Sete Flechas, Grande Guerreiro
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Corria pela mata,
Corria desesperado,
O vento bagunçando
Seus cabelos, o suor
Borrando as pinturas
de seu corpo.
Ao longe ouvia os gritos
de Kawatá, ela gritava
pedindo socorro.
Quinhentos anos atrás
Havia uma aldeia Pataxó
Que escolhia para ser
Seu Akâyeko (chefe)
O homem mais forte da aldeia.
Este homem era Hayõ, o maior
E mais valente xohã (guerreiro)
Que a aldeia ja havia concebido.
Hayõ era bonito, alto
Com longos cabelos negros
como a noite.
Todas as Kitok’ĩhé (moças)
Da aldeia queriam casar com
O belo chefe, mas ele
So tinha olhos para a sua prima,
A gentil Kawatá.
Uma noite enquanto
Toda a aldeia se reunia
Em volta da fogueira,
Hayõ olhou para Kawatá,
A luz alaranjada no fogo
Refletia nos grandes olhos
E nos sedosos cabelos
Daquela jovem.
Então ele tomou coragem,
E caçou no chão uma pedrinha,
Respirou fundo e atirou em Kawatá.
Toda a aldeia prendeu a respiração
Em expectativa,
A tradição dizia que
atirar a pedrinha era o mesmo
Que pedir em casamento.
Hayõ tinha medo de que ela
Não corresponde-se ao gesto,
Então esperou, e esperou,
Mas Kawatá não se moveu.
Hayõ ficou muito triste,
E quando a fogueira estava
Já apagando e ele se levantou
Para ir se deitar,
Quando virou as costas
Sentiu a fisgadinha perto
De seu pescoço.
Olhou para trás e viu Kawatá
Ainda com o braço erguido,
E compreendeu,
Ela atirou uma pedrinha,
Ela retribuiu.
Ele então correu para o mato
E lá apanhou uma flor vermelha,
A mais bonita que achou,
Voltou meio tímido
E estendeu as mãos com a cabeça
Baixa para Kawatá apanhar.
Ela apanhou e prendeu a flor
Nós cabelos.
Kawatá aceitou se casar.
Toda a tribo se ergueu cantando
E dançando em comemoração,
Pois o chefe havia encontrado
Seu par no mundo.
A vontade de Hayõ era correr
E pegar Kawatá no colo,
Beijar seus lábios e a envolver
Nos braços, mas não podia.
Os costumes da aldeia diziam
Que se homem faz, mulher faz,
Então só poderiam se casar de fato
Após os testes.
No dia seguinte, no meio
Da aldeia todos se reuniram,
Trouxeram um tronco pesado
E desafiaram Hayõ a carregar.
Ele imediatamente apanhou
O tronco e com ele nas costas
Deu uma volta na aldeia inteira.
Então os mais velhos desafiaram
Kawatá a fazer o mesmo,
E ela com um pouco de dificuldade
Segurou o tronco nas costas.
Hayõ ia ao lado dela dizendo
— Você consegue Kawatá! Você é forte! Força! Força!
E toda tribo em fila foi atrás
Da jovem índia, até que ela
Deu a volta na aldeia.
Todos comemoraram
Pois Kawatá era forte como Hayõ,
Ela era igual ao homem
E isso significava que
Podiam se casar.
A União foi consumada
Com muito amor,
E Hayõ recebeu da amada
Toda a felicidade do mundo.
O tempo passou, os anos passaram,
Hayõ se tornou um homem
Mais velho e ainda não tinha filhos.
Kawatá se sentia triste
Mas o sábio da aldeia já havia dito
Que tudo tinha sua hora.
Hayõ não queria saber de hora certa
Ou de destino, ele queria um filho
Para chamar de seu.
Aborrecido ele saiu para caçar
E na mata encontrou um pequeno
Grupo de Tupis que vagavam
Assustados.
