RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 3

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS 
Capítulo 3
"O Homem na Beira do Mar"





❤ - I

Como fazia todos os dias lá pelas sete da manhã, dona Ivonete entrou no galinheiro e começou a jogar milho para as galinhas. Mas de repente escutou estralos no telhadinho de barro e olhando para cima percebeu que as telhas tremiam. Estranhou, telha só treme em vendaval, mas o céu estava limpo. Mas os cães de toda a vizinhança danaram a uivar, e as telhas tremeram mais ainda. Rapidamente ela saiu dali e olhando para a rua viu dois gigantescos redemoinhos de vento e poeira passando em frente a sua casa, cada um com mais de sete metros de altura. Ela deixou o balde com milho cair no chão e procurou no decote do vestido o pingente de crucifixo, o tomou nas mãos e começou a rezar um pai nosso, pois sentia que aquilo não era vento normal, era coisa diabólica.

Os moradores do vilarejo se assustaram ao ver aquela aparição, correram para dentro de suas casas e fecharam portas e janelas.


Tiriri gargalhava vendo a reação do povo.

— Voce é louca Rosa Caveira! Olha só o que acontece quando andamos a luz do dia! Não era melhor viajar de noite?

— Somos redemoinhos de vento, não ha nada de anormal nisto. Se esses matutos tem medo de vento, isso não é problema meu.


Mas de fato era algo aterrorizante, os redemoinhos vermelhos carregando o pó da terra se movendo pela rua.

Podiam ter ido mais rápido, existem meios de espíritos se moverem com agilidade, mas Rosa Caveira não tinha pressa e quis viajar como se fosse de fato um passeio.

Era de tarde quando eles se aproximavam daquele morro,  o céu ja estava cor de rosa e o sol de pondo e por isso os redemoinhos agora estavam mais fracos. Subiram uma escadaria quilômetrica, a ultima casa fechava a comunidade, seus fundos davam para uma mata intocada. Foi difícil se aproximar, tiveram de atravessar o mar de Kiumbas que cercavam a casa, mas conseguiram entrar já que os bichos estavam sempre olhando para dentro e não perceberam quem vinha por trás.



❤ - II

A casa da Velha Doralice havia se transformado em uma casa de Espiritos. Cigana, Sete Saias e Kainana estavam fortes mas ainda extasiados pela magia de sangue que velha havia feito para eles. 

Os Kiumbas que cercavam a casa não resistiram ali por muito tempo, Doralice possuia grandes conhecimentos e sua magia era excelente para proteger e expulsar malignidades. 

Gira mundo entrou na casa vendo que a sua chegada era permitida, ele e Doralice se conheciam já há muitos anos, dessa forma ela nele tinha confiança.

A velha estava sentada à mesa da cozinha diante de um cadeirão de bebê, neste cadeirão um bebê gorducho de manchas rosadas agitavam os bracinhos com agilidade enquanto esperava mais uma colherada de papinha.

— Isso Henri, tem de comer para ficar bem forte! — disse Doralice enquanto levava mais uma colherada a boca do bebê.

Ela levantou o queixo e sorriu para Giramundo.

— Como tem passado minha querida? — ele sorriu de volta.

— Bem, as coisas estão meio agitadas mas estou bem. E você? Sentiu o cheiro de longe não é?

— Senti. O que você anda aprontando?

— Assentei três entidades. — Doralice arregalou os olhos em uma careta de divertimento.

— Assentou? E o que isso significa?

— Vá lá nos fundos da casa e vai ver. 

— Vou sim, mas antes preciso te contar uma coisa.

— Conte, é coisa séria? Ah, besteira a minha, você nunca fica de papo furado então já imagino que é algo importante.

— Eu a vi.

— Viu quem? — Doralice fez cara de confusa.

— A mãe desta criança. — Giramundo apontou para o bebê Henrique.

— Hum... e onde ela estava?

— Não muito longe. Ela usou feitiços para ficar imperceptível no meio dos homens comuns. Ela... raptou uma criança.

— Doralice fechou os olhos de desgosto. — Tem certeza disso?

— Tenho. Doralice ela é mais velha que você, mas a aparência dela era de uma moça. Você sabe muito bem como as Bruxas fazem para ter juventude.

