RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 14

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS 


Capítulo 14
"O Fim de Uma Valente"





❤ - I 

Era uma sala redonda, as paredes pintadas do mais puro cal branco, haviam duas colunas de mármore carrara e entre elas uma pequena lareira acesa, no centro da sala dois homens jogavam xadrez sentados em poltronas de palha trançada.

O primeiro era louro com os cabelos muito compridos e levemente ondulados, tinha estatura baixa, não mais que um metro e sessenta centímetros de altura, mas era estonteantemente belo com sua pele clara e olhos azuis, vestia uma túnica grega curta em tecido azul deixando as pernas grossas à mostra, movia os lábios sem fazer som enquanto pensava na próxima jogada. Aquele era um jovem, um jovem de mais de cinco mil anos de idade, era o belo Ganimedes Senhor das Estrelas de Aquário.

Diante dele estava outro homem, esse destoava totalmente do ambiente pois estava vestido com terno e gravata em tecidos negros, também tinha pele clara mas em um tom não natural, seus olhos também eram azuis mas não pareciam com os de Ganimedes, tudo naquele homem era tão extremamente perfeito que causava incômodo em quem olhava, como se não fosse natural, mas de fato para a espécie dele era pois aquilo não é um homem e sim um anjo e a maior prova disso eram as longas asas de penas acinzentadas que saíram de suas costas.

— Ararel... adoro seu nome. — disse Ganimedes movendo a peça do cavalo pelo tabuleiro.

— Não gosto desse nome, Prefiro muito mais ser chamado agora de Sete Encruzilhadas.

— Sete Encruzilhadas? Desse eu não gosto, entre meu povo Encruzilhada é coisa de Hekate, e ninguém gosta daquela megera. Mas por que você não gosta de ser chamado de Ararel? 

— Ara significa " maldição". — disse Sete Encruzilhadas movendo a peça da Rainha pelo tabuleiro.

— Ah que pena que você não gosta, já eu adoro o meu nome, ganimedes significa... — ele fechou o punho e fez um movimento no ar subindo e descendo próximo a própria virilha indicando masturbação.

— Você se lembra do seu verdadeiro nome antes de Zeus te dar esse?

— Não, faz muito tempo já me esqueci. Xeque-mate! Você me deixou ganhar de novo... — Ganimedes observava a peça que havia acabado de mover e que havia assim derrotado o jogo do adversário.

— Deixei, gosto de agradar meus amigos. — Sete Encruzilhadas sorriu abertamente

— Então o que você tem para mim? Tem que pagar aluguel, você sabe. — Ganimedes removeu o tabuleiro mostrando que em baixo havia uma ânfora, um vaso de duas alças Dourado mais ou menos de setenta centímetros de altura com desenhos da deusa Nix pintados à mão em todo entorno com tinta Negra.

— Coitado dele, Na verdade nem tem mais utilidade manten-lo preso aí, porém irei mantê-lo cativo mais um tempo por via das dúvidas. Mas tome isso e veja se gosta, sei que você ama colecionar coisas raras. — Sete Encruzilhadas estendeu a mão e mostrou na palma aberta um pequeno carretel de linha vermelha.

— O que é isso? Que coisa mais estranha, da onde vem? — Ganímedes olhou para linhs sentindo certo receio de tocá-la.


Sete Encruzilhadas depositou o carretel sobre a tampa da ânfora.

— Essa linha prendia a alma de uma feiticeira no esqueleto dela, nos ossos dela. A aprendeu por mais de cento e cinquenta anos, agora está impregnada de magia negra. Isso paga o aluguel por mais um mês?

— Mas é claro que paga.



❤ - II

As moças se agitaram pedindo a Maria Mulambo que relatasse como havia sido sua morte, tudo que vem de Mulambo é interessante pois ela sempre foi uma mulher absurdamente intensa.

Mulambo sorriu e agitou as mãos em sinal para todas sentarem, elas se organizaram e um circulo sentadas em pedras e em troncos de árvore tombados.

Mulambo ficou em pé no centro da roda.

— Eu não falarei, não sou boa com as palavras.

— Amém. — zombou Padilha.

— Enfie seus comentários no olho do cu! Rapariga safada.

— Foco Mulambo. — pediu Quitéria.

— Sim, certo. Eu vou mostrar a vocês.  

— Mostrar? você sabe projetar suas memorias? — Quitéria se espantou.

