RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 4

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS

 
Capítulo 4
"Omnipotentem"






❤ - I 

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo estava enfeitada, haviam flores depositadas diante do altar, a imagem da Santa iluminada por muitas velas reluzia em dourado.

A missa estava já pela metade e praticamente todos os bancos estavam ocupados, exceto pelo ultimo banco do lado esquerdo. Ninguém quis sentar ali, houve uma rejeição instintiva por parte das pessoas. 

O motivo disso é o fato de que na verdade aquele banco estava ocupado. Os olhos humanos não conseguiam enxergar porém Sete Encruzilhadas estava sentado ali. Ele gostava de ir até aquela igreja por um único motivo, o coral dos noviços que cantava em estilo gregoriano. A igreja havia sido construído de forma que acústica emitia um som de eco muito grande, cada palavra dita ecoava três ou quatro vezes no mármore que revestia a construção.

O padre após terminar parte da sua liturgia inclinou a cabeça convidando os doze rapazes para se colocar em diante do altar e entoar em um louvor.

A voz suave e potente de um deles entoou:

"Credo in unum Deeeeeeum"

Assim todo o coral respondeu:

"Pá-aaatrem Omniiiiipotentem... factóoorem caeli et terraeeeeee, Visibiiiiilium omiiinuuuuuum, et invisibiiiiiiliiiiuuuuum"


A voz melódica e grave de Sete Encruzilhadas cantou integrando a melodia:

— O amor que faz o mundo girar... onde encontrar amor sem par? E o destino das coisas da criação é seguir sob a espada unção..."


— Pare já com isso! — Uma voz doce de mulher o repreendeu.


Sete Encruzilhadas olhou para o lado e deu pela presença de um ser gantástico, era uma menina que aparentava ter 12 ou 13 anos mas que tinha uma aparência sublime, cabelos loiros muito cacheados e volumosos que caiam até os ombros, um vestido branco de alças finas que ia até os pés, mas o mais impressionante eram os olhos de um prata intenso e as grandes asas que saiam de suas omoplatas.

— Porque está me repreendendo? Eu cometi algum crime? 

— Zombaria não é crime, mas não é um comportamento digno de aprovação. — A anjinha falou raivosa.

— Eu não estou zombando. — Sete encruzilhadas respondeu.

— Ah sim, deixe-me adivinhar, saudade de casa? 

— Não brinque com isso.

— SAIA. — Ela pronunciou com a boca escancarada de dentes pontiagudos.

Sete Encruzilhadas se levantou do banco e caminhou até a porta da igreja.

— Eu não entendo, verdadeiramente não entendo como você pode ter mantido suas asas brancas mesmo sendo tão perversa.

— O entendimento das coisas santas não é mais assunto da sua alçada. Pensa que nós não sabemos das suas brincadeiras? Está jogando um jogo perigoso "ben-dod".

— Ben-dod? Porque me chama de Primo? 

— Você não é mais Ankh, você não é mais nosso irmão.


Sete Encruzilhadas ergueu os olhos e observou toda a arquitetura da igreja, posou seu olhar nas imagens de anjos guerreando pintadas na abóboda do teto, então olhou a garota nos olhos.

— Guarde minhas palavras minha amiga, você ainda vai se arrepender de me tratar assim. — ele virou as costas e começou a caminhar em direção à rua, Mas mesmo com o sol a pino nenhum redemoinho de vento se formou à sua volta.


— Cuidado ben-dod — a garota gritou — você está sobre o fio da navalha, do nosso lado nós não tomaremos nenhuma atitude a respeito das coisas que você planejar fazer, mas o príncipe deste mundo pode se zangar com você. Cuidado ben-dod, cuidado...


Sete Encruzilhadas atravessou a rua com as mãos nos bolsos foi caminhando de cabeça baixa até desaparecer em uma curva distante.



❤ - II

A serpente negra sabia bem onde ir, Kainana em forma de uma sucuri cor de petróleo de oito metros de cumprimento ia mata a dentro. 

