RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 11

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS 


Capítulo 11
"Um Anjo"





❤ - I 

A praia é um lugar cheio de magia.

Dama da Noite estava sumida já ha alguns dias, ninguém a viu desde o incidente com Rosa Caveira.

Ela passou um bom tempo na floresta, sozinha, pensando na vida... Ou melhor, na morte.

Era um final de tarde, o céu já estava vermelho nas nuances do crepúsculo tombavam o dia e davam lugar a uma noite de verão.

Ela estava deslumbrante como sempre, deitada sob a grama de uma clareira tomada por flores, como uma princesa repousando em uma cama de margaridas ela alcança um nível divino de beleza.

Vestia vermelho, o que era raro já que esta não era sua cor preferida. Estava despojada, não usava nada clássico ou glamouroso como de costume, estava simples, trajava uma saia vermelha lisa com pequenas estrelas negras bordadas na barra, uma camisa vermelha da mesma cor com mangas dobradas até os cotovelos, decote quadrado sem estampas e bem simples. Seu cabelo solto ondulado e cumprido se abria emoldurando o corpo, não usava nenhuma jóia, nenhuma maquiagem ou esmalte nas unhas, estava descalça. Era como se estivesse em repouso de sua própria vaidade.

Tetemburo se aproximou aos poucos, o menino a admirava como se ela fosse uma estatua exposta em um museu.

Dama da Noite ainda deitada entre as flores voltou seus olhos para ele.

— O que foi, Tetemburu?


Ele com uma expressão tristonha respondeu:

— Princesa... Faz dias que ta sozinha. Ta tudo bem?


Dama da Noite suspirou profundamente e fechou os Olhos. 

— Não... Não está. Tetemburo... eu não sei o que fazer.


O menino se ajoelhou ao lado dela, era pequeno como uma crianca de seis ou sete anos de idade. Apanhou a mão de Dama de Noite e colocou a sua mão pequenina sobre a mão dela.

Ela abriu os olhos.

— Tetemburo, você é mais velho que eu, o que faria se estivesse no meu lugar?


O menino olhou para ela com os olhos grandes de iris vermelhas, sorriu.

— Eu? Eu faria alguma coisa. A única coisa que eu não faria é não fazer nada.


Dama da Noite sentou e então acariciou a cabeça do menino. 

— O que acha de irmos a praia? Raquel essas horas está no fervo com aqueles doidos que seguem ela...

— Vamos princesa! vamos ver o mar!


Tetemburo abraçou Dama da Noite e eles explodiram, ele em fumaça negra e ela em pó dourado, esse era a forma do daquele menino fazer magia transporte, e assim foram até a praia.


A lua já refletia no mar, a praia que devia estar escura estava clara por muitas velas fincadas na areia. Perto dos rochedos havia muitas pessoas com roupas brancas, homens tocavam tambores e agogôs, muitas pessoas fumavam, bebiam cerveja e dançavam alegremente e cantando "Na beira da praia eu vi uma linda mulher gargalhar, era a Pombogira da praia que veio trabalhar".

Ao Longe dama da Noite viu Raquel, ela era a um espírito caiçara, agora chamada de "Pomba Gira da Praia", mas antigamente chamada apenas de "Praiana".

Ela estava ne beira do mar, vestia uma saía cor de champanhe e uma blusinha de crochê barbante, possuia um cabelo louro clarissimo ondulado, usava muitas pulseiras de prata e de ouro e aneis em quase todos os dedos, usava um par de brincos de penas de pavão. Estava descalça e as unhas do seus pés eram pintadas de rosa perolado, mesma cor das unhas das mãos. Era muito magra, sua cintura extremamente fina e a cor de sua pele era próximo ao dourado tal como o povo que vive na beira do mar.

Praiana Dançava balançando os quadris, esbanjava uma sensualidade simples mas arrebatadora.

Tetemburo correu pela areia até ela e a puxando pela saia ele a trouxe até onde Dama da Noite estava. Praiana olhou para amiga com ar de reprovação.

— O que te deu! Por que ficou acabada assim?!