— Sim, está surpresa? Após sua partida eu aprendi coisas novas. Vamos lá moças, dêem as mãos.


Todas deram as mãos, algumas tendo de esticar bem os braços para alcançar a mão das outras. Mulambo ali no meio do circulo fechou os olhos e começou a girar, girava com um certo molejo, suas roupas se tornaram negras, sua saia ficava maior e maior, de repente uma grande escuridão emanou dela, como uma sombra engolidora que cobriu tudo. Todas ali fecharam os olhos e se deixaram levar, e assim como espectadoras elas entraram nas memorias de Maria Mulambo e puderam ver tudo, e assim contemplaram a história.


Muito tempo atrás, muito mesmo...


A fumaça subiu, as cinzas voaram carregadas nas brisas do amanhecer. 

A casa mais suntuosa da cidade pegou fogo, um fogo criminoso.

O delegado investigou por dias, óleo de baleia era inflamável sim, tento que era usado em lamparinas, mas ele não era potente como álcool, então como as paredes da casa vieram a baixo após terem ensopadas de óleo? Não houve o que fazer, a casa do coronel queimou com ele e sua amante dentro, queimou até que tudo se tornasse cinzas. Ambos não tiveram nem direito a sepulcro, seus corpos foram cremados instantaneamente. 

O delegado ao averiguar os destroços ficou tão surpreso que preferiu nem fazer relatório a respeito. Sabe, para cremar um corpo humano é necessário uma temperatura superior a mil graus centígrados mas os incêndios domésticos mais ferozes não ultrapassam os setecentos... então o que teria provocado algo assim? Parecia até... feitiçaria.

Todos os folhetins do sul e sudeste publicaram notas de falecimentos do Coronel Antenor Albuquerque, vulgo Tranca Ruas, e a Cortesã Suzana do Cabaré de Fogo, vulgo Maria Padilha. 

A policia não tinha nenhuma pista, então a culpa foi jogada sobre um italiano louco conhecido por ser incendiário, ele foi a forca por isso, mas o delegado o condenou apenas para por a culpa em alguém e encerrar o caso.

Mas quem havia de fato queimado o casarão? 

Foi Maria Mulambo, Francisca, a dona do Cabaré Boca da Mata.


Os anos passaram, ela não foi feliz.

Assassina da irmã.

Assassina de seu amor.

Culpada pela morte de seu sobrinho.

Vivendo afogada em álcool e em seus charutos cubanos, ela sobrevivia assim, na noite. Porém mesmo amargurada ela ainda tinha o dom de enricar, seu patrimônio aumentava cada vez mais, porem a cada vintém que entrava ela se tornava cada vez mais amarga.

Cada ano parecia uma década, ela abriu mão da administração do Cabaré Boca da Mata, Rosa Negra ficou em seu lugar na gerencia da casa. 

O Cabaré de Fogo legalmente a pertencia, havia ganhando posse do casarão por ser a única parente viva da antiga dona, mas Mulambo não teve estômago para gerir o local, zanzou por la por algum tempo mas no fim entregou tudo nas mãos de Rosa Vermelha.

Mulambo ficou vulgar, e muitos podem achar que ela sempre fora vulgar mas não é verdade, antes ela era desinibida mas não baixa, era despudora mas não ralé, porém a amargura no peito a tornou debochada demais... inconveniente demais. 

Meia Noite teve de deixar ela de lado, não havia como aturar aquela aura sombria que emanava de sua presença.

Foi então que um dia ela viajou para o norte, e em Pernambuco ela conheceu um homem que a fez perder o rumo mais ainda, era um antigo amante de Soraya Sete Saias, seu nome era Giramundo e ele ali na região portuária agia como contrabandista. 

Gira Mundo ofereceu então para ela parceria na contrabando de ópio, droga que comprava as toneladas vindas de Macau, Mulambo seria a sua revendedora no sul, e de imediato ela aceitou.

Agora ela estava metida com narcóticos, ópio era extraido de papoula, um dos alucinógenos mais antigos do mundo.

A policia entrou em ação, na época era proibido o uso do ópio a não ser por médicos, farmacêuticos, boticários ou pela nobreza (que era extremamente viciada), porem o dinheiro falou mais alto e ela comprou a guarda, subornou os militares e com as "costas quentes" ela conseguiu se tornar dona de uma fortuna incalculável. 

