosa Vermelha, queria saber o motivo da sua rusga com Exu Cigano. Foi então que ela se lembrou que Mulambo conhecia Rosa desde jovenzinha, ela saberia de tudo, e foi atrás de dela para assuntar suas fofocas. 

Mulambo estava voltando ao morro onde era a casa de Dama da Noite, alguem lá havia acendido uma vela para ela e Mulambo ia ver do que se tratava. Quando se acende uma vela para um espirito eles sentem o calor dentro do peito e são guiados para onde esta a chama. 

Sete Saias encontrou Mulambo na estrada, elas não eram próximas, alias, quando eram vivas elas se detestavam, mas a morte muda as coisas.

Mulambo parou ao sentir que era seguida, olhou para trás e viu a mulher se aproximar. 

— Chica Facão! Espere por mim!  

— Bastarda de Rapariga, apresse o passo! Odeio esse nome de Chica facão! — Mulambo riu.

— Mulambo me faça uma gentileza sim? — Sete Saias se aproximou a passos largos.

— Gentileza? Ah Soraya quando você pede um favor sempre é fuxico da vida dos outros.

— E é isso mesmo que eu quero, gostaria de saber sobre a vida de Rosa Vermelha, eu sei que voce sabe de tudo. Conte-me tudo e não me esconda nada... 


Mulambo deu uma gargalhada.

— Oh Diabo, que motivo você tem de especular a vida dela? Aquela mulher é a puta menos puta que eu já conheci, a vida dela não é nada emocionante.

— Ainda assim eu quero saber, gosto de saber sobre a vida das pessoas pra saber onde eu piso. 

— É fofoca que tu vens buscar, e fofoca que vou lhe dar! Vamos falar da vida dos outros que isso sempre me distrai... Só cuidado com a Rosa, ela é uma onça... Sabe, quando Padilha morreu foi ela que assumiu o negocio.

— Eu fiquei sabendo, mas achei estranho pois não era você que devia ter assumido a casa? 

— Eu cheguei assumir mas não durei nenhuma semana, sabe naquela época minha cabeça estava... não era um bom tempo.

— Compreendo.

— Mas Rosa ganhou mais dinheiro que Quiteria e Padilha juntas. Rosa foi uma cafetina porreta! Nasceu para a gerência.


Elas iam caminhando juntas, a rua de terra iluminada apenas pela deixava a noite ainda mais fria do que estava.

— Bom, Quando Rosana chegou no Cabare eu ainda estava la. Ela se tornou prostituta com dezesseis... não, acho que com dezessete anos. —

— Nova demais... Como ela caiu na vida? — Sete Saias perguntou.

— Foi Culpa do Cigano Caio. 

— Huuuuu! Eu sabia que aquele safado tinha algo haver com isso.

— E tem. Rosa Vermelha foi a primeira prostituta virgem que eu já vi. — Mulambo suspirou.

— Como assim virgem?

— Ela foi vítima de uma armação. Era uma boa moça, coitadinha... Rosa Vermelha vem do Norte, ela era filha de um casal de descendentes de portugueses, casa cheia com muitos irmãos e primos. Certa vez Cigano Caio passou pela cidade que ela morava e de cara se apaixonou. Mas ela rejeitou ele. Caio era um homem extremamente perverso, se achava o mais belo de todos e pensava que era impossível que qualquer mulher ou homem resistisse a seus encantos. Ele então armou para ela, ele entrou em seu quarto de madrugada e  fez um alto barulho para que todos da casa fossem ver o que estava acontecendo.  Ele estava la, nu como veio ao mundo e Rosana de camisola. Foi um escândalo.

— Ai coitada, levou a fama sem usar a cama.

— É. — Mulambo anuiu — Depois disso ele pagou para varios homens pra dizerem que ja tinham feito sexo com ela... tudo mentira. Ele era um homem muito malvado.

— Mas o que houve com ela?

— Ela ficou com fama de ser prostituta sem ser, foi expulsa da cidade. Se não me falha a memória ela era de Fortaleza.

— Mas ai não é norte e sim nordeste. — corrigiu Sete Saias.

— E eu tenho cara de quem entende de cartografia? Bom, a familia dela disse que ela havia morrido de peste e fizeram um velorio com um caixao vazio, coisa de fachada, ela foi realmente dada como morta por eles. Rosana veio pro sul com a ajuda do Zé Pelintra, e a Tata fez o leilão da virgindade dela no Cabaré.

— Quem é Tata?

— Era a gerente do Cabaré antes de Padilha. Morreu degolada no quarto principal, Quitéria deu cabo dela.

— Aquele cabaré sempre teve sangue nas paredes.