— Uma boa noite pra você também. — Dama da Noite revirou os olhos com o comentário.

— Raquel a Princesa ta triste... — Tetemburu falou — Deixo ela com você!  

Então ele se foi em sua nuvem de fumaça.

Praiana sentou na areia e deu três tapinhas no chão a seu lado indicando a Dama da Noite para sentar ali ao seu lado.



❤ - II

Maria Quitéria e Figueira travavam uma densa discussão na base da escadaria da casa de Dama da Noite no morro.

Quitéria vestia um espartilho creme com muitas lantejoulas cintilantes e decote reto, sua saia era longa e rodada em tom rosa nude com as mesmas lantejoulas do espartilho na barra, seu cabelo preso em um coque um pouco bagunçado e dois grandes brincos de argola. Não usava baton ou rouge, mas seus olhos estavam pintados de um preto tão intenso que era impossível não encarar aquela face mistériosa. 

Em um tom severo falou com Figueira:

— Lorena eu vou perguntar mais uma vez, quem está manipulando Dama da Noite? Eu sei que você Sabe!

— Manipulando? Eu não faço idéia do está falando...

— Conheço Dama da Noite desde de que ela era uma ninfeta imprudente, tem coisa grossa acontecendo e eu sei que ela está servindo de figura de proa para alguém.

— Você está procurando pelo em ovo... — Figueira debochou.

— Diga o que sabe, vai ser melhor para todos.

— Ora essa, a senhora chega aqui cheia de impafia e quer exigir que eu diga algo que nem existe? É fato que vagabundas ficam loucas com idade mas não achei que era tão grave assim...


Quitéria ficou com os olhos vermelhos e deu um salto para trás, seu corpo encurvou em uma posição de ataque, pôs as mãos apoiadas nos joelhos e então abriu a boca expandindo o maxilar como uma cobra, em seguida expeliu um forte labareda de fogo vermelho da garganta, fogo este que envolveu Figueira por completo.

Quitéria se recompôs, mas se assustou ao ver que quando a lufada de fogo se dissipou e Figueira estava intacta, não sofreu dano algum.

— O quê? — Quitéria a encarou surpresa.

— Ta passada? — Fogueira riu.

— Que tipo de entidade é esaa que o fogo do inferno não queima?


Figueira em um ímpeto zombeteiro jogou a cabeça para trás e deu uma estridente gargalhada, depois voltou seu rosto para Quitéria.

— Você é uma Bruxa de verdade, mas há mais bruxas aqui, eu sou uma delas. Ao todos temos muitas corujas nessa familia de Pombas sem penas.

— Então quer dizer que tem gente graúda por trás dessa trama?


Figueira virou as costas para Quitéria e começou a subir de volta os degraus da escadaria. 

— De mim não saberá nada. Mas tem muita coisa que Você não sabe e que inviávelmente te envolve. Mas tenha paciência e saberá de tudo na hora certa.


Quitéria tinha certeza que era mais forte que Figueira, mas achou melhor não provocar um conflito naquele momento, era mais prudente investigar.



❤ - III

Na Praia, Dama da Noite tentou se abrir com Praiana.

— Sabe Raquel, eu não sou má assim pareço. Está ficando difícil fazer esse papel de maligna. Mas meu coração aperta toda vez que penso em Veludo. Ele foi o único homem que amei quando eu era viva.

— E ainda ama?

— Amo. Não como antes, mas ele... ele só tem a mim. — Dama da Noite suspirou.

— Amor é uma fraqueza. Aqueles dois tentaram me chantagear para fazer isso que você está fazendo, mas como não tinha nenhuma arma contra mim eles não puderam me obrigar a nada.

— Sorte a sua.

— Veludo está dormindo, só isso. Eles não machucar ele, só vão mante-lo preso.


Dama da Noite olhou para a lua e seus olhos se encheram de lágrimas, levantou o tecido da saia e ali sentada na areia deixou a luz da lua se refletir na pele de suas pernas. Moveou os labios naturalmente rosados esboçando uma palavra mas desistiu de falar.

— Eu posso te ajudar em algo? — Praiana perguntou.