Rastejou até um poço velho cavado a muitos anos por garimpeiros, ali entrou, tomou folego e foi até o fundo, la encontrou um tunel quilômetrico submerso que dava no fundo riacho e então nadou nele até sair em uma queda d'água, atrás da pequena cachoeira ele encontrou a caverna.

Havia estado ali algumas vezes no passado, na época em que os grandes Deuses ainda governavam nesta terra, antigamente era uma caverna revestida de ouro e cheia de joias e ornamentos por dentro, agora mas parecia um buraco sujo.

Rastejando sinuosamente ele entrou na caverna, a luz do entardecer refletia um brilho alaranjado nas paredes de pedra. Kainana então começou a invocar um nome, com sua voz Ophidea ele clamava.

— Rudá! Rudá venha! Rudá amigo das serpentes! Rudá é a serpente Kainana que te chama!


Nada aconteceu, ninguém respondeu.

Kainana então pensou que o grande Rudá não ouviria seu chamado. Até que então ele se lembrou de um segredo que só as serpentes sabiam... a invocação do Lago Juá. 

Este é um lago que até os dias de hoje existe, fica em Santarém, estado do Pará, e era lá que antigamente um grande Deus morava.

Kainana ergueu a voz:

— TUPÍ-RUDÁ-PARUDÁ-JUÁ!


Um estrondo como de muitas pedras batendo se ouviu dentro da caverna, em seguida um relâmpago tão forte que deixou os olhos da serpente Kainana como manchas brancas durante alguns segundos, mas quando a visão voltou ao normal ele pode visualizar o homem nu e deitado no chão úmido de pedra, era um indígena de 1,80 de altura, os cabelos curtos cortados em "tigelinha", o rosto e o corpo repleto de pinturas em pigmento vermelho e preto, seu corpo é muito bem feito, era magro mas os músculos bem definidos, quem o olhasse diria que não passava dos trinta anos. A única coisa que o diferenciava de um indígena comum era o fato da sua pele ser muito mais vermelha do que o tradicional dos humanos e também dos seus olhos terem as íris douradas como ouro líquido.

Rudá estava ali deitado, completamente inerte, qualquer um até poderia pensar que estava morto, mas na verdade ele estava apenas parado por pura opção.

Um dia ele fora um Deus desta terra, Rudá era tão poderoso no Brasil quanto um Orixá é na África. Os índios Tupí-Guaraní cultuavam um panteão de Deuses, entre eles o Deus do amor protetor das mulheres, Rudá senhor das nuvens. 

Era como o Eros dos gregos, um Deus Rudá e com um culto forte, milheres de mulheres e homens o louvavam e o desejavam.

Kainana ficou imóvel, fazia mais de duzentos anos que Rudá havia desaparecido.

Kainana se aproximou dele e o saudou.

— Rudá por que nos abandonou?


Rudá nada disse, olhou para Kainana, fechou os olhos e ficou em silêncio.

A serpente o cutucou na bochecha com o focinho.

— Hê! Icoáuba? — (Ei, está chateado comigo?) Kainana perguntou.

— Icô. — (Não) Rudá respondeu.

— Moína nheenga — (converse comigo) Kainana pediu.

— Monguera mboguaba... — (Me deixe dormir).

— Ai Rudá eu não sei mais falar em Tupí, dá pra falar em português? 

— O que eu poderia esperar de um mestiço? Tudo bem Norato, vamos falar na língua dos karamurus.

— Pode me chamar de mestiço o quanto quiser, mas não me chame de Norato, eu não gosto.

— Mas foi esse o nome que a sua mãe te deu...

— Mas meu pai me deu o nome Kainana, então respeite meu pai.


Rudá ainda de olhos fechados abriu um sorriso, seus labios eram finos mas muito bem desenhados, quando sorria duas covinhas apareciam nas bochechas.

— Faz muitos anos que eu não vejo meu pai. Você sabe do paradeiro dele Rudá?

