BÚFALO SANDARA - Cap. 14
❕NOTA DO AUTOR:
Búfalo Sandara é um conto do mesmo universo que a historia LUCIFER SMERALDINA, que foi publicada neste mesmo Blog no início de 2019. Recebi diversas mensagens e comentários de leitores que não compreenderam alguns pontos colocados em Búfalo Sandara que não fazem sentido dentro do conto, esses pontos são referentes a acontecimentos que ocorreram em Lucifer Smeraldina. Essas duas histórias parecem independentes, mas na verdade são totalmente interligadas.
Infelizmente os atrasos de para a postagem de novos capítulos se deu pelos transtorno da vida em quarentena durante a pandemia de covid19, espero que compreendam.
Obrigado.
Felipe Caprini
Cinco de Janeiro de 2021.
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☆I
Oyá, senhora dos nove Orun's, detinha o poder de se locomover entre eles como bem quisesse, sem a necessidade de portais ou de apetrechos e ferramentas mágicas.
Isso se deve a maneira como fora criada, seu espírito havia sido moldado a partir do vento e da agua, dois elementos que não tem por hábito respeitar fronteiras. Para Oyá era só caminhar alguns passos que podia sair de um ponto e adentrar a outro ignorando completamente a distância real entre eles. Foi assim que levou Tanya, Edmundo e Sandara até Temiloyê.
Foi assim, simples como caminhar três passos, e então eles imediatamente estavam diante do Palácio de Torres de vidro. Temiloyê é a cidade Capital das terras de Yemanjá.
— Como? Como chegamos até aqui? — Edmundo olhou em volta — Eu não compreendo.
— Por Olodumare! — Tanya se espantou ao ver mais a diante o edifício — Nunca vi nada mais belo!
Ela mirava cheia de admiração o Palácio, haviam quatro pavimentos feitos do que parecia ser mármore branco, o telhado era vidro transparente similar ao que se vê em estufas, a cada quarenta metros se erguia uma Torre inteiramente de vidro cujo o topo era cúpular e que ao longe reluzia como um diamante. O Palácio possuía quinhentos metros só em sua faixada frontal e se erguiam então dezesseis torres de vinte e cinco metros de altura, diante da majestosa entrada corria um rio Largo e turbento, o que se fazia necessário usar da ponte arqueada bem a diante.
— É lá que Yemanjá mora? — Edmundo perguntou.
Oyá abriu a boca para responder, mas imediatamente a fechou e com os olhos arregalados olhou para leste.
— O que foi mãe? — Sandara quis saber assustado.
— Nada. Faça o seguinte, entrem no Palácio e me esperem no saguão, estarei com vocês em um segundo. Vão.
Os três ao ouvir o tom sério entederam que ela lhes dava uma ordem e prontamente obedeceram.
Oyá ficou parada ali e com os olhos fechados se concentrou, sua mente se tornou vazia e neste vazio ecoou sua própria voz.
— Alguém sabe o que foi isso? — Ela falou para a escuridão de sua mente.
— Eu também senti. — Respondeu um homem com voz sibilada.
— Oxumarê? Sentiu o quê?
— Algo como um tremor tênue nas linhas do universo.
— Não seja pomposo com as palavras — disse Ogun — O que eu senti foi um chacoalhão no treco todo.
— Ah... — Oxumarê suspirou aborrecido — E eu que achava que esse treco se chamava universo...
— Eu também senti isto. — falou uma voz feminina rouca e grave.
— Também Nanã? Então todos sentiram? — Oyá perguntou.
— SIM. — Centenas de vozes responderam em uníssono.
— Orunmilá? — a voz de Oxum se fez ouvir — Você já tem conhecimento do que causou uma perturbação tão forte a ponto de impactar todos os quatrocentos Orixás?
— Não impactou somente a nós, todos os deuses de todos os mundos sentiram. — Orunmilá respondeu pausadamente.
— E o que foi isto? Digam logo, eu não gosta deste suspense desnecessário. — uma voz jovial de rapaz perguntou.
— Calma Logun, ele vai falar. — Oyá respondeu.
— Foi Jeová. — Orunminlá respondeu calmente.