— Na verdade toda a nossa historia e suja de sangue. Rosana sempre foi o braço direito de Padilha, e quando ela se foi, Rosana assumiu o Cabaré.  Não sei dizer como foi o fim da vida dela, eu morri antes, alias, eu morri na frente dela. Rosa Vermelha foi a mais rica de todas nos.  Me lembro que tinha ações em bancos na Europa e nos Yankees, acho que era sócia de uma companhia  Ferroviária ou coisa assim.

— Ela então e uma mulher esperta. Mulambo eu não confio nela.

— Somos todas mulheres da noitex nenhuma de nós é de confiança, porém... por incrível que pareça por Rosa Vermelha eu ponho a mão no fogo.



❤ - IV

O barco estava a toda velocidade, o vento empurrava a vela o fazendo galopar as ondas como um garanhão em uma planície.

Desacordados caídos dentro da cabine estavam os três marinheiros, as Feiticeiras haviam utilizado os corpos deles para ajustar a direção do barco e após isso largaram os três apagados no chão.

Elas se posicionaram exatamente como um triangulo na proa, o vento levantava seus cabelos e esvoaçava suas saias, iam rumo a Shambala para verificar o que ocorreria com as moças que também se encaminhavam  para a ilha sagrada, o caminho seria longo e para apressar o tempo as três prozeavam.

Figueira perguntou para Sete Catacumbas:

— Núbia uma vez eu soube de uma historia sua, que você se pintava de tinta branca pra que ninguém lhe visse como uma mulher negra. Isso é verdade?


Sete Catacumbas suspirou fundo e olhou para a lua no céu.

—  Sim eu tinha de fazer isso. duzentos, trezentos anos atrás as coisas eram difíceis. A africa sempre foi vista como local amaldiçoado pelos europeus, e como eu vivi um período na França eu tive de fazer algumas coisas  para me camuflar. A minha raiz é muito antiga, e o racismo sempre esteve marcado em nos. A minha raiz e uma das mais velhas. O nome da primeira Bruxa da minha linhagem era Oziah de uma tribo Beduína  que deu origem a Etiópia, a filha dela era a famosa Morana. Vocês sabem quem é Morana?

— Ela é a Cuxita? —  Rainha perguntou.

— Sim, Cuxita era a maneira que chamavam ela. Malditos sejam os hebreus... Olha eu vou lhes dizer uma coisa, sempre onde esta o tal povo de Deus também esta todo o tipo de desgraça, esse povo é maldito.

—  Cuxita? No caso era a esposa negra de Moisés? — Figueira perguntou.

— Sim sim, Morana era chamada de Cuxita, ou seja oriunda do povo Cuxe, Etíope, era chamada assim pelos hebreus racistas e desgraçados que a tratavam a partir de onde tinha vindo invés de pronunciar o nome. Essa tal povo de Deus sempre foi uma raça imunda. Bem, quando Moisés se separou de Zípora ele se casou com Morana, a negra. Ela foi expulsa por Miriam e por Arão, estava gravida e foi para o Egito. No Egito ela misturou sua magia Etíope com a religião dos Deuses Egípcios, no fim a familia foi para Mecca e depois migraram para as terras Yorubas, ai foram para o Congo, quando se deu a invasão da escravatura, escravocracia, eles migraram para a França.

 

Figueira cruzou os braços e olhando para o horizonte.

—  Nossa voce sabe resumir as coisas...


Sete Catacumbas esbocou um sorriso.

— Se eu fosse contar toda a minha historia levaria dias narrando. Mas a minha linhagem tem celebridades sabia?

— Jura? Quais? — Rainha quis saber.

— A mais ilustre de nossa familia foi Makeda, a que chamam de "Rainha de Sabá". Ela mesma era filha de uma bruxa com um Jin. 


Rainha deu um passo  para frente e então ficou na ponta dos pes inclinando ainda mais as suas sandálias de salto alto, ela fitou o horizonte como se quiesse ver algo, virou o rosto rapidamente e seu cabelo vermelho girou flutuando no vento.

— Mudando rápido de assunto, esse barco está saindo da direção.


Sete Catacumbas com o olhar avido olhou para o oceano azul marinho e respondeu:

— Realmente, a passagem é no leste e o barco virou para o Norte. Bom, vamos assumir o comando dessa jangada!  

— Nós vamos ter que matar aqueles coitados... Que pena, são tao bonitinhos... — Rainha olhou para a cabine.

— São somente homens burros, existem milhões desses no mundo, menos três não fará falta a ninguém. Lamento mais por ter que afundar esse barco do que por sacrificar esses porcos.

— Ah não fale assim, eu sempre gostei de homens. Gostava tanto que tinha varios, um de cada modelo. — disse Rainha.