— Mboi-Una? Nunca mais vi. Mas eu vi sua Irmã recentemente Kainana...

— Dela eu não quero saber nada. Na verdade eu queria saber de você, que aconteceu Rudá? De todos os Deuses você era sempre mais próximo dos homens, mas de repente você sumiu.


Rudá abriu os olhos e mirou Kainana, seus olhos de ouro eram meigos, por mais que sua expressão fosse sombria.

Ele lentamente se ergueu e caminhou até a entrada da caverna, o noite começava a chegar e a lua nova ja estava no céu. Rudá murmurou o nome "Katití" (lua nova na língua dos índios). Então se voltou para a serpente:

— Por que vem me importunar? Eu já sofri o suficiente sem suas amolações, Kainana.

— Vim pois preciso de ti.

— Precisa? Isso é novidade, faz muito tempo que ninguém precisa de mim para nada.

— Mas eu afirmo que preciso, e não só eu, tem pessoas que andam comigo, gente que é só espírito, mas também gente de carne e osso. 

— Algum desses seus amigos é gente do meu povo?

— Não. — Kainana falou receoso.

— Então quer que eu saia do meu descanso para prestar serviço para os brancos? O que acha que eu sou? Prefiro a destruição do que me dobrar essa gente, não existe diabo pior do que essa raça.

— Não Rudá, eu não estou falando que os meus amigos são Bandeirantes ou Jesuítas, ninguém aqui é desbravador ou escravagistas, essa época já passou. Eu sei que os primeiros brancos que pisaram nessa terra são a escória da humanidade, porém não generalize pois os filhos deles e seus descendentes muitas vezes revelam grandes qualidades no coração.

— Devo eu então esquecer absolutamente tudo que vivi, tudo que eu vi? Devo abraçar essa escória imunda e chama-los de amigos?

— Sinceramente? Deve.


Rudá molha a não na cascata de água que cobre parte da entrada da caverna e passa os dedos molhados pelo cabelo.

— Éramos mais de trezentos... mais de trezentos Deuses. Meus filhos foram mortos, escravizados e convertidos pelos homens brancos. Agora essa terra é dominada por santos dessa raça amaldiçoada, servos desse "Cristo" amaldiçoado. Foi em nome de Cristo e da igreja dele  que houve o massacre dos originais da terra. Estão quase extintos, meus filhos estão quase extintos. E o pior é que agora um grupo de Deuses de pele escura atravessou o mar em busca de seus filhos que foram escravizados aqui, e esses Deuses querem dominar essa terra, esse chão que um dia foi meu. Eu fui ao riacho dourado ver Yara, mas ela não estava lá, porém havia um mulher lá, a tal Oxum. Essa mulher nem fala a minha língua, ela não é daqui, mas estava sentada na nascente se proclamando rainha das Águas! Essa terra ja tem dono e Eu sou Rudá, o Deus do Amor, mas é a Oxum que o povo procura! Os Deuses do povo original se calaram e dormiram. Eu agora não sou mais nada. E um Nada não pode ajudar ninguém.

—  Rudá, pense bem. O tempo passou, os brancos assassinos ja morreram. É justo que os filhos deles paguem pelo crime dos pais? Os brancos mataram em nome de Jesus Cristo, mas Cristo não matou ninguém, os homens malvados ja foram punidos após a morte. Rudá... Oxum e os Orishas não atravessaram o mar com intenção de roubar o seu reino, os filhos deles tambem foram barbarizados pelos brancos, eles só vieram tentar resgatar os seus descendentes. Calma Rudá, Calma, não de corda para a revolta.


— Quer saber da verdade? Minha existência não tem mais significado. O Criador devia me eliminiar, sou inútil agora. 


Kainana rastejou até os pés de Rudá.

—  Os índios ja são poucos, e os que existem ja não se lembram de ti. Mas há um povo que precisa da sua força. Venha comigo, será cultuado novamente.