Ele perguntou o que tinha acontecido,
Mas os tupis falavam outra língua
E ele só entendeu um termo comum,
As palavra "Kãnãnãy Txiãgá"
Que significavam "diabo branco".
Hayõ os deixou seguir viajem
Sem entender muito bem a situação.
Mas os olhos assustados dos tupis
Assombravam seus pensamentos.
Dias depois ele recebeu a boa notícia,
Kawatá estava grávida!
E toda a aldeia comemorou.
Saiu novamente para caçar,
Queria uma presa boa para fazer
Um jantar especial para sua amada.
Andou pela mata afim de achar
Algum bicho de porte grande,
E mas não achou nem grande
Nem pequeno, a mata estava vazia.
Muitas horas ficou na espreita,
Ate que subiu em uma árvore
Para observar a mata e saber
Para onde os bichos tinham ido.
Olhou para um lado e depois para
O outro, nada encontrou.
Aborrecido olhou para trás
E seu coração gelou.
Havia no céu uma coluna de fumaça
Que vinha da direção de sua aldeia.
Hayõ saltou da árvore
E correu o maximo que pôde
Até chegar a aldeia.
O que viu foi tenebroso,
Os cadáveres dos velhos
E das crianças amontoados,
As cabanas queimando.
Vasculhou tudo mas não achou
Kawatá em lugar nenhum.
Ouviu então um lamento,
E seguindo o som
Encontrou o sábio da aldeia
Caído, ferido no peito.
— Quem fez isso meu velho?
O ancião olhou com aqueles
Olhos que ja iam perdendo a vida.
— Levaram as mulheres, só as mulheres jovens...
— Quem as levou?!
— Diabo branco...
O ancião apontou uma direção
E então a luz de seus olhos
Se apagou.
Hayõ correu na direção indicada,
Corria como o vento,
Ia cheio de medo e desespero.
Após muito correr
Ouviu ao longe o grito dela,
Ela gritava por socorro.
Hayõ correu mais,
Corria pela mata,
Corria desesperado,
O vento bagunçando
Seus cabelos, o suor
Borrando as pinturas
de seu corpo.
Ao longe ouvia os gritos
de Kawatá.
Quando os alcançou
Ficou muito assustado,
Os homens tinham a pele clara
E os olhos da cor do mar,
Usavam muitos panos
Cobrindo o corpo.
Aqueles eram Kãnãnãy Txiãgá,
Os diabos brancos.
Até a língua que falavam era estranha.
Os Kãnãnãy Txiãgá eram muitos,
Estavam sentados em uma clareira
E forçavam uma das índias
A fazer coisas com eles,
Coisas que deixaram Hayõ
Cheio de nojo daqueles seres.
Ele viu Kawatá amarrada a
Um cavalo, amarrada como se
Fosse um bicho.
Quando o homem que estava
Em cima da Índia se levantou
Subindo as calças,
Hayõ disparou uma flecha que
Varou a peito do desgraçado
O fazendo cair imediatamente morto.
Toros os homens brancos
Olharam em volta assustados
E um deles viu Hayõ atrás
De uma arvore,
Então disparou com sua espingarda
E todos os homens dispararam junto.
Hayõ nunca tinha visto uma
Arma de fogo, não entendida como
Aqueles bastões podiam
Desparar aquelas balas de chumbo
Que ele viu se prenderem ao tronco
Da árvore.
O som das armas disparando
O assustou mas ele já estava
Pronto para disparar outra flecha
Porém quando pôs a mão na flecheira
Não encontrou nada.
Arregalou os olhos de terror,
Tinha usado todas as flechas
Caçando na Mata e esquecera
De pegar mais na aldeia,
Como faria agora?
Como se defenderia daqueles
Seres demoníacos
Sem suas flechas?
Mais balas atingiram
O tronco da árvore
E ele assustado correu
Se embrenhando na mata.
Corria sem saber pra onde ir
E sem saber o que fazer.
Ouvia a risada dos homens brancos,
O som trazia as gargalhadas
Perversas deles.