— Sei. Que os Deuses tenham piedade daquela criança. Se eu pudesse fazer alguma coisa para impedir Sarana pode ter certeza que eu faria.

— Eu sei. Lhe trouxe esse aviso para que se proteja, pelo que me lembro ela já tentou te matar no passado, pode tentar de novo agora que está tão perto.

— Obrigada meu querido, obrigada pelo aviso e principalmente pela sua preocupação.


Giramundo foi para os fundos da casa, ali havia uma área aberta mas coberta com um pequeno telhado onde funcionava um tipo de cozinha externa antiga, coisa comum em casas coloniais,  mas agora naquele espaço invés de haver aparatos comuns de cozinha o que se encontrava eram três tachos de cobre grandes cheios de terra com alguma coisa misturada, coisa essa Giramundo não conseguiu identificar o que era, fincadas no centro dos tachos erguiam-se ferros de aproximadamente quarenta e cinco centímetros cada, o primeiro era contorcido na figura de três tridentes, o segundo ferro da segunda panela era contorcido sinuosamente como uma serpente o terceiro Ferro tinha um grande Trident arredondado.

— Eu não falei meninas, esse ai adora curiar as coisas dos outros. — Disse Kainana que se enrolava em uma viga do telhado.


Giramundo olhou para cima e viu a jibóia verde clara.

— Peste do diabo, porque você fica mudando de forma toda hora? Nunca sei que cobra és.

— Eu sou eclético, você me conhece, gosto de tudo, sou uma espada que corta dos dois lados. —  Kainana sibilou cheio de malícia.

— Pois do meu lado você não corta, eu não gosto dessas palhaçadas. — Giramundo riu.

— Nunca diga nunca, você não sabe a felicidade que uma cobra desse tamanho pode te dar.

— desconjuro! — Giramundo falou sem conseguir segurar a gargalhada.


— Como tem passado Giramundo? — Cigana Sarah se aproximou e o beijou na face.

— Vou bem minha amiga, e como está? Vejo que finalmente conseguiu tirar Sete Saias daquele pé de eucalipto.

— Eu não saia porque não queria, e sai foi porque me deu vontade. — disse Sete Saias que também se aproximou.

— Eu que tenho um pé de boi mas é voce que dá as patadas, não é? — Giramundo respondeu.

— Deixe de bolodório. O que veio fazer aqui?

— O cheiro incomum dessa magia — ele apontou para os assentamentos — pode ser farejado a quilómetros de distância.

— Sim, é uma Magia poderosa, eu realmente me sinto muito mais forte agora. — disse Sete Saias.

— Porque você não pede para Doralice fazer um assentamento pra você? — Sarah falou —  Ela gosta tanto de ti que aposto que... 

— Shiiii! Silêncio um momento. — Kainana despencou da viga do telhado e quando caiu ao chão se apresentou em sua forma original, era um homem, sua face humana ostentava uma pele palida, não possuía cabelos,alto e magro, com unhas compridas da cor de marfim e labios finos enegrecidos. Em pé ele se vestia com um tecido verde escuro diáfano amarrado a cintura e nada mais.

— Nossa, o que foi? — Sarah se espantou, raramente Kainana se mostrava em forma humana.


Kainana virou seu rosto da direção da entrada da casa.

— Visita indesejada. O céu já está escuro o suficiente para ela andar por ai sem fazer alarde.

— Ela quem? Ah... estou sentindo a presença agora. —  Sete Saias falou.


Na entrada na casa de Doralice estava parada uma mulher linda, magra. Seu cabelo negro preso em um rabo de cavalo alto, liso e longo caia como um chicote até abaixo da cintura, seu vestido justo no busto e solto em baixo, a saia esvoaçava na brisa do anoitecer, suas longas unhas negras refletiam a luz.

Kainana foi até lá e se pôs diante dela.

— Boa noite. — A mulher disse sorrindo.

— Boa noite. — Kaiana inclinou a cabeça em saudação.

— Será que você poderia pedir para aquele doce senhora remover o feitiço de proteção em torno da casa? Eu não consigo passar.

— Doralice! — Kainana gritou.


Doralice apareceu na varanda segurando o bebê no colo. 

— Quem é você?

— Eu me chamo Figueira. Quero entrar para falar com Cigana Sarah.