No trafico teve muitos amores, todos do crime.

O principal foi Ramiro, conhecido como Pinga Fogo por seu carater violento, ele tinha a liderança de um grupo de mercenarios assassinos de aluguel.

Este era casado com Madalena de Parma, mulher tenebrosa que nos becos era mais conhecida pela alcunha de Maria Farrapo, uma cafetina de rua famosa por ser totalmente insana.

Por muitas vezes Farrapo e Mulambo se atracaram em briga onde ambas sempre saiam destruídas, eram golpes, facadas, pauladas, eram como duas leoas selvagens.

Farrapo declarava em publico o seu denso odio por Mulambo, jurava que um dia a faria pagar por tentar tirar seu homem.

Mas o homem em questão amava Mulambo.

Mesmo estando no mundo do crime ela era bem vista, Mulambo emprestava dinheiro aos pobres e aos pequenos comerciantes, pagava honorários para médicos atenderem os que não tinham como arcar com tratamentos, e por isso ela era respeitada.  

A vida seguiu, e ela se tornou uma mulher de meia idade atormentada por seus remorsos. Mulambo já tinha mandado para o inferno mais de uma duzia de pessoas, a maioria ela sangrou com o punhal que escondia entre os seios, mas aquelas tres mortes a assombravam. Padilha, Tranca Rua, Filipe.

Álcool e mais álcool, vinho de todos os tipos e preços, whisky, conhaque, licor, vodca e sua preferida cachaça de alambique, as garrafas eram sua companhias.

Mulambo que sempre teve um ar despojado nessa altura passou a ser desmazelada, raramente penteava os cabelos, quase nunca tomava banho, quem as vezes a forçava a se cuidar era Rosa Negra, mas Mulambo não queria mais nada, era uma morta viva, uma alma sem luz, mas mesmo relachada ela jamais perdeu a beleza.

Quando o Cabaré de Fogo completou cinqüenta anos de existência Rosa Vermelha deu uma grande festa que fechou a rua, todas as moças do cabaré Boca da Mata, bem como as raparigas do Cabaré Sete Estrelas e do Fornalha foram convidadas, Mulambo foi convidada como estrela da festa, essa foi a ultima vez que se arrumou com afinco, ela iria cantar no palco do salão, coisa que a décadas não fazia.

Nesse dia logo cedo um homem bateu a porta do cabaré, e quando entrou trouxe consigo uma mala com seus pertences. Era Pinga Fogo que havia abandonado Maria Farrapo e vinha implorar o amor de Mulambo, e ela com ar de quem não tinha nada a perder o aceitou tal como já havia aceitado muitos.

Nesse dia ela penteou os cabelos e passou todo o dia com a cabeça cheia de bigudinhos que a todo momento recebiam borrifadas de laquê, ela fez as sombrancelhas arqueadas como gostava, usou as unhas postiças de porcelana banhada a ouro que havia comprado de um comerciante chinês, usou os muitos anéis que os homens lhe deram durante a vida. O vestido foi encomendado com a melhor modista da cidade, um vestido frente única com finas alças e um cavado decote, era vermelho intenso sem nenhuma estampa, puro carmesim, e havia um racho na saia que ia ate acima da coxa fazendo que conforme ela se movesse suas pernas ficassem a mostra. Ela optou por nao usar nenhum colar no pescoço para deixar seus belos seios como joia principal, usava um bracelete de serpente e brincos de argola dourados. Suas sandálias ela emprestou do guarda roupa de sua irmã morta, sandálias negras de tiras douradas finas, as unhas dos pés douradas. Ela soltou os bigudinhos do cabelo e ele se tornou uma juba negra armada cheia de cachos, sua maquiagem foi marcante, os lábios cor de vinho e seus olhos contornados de negro com uma sombra de pó dourado contrastando com a sua pele negra.

Mulambo era a mulher mais bela da cidade. 

Ela chegou a festa, ela e sua trupe de messalinas se misturaram as moças do Cabaré de Fogo. O salão estava lotado, a rua estava fechada de tantos convidados, o palco estava com cortinas negras e uma bancada onde ficariam os músicos ao fundo.  

A noite foi agradabilíssima, ela reviu ali tantos amigos que por alguns momentos sentia vontade de chorar, mas preferia afogar suas tristezas no licor de menta, seu licor preferido.