— O que aquela criança mimada fez desta vez? — A voz aguda de Yemanjá se fez ouvir.
— Ele foi destruído, o que sentiram foi a vibração de um deus primordial morrendo. Jeová morreu. — Orunminlá respondeu.
— MORTO? — Otin se espantou.
— MORTO? — Oxalá ficou consternado.
— MORTO? — Oduduwa berrou.
— MORTO? — Yemoo sussurroi.
— MORTO? — Aganju quis saber.
— MORTO? — Yewá não acreditou.
— MORTO?
— MORTO?
— MORTO?
— MORTO?
— Parem de ecoar a mesma pergunta por favor. — Orunmilá pediu.
— Como pode Jeová ter morrido? Ele é irmão de Olodumare! Ele é equivalente a Olodumare! Ninguém pode matar Olodumare, então ninguém pode matar Jeová! — disse Obaluayê.
— Se Orunminlá diz que é, então é. — Yemanjá falou.
— Quem fez isto? — Oxalá quis saber.
— Não tenho certeza, vi em meu oráculo, vi em meus Odús, ainda assim estou sem acreditar no que vi.
— Nos diga o que viu e lhe diremos se é verdade ou não. — Os Ibeji falaram juntos.
Orunminlá deu uma breve pausa e então começou:
— A Torre negra do Inferno caiu por terra, Lucifer foi destronado, Sé voltou.
— SÉ? — Todos berraram em uníssono.
— Não pode ser verdade, Sé decidiu abandonar o mundo faz *éons*.
— Isso não é bem verdade. — os Ibeji falaram em uníssono.
— Como assim? Sabem de algo que nós não sabemos? — Oxalá perguntou.
— Sé foi destruído, os doze deuses antigos o destruíram. Olodumare o destruiu! — os Ibeji falaram seguido de um riso ácido.
— NÃO PODE SER...
— NÃO É VERDADE!
— Se é assím, porquê vocês pirralhos nunca nos disseram nada? — Yewá perguntou.
— Ninguém nunca perguntou. — os ibeji responderam.
— Sé voltou. — Orunminlá repetiu calmamente.
— Ele matou Jeová? Suponho que sendo seu pai ele poderia... — Xango perguntou.
— Não, não foi Sé. — Orunmilá respondeu.
— Então quem? — Oxóssi perguntou.
— Ela. — Orunmilá falou.
A mente escura e vazia de Oyá foi tomada por uma imagem, uma projeção, era um rosto pálido e triangular de uma mulher loura de olhos grandes e muito verdes.
— SMERALDA! — Logun berrou estupefato.
— O cão! A imundície dos *Maleika*! — Obá esbravejou.
— Smeralda teve poder para matar Jeová? Isso é verdade? — Nanã perguntou.
— Acredito que sim. — Orunmilá respondeu.
— Eu já sabia, sabia... mas também não quis acreditar. — disse Oxum.
— E agora o que faremos? — Perguntou Orunmilá a todos.
— Isso não tem haver conosco, não temos que nós meter. — falou Osanyin.
— Logun Edé, você é quem lidera os Orixás na guerra, diga a nós o que fazer. — falou Ogun.
— Fechem o portão Onibode, deixem as espadas sempre a mão e aguardem.
Oyá abriu os olhos um tanto ofegante e então caminhou para dentro do Palácio.
☆II
— Meli! Meli! Está me ouvindo?!
— Pare de chacoalhar a menina — Cecélia olhava com reprovação o macaco com as patas nos ombros da garota — Ela já era.
— Como já era? Todos os sinais vitais estão ótimos.
— Olhou no espelho, isso mata a alma, você sabe.
— Se a alma dela estivesse morta, o coração teria parado de bater. Humanos não vivem sem alma, a não ser quanto são conectados aquelas maquinas em hospitais, e esse não é o caso.
— Porquê é tão importante a menina estar viva? Faça Sandara achar que ela está bem, ele virá de qualquer jeito.
Kikelomo olhou para Meli, ela sorria com o rosto congelado como uma máscara, os olhos vidrados focados em algum ponto distante, a cor das iris em um prateado anormal como prata líquida.