— Não. Eu só queria poder resolver tudo.


Praiana ouviu as pessoas da praia cantarem uma cantiga que gostava muito.

— Adoro essa cantiga... — Ela cantarolou junto — Vem dançar Comigo!


Dama da Noite se levantou e então uma luz tomou conta de seu corpo, rapidamente ela apareceu diferente de antes, vestia Preto, um vestido sem mangas de seda nobre. Agora estava com todas a suas jóias e todos seu glamur novamente, um cinto dourado com o símbolo de uma rosa e as unhas também douradas a rasgatavam a sua força, Dama da Noite é do Ouro. Ela foi dançar com Praiana aquela cantiga animada. Dama da Noite encarnava o real sentido da palavra DAMA.

Em meio a rodopios e sacolejos naquela dança ela olhava para a lua e ainda pensava em como resolver os problemas a que ela estava atada.



❤ - IV

Quitéria estava muito pensativa, tinha toda aquela questão sobre querer se vingar de Maria Padilha, mas isso podia esperar. O motivo era a sua morte.

Quitéria morreu sendo enganada, vítima de um imbróglio, isso trouxe para ela um certo tipo de energia de Karma que a fazia rejeitar absurdamente qualquer mínimo indício de traição e de mentira, e mesmo que o seu coração fervilhar-se de ódio por Maria Padilha ela antes de qualquer coisa iria se empenhar para deixar toda a situação de Dama da Noite as claras.

Figueira não tinha sido de nenhuma ajuda, Quitéria havia conhecido Figueira quando era viva mas nunca havia desconfiado que ela também era uma bruxa, a família de Figueira tinha laços com a magia negra a mais de mil e oitocentos anos, porém Quitéria também não havia percebido isso pois na época do cabaré ficou totalmente absorta pela vida glamourosa que levava e principalmente pelo orgulho que tinha da falsa sensação de ser a única bruxa do Brasil que não percebeu nada do que acontecia a sua volta, agora na morte antes de tudo ela queria perceber e ter certeza de tudo.

A voz de Quitéria ecoou naquelas ruínas.

Meia Noite já havia partido, Mulambo estava sozinha ainda nas ruínas do Cabaré de Fogo. 

Havia um resquício de telhado na casa, eram telhas de barro vermelho. Mulambo estava deitada ali nas telhas de barro diante do o céu cheio de estrelas a qual mirava com os olhos brilhando. A lua estava minguante, era lindo ver o céu.

Quitéria foi entrando na casa, e ao se aproximar ela foi logo perguntando.

— Onde você dormia?


Mulambo se sentou rapidamente assustada. Ela então olhou para o buraco no telhado que ficava sobre o corredor e viu ali Maria Quitéria parada com as duas mãos na cintura. O vestido cor de areia era tão belo que ela olhou novamente para ter certeza que não estava delirando ou vendo um anjo. 

— Quitéria? Que surpresa...

— Surpresa porque? Essa aqui ainda é minha casa. Mas me responda por favor, onde você dormia? Onde esteve depois que morreu? Onde repousou esses anos todos?


Mulambo pensou um pouco antes de falar.

— Eu estava no Fogo.

— Eu imaginei. — Maria Quitéria subiu ao telhado dando um salto de três metros de altura, sua saia esvoaçante lhe fez parecer voar.

— Quiteria você sabe o tamanho do meu apreço por sua pessoa, mas não e um bom momento. 

— Eu sei que não é, no caminho para trás encontrei aquele Samuel, aquele que agora vocês chamam de meia-noite, ele me contou tudo. É um fofoqueiro.

— Nós já chamávamos ele de meia-noite quando era vivo.

— Era mesmo? Não me lembro do nome de nenhum homem, só me lembro daquilo que eles tem no meio das pernas, mas voltando ao assunto eu gostaria de saber onde você estava exatamente e como estava se sentindo durante o tempo em que ficou dormente.

— Eu só me lembro de muito fogo, um fogo que não me queimava mas me deixava extremamente confortável.

— O Fogo dos Condenados... — Quitéria murmurou.