Sete Catacumbas deu uma gargalhada debochada e logo as três se dirigiram para a cabine onde os marinheiros estavam, Rainha e Figueira se aproximaram, elas se abaixaram para ficar na mesma altura deles e assopraram nos ouvidos de dois dos três homens e assim imediatamente entraram dentro dos corpos deles os possuindo.

O terceiro foi homem também foi possuído, Sete Catacumbas ocupava aquele corpo, porem ele estranhamente voltou a si e se viu em pé segurando o timão. 

Sem compreender o que estava acontecendo ele tentou se mover mas percebeu que não conseguia, suas mãos movimentavam o Timão girando para direita, ele tinha uma sensação muito estranha no corpo, tudo formigava e ele não conseguia sentir o ar entrando em seus pulmões. Parecia que a força de seus braços havia desaparecido. Nisso ele parou e olhou para frente, para o parabrisas da cabine que dava visão ao mar tentando achar alguma embarcaçao proxima que pudesse lhe socorrer, mas assim que olhou para o vidro ele gelou, a sensação era de maximo desespero pois a imagem que deveria ver no vidro do parabrisa seria o seu reflexo, mas o que viu foi em seu lugar uma mulher negra de aparência sensual e assustadora que sorria para ele.

Tentou gritar mas não saiu voz de sua garganta.

O coitado não havia se dado conta ainda que seu corpo estava possesso por ela, a Pombagira das Sete Catacumbas. Ele se esforçou ao máximo para mover uma mão e conseguiu, tentou alcançar a alavanca da sineta de emergência para pedir ajuda seus companheiros mas antes que sua mão pudesse realmente apanha-la ele perdeu o controle sobre seu proprio corpo e deixou o braço cair batendo contra o tronco. De seus olhos escorriam lagrimas de terror, de absoluto pavor e medo, mas seus labios se abriam gargalhando. Mas quem ria não era ele, era ela que estava dentro dele. Ao olhar para o vidro novamente ele conseguia ver nitidamente não só a mulher que ocupava seu lugar mas também duas outras ao fundo sentadas sobre os corpos caídos dos outros marinheiros, todas as tres com expressoes diabolicas em seus rostos.

Aquele barco e aqueles homens nunca mais foram vistos.

Sete Catacumbas agora ja dominando o corpo do rapaz  endireitou o leme para que o barco seguisse rumo o certo. Ela gritou atravez dos labios dele:

— Shambala, aqui vamos nós!



❤ - V

Em terra firme, Maria Navalha ia seguindo o caminho da praça central, Zé Pelintra sempre andava por lá nos pagodes dos crioulos. Quando se aproximou viu aquela figura bizarra, era Maria Zureta, o espírito mais louco que até hoje se tem noticia.

Zureta estava sentada no degrau  da porta de um bar, uma espelunca horrenda cheia de pessoas imundas, alcoolatras e mendigos. Ela com sua energia ela incitava os homens a beberem cada vez mais, e gargalhava quando eles cambaleantes tentavam brigar uns com os outros dando socos no ar a logo caindo no chão babando e gritando palavrões.

Navalha se aproximou, ela vestia pantalonas negras de seda brilhante, sapatos de verniz vermelho e bico fino com salto anabela de doze centimetros, usava uma camisa regata com as costas em estilo nadador com os simbolos dos quatro naipes estampados. Seu cabelo estava preso em uma trança jogada sobre o ombro e usava brincos de prata em forma de lua minguante, seus labios estavam cobertos de baton vermelho bordô.

Zureta estava maltrapilha como sempre, com uma puída saia de estopa e uma camisa de algodão que uma dia havia sido branca mas agora era amarelada por falta de lavagem.

Navalha caminhou até ela, olhou com um certo nojo aquele lugar.

— Boa Noite Maria Zureta... Sabe de Zé Pilintra?


Zureta Olhou para ela e com explicita ignorancia.

— Não sei de Zé nem de José, vai procurar fofoca em outro lugar vai putinha.


Antes que Zureta pudesse perceber, Navalha agarrou-a pelo pescoço e a levantou a arrastando pela parede, com o braço esticado ela a suspendeu de modo que os pés da louca não tocavam o chão. Zureta agarrava o pulso da mão que lhe enforcava com suas mãos sujas contrastando com a pele jovem e as unhas vermelhas de Navalha que com a voz elevada berrou:

— Olhe pra mim vagabunda! Olhe pra mim!


Zureta se engasgando e arfando respondeu com olhos arregalados:

— To olhando senhora, to olhando!