— Porque os olhos dela mudaram de cor? — Kikelomo se admirou.
— O quê? — Cecélia se aproximou e inclinou o corpo para observar o rosto de Meli — Por todos os deuses...
— O que é isso? Sabe o que significa?
— Olhos de prata... É a marca das *Sahira* — Cecélia se espantou.
— Sahira? Você quer dizer Sahiratwan?
— Sim.
— Mas Sahiras são filhas de Lilith, eu pensava que tinham sido extintas na batalha de *Dur-an-ki*.
— E foram sim, nenhuma Sahira sobreviveu aquele massacre.
— Então como pode ser? Como Meli pode ser uma Sahira? Ela não é filha de Lilith, é de Yemanjá.
— Não é assim que funciona, as Sahira não eram filhas nem consanguinias nem espirituais de Lilith e sim mulheres que desenvolveram espontaneamente uma similaridade com ela. Qualquer mulher poderia ser Sahira.
— Então porque foram extintas? — Kikelomo quis saber.
— Eu não sei, so sei que nunca mais nenhuma surgiu desde a batalha cinco mil anos atrás. As terras férteis e verdejantes do Iraque se tornaram desérticas graças ao sangue delas derramado lá.
— Uma Sahira... Então eu estou certo, ela está viva.
— Sim está... mas esses olhos e essa aura que ela emana...
— Ela mudou, não é?
— Sim. — Cecélia se afastou.
— Não consigo sentir a força de Yemanjá dentro dela.
— Acho que a ligação com o Orixá se partiu, não há mais uma conexão com a ancestral.
— Meli! Meli você pode me ouvir? — Kikelomo voltou a chacoalhar a menina pelos ombros.
— Pare de me sacudir. — Finalmente respondeu e seus olhos focaram o rosto do macaco.
— Ela ainda está falando corretamente. — Cecélia notou.
— Eu sempre falei corretamente. — Meli respondeu sisuda.
— Veldade? — Cecélia imitou a forma antiga da fala de Meli.
— Muito obrigado Cecélia — Kikelomo soltou Meli e puxou a barra da saia da bruxa com carinho — Mesmo que este teu ato de me ajudar foi por me dever um favor, sua ajuda foi tão grande que eu agora me considero seu devedor.
— Não se preocupe com isso. — Ela respondeu com os olhos fixos em Meli.
— Você já pode ir. — Kikelomo falou olhando curioso para ela.
— Ir? Como assim?
— Você disse que tinha planos, um caminho a seguir, então não precisa mais se prender a nós, pode seguir sua jornada.
— Eu vou ficar mais um pouco, se não for incômodo.
Kikelomo sentiu um arrepio em sua espinha de macaco, ses olhos foram de uma a outra e ele entendeu imediatamente que Cecélia estava interessada em Meli, bruxas sempre se interessam por pupilas.
— Tudo bem... mas... Não toque na menina até que eu tenha finalizado meus planos.
— Claro, fique em paz. — Cecélia sorriu.
O macaco olhou em volta, o lugar era escuro e desabitado, tudo o que se via eram rochas úmidas e pontiagudas despontando por toda parte, o céu negro mostrava oito pequenos pontos luminosos como luas de diferentes tamanhos.
— Onde estamos? Em que parte do sexto Orun?
— Estive aqui só uma vez, — respondeu Cecélia — não sei dizer que parte é, mas acredito que é longe do centro, a parte central do lugar é abarrotada de almas, esse deserto deve ser afastado.
— Pois bem, não tem problema. Vamos dar andamento ao plano. Ele sentou sobre as patas traseiras e olhando para o solo de terra cinza arenosa sussurrou —*eye oru, ohun mi wa ninu re*.
No solo um pequeno monte de areia se elevou no ar e tal qual fosse moldado manualmente ele se tornou a figura de um passaro negro, um corvo.
— Vá corvo, encontre Sandara.
☆III
No saguão do Palácio Oyá foi recebida com reverências das muitas pessoas ali, o local estava abarrotado de gente, todos vestidos com roupas leves e brancas, todos, homens e mulheres, ostentavam cabelos cumpridos em diferentes texturas.