— o quê?

— você sabe que todas nós que somos bruxas, afinal de contas você pode fingir que não é uma bruxa mas fez feitiços a vida toda então de fato é uma de nós, todas nós depois que morremos não podemos ir para o céu ou para o inferno ou para qualquer caralho que exista no mundo espiritual, permanecemos presos à Terra porque nós mexemos com a ordem natural das coisas e adulteramos o sentido da Natureza e por isso ela não permite nossa partida daqui, porém há um fator que acontece com uma bruxa quando ela morre com muito remorso, um tipo de penitência auto-imposta, Isso se chama o fogo dos Condenados, é quando a bruxa fica presa em uma ilusão de Fogo e de modo totalmente alheio ela permanece dentro de sua própria Sepultura sem se mexer acreditando que está queimando.

— Você acha que foi isso que aconteceu comigo?

— Com toda certeza que foi. Mas há algo de muito estranho aqui, pois uma bruxa dentro do Fogo dos Condenados tem de permanecer ali por muitos séculos até que desperte sozinha.

— Mas eu não despertei sozinha, foi Sete Encruzilhadas quem me acordou.

— Mas quem é Sete Encruzilhadas? — Quitéria juntou as sobrancelhas pensativa.

— Ele era um dos homens que frequentavam o cabaré, foi um dos nossos amigos na época. — Mulambo disse de forma displicente.

— Eu não me lembro de nenhum Sete Encruzilhadas, Você lembra qual era o nome ele enquanto humano? Ele por acaso surgiu depois que eu morri?

— Eu ... eu não me lembro do nome dele como humano, e também não me lembro da época em que ele apareceu no cabaré.

— Mulambo você consegue se lembrar do rosto dele na época em que era vivo? Ou melhor, deixe-me reformular a pergunta, você se lembra de alguma situação que viveu junto com ele na época em que você era viva?

— eu... eu me lembro da existência dele mas não consigo me lembrar de seu rosto ou de nada que tenhamos vivido juntos.

— Mulambo Você se lembra de como quebrar um feitiço em si mesma?

— Mijando em cima de um papel com o nome da pessoa que nos enfeitiçou escrito?

— Ah eu adorava fazer isso, — Quitéria riu — mas nós mijavamos em cima de nomes quando nós tinhamos urina para mijar, agora não temos um corpo de carne nem bexiga com urina dentro, então você lembra da segunda forma de se quebrar um feitiço?

— Quando uma bruxa sabe que foi enfeitiçada o feitiço perde o valor. — Mulambo recita uma frase como se lesse em um livro.

— Exatamente! — Quitéria vibrou — Então eu estou te dizendo que você foi enfeitiçada por esses Sete Encruzilhadas para acreditar que ele fez parte da sua vida, assim como acredito que todos os outros espíritos daqui foram enfeitiçados da mesma forma para crer cegamente que este homem existiu entre vocês na época eram vivos, mas eu não me lembro de nenhum Sete Encruzilhadas e pelo que você diz você também não se lembra isso é pelo fato de que não existiu nenhum Sete Encruzilhadas, não existe um homem com esse nome ou com esse apelido, você não o conhece Mulambo, você foi enfeitiçada para acreditar que sim.


Como instalo, como se algo se quebrasse dentro da cabeça de Mulambo ela arregalou os olhos e percebeu finalmente que Sete Encruzilhadas não fazia parte do seu passado, então ela em um flash se lembrou da primeira vez que o viu naquele dia dentro do Fogo, ela viu um homem muito belo e logo atrás dele um enorme par de asas.

— Sete Encruzilhadas não é humano. Eu o vi com as asas de anjo nas costas, foi assim que eu vi a primeira vez, talvez antes dele me enfeitiçar mas acabei me esquecendo após o feitiço, ele não é um homem, ele é um anjo.

— AHA! — Quitéria gritou ficando em pé em comemoração — Um anjo caído! Eu sabia que tinha coisa pesada atrás de dama da noite, agora os laços começam a ser desatados, um anjo...