— Se eu fizer uma pergunta você responde. Se você tem ciumes da minha proximidade com os Malandros, que se foda! Não me importo nem um pouco com o quê pensa ou com seus sentimentos. Seu espirito zombeteiro, Vagabunda! — ela

 atirou Zureta no chão que ela caiu riduculamente com as pernas abertas toda desmazelada e teve de responder quando Navalha refez a pergunta. — Zureta você sabe onde esta Zé Pelintra?


Zureta Olhando para baixo respondeu:

— Misericórdia... Ele ta com a Princesa de Borborema no catete abandonado, lá onde era a casa dela aqui nessa cidade, a casa amarela.

— Maria Zureta, enquanto você agir assim não vai chegar a lugar algum, nem parece uma pessoa morta, fica se comportando dessa forma estranha... E não chame a Luziara de princesa, ela está mais pra mafiosa. Ela e perigosa.

— Perigoso por perigoso, você também é.

— Nunca disse que não era.

— Voce Madame vai ter coragem de ir lá interromper os dois? — Zureta semicerrou os olhos.

— Não, eu nao irei lá, ela quando vem pro sul sempre é pra tratar de negócios, afinal ela é uma traficante de influencia. Nada disso me interessa.

— Não interessa? Sabe que ela tem aquela tal Mestra Maria do Bagaço, não sabe?

— A que vê o futuro?

— A que vê o futuro. — Zereta concordou.

— E porque trouxe ela para a conversa? 

— Hum... o povo acha que eu sou doida, acham sim, e por achar que sou doida eles falam coisas na minha frente achando que eu não vou compreender. 

— E o que você ouviu? — Navalha aproximou o rosto a ela.

— Estava lá perto do Catete abandonado, então eu ouvi, assim como quem não quer nada, a luziara falar... 

— E o que ela falou?

— Ela disse que na ilha as pombagiras amigas de d

Dama da Noite seriam estraçalhadas pelas três bruxas capangas do homem de asas.


Navalha deu as costas e correu até  a encruzilhada mais próxima, olhou para todos os lados para conferir se havia alguem ali e como estava deserto ela cantou o hino de invocamento do menino, o ajudante de Dama da Noite. Ela se abaixo e colocou uma das mãos no chão de paralelepipedos, sussurrando começou a cantarolar:


"Pequenino como vem de Aruanda...

pequenino como um toco de pau...

Caminhando como um gato do mato...

e a sua mae...

ta no Kalabetã...

ta no Kalabetã...

Vem pequenino...

sua mae lhe deixou na rua...

vem pequenino...

pequenino Tetemburo... "


Em instantes o cheiro de enxofre invadiu o ar.

A voz infantil veio de trás, pelas costas de Navalha ele apareceu, o menino negro com sua Bermudinha vermelha disse:

— Que coisa feia é mulher de calça...

— Pare de zueira... 

— O que aconteceu pra uma diaba velha me incomodar?  Não gosto que ninguém me chame atoa!

— Sem rodeios, eu preciso que de um recado para Dama da Noite.

— Bom... se é pra ela eu faço. Me diz o recado e eu mando pra ela.



❤ - VI

No Barco Dourado as Moças se encaminhavam para a passagem que dava acesso a Shambala, elas estavam conversando para passar o tempo quando Dama da Noite gritou:

— Silencio! Tetemburo está tentando falar comigo. — ela fechou os olhos por um momento e em seguida murmurou — Obrigado meu menino.

— Ele enviou um pensamento? — Quitéria perguntou.

— Sim.

— Nossa esse menino é mais forte do que eu pensava... — disse Rosa Caveira.

— Sim, noticias. Maria Navalha disse a Tetemburo que ouviu de Maria Zureta, seja lá quem seja essa mulher, que Sete Catacumbas, Rainha e Figueira estão indo para Shambala e pretendem nos emboscar. É melhor ter cuidado.

— Eita... Não seria mais seguro deixar pra depois essa viagem? — receou Cigana.

— Moçaa a água está mudando de cor, o que está acontecendo? — Perguntou Rosa Caveira.


As moças olharam para fora do barco e viram que agua estava clara, reluzente como se houvesse luz por baixo.

— Não da mais pra voltar, estamos proximas demais para o portal para a ilha passagem, se segurem bem no barco, agora vamos seguir em frente. 


O barco de ouro começava a tremular, a água estava formando um redemoinho, os respingos de agua azul reluzente pareciam estrelas cadentes ou faiscas azuladas. Praiana pedia para que todas segurassem firme nas bordas da canoa, elas iriam descer pelo redemoinho para o fundo do mar, a passagem para a ilha era rumo o centro da terra, a velocidade do barco a aumentava cada vez mais, agora ia sentido a uma forte luz alguns quilômetros a frente, elas ia mesmo para a ilha dos espíritos.


Comentários

  1. Zureta maravilhosa espero q retrate ela mais pra frente como a boa pomba gira q é.!

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