— Obrigada. — Oyá sorriu sem muita emoção para a multidão — Gostaria que alguém levasse esses dois para descansar um pouco em algum dos aposentos, é meu filho Sandara e Edmundo, filho de Oxum.
— Claro minha senhora — disse um homem de cabelos trançados tão cumpridos que cairam como um cortina pelas laterais de sua cabeça quando se curvou — Me chamo *Yanjú*, irei levar os rapazes para um quarto de hóspedes.
— E eu senhora? — Tanya perguntou sentindo-se um tanto excluída.
— Você vem comigo, vamos falar com Yemanjá. — Oyá respondeu.
— Nós não podemos ir também? — Sandara perguntou.
— Não, vocês tem que se resolver, vão conversar. Além disso tenho que por Tanya a par de algumas coisas. Vamos querida.
Sandara e Edmundo acompanharam Yanjú, Oyá ofereceu o braço a Tanya e ambas seguiram caminhando, após três passos estavam em um corredor extremamente iluminado.
— Nossa, eu nunca vou acostumar com isso... — Tanya soltou o braço a deusa — Saímos do saguão e eu nem percebi, onde estamos agora?
— No topo de uma das torres de vidro, aquele é o quarto onde Yemanjá está hoje. — Oyá apontou para uma porta de mandeira azul clara.
Elas se dirigiram para lá mas antes que pudessem bater a porta se abriu, uma mulher estonteante de tão bela apareceu, era um tanto baixinha e com seios muito volumosos, quadris muito largos contrastanto com a cintura finissa, usava um vestido longo e sem mangas, o tecido coberto de lantejoulas que a primeira vista eram preteadas mas prestando atenção se via um vislumbre furta-cor, usava um colar de buzios justo no pescoço curto, muitas pulseiras de prata nos braços, anéis em todos os dedos incluindo os polegares, unhas cumpridas e pintadas de um degrade suave entre azul e verde, seus cabelos eram volomosos, trançados em tranças muito finas e castanhas que caiam até os joelhos, no topo da cabeça exibia um delicado diadema de filigranas de prata e uma lua minguante de cristal no topo.
— Olá querida. — Oyá sorriu.
— Entre Oyá, nós temos que conversar.
☆IV
— Se importa se ela presenciar?
— Ela? — Yemanjá olhou desconfiada para Tanya — Uma humana, e ainda por cima viva? Porque duas deusas conversariam diante dela?
— Porque a cabeça dela é a de um Rei.
— Oh... oh eu entendo. Tudo bem, pode entrar.
Tanya fez uma reverência desajeitada sem saber se deveria por a cabeça ao chão ou não, então entrou rapidamente no aposento e se encostou em uma das paredes tentando evitar causar qualquer incômodo.
— É muito belo este quarto, senhora.
— Obrigada, é um dos meus preferidos. — Yemanjá sorriu.
O quarto era na verdade um salão tão grande quanto um saguão de hotel, móveis rústicos de madeira talhada a mão, mas o que era mais impressionante era o teto de vidro em forma de pirâmide por onde uma luz levemente azulada era refletida e se espalhava por todo o aposento.
Oyá sentou em uma poltrona estofada com seda azul marinho e Yemanjá em um sofá de pernas curtas como aqueles móveis feitos para crianças.
— Se quer falar sobre a morte de Jeová...
— Mas é claro que quero. — Oyá respondeu.
— Porque? Jeová ter morrido ou Lucifer ter perdido a torre e o título de Rei do inferno...
— Imperador. — Oyá corrigiu.
— Que seja, o que não vejo é onde isso nos conecta. Não é da nossa conta.
— Mas é claro que é.
— Não, não é. — Yemanjá insistiu.
— Smeralda voltou, e nós sabemos da profecia.
— A profecia não nos diz respeito.
— A profecia fala que ela exterminará metade da humanidade. — Oyá arregalou os olhos.
— E nós somos humanas por acaso?
— Não seja supremacista, você não é assim.
— Não estou sendo supremacista, sabe que não tenho qualquer desafeto pelos humanos, meus filhos são quase todos humanos. Porém meu amor por meus filhos não me cegou, como é o caso de outros deuses.
— Está dizendo que eu estou cega?