Mulambo voltou a deitar no telhado, seu vestido verde escuro se abriu como um leque, seus pés estavam descalços e eram pequenos e delicados.

Quitéria se sentou ao lado, segurou a mão de Mulambo e e perguntou:

— Hã? O que foi meu bem? — Quitéria se espantou com a falta de reação dela — acabei de te dar uma notícia surpreendente, você não se sentiu impactada com ela?

— Ora Quitéria, que se fodam os anjos, eu estou na merda aqui, depois eu começo a pensar sobre essas coisas agora não posso.

— Ué? O que te deixa assim tão tristonha?


Mulambo olhou para Quitéria e ao invés de responder ela fez uma pergunta.

  — Você não tem raiva de mim?


Queria se aproximou mais.

— Não. Você era a única ali que realmente gostava de mim. Eu sei que não teve nada haver com o plano de Padilha pra me assassinar. Eu sei de tudo. Deixe isso pra lá... é hora de esquecer disso tudo.

— O pior e isso.

— O que meu bem?

— Não consigo deixar nada para trás.

— A sua beleza é incomparável. Sua pele em um tom de negro dourado, nem eu mesmo me comparo contigo. Mulambo... Mulambo... Mulambo... Eu só quero que se lembre de quem você realmente é. Você tem que lembrar o seu valor.


Mulambo sorriu, elas se olharam por alguns momentos e então Mulambo ficou em pé e elas deram um apertado abraço. 

— Mulambo eu senti saudades de você. Você e a mulher mais louca que conheço mas eu lhe amo muito. Talvez lhe ame por que você é sincera.

— Senti sua falta. Depois que você se foi não tinha mais ninguém pra me por nos eixos. Minha vida degringolou...

— Mas deixe a vida para trás. Estamos mortas agora e nós temos coisas a resolver.

— Quitéria eu sei que não e educado pedir favores assim de cara mas eu preciso...

— Educação nunca foi o seu forte. Pode pedir, se estiver ao meu alcance eu farei.

— É sobre isto de "resolver" as coisas. Eu tenho que resolver um assunto de vez por todas.


Quitéria ajeitou o cabelo para trás da orelha, ela suspiro como se estivesse cansada. 

— Então e de Padilha que vamos tratar?

— Sim.



❤ - V

Na casa de Dona Doralice estavam Cigana Sarah, Sets Saias e Rosa Caveira, elas ajudavam velha a ler o Tarô. Aliás, Mesmo Sarah e Sete Saias sendo Ciganas, a ciência do Tarô se abria para Rosa Caveira também. 

Doralice enquanto jogava as cartas seguindo as orientações das entidades acabava sempre dando uma pausa entre alguns minutos de jogo para enfiar uma colher em um prato de polenta com carne moída que tinha bem ao seu lado e atochar na boca do bebê Henrique que estava sentadinho em um cadeirão bem ao seu lado.

— Escute Doralice, Quantos anos esse menino tem? — sete saias perguntou.

— não tem nem um ano ainda. — Doralice respondeu enfiando mais uma colher abarrotado de polenta na boca do menino enquanto ele batia Palmas de satisfação.

— Você não acha que está dando comida demais para ele não? — Rosa Caveira perguntou — o garoto parece um filhote de mamute, está roliço.

— Ah vocês não sabem de nada, criança boa é criança gorda! — Doralice riu então a risadinha fina de Enrique ecoou pela sala seguida por um choramingo, ele queria mais polenta.


Era fim de tarde quando Tetemburo chegou até a casa da benzedeira. Se esgueirando entre as flores do quintal o menino foi até a porta da casa e gritou:

— Se tem Sete Pele aí dentro que saia pra fora!


— Que é isso? Isso é voz de criança morta... — Doralice falou esticando o pescoço para ver se conseguia vê-lo pela porta aberta.

— Até o momento só vi uma criança morta, é aquele moleque que anda na barra da Saia de Dama da Noite. — Rosa Caveira falou.