Já se aproximava a meia Noite e então ela subiu ao palco, foi intensamente aplaudida antes mesmo de abrir a boca, todos gritavam seu nome e batiam as mãos nas mesas em estardalhaço e felicidade por verem Mulambo de volta.

Ela acenou com as maos para que fizessem silencio.

— Obrigada. Muito Obrigada. Essa casa de luz vermelha significa muito pra mim. Esta Noite eu vou cantar em homenagem a quem já passou por aqui e por todos que ainda irão passar.   


Os músicos começaram a tocar, o saxofone e o baixo anunciavam que era um bolero que iria ser entoado. A voz grave e um pouco rouca de Mulambo cantou de forma sensual e calma aquele bolero de saudade:


"Todos acham... que eu falo demais...

E que eu ando bebendo demais...

Que essa vida agitada não serve pra nada...

Andar por aí, bar em bar, bar em bar...


Dizem até que ando rindo demais...

E que conto anedotas demais...

Que não largo o cigarro e cavalgo o cavalo...

Correndo, chegando no mesmo lugar...


Ninguém sabe... é que isso... 

Acontece por que...

Vou passar minha vida esquecendo você...

E a razão por que vivo esses dias banais...

É porque ando triste, ando triste demais...


E é por isso que eu falo demais...

É por isso que eu bebo demais...

E a razão porque vivo essa vida agitada... demais...

É... porque meu amor por você é imenso...

O meu amor por você é tão grande...

É porque meu amor por você...

É enorme... demais..."


Os Músicos fizeram um solo de trompete, Mulambo fechou os olhos e dançou sozinha no palco balançando levemente os quadris e serpenteando os braços apertos, seu vestido balançava junto a seus movimentos, sua presença era fascinante.

Toda a plateia admirava a beleza o talento daquela mulher, ela era uma lenda. 

Pé ante pé uma outra mulher entrou no salão e foi se aproximando do palco, Mulambo de olhos fechados não viu mas ouviu o som de estampido e imediatamente sentiu o peito arder com o balaço que lhe atrevessou.

Maria Farrapo estava ali com sua face borrada de lágrimas e maquiagem barata, braço erguido e a arma em punho ainda saindo fumaça da boca do cano, ali no meio da multidão o povo a segurou mas já era tarde, o tiro atingiu o Mulambo em cheio.

Ela caiu para trás, fez um estrondo ao bater contra o assoalho de madeira do palco, rapidamente uma gritaria se instaurou, pânico, havia um medico ali cliente do cabaré, ele correu ate o palco para ajudar, mas nada pode fazer, o sangue já havia formado uma grande poça em volta do corpo dela.

Rosa Negra chorava muito, se abaixou e apoiou a cabeca de Mulambo em seu colo.

— Mulambo não vá embora... não me deixe sozinha...


Mulambo já não podia falar, sua vista escurecia cada vez mais, e foi então que Rosa negra a beijou nas duas bochechas, foi seguida por muitas moças, muitos beijos entre lagrimas e choros reprimidos, ela era beijada por todo o corpo, beijada por suas amigas, suas iguais. 

Era uma triste despedida. beijos daqueles que um dia ela havia ajudado, amado.

Os olhos fecharam, os longos cílios desceram como as cortinas do teatro quando a peça acaba.

E assim ela morreu.


Rosa Negra a abracou em meio a todo aquele sangue, ela chorava calada com um rio de lagrimas em seus olhos.

Rosa Vermelha ordenou que os músicos voltassem a tocar, e eles ficaram confusos em ter de fazer música naquela hora mas Rosa Vermelha insistiu então vigorosamente musicaram um doce bolero com sua metaleira. 

Os homens que estavam ali no cabaré levantaram o corpo de Mulambo, seis homens a ergueram e marcharam para fora, quando saíram a porta uma multidão se juntou na rua para ver. 

Ninguém acreditava que aquilo estava acontecendo, ninguém jamais imaginou que aquilo aconteceria.

Rosa Negra pediu uma carruagem para levar o corpo a delegacia, mas quando os homens que carregavam Mulambo começaram a descer a escadaria, a multidão em peso começou a aplaudir, batiam palmas e assobiavam mostrando sua admiração por aquela mulher, uma mulher a frente de seu tempo.