— Abertamente, você Oyá é tão cega quanto uma cobra-d'água.
— Você não é de ofender gratuitamente, então estou surpresa.
— Não estou lhe ofendendo.
— Explique melhor isso.
— Os humanos se exterminam sozinhos, a sua cegueira é que ao amar demais a humanidade de seus filhos você passa a esquecer o que a humanidade faz. Vamos lá, Estados Unidos da America no século dezenove foram o que? Acho que uns vinte e cinco ou trinta milhões de indígenas exterminados. Ainda no século dezenove a Bélgica matou quinze milhões no Congo não foi? Hitler fez umas coisinhas tambem, e apesar da humanidade dar muita ênfase a ele, o que ele fez é brincadeira de criança comparado ao que foi feito antes pelos seus predecessores. Japão? A humanidade hoje fala de samurais, é como se diz "um icone pop", mas não foram os samurais que mataram milhões de inocentes? E depois na segunda guerra mundial os Japoneses invadiram a China e mataram mais de dez milhões, e vamos salientar que as chinesas eram mortas aos poucos. A China aprendeu com isso? Não, enquanto estamos aqui conversando, lá em Xinjiang os chineses construiram campos de concentração para o extermínio de muçulmanos. E os muçulmanos? Gritando *Allahu Akbar* e se explodindo em nome de um ideal que segundo eles é superior o suficiente para lhes dar o direito de matar quaisquer pessoa desafeta. E a África? Nossa África... após sofrerem o genocídio que foi a escrivão, o que fizeram? Se concentraram em se reerguer? Não. Lembra de Ruanda? Década de noventa, quatro meses de conflito, quinhentos mil mortos. Africa do Sul ainda tem aquelas recordes de estupro e feminicidio? Tem. Nossa amada Nigéria ainda põe os homossexuais na cadeia, quatorze anos de prisão se for pego em flagrante e se conseguir chegar até o julgamento vivo. E essa sua amiga humana — Yemanjá apontou para Tanya — É brasileira, ouvi quando falou comigo em *PT-BR*, aquele país foi regado de sangue de Norte a sul, sangue dos indios, sangue dos pretos. O que Pizarro fez com os Incas não é sombra do que os Portugueses fizeram com o povo origial do Brasil. E essa sua amiguinha ainda tem o azar de ser transexual.
— Qual o problema da minha condição? — Tanya falou baixinho, constrangida.
— Para mim nenhum, mulheres são mulheres de alma. Mas, ser transexual no seu país não é um bom negócio, afinal a expectativa de vida de mulheres transexuais lá é de trinta e cinco anos de idade, a grande maioria morre ou é morta antes disso, então ser trans lá é como ser um homem Preto morando na Louisiana no século dezenove, onde o futuro de grande parte deles era acabar enforcado. Mas Oyá, o que quero dizer com toda essa história é que não faz diferença se metade da humanidade for exterminada por Smeralda. A humanidade se exterminará com ou sem a ajuda dela, eles ja fazem isso desde sempre.
— A senhora perdeu a fé em nós? — Tanya perguntou.
Yemanjá olhou para ela lhe lançando um sorriso condescendente.
— Quando olhar para mim tente por um segundo se por em meu lugar. Sou uma testemunha da criação deste mundo. Se você fosse também, se tivesse visto tudo o que vi, teria conservado alguma fé?
— Não estou aqui para pedir sua fé em homens e mulheres, — Oyá interrompeu — Quero saber se posso contar com sua ajuda Quando chegar a hora.
— Eu já imaginava... — Yemanjá se levantou e foi até uma mesinha de Carvalho onde serviu três copos de cristal com um líquido verde escuro.
— Obrigado senhora, sua majestade. — Tanya apanhou o copo que a deusa oferecia.
— Eu ja imaginava que você ia se meter nisso. — a deusa fez uma careta para sua igual.
— E eu sozinha não dou conta, você sabe. — Oyá deu um gole em sua bebida.
— As três damas sempre juntas... Oxum já concordou?
— Ela só entra nas confusões se souber que tem chance, ela não joga pra perder.
— Então se eu aceitar te ajudar ela também aceitará. — Yemanjá sorriu.