Cigana saiu, estava vestida de vermelho e laranja, a  saia era estampada com símbolos místicos em muitas cores, usava uma mini blusa laranja e deixando a sua barriga a mostra um bolerinho de crochê sem mangas cor de abóbora, exibia anéis em todos os dedos e as unhas eram pintadas de dourado, o cabelo louro estava solto  usava nos pés uma sandália rasteira típica cigana. 

Ela olhou para Tetemburo desconfiada.

— É você o diabinho que anda com Dama da Noite, não é? O que você quer?


Tetemburo chiou algo, alguma ofensa Inaudível, depois falou:

— Amanhã quando der a primeira hora da madrugada, Dama da Noite espera vocês e todas as outras para uma reunião. Leve a feia cara de osso e a dançarina que está aí com você também. Vai ser na floresta.


Tetemburo explodiu em sua Nuvem de fumaça negra e partiu.


Rosa Caveira se aproximou e perguntou:

— Cigana o que será que ela quer?

— Não sei. O único jeito é ir. Pelo que entendi o Diabinho vai convocar a todas. Deve ser algo importante...

— Eu vou, mas tenho certeza que vou me aborrecer.



❤ - VI

Anoiteceu, Quitéria olhava para o céu e calculava as estrelas, observava as constelações. Sempre gostou de astrologia, gostava de na noite clara encontrar no céu as três Marias, ao lado delas encontrar a estrela reluzente Ardra, sua estrela da sorte.

Era noite de missa, a igreja N.S. da Rosa Mística estava lotada, os sinos badalavam dando a última chamada antes da missa iniciar. Quitéria estava sobre o telhado da igreja, olhava para o céu mas também observa a praça que dava nas portas do santuário. O vento batia em seu corpo, seus cabelos soltos esvoaçavam, seu vestido negro se levantava como se tivesse vida própria. 

Ela se sentou na beira do telhado ao lado de estátuas de anjos de pedra, se apoiou sobre um anjinho e passou a ver a multidão que vinha para a missa.

Eram muitas mulheres, a maioria com véus cobrindo as cabeças, a maioria dos véus era negro ou vermelho, eram cores muitos usadas para aquela santa. Todas tinham velas acesas e rezavam "Salve Rainha", era como um coral gregoriano de mulheres.

De repente Quitéria viu um mulher com véu branco na cabeça, a mulher era negra e seu vestido também era branco. Quitéria se entrigou com aquilo, já que não era comum alguém destoar tanto.

A mulher olhou para cima, os seus olhos e os de Quitéria se encontraram.

Quiteria se levantou rapidamente e se arremessou do alto da cobertura gótica, e caiu no meio do povo. Ela procurava aquela pessoas que achava ter visto, corria entre as mulheres verificando uma a uma para ver se alguma delas era a pessoa, olhava por cima das cabeças mas não via mais ninguém com o véu branco. Ainda assim ele conferiu todas as mulheres mas nenhuma era ela. Todas entraram para a igreja, Quiteria ficou ali na praça sozinha se perguntando se era possível ter tido uma visão assim tão real. Ela olhou para a lua e pensou em voz alta:

— Tem alguma coisa errada... Eu tenho certeza que era... que era Núbia...


Um abafado som de estouro se ouviu, o menino Tetemburo apareceu ali.

Ele manteve uma distância segura de Quitéria e então perguntou:

— Ei Bruxa, vai me chutar de novo?


Quitéria olhou para ele e fez uma expressão de deboche. 

— Nao meu amor, eu jamais lhe faria mal, prometo que não vou lhe judiar. Mas me diga o que você quer aqui?


Tetemburo se aproximou.

— A Princ... A Dama da Noite chamou todas as moças para uma reunião na floresta. Quando der a primeira hora... Você deve saber onde é. Ela quer que você vá...


Quitéria se aproximou sorrindo.

— O recado e só esse?

— Sim moça, e so esse... — o menino arregalou os olhos.

De supetão Quitéria deu lhe um chute com o bico de seu sapato no peito do coitado, com o tranco o menino foi arremessado para tão longe enquanto gritava "você prometeeeeeeeu" até que desapareceu. Quitéria então gritou de volta:

— Eu menti! Nunca gostei de crianças! —e deu uma alta gargalhada.


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