Rudá olhou para a Serpente e ficou em silêncio.

— Então o que diz? — Perguntou Kainana.

— Isso peca contra a minha natureza.


Kainana se enrolou na perna de Rudá e subiu por seu corpo até chegar nos ombros.

—  Você era o Deus do céu, das nuvens, Senhor da grande Kairé (lua cheia) e Kakití (lua nova)! Sua natureza não é estar sozinho em uma caverna escura. Venha Rudá! Os viventes dessa terra nasceram aqui, são teu povo também!


Rudá nada disse, ficou em silêncio olhando o céu escurecer por trás da cortina d'água que cobria parte da entrada da caverna, kainana permaneceu ali no ombro do Deus, ele era esperto e sabia o momento de se calar, assim não disse mais nada para que Rudá pudesse usar o tempo e o silêncio para pensar.

Quando Rudá moveu novamente a cabeça a noite já estava intensa, pelo menos quatro ou cinco horas haviam se passado com ele ali parado, Kainana estava na mesma posição aguardando.

—  Serpente, acha mesmo que essas pessoas me aceitariam entre eles?

— Sim. Eles necessitam de ajuda. Nós, os espíritos também necessitamos. Venha Rudá, eu acredito que você irá gostar de ser louvado novamente, mas em todo caso se você não sentir que é seu lugar, volte para sua Caverna, porém só volte depois de pelo menos tentar.

— Certo, eu irei. Mas eu não quero que você diga a ninguém que eu sou Rudá, sinto muita vergonha de ter decaído tanto.

— Eu entendo perfeitamente... então escolha para si um novo nome e todos irão te conhecer por ele a partir de agora.


Rudá olhou para o céu novamente dessa vez a lua nova brilhou em resposta à pergunta que ele fez mentalmente, Rudá era filho de uma deusa muito antiga chamada de Jaci, esta era poderosa Deusa da Lua.

— Eu quero que me chamem como filho de minha mãe, eu quero que me chamem como aquele que veio da Lua Branca.

— Tradicionalmente o povo costuma chamar os espíritos indígenas de caboclos. — Kainana explicou.

— Mas eu não sou um caboclo, caboclos são pessoas mestiças de brancos com índios, filhos de estupros, são coisas hediondas e eu não quero que me chamem assim.

— As pessoas de hoje em dia já não conhecem o verdadeiro significado das palavras, elas acreditam que Caboclo é um índio, dessa maneira eu aconselharia que você não se importasse de ser chamado assim, no fundo quando te chamarem por esse adjetivo será para reconhecer a sua origem.


Rudá suspirou aborrecido.

— Pois que seja então, deixe que me chamem de Caboclo Lua Branca.

— Que seja bem vindo nos corações dos homens desta nova era, salve a tua força! 



❤ - III

Ela vinha caminhando tranquilamente, quilometros de mata fachada a separavam da casa de Dama da Noite, usava calça cumprida branca, uma camisa de botões listrada de branco e vermelho, sapatos de salto alto com bico redondo, o cabelo negro, volumoso e levemente ondulado na altura da cintura, e na cabeça o seu chapéu panamá. Era uma mulher deslumbrante.

Ela vinha, mas não estava só, Menina e Rosa Vermelha estavam com ela.

Uma das vantagens de ser um espírito é a falta de peso, almas não pesam nada, e é por isso que os sapatos de salto alto não afundavam na terra úmida.

Após muito caminhar ela sentou em um tronco tombado, não por estar cansada, na verdade ela precisava pensar.

As outras duas tambem pararam, Menina a encarou, havia uma ar de curiosidade em seu olhar.

— Pergunte, vou sanar sua curiosidade.


Menina era uma moça pequena, mais ou menos um metro e cinquenta centímetros. Era extremamente perigosa, morreu aos quinze anos, mas seu pouco tempo de vida foi uma das maiores prostitutas da colônia.