Doralice semicerrou os olhos cheios de pés de galinha.

— Mentira, você quer entrar para sanar sua curiosidade.

— Não tenho curiosidade, eu sinto o cheiro dos assentamentos que você fez, eu mesma ja fui assentada, como deve ter percebido pela força que tenho. Posso entrar?

— Não. Desculpe mas aqui de espírito de mortos só entram os amigos.

— Tudo bem, eu entendo.


Giramundo foi até a entrada e com gentileza recebeu Figueira, ele havia sido seu namorado na época em que eram vivos, Sarah também foi até, ela e Figueira haviam permanecido juntas nos primeiros dias após a morte de ambas.

Após abraços e cumprimentos, Figueira mostrou a que veio.

— Vamos direto aos fatos. Precisamos nos unir. O motivo é simples, esses bichos, kiumbas, eles querem ser como nós, comer em nossos assentamentos, beber o nosso sangue e tomar nossas casas. Então eu vim aqui para representar a voz de todos os que estão na casa de Dama da Noite, e nisto eu pergunto a vocês se lutarão do nosso lado?


❤ - III

Dama da Noite estava dentro de um dos comodos do terreiro, parada em pé olhava fixamente para algo colocado sobre uma pilastra de marmore, era um objeto coberto por uma capa de camurça negra, pela altura parecia ser mais um assentamento.

Meia-noite entrou um quarto e ela tão distraída como estava não percebeu a presença dele.

— O que é isso? Isso lembra o cheiro... é o perfume..


Dama da Noite assustou, entrou na frente daquilo como de quisesse tampar a visão de Meia Noite em cima do objeto.

— Isso não é nada.

— Isso é algo do Veludo, não é? Tem o cheiro dele, do perfume que ele usava. — Meia Noite coçou o nariz.

— Não. 

— Mas eu sei que é o cheiro dele.

— Não você não sabe. Não fale disso, eu estou te pedindo.

— Certo. — Meia Noite juntou as sombrancelhas desconfiado. Bem, eu vim atrás de ti avisar que Rosa Caveira e um tal Tiriri estão ai.

— Rosa Caveira? Quer dizer a Rosário? — Dama da Noite ficou surpresa.

— Ela mesma.

— Finalmente saiu do lago. Por favor, peça que esperem um momento, já irei ter com eles.


Ela saiu do comodo e foi para os fundos do terreiro, saiu da casa e entrou na mata, assim desceu pela encosta do morro até a nascente de  um riacho que brotava entre algumas pedra. Bem perto de onde a agua começava a jorrava havia um pequeno buraco cavado na parede de terra do morro, e ali dentro uma estátua do sagrado coração de Jesus Cristo com algumas velas acesas. Diante do buraco haviam alguns tocos de madeira fincados no chão, era naquele lugar que os escravos fugidos antigamente iam rezar.

Dama da Noite sentou em um dos tocos e ficou esperando. O som da água batendo nas pedras acalmava a qualquer um. Não demorou muito e a voz rouca da anciã se fez ouvir.

— Menina... está de cabeça quente?


A velha vinha mancando de uma perna, vestida com camisa de crioula puida mas extremamente branca e uma saia plissada ate os pés. Aquele ers Vovó Catarina, uma mulher que passou a vida na escravidão.

Dama da Noite suspirou aliviada:

— Pois é Catarina... preciso conversar um pouco.


❤ - IV

Padilha recebeu Tiriri e Rosa Caveira no salão do terreiro, sentaram nas cadeiras encostadas a parede, ali começaram a conversa:

— Tiriri... que saudades... por onde você andava? — Padilha perguntou enquanto pressionava os braços nas laterais do corpo para fazer os seios parecerem maiores.

Tiriri sorri e acaba por fixar o olhar nos seios dela.

— Maria Padilha... acredite, por onde eu andei te levei no coração.

— Ha! — Padilha da uma gargalhada — Se tem uma coisa que eu não resisto é homem mentiroso! Você não muda, não é mesmo? E você Rosa? a última vez que te vi você ainda estava viva. É impressionante como não mudou nadinha.

— Não mudei nada? — Rosa pergunta séria.

— Nada, está do jeitinho que me lembrava.

— Padilha eu perdi metade do meu rosto.