Hayõ enquanto corria
Começou a rezar, e rezava
Com a toda a força que tinha,
Com os pés tocando na terra
Rezou a Jucema, a força que
Habita o solo fertil da Mata,
Com a cabeça apontando para
Cima rezou a Niamisũ,
A força divina que mora nos céus.
Rezava pedindo por socorro,
Rezava chorando e tremendo
Com muito medo.
Então de repente tropeçou
Na raiz de uma árvore
E caiu estabacado no chão.
Estranho, ele tinha boa visão
E boa prática de correr na mata,
Porque caiu?
Se ajoelhou e olhou a árvore
Diante de si, e imediatamente
Sabia que arvore era,
Era Yurema, também chamada
De Jurema, a árvore mãe da floresta.
Hayõ abraçou o tronco
Da árvore e rezou mais uma vez,
Ao abraçar sentiu
Um buraco no tronco
Então foi ver o que era.
Dentro do buraco
Viu dxãxê puhuy (sete flechas),
Primeiramente achou que
Algum índio de outra tribo
Podia ter escondido as flechas ali,
Mas quando as apanhou
Sentiu nelas um poder,
Uma força como nenhuma outra,
Entendeu que aquelas
sete flechas eram presentes
de Mãe Jurema.
Encostou a testa no tronco
E sussurou "niamã" (obrigado)
E então enfiou as flechas na
Flecheira e correu para o lado Oposto.
Logo viu três homens brancos
Vindo correndo, ja estavam
Com as espingardas prontas para atirar,
Mas Hayõ foi mais rápido,
Esperou os tres estarem em
Uma posição de fila indiana,
E quando fizeram isso ele disparou
A primeira flecha,
Ela varou a cabeça dos três
Que cairam batendo os corpos
No solo já sem vida.
Foi até os corpos e recuperou
Aquela flecha,
Continuou correndo até chegar
A clareira onde os brancos estavam,
Saltou diante deles e apanhando
Todas as sete flechas de uma só
Vez ele as colocou no arco
E as disparou,
Um único disparo com as sete
Flechas juntas.
Tudo que ouviu foi o zumbido
Delas correndo pelo ar,
As flechas dançavam por entre
Os homens e um a um caiam
Sem vida.
Hayõ correu até Kawatá
A desamarrou, deu-lhe um
Beijo molhado de lágrimas
"Eu vim Kawatá, eu consegui!"
E então ouviram o estampido.
Kawatá olhou por cima do ombro
Do marido e viu um dos homens
Brancos caido no chão com a arma
Ainda na mão, ele estava se engasgando
Em sangue mas ainda estava vivo.
Ele atirou nas costas de Hayõ.
O índio tombou, Kawatá começou
A chorar, chorava muito,
Segurava os ombros de Hayõ
E chorava.
Ele sentia as lágrimas da mulher
Batendo em seu peito,
Então sussurrou para ela as
Últimas palavras que conseguiu
Pronunciar.
"Ehtõ... Ahnã ehtõ anehõ dxahá anerê"
(Amo você para sempre)
Ela o beijou nos lábios
E respondeu o mesmo,
Uma jura de amor eterno.
Hayõ conseguiu estender a
Mão e acariciar a barriga
De Kawatá,
Surrurou por último
"Konehõ..."
(Filho)
E então sua mão
Bateu pesada no chão,
Seus olhos encararam o céu
Vidrados.
Hayõ morreu.
Kawatá chorou
Mas teve de chorar em silêncio,
Ouvia ao longe passos,
Eram mais homens brancos.
As moças índias ali na clareira
A puxaram pelos braços,
Tinham de fugir, tinham
De entrar pra dentro da mata
Fechada.
Kawatá fugiu,
Mas só fugiu para proteger
O filho que trazia no ventre,
Pois sua vontade era morrer
Junto com o marido.
Hayõ ficou ali deitado,
O coração não batia,
O corpo ja não tinha vida,
Mas a alma ainda estava
Ali dentro.