Ela estava com seu vestido rosa claro, sem mangas, com o busto em renda negra. Rodopiou faceira e sua saia levantou-se, girando no ar. Com um sorriso cínico ela perguntou:

— Maria Navalha, me diga exatamente o que está acontecendo!


Maria Navalha coça o queixo de um jeito masculino.

— Eu não sei direito.

— Como não sabe? Eu aceitei vir de São Vicente para cá com vocês duas e até agora não me disseram nada! — Ela cruzou os braços sobre o peito, emburrada.

— Eu não sei explicar o tipo do bagulho... é um negócio que a Dama da Noite quer fazer e pra realizar precisa de todo mundo. — Navalha tentou explicar.

— Bagulho? — Menina não entendeu.


Rosa Vermelha que estava em silêncio até o momento teve de se pronunciar, ela era uma verdadeira sabe-tudo e ficava irritada com a falta de fraquejo com de Navalha com as palavras. Sentou-se ao lado da amiga, estava linda com seu cabelo negro preso em um coque alto com uma rosa vermelha lateral da cabeça, vestido vermelho vivo com delicados bordados em linha verde cintilante.

— Dama da Noite pretende fazer uma magia. Um feitiço chamado "Roda das Princesas".

— Aaaaah sim, uma roda das princesas! — Menina ergueu as sombrancelhas — Mas que mazela é esta uma Roda das Princesas?

—  Mil anos atrás haviam mulheres poderosas na Europa, eram Bruxas. — Navalha falou.

— Mas nós também éramos bruxas, pelo menos eu era quando estava viva. — Menina respondeu.

— Sim nós éramos, mas essas bruxas eram diferentes de nós, elas tinham medo de após a morte se tornarem sluagh. — Navalha falou.

— E o que é sluagh? — Menina quis saber.

— É a forma celta de chamar os kiumbas. — Rosa Vermelha falou.

— Espera ai, você esta dizendo que nós vamos nos tornar kiumbas? — Menina se assustou.

— Bom, pelo que Dama da Noite disse, todo espirito que permance muito tempo na terra acaba se tornando kiumba, isso porque não é natural que fiquemos aqui. Para que isso não aconteça conosco é necessário fazer a Roda das Princesas. 

— E como se faz esse feitiço? — Menina quis saber.

— Não sei, mas Dama sabe. A única coisa que sei é que será necessário todas nós para realizar isso. — Rosa falou.



❤ - IV

Por onde ele passava as plantas floresceriam, os animais se aproximavam, a vida renascia, em cada pegada sua surgiram flores.

Ainda era meio da madruga quando se aproximaram da casa da velha Doralice. Flores brotavam por toda parte. As kiumbas que se ocultavam nas sombras da noite se agitaram e fugiram aterrorizadas com a luz que emanava dele.

Rudá, que agora se chamava Lua Branca entrou na casa sem precisar pedir licença, o feitiço de proteção que Doralice colocava no local não se aplicava ele, ele não era uma alma humana e tão pouco era uma alma demoníaca, Lua Branca era uma alma divina.

Assim que entrou todos os presentes ficaram chocados, Lua Branca de fato não era mais Rudá pois até a sua aparência havia sido transformada, isso por preferência dele afinal após assumir uma nova identidade ele queria ser uma nova pessoa por completo, então se apresentou como um homem ainda de pele vermelha mas agora não de um vermelho tão intenso como antes, ele era um indígena de cabelos muito compridos e lisos, um saiote de penas brancas e o desenho de uma meia lua estampado no centro do peito, conforme caminhava mesmo sem vento seu cabelo ondulado vai pelo ar, seus olhos cor de ouro ainda estavam ali reluzindo com bondade.

Doralice foi até ele, então fez uma reverência reconhecendo que a energia daquele espírito para de paz.

— Essa é Doralice, é a dona desse pedaço de chão, é uma feiticeira de sangue europeu mas é uma mulher muito bondosa que sempre ajudou a todos que ela pediram Socorro. — Kainana apresentou.