— Jura? — Ela se inclina para frente afim de examinar melhor o meio crânio exposto da outra — Eu achava que você sempre tinha sido desse jeito.

— Hã? Sua Vadia, como ousa?


Meia Noite para disfarçar a risada acabou fingindo uma crise de tosse, o que não convenceu ninguém pois espíritos não tossem.


— Vamos deixar de implicância garotas, — Tiriri interrompeu — Padilha nós queremos nos juntar a vocês. Queremos fazer essas coisas com panela de ferro que vocês fazem.

— Por mim tudo bem, sabe como diz o ditado, — Ela muda para uma voz sensual — onde comem dez, comem onze...

— Padilha não brinque com fogo... — Tiriri abre um sorriso de orelha a orelha.

— Sejam bem vindos.



❤ - V

O homem estava na beira do mar.

Era um homem enorme, quase dois metros de altura, forte como poucos são. Vestia-se todo de preto, uma calça justa e a camisa de botões aberta.

Os olhos fechados e os braços abertos sentindo a brisa do mar passando por seu corpo, sentindo os vento agitando o cabelo e a barba.

Mas o corpo dele não era de carne e nem de osso, ele era um homem morte, uma alma.

Deixou os braços caírem e ainda de olhos fechados levou uma das mãos ao peito roçando os dedos nos pelos aparados, acaricou a parte onde antigamente batia um coração.


— Não mergulhe no passado, voce pode acabar se afogando.


Ele abriu os olhos, as iris azuis como água do mar focalizaram ao seu uma belíssima mulher de vestido dourado e muitas joias de ouro.

— Luziara... um homem tem o direto de sonhar. — disse com sua voz grossa como um trovão.


Os olhos dela brilhavam enquanto o mirava, e ninguém pode culpa-la por isso, o homem tinha os cabelos compridos até a altura das sobrancelhas, a barba negra bem feita tomava todo o rosto, seus olhos verdes e sua pele clara se iluminavam com a luz da lua e isso o tornava uma aparição inigualável. 

— Se soubesse quanto eu o desejo Tranca Ruas... você é o homem mais lindo que já vi.


Ele sorriu mostrando dentre retos e perfeitos.

— Sabe Luziara sempre tive curiosidade em saber de uma coisa, se estamos mortos... porque mantemos essa aparência? Como eu tenho essas calças e essa camisa? Como voce ostenta essas pulseiras douradas? Se não somos matéria, como isso existe?

— Não se explica o inexplicável. Mas estamos aqui e somos quem somos. A aparencia reflete sua jornada. Se João não fosse dono do meu coração eu... ah eu faria coisas despudoradas com você meu querido. Mas eu não vim lhe amolar de graça, apenas trouxe um recado. Paulina precisa te ver, vá até ela o quanto antes.

— Paulina? Não me diga que... Ela sabe algo sobre Padilha?


Quando Tranca Ruas acordou na morte ele foi o primeiro a despertar, não havia mais nenhum outro espírito de sua época desperto, vagou por algum tempo sozinho até que sentiu uma energia muito forte o chamando para o Norte, e assim ele caminhou passo por passo até chegar em Pernambuco. Lá encontrou uma pessoa também em estado espiritual, essa pessoa era alguém que ele tinha conhecido em vida e pela qual não teria grande amizade era mestra Luziara, uma alma feminina muito sábia e muito adorada naquela região.

Durante décadas Tranca Ruas permaneceu ali junto  aos mestres de Jurema, esperava que em algum momento sua amada Maria Padilha também acordasse na morte e ele enfim pudesse reencontrá-la. Quando soube que Paulina queria falar com ele seu peito doeu, sentiu no fundo do seu coração que a boa Paulina iria lhe dar uma notícia sobre sua amada.



❤ - VI

A reposta soou em coro, todos disseram sim, Sete Saias, Cigana,be Giramundo aceitaram se unir a casa de Dama da Noite. Com decisão tomada eles decidiram deixar Kainana com Doralice para tomar conta dos assentamentos que permaneceriam ali.

Mas Kainana sentia que o perigo era iminente, e ele não tinha certeza se esse temor vinha das tais kiumbas, porem o medo estava claro em sua mente.

Decidiu buscar um espírito da terra para estar ali com ele na casa, precisava ser uma alma indígena. Kainana sabia exatamente onde encontrar o espírito de um homem pele vermelha.