— Senhoras... desculpe interromper mas... o que significa eu ter a cabeça de um rei?
Oyá e Yemanjá olharam para Tanya, então Yemanjá apanhou de trás da almofada de seu sofá um espelho de mão e entregou a ela, Tanya olhou seu reflexo e o que viu a deixou boquiaberta.
☆VI
O quarto de hóspede era muito amplo mas ao mesmo tempo muito diferente de um quarto de hotel, ali não haviam camas e sim dois colchões extremamente finos dispostos ao chão sobre esteiras de palha trançada e o restante dos móveis em estilo africano rústico.
— É bonito, mas eu esperava colchões de água pelo menos. — Edmundo reclamou.
— Os habitantes desse mundo em sua maioria são almas, almas não sentem dor nas costas, esses colchões ai são meramente decorativos. — Sandara respondeu.
— Ok. — Edmundo respondeu secamente.
Deitou no colchão muito a contra gosto. Sandara o observava em pé próximo a uma janela.
— Que é? Tô cagado? — Edmundo ralhou ao perceber que era foco dos olhares do outro.
Sandara invés de se bronquear com a rudez do rapaz, acabou rindo pela infantilidade da frase.
— Não Ed, não está cagado. Eu não posso simplesmente olhar pra você?
Edmundo nada respondeu, deitou de bruços com o rosto para o outro lado.
Sandara riu novamente e então teve a ideia de cantar a musica favorita do rapaz, uma música que cantaram juntos muitas vezes nos dias de churrasco no quintal do velho terreiro.
♫♪ ♫♪ ♫♪
"Veeeem... vem pra bem perto dos meus olhos... Vivo tristonho a te esperar... Viveeeer pra sempre junto a ti... Oh! Pra nunca mais chorar... "
♫♪ ♫♪ ♫♪
— Me deixe descansar por favor. — Edmundo pediu.
Porém Sandara continuou a cantar:
♫♪ ♫♪ ♫♪
"Veeeem... traz teus abraços pros meu braços... As tuas mãos quero beijar... Viveeeer... pra sempre junto a ti... Oh! Pra nunca mais chorar... "
♫♪ ♫♪ ♫♪
— O quê você quer para calar a boca?
— Eu não vou me calar, mas invés de cantar eu possa falar. Tipo, você fala comigo e eu falo com você.
— Pra um professor fica feio você não saber que isso se chama "conversar". — Edmundo se remexeu irritado sobre o colchão.
Sandara sentou em posição de lotus no colchão ao lado.
— Qual é da sua irritação? Eu achava que as coisas ja estavam meio claras. Você sabe que eu não sou um assassino psicopata como foi dito la em Monte D'Ávila, não sabe? Tanya me disse que Eulália te esclareceu as coisas. Tudo que eu fiz foi para te proteger de Enobária.
— Eu sei.
— Então eu repito a pergunta, qual é da sua irritação?
— Preciso assimilar as coisas.
— Ah sim, é você sempre foi de demorar para digerir assuntos...
— Demorar? É sério? Eu passei anos com uma ideia e um sentimento formados, então em poucos dias tudo muda e eu tenho de reagir como se aceitasse tudo numa boa?
— Você sempre foi de demorar pra aceitar as coisas.
— Não fale como se me conhecesse. — Edmundo resmungou ainda virado para o outro lado.
— Mas eu te conheço. Quer que eu prove?
— Pois tente.
— Seu desenho favorito é Sailor Moon. Você queria ser a Sailor Vênus.
— Que bobagem, qualquer um saberia dessas coisas.
— Se qualquer um saberia, diga qual é o meu desenho favorito.
— Cavaleiros do Zodiaco, e o personagem que gosta mais é Ikki de Fênix.
— Acertou. — Sandara tinha um sorriso na voz.
— Eu disse, bobagem.
— Sua temporada favorita de Power Rangers é Força Animal e você queria ser a tigre. Sabe a minha?
— Zeo, e você queria ser o vermelho. — Edmundo respondeu com menos rudeza na voz.
— Seu refrigerante preferido é fanta uva. Sabe o meu?