Doralice e Sorriu meio sem jeito, nunca tinha estado diante de um homem tão belo e mesmo sendo uma idosa ela sentiu uma forte atração sexual por aquela figura.

 — Seja bem-vindo à minha casa, e que o Senhor possa considerá-la também sua. Me desculpe perguntar mas o senhor é um espírito do amor?


Rudá sorriu sem mostrar os dentes um sorriso simpático.

— sim minha cara, eu sou o que pode se considerar um espírito do amor.


Rudá olhou para os outros espíritos presentes e sorriu para eles, no que recebeu muitos cumprimentos de volta, estavam ali Sete Saias, Figueira, Giramundo e Cigana Sarah.

Cigana ficou muito impressionada com a beleza do homem, mesmo que a aparência dele não tivesse nada a ver com ciganos ela sentiu atração pelos cabelos compridos pois os homens de seu povo tinha um hábito e deixar os cabelos longos.

Ela era cheia de magias, começou a balançar a cintura, seu lenço cheio de moedas fazia um som suave. Começou a estalar os dedos e conjurando um de seus feitiços, musica começou a ser ouvida... som de banjos e pandeiros. Cigana nunca havia visto um homem como aquele. A musica que ela produziu com sua magica tornou o ambiente leve, a voz de Cigana era suave, doce e envolvente. Ela começou a dançar, movendo o corpo com toda a sensualidade das mulheres Ciganas... e cantou para Lua Branca:


"Jamais... meus olhos viram...

Jamais contemplei...

Tamanha beleza digna de um Rei...

O meu coração se aqueceu...

Então eu vim lhe desejar...

Seja Bem vindo...

Que este seja seu lar...

Hoje tu entrou nesta casa, e aqui esta...

Hoje tu entrou nesta casa, e aqui esta...

Fique, faça desta o nosso lar,

Fique, faça disto o teu lugar...

Muitas amarguras... varrem esta terra...

Mas dentro desta casa jamais haverá guerra...

Não me pergunte sobre o meu passado...

Não lhe pergunto sobre o que passou... 

Mas deixe-me perguntar... se deseja saber...

O nome de seu futuro amor...


Após muito tempo, Rudá, Lua Branca, estava se sentindo amado novamente. Acariciou o rosto de Cigana, depois percebeu a presença do menino, o bebe que estava deitado no tapete brincando com um molho de chaves, se abaixou a disse para ele.

— Que seja assim, que seja a nossa casa.

O bebê Henrique sorriu e soltou uma risada olhando para o espírito.

Assim o lugar que um dia foi um simples casa de uma benzedeira se tornou "Casa de Auxílio Cigana Sarah e Caboclo Lua Branca".



❤ - V

Era cerca de quatro e meia da madrugada, no interior de Minas Gerais em uma estradinha de terra vários matutos já estavam caminhando com as enxadas nos ombros rumo a iniciar o trabalho na lavoura, cerca de 30 pessoas, algumas carregando foices e outras carregando cestos de palha com o alimento que teriam durante o dia, mas de repente sentiram um arrrepio, e foi muito estranho pois todos sentiram o mesmo arrepio na coluna, pararam de caminhar olharam para trás, ficaram prestando atenção na estrada escura e de repente todos foram atirados no chão, um vento extremamente potente passou por eles e os arremessou em terra, foi algo muito rápido e alguns ficaram totalmente confusos enquanto se levantavam e batiam as mãos pelo corpo para remover a poeira. Quando olharam para frente viram que lá longe na estrada uma nuvem de Vento prosseguia rápida como um raio.

Ele estava a caminho, não caminhava com as pernas e nem corria, seu corpo pairava a alguns metros do chão e era empurrado por uma lufada de vento extremamente potente como um pequeno tufão. Por ter convivido tanto tempo com as Mestras de Jurema ele aprendeu muitos truques de magia, principalmente magia da natureza.