Foi de comum acordo, Sete Saias, Giramundo e Cigana disseram que só deixariam a casa de Doralice quando Kainana retornasse com o espírito indígena.


Nesse meio tempo Figuera foi até Sete Saias, elas haviam se conhecido  muito tempo antes, mas se separaram por suas diferenças. Sete Saias amargou a dor da morte sozinha aos pés do velho eucalipto enquanto Figueira foi rodar o mundo.

Ela tomou Sete Saias pela mão e a levou para fora da propriedade de Doralice, um pouco mais adiante, no meio da floresta havia uma especie de lagoa em miniatura onde os patos se banhavam. Olhando o reflexo da lua na água elas permaneceram uma ao lado da outra em silêncio.

Depois de alguns minutos Sete Saias quebrou o silêncio, em um tom de voz baixo falou:

— Sofri muito com a sua partida.

— Eu sei... — Figueira abaixou a cabeça — Quando morri e lhe encontrei... voce me consolou, voce cuidou de mim... você era como uma irmã pra mim. Mas eu não podia sofrer a sua dor.

— Do que você esta falando?

— Ah... seja franca. O real motivo de você ter permanecido tanto tempo inerte nas raizes do velho eucalipto é a dor de ter feito o que fez com sua família.

Sete Saias suspira fundo e ergue o queixo olhando para o céu.

— O que está feito... está feito. Mas nem por isso eu tenho paz.

— Aqui na morte, em forma de espíritos você ja viu algum deles? Encontrou os ciganos do seu acampamento?

— Não, e pelos deuses... espero não encontrar jamais.



❤ - VII

Foi uma longa conversa, a velha Catarina sabia dar bons conselhos. Dama da noite retornou a sua casa celebrou o reencontro com estes novos aliados, afinal por muitos anos Rosa Caveira nunca tinha sido vista longe de seu lago de água negra.

Tendo comprimento a todos, Dama da Noite sentiu um aperto no coração, ela sabia que alguem lhe chamava. Foi até o quarto onde estava aquele objeto coberto pela capa de camurça, lá em uma das paredes havia um espelho rachado mas ainda praso a uma suntuosa moldura de madeira esculpida. Ela olhou fixamente para o espelho e quando o vidro se tornou prateado ela falou:

— Onde voce está Maria Navalha?


O borrão prata como mercúrio líquido que se refletia no espelho logo tomou forma, era Maria Navalha, a terrivel Capoeirista do morro da carioca.

— Mulher... Eu ando no fio da Faca Afiada...

— Você vem se juntar a nós? — Dama da Noite usou um tom sério.


Era uma poça de água com a lua refletida, uma floresta intocada no centro do país. Navalha estava abaixada olhando para o reflexo da lua enquanto magicamente a imagem foi substituida pela face de Dama da Noite.

— Sim eu estou a caminho. Rosa Vermelha e Menina vão comigo. Um amigo tambem se juntará a nossa... hum... Família.



❤ - VIII

Padilha estava no último degrau da escadaria que dava acesso ao terreiro. Olhando aqueles degraus ela se lembrava nitidamente do ranger dos degraus da escada de madeira de seu casarão quando era viva. A saudade lhe consumia. O vento a fazia balançar, seu vestido vermelho parecia querer voar, se armando conforme o sopro quente das brisas. Sua atenção se voltou para algumas crianças que brincavam lá em baixo, no descampado de terra, os pequeninos corriam uns atras dos outros, riam e gritavam na brincadeira pega-pega.

Padilha quando viva teve um filho, e seu maior pesar foi não ter podido cria-lo, tudo isso por maldade de sua irmã. O pobre menino morreu vitima da peste em um orfanato sujo antes mesmo de completar tres anos de idade. Se Mulambo já não estivesse morta, Padilha a mataria novamente. Padilha torceu os lábios em uma careta de nojo enquanto olhava os pequenos brincando. Ela odeia crianças, o som da voz delas, seus rotinhos gordinhos, tudo a lembram seu bebê.

Mas na hora certa Mulambo ia pagar por tudo o que fez. Mesmo que ela não tivesse tido a intenção de causar tamanha desgraça, ela iria pagar caro. 

A morte não foi castigo suficiente.


(Continua...)


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