Quando o corpo foi colocado na carruagem e partiu rumo a policia, a multidão seguiu andando atrás, mais de cento e cinqüenta pessoas iam em procissão aplaudindo sem parar, as ruas por onde passavam todas as casas abriam as janelas para ver o cortejo fúnebre, até as mães de família agitavam seus lenços ali das janelas, "adeus Mulambo, adeus!".

O Delegado de policia foi para a praça para receber a multidão que vinha, ele e todo o quartel fizeram uma fila e também se poram a aplaudir o corpo daquela que era conhecida por todos, aquele que era mulher na época em que mulheres não valhiam nada, aquela que era Negra na época que negros também não tinham valor, mas que contudo foi grande.

Esse foi o fim de Maria Mulambo, o fim de uma valente.


Maria Mulambo então libertou as meninas da visão, todas ali no circulo ficaram emocionadas em ver o fim glorioso de uma mulher da noite.

algumas ainda limpavam suas lagrimas quando perceberam que o sol ja havia se posto, agora ja podiam seguir em frete.

Elas iriam entrar no mar.


❤ - III

As moças estavam ocupadas, tão ocupadas que esqueceram dos rapazes.

E foi nisto que Tranca Ruas aproveitou para escapulir. Usou seus dons de velocista para ir um pouco para o norte, chegou em Sabará, pequena cidade no interior de Minas Gerais. Ele caminhou pela ladeira pavimentada de paralelepípedos até chegar a casinha de Dona Miá, a benzedeira mais famosa da região.

Entrou sem cerimónia, já era conhecido da dona da casa. Passou por um corredor e pela janela aberta viu Miá ajoelhada diante de seu altar rezando para Nossa Senhora da Gloria, a luz das velas tingia o ambiente de vermelho.

 A idosa nem precisou virar para saber que ele estava lá.

— Vem com a paz de Deus, Tranca Ruas?


Ele limpou a garganta, tinha muito respeito por aquela mulher.

— Sim Dona Miá, com a paz dele. Será que eu posso...

— Claro que pode. — ela virou o pescoço para ve-lo — Ele anda com muitas saudades.

— Agradecido. — Tranca Ruas acenou com a cabeça.

Seguiu para o fim do corredor e logo ouviu a risadaria, vozes fininhas de criança. Chegou nos fundos da casa e ali avistou o pomar, era um terreno até grande, entre os troncos das árvores corriam muitas crianças, mas não eram crianças de carne e osso, ali eram todas almas.

Ele se abaixou e ficou olhando a correria, brincavam de esconde-esconde rindo muito. Então uma menina de uns cinco ou seis anos deu pela presença de Tranca Ruas ali.

— Ah... ah o senhor é o pai do piquininin? — perguntou tímida.

— Sim. Ele está brincando com vocês? 

— Ta sim, mas eu vô chamá ele pro senhor.


Tranca Ruas imaginou que a Menina iria sair procurando a outra criança, mas na verdade ela ergueu a cabeça, encheu os pulmões de ar e berrou "OOOOO PIQUINININ! Ó SEU PAI AQUI Ó!"

Tranca Ruas não teve como esconder o riso, então avistou menino, era de fato o menor entre todos, vinha correndo vestido com bermudinhas de brim verde e suspensórios sobre a camisa  cor de rosa.

— Papá! — Ele se atirou sobre Tranca Ruas em um abraço.

— Filipi, como tem passado? — ele beijou a cabeça da criança.

— Cansado pur dimais, correno muito papá! 

— Já consegue ganhar dos outros no esconde-esconde?

— Tonsigo!

— Consigo. — Tranca Ruas corrigiu.

— Consigo. Mas Papá... que é isso? — o menino arrebitou o nariz e cheirou o peito de Tranca Ruas.

— Ah... você ainda se lembra?

— Cheiro do pelfulme da Mamá. 

— Perfume. — Tranca Ruas corrigiu.

— Ela... ela acordou? Ela já é espírito como nós? 

— Sim, ela acordou.

— Quero vê a Mamá! Onde ela tá? Ela não veio com o senhor?

— Não veio. 


O menino deu um passo para trás e encarou o pai nos olhos.

— O senhor não falô pá ela que eu to aqui? Que eu sou espírito também?

— Não... ela... eu não sei como ela vai reagir quando souber o que eu fiz com você meu filho.


Comentários

  1. Quero saber mais da rosa negra tem poucas história sobre ela ,gostaria que falasse mais, por favor.

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  2. A história de mulambo e a coisa mas linda apaixonada ❤️

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