— Você diz que gosta de guaraná Antártica, mas é mentira, gostava era de beber aquele Xamego de três litros que custava R$1,99.
— Pior que é! — Sandara riu — Meu livro favorito?
— O Conde de Monte Cristo.
— Sim, e o seu é As Aventuras de Xisto.
— É. Onde essa conversa fútil vai nos levar? — Edmundo se virou e encarou Sandara.
— Ela tem um propósito. Posso continuar?
— ...Sim.
— O seu animal preferido é o gato. Miau! — Sandara roçou as unhas no braço do rapaz.
Edmundo olhou feio mas não rejeitou o contato.
— Você não tem animal preferido, sempre disse que não gostava de bicho dentro de casa.
— Meu animal preferido é o búfalo, por motivos óbvios. Essa parte de eu não gostar de animais domésticos é uma mentira que eu tive de contar porque você e Toni viviam trazendo cães de rua pra casa e eu já não dava conta de ficar cuidando.
— Há... eu não sabia.
— O seu perfume preferido é aquele Egeo Dolce, aquele com cheiro tão doce que fazia todo mundo da casa espirrar e causava caretas nos usarios de transporte público.
— Eu só tinha porque você me dava. Nunca tive condição de pagar cem reais em perfume.
— Ah... eu te dava porque pensava que você gostava.
— Eu gosto, é meu preferido. Só quis frisar que o único motivo de eu ter era porque você comprava.
— E porque eu comprava? Você se lembra?
— A razão? Era porque era Natal... ou meu aniversário...
— Era porque eu te amava. Era porque eu te amo.
Edmundo abriu e fechou a boca algumas vezes mas por fim nada disse.
Sandara prosseguiu:
— E você me amava.
— Eu...
— Eu não estou perguntando, estou afirmando, você me amava. Mas e agora? Não ama mais?
— É como eu disse, preciso de tempo pra assimilar as coisas.
— Você diz reorganizar as informações dentro da sua cabeça?
— Exatamente.
— Ok, eu entendo. Mas... olha, não me leve a mal, eu... eu queria saber se eu posso te dar um beijo.
— Eu acabei de dizer...
— Mas você vai organizar a mente, os lábios já estão organizados, pelo menos assim olhando de longe parecem certinhos.
Edmundo ao ouvir aquela joça acabou involuntariamente abrindo um sorriso.
— Deixe de *bolodório*.
— Não vou arrancar pedaço, eu só queria te beijar. Não é como se fosse uma violência ou nada assim, é só... É que eu sonho em te beijar faz anos, todos esses anos eu penso nisso.
— Não é uma boa idéia.
— Eu não estou atrás de boas idéias, eu estou atrás de umas beijocas... mas o quê?
Os dois se assustaram quando um corvo negro entrou no quarto e começou a grasnar alucinadamente e entre os granos falou:
— Búfalo Sandara, tenho um recado para lhe dar...
📚Glossário:
1. Temiloyê: do yoruba "aquela que possui muitos títulos e honrarias"
2. Éon: medida de tempo referente a 1.000.000 de anos.
3. Maleika: currupetela de "malā'ikah" ( ملائكة), Anjo em árabe.
4. Sahira: do arabe "ساحرة", significa Bruxa ou feiticeira.
5. Dur-an-ki: "Encontro do céu com a terra", expressão o suméria.
6. Yanjú: nome Yoruba, significa "completo".
7. PT-BR: idioma Portugues do Brasil.
8. Allahu Akbar: no arabe tradicional "Deus é o maior", grito religioso mas que por ser usado por terroristas antes e durante os ataques passou a ser sinal de medo para as civilizações não muçulmanas.
9. Bolodório: conversa sem sentido.
📚 Tradução do feitiço de Kikelomo:
"Eye oru, ohun mi wa ninu re"
"pássaro noturno, minha voz está em ti".
Adorei, esperando o próximo.
ResponderExcluirPerfeito como todos os outros....aguardando os próximos
ResponderExcluirMds como eu amei o diálogo entre os orixás kkk parecendo até grupo de Zap, e o adm mds kkkk rir demais
ResponderExcluirKkkkk não tinha pensado nisso mas é vdd!
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