Olhava para o céu estático
Sem poder se mover mais.
Foi então que o som começou.
" Tchum-tchum-tchum-tchum"
Era o som da dança dos caciques
De sua aldeia.
Sentiu que alguém o segurava
Pelos braços e o erguia,
Então se viu em pé e
Podendo se mover novamente.
E olhando para baixo
Percebeu que estava em pé
Sobre o peito de seu próprio
Corpo morto caído no solo.
A luz veio, uma luz avassaladora,
Branca como a lua.
E Hayõ os viu.
Eram dezenas, homens e mulheres
Que um dia haviam chefiado
Seu povo, eram os líderes do passado,
Dançavam batendo seus cajados
No chão, e o som
"Tchum-tchum-tchum-tchum"
Ficava cada vez mais alto.
Hayõ seguiu para o meio deles
Sendo recebido entre
Aqueles ancestrais
E se tornando ele mesmo
Um ancestral.
Kawatá e as índias formaram
Uma nova aldeia no meio do mato
Na posição mais isolada,
Lá ela pariu o filho,
Um índio que se tornou um
Guerreiro Valente como o pai.
Ela nunca mais se casou,
Nunca mais teve ninguém.
As décadas se passaram e
Kawatá todos os dias
Ficava olhando para o horizonte
No fim da tarde
Imaginando Hayõ voltando da caçada.
Colocava uma esteira vazia
Ao lado da sua na hora de dormir
Para caso Hayõ viesse deitar
Ao lado dela.
Todos os dias fazia estas coisas,
Sabia que ele não ia voltar,
Mas ainda assim imaginava.
O corpo de Kawatá foi mudando,
A idade avançando,
Mas ela continuava esperando
Hayõ voltar.
Kawatá amava Hayõ mais que tudo.
Um dia, quando os cabelos
da Índia se tornaram
Completamente brancos
E a vitalidade do corpo se esvaiu,
Finalmente ela foi ver o por do sol
E entre as árvores lá da Mata
Ela viu o vulto de um índio,
Um índio de cocar azul,
Amarelo e vermelho como
Os de chefe Pataxó.
Seus olhos esbranquicados
Pela catarata se encheram de lagrimas
E ela entendeu que havia chegado
O tão esperado momento.
Se despediu do filho,
Da nora, dos netos, dos bisnetos,
Das irmãs da aldeia,
Apanhou uma vara para usar
De bengala e entrou na mata.
Ia sozinha encurvada,
Pé ante pé, andando com
A dificuldade que uma anciã
De quase cem anos tem para
Se locomover.
Após muito caminhar
Achou um vão confortável
Entre as raízes de uma árvore,
Um pé de jurema.
Ali ela deitou e dormiu.
O frio da Noite a abraçou
E o sereno beijou sua pele.
De manhã sentiu que alguém
A balançava pelo ombro,
A chacoalhava gentilmente.
Abriu os olhos e viu Hayõ,
Que segurou sua mão a puxou
Para um abraço.
Kawatá deixou seu corpo
De idosa aos pés da jurema
E partiu com Hayõ para
Outra vida.
Até hoje estão juntos
Nas cidades sagradas do Juremá.
Mas não se engane,
Hayõ ainda vem a este mundo,
Sempre vem quando lhe chamam.
Os filhos de seu filho espalharam
O sangue dos índios por todo este pais,
Muita gente, mesmo que não pareça
Por fora, é índio por dentro.
Hayõ vem por eles e fala através deles.
Ele agora tem um nome na língua
Que se fala nas cidades,
O conhecem por
Sete Flechas, o índio Guerreiro
Das matas da jurema.
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Felipe Caprini, Lendas Brasileiras
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Espero que tenham gostado!
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11944833724
Muito obrigado!
Todas os seu contos são lindos. Esse foi muito emocionante.🥰
ResponderExcluirMaravilhoso como sempre os seus contos.
ResponderExcluirQue lindo... Se possível, escreve o de Caboclo Pena Branca.
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