Algumas horas antes Paulina havia dito tudo o que estava acontecendo no Rio de Janeiro, Paulina sempre sabia tudo sobre todos pois era a maior vidente entre os espíritos desta parte do mundo.

Mas a verdade é que Tranca Ruas não dava a minima importancia para kiumbas ou qualquer outra coisa que Paulina tinha dito, tudo o que ele desejava é ver Maria Padilha novamente. Sua mente se enuviava em emoções, lembranças.

Uma viagem que levaria dias para pessoas vivas e muitas horas para espíritos com menos sabedoria, levou trinta minutos para ele.


Se Paulina tinha dons, Maria Mulambo também tinha. O coração de Mulambo era como um grande satélite, conseguia captar coisas que os outros não conseguem, e foi por isso que no meio da madrugada enquanto conversava animada com Tiriri ela interrompeu a conversa e se afastou. Saiu da casa de dama da noite e desceu todos os degraus da imensa escada do morro onde se situava o terreiro.

Seu coração estava quente.

O vento soprou forte, ela em pé  na entrada do morro começava a duvidar de si mesma pois seu coração já prévia quem estava chegando.

Realmente ele chegou.

Mulambo sempre foi uma mulher muito desinibida, se fosse em outros tempos ela se atiraria nos braços dele e o beijaria no rosto, talvez até o beija-se na boca, faria festejos e comemoraria a chegada daquela pessoa tão especial, mas a situação era muito diferente agora, ela observou totalmente imóvel o homem caminhando em direção à ela.

Ele estava muito bonito mas também diferente, a última vez que Mulambo o vira ele ainda era um homem vivo e usava a farda das Forças Armadas de Portugal.

Tranca Ruas também parou quando percebeu que era ela. Mulambo esperou o ódio, ela esperou que ele agredisse, que dissesse palavras horríveis, e ela mesmo sendo uma mulher muito potente iria escutar tudo calada se ele quisesse despejar um mar de mágoas sobre ela naquele momento, mas o que Tranca Ruas fez foi muito pior, ele passou por ela e antes de subir as escadas a beijou na testa, e depois seguiu a diante sem olhar para trás.

Ela permaneceu parada observando ele subir os degraus. A brisa balançava os seus cabelos, ela então colocou as duas mãos sobre o peito, era um hábito que tinha quando era viva, gostava de sentir os batimentos acelerados no coração quando estava perto daquele homem, mas naquele momento quando levou as mãos ao peito não sentiu nada, isso porque ela não tinha mais coração, nada batia ali.

Foi então que sentiu o peso das memórias.

A cada degrau que ele subia a esperança diminuia. Ele ia ver Padilha, era a ela que ele amava, então imediatamente Mulambo sentiu uma profusão de emoções gigantesca, coisa que ela também sentia quando era de carne e osso. Sentiu ódio de Padilha, afinal porque todas as coisas preciosas no mundo sempre acabavam reservadas para ela? Mas logo em seguida esse pensamento foi substituído por um denso cheiro de fumaça, não uma fumaça real mas sim aquele cheiro que vinha na mente de Maria Mulambo, cheia de remorso ela se lembrou de um grande incêndio que ela mesma havia causado, ela se lembrou do dia que fez algo horrível com a própria irmã e com um homem que amava. Os sentimentos eram tão confusos que ela não sabia o que fazer e por fim não fez nada, continuou parada ali encarando as costas dele até que ele subiu todos os degraus e entrou no terreiro, então ela baixou a cabeça e enquanto mirava o chão as lagrimas saiam de seus olhos, lágrimas que quando batiam no solo desapareciam sem deixar marcas. As lágrimas dos mortos não são feitas de água para molhar a terra, as lágrimas dos mortos são feitas de de pura dor.

Envolveu o próprio corpo com os braços e bem baixinho cantarolou de forma muito dolorosa:


" Ah Como é triste

agente amar alguém...

E este alguem não amar

Ninguém... Eu amei o Sol...

Eu amei a lua...

na encruzilhada eu amei...

Tranca Ruas...



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