BÚFALO SANDARA Capítulo 1
Essa história se passa no mesmo mundo do conto "Lucifer Smeraldina" e seus eventos são simultaneos a aventuras vividas nela.
Felipe Caprini
Búfalo Sandara
Capítulo I
"Alçapão"
O candomblé é uma religião linda, é afro brasileira, ou seja é de raiz Africana mas com influências da nova terra. O candomblé tem uma particularidade, seus templos são integrados por famílias, sim, pessoas não ligadas por sangue se tornam irmãos, filhos, afilhados, pais e mães, uma comunidade ligada pela fé e pela afeição.
É por isso que aquela cena foi tão dolorosa.
É por isso que aquela cena foi tão dolorosa.
☆I
29 de Março de 2008
A cesta acoplada na dianteira da bicicleta estava tão cheia que era difícil manter o controle do guidão que tremia sob os punhos de Edmundo como se ele mesmo estivesse com medo. Ele ia pelando devagar, o saco de farinha de mandioca devia ter uns dez quilos pelo menos, para melhorar ainda mais a pequena Meli sentada na parte de trás dava-lhe soquinhos nas costas.
— Lapido! Lapido molenga!
— Eu to indo o mais rápido que dá! — Edmundo ralhou com ela.
Meli era uma graça, todo sábado tinha terapia no centro comunitário, por ser portadora de síndrome de down era necessário ter sempre o acompanhamento médico.
— A comida vá acaba! — Meli gritou dando mais socos leves nas costas do irmão de criação.
— Não vai acabar nada Meli, a festa nem começou, o *ajeun* é só no final, deixe de ser esfomeada, não lanchou lá na terapia?
— Mãe mando só cosa ruim na lanchela. — Meli resmungou lembrando da maçã, do iogurte e do pão de forma com queijo branco, para ela aquilo era praticamente um castigo pois preferia coisas com muito açúcar.
— Sabe que a mãe quer que você emagreça, foi ordem médica.
— Medicus bobos... — Meli resmungou.
29 de Março de 2008
A cesta acoplada na dianteira da bicicleta estava tão cheia que era difícil manter o controle do guidão que tremia sob os punhos de Edmundo como se ele mesmo estivesse com medo. Ele ia pelando devagar, o saco de farinha de mandioca devia ter uns dez quilos pelo menos, para melhorar ainda mais a pequena Meli sentada na parte de trás dava-lhe soquinhos nas costas.
— Lapido! Lapido molenga!
— Eu to indo o mais rápido que dá! — Edmundo ralhou com ela.
Meli era uma graça, todo sábado tinha terapia no centro comunitário, por ser portadora de síndrome de down era necessário ter sempre o acompanhamento médico.
— A comida vá acaba! — Meli gritou dando mais socos leves nas costas do irmão de criação.
— Não vai acabar nada Meli, a festa nem começou, o *ajeun* é só no final, deixe de ser esfomeada, não lanchou lá na terapia?
— Mãe mando só cosa ruim na lanchela. — Meli resmungou lembrando da maçã, do iogurte e do pão de forma com queijo branco, para ela aquilo era praticamente um castigo pois preferia coisas com muito açúcar.
— Sabe que a mãe quer que você emagreça, foi ordem médica.
— Medicus bobos... — Meli resmungou.
Edmundo estava irritado, era membro de um terreiro pequeno em membros mas que era o maior da cidade de Monte D'avila em questão de fama, nunca havia se atrasado para um *xirê*, então Sandara o mandou ir buscar Meli e depois ir comprar uma saca de farinha de mandioca.
— Porquê eu? — Ele murmurou sozinho totalmente contrariado — Porque nunca consigo dizer não a Sandara?
— Poque vochê é paxonado pu ele! — Meli deu uma gargalhada.
— Ora cale essa boca sua intrometida!
Mas era verdade, Sandara era *Orukó* de Vicente, e puxa vida como ele era bonito. Para ser franco talvez não fosse tão bonito aos olhos dos outros mas para quele tapazola o corpo e o rosto de Sandara eram em beleza e perfeição equiparados aos de *Idris Elba*. Edmundo sendo só um rapaz que mal havia alcançado a maioridade tinha lá certo receio em se declarar aquele homem, Sandara naquele ano estava nos dias de comemorar seu quadragésimo primeiro aniversário, sim, quarenta e um anos e ainda era tão belo que nem parecia gente comum, não parecia envelhecer.
Viraram a esquina e então viram as mais de dez viaturas policiais paradas diante da casa.
— Policha? — Meli notou e logo segurou na cintura do irmão com força.
Para as pessoas brancas ver uma viatura de Polícia pode não ser nada demais, mas para o homem de pele preta aquela visão pode significar que coisa muito ruins vem pela frente, os policiais costumavam parar todos os homens daquela casa quando os viam na rua, todo homem preto era um traficante, ladrão ou estuprador em potencial na mente suja daqueles desgraçados de farda, era perigo pois até mesmo os que jamais cometeram qualquer delito podiam ser falsamente incriminados.
Os dois desceram da bicicleta.
— Fique comportada Meli. — Ele sussurrou para irmã enquanto iam caminhando devagar até a casa. Não havia como evitar, ele parou a bicicleta ao lado de um policial.
— Hum...Por favor, senhor?
— Sai daqui neguinho, tu não tem nada que ver aqui. — O Policial o olhou feio.
— Mas... mas eu moro ai, senhor, é a casa da minha família.
— Mora? Você... espere ai, entre aqui no carro.
Ah, entregar em uma viatura com certeza não é boa idéia, Edmundo sentiu o corpo gelar e deu um passo para trás.
— Tudo bem, não precisa entrar, mas temos de conversar. Me de os documentos. — o policial parecia ter mudado o tom para algo mais gentil, o que com certeza não era bom sinal.
— Porquê eu? — Ele murmurou sozinho totalmente contrariado — Porque nunca consigo dizer não a Sandara?
— Poque vochê é paxonado pu ele! — Meli deu uma gargalhada.
— Ora cale essa boca sua intrometida!
Mas era verdade, Sandara era *Orukó* de Vicente, e puxa vida como ele era bonito. Para ser franco talvez não fosse tão bonito aos olhos dos outros mas para quele tapazola o corpo e o rosto de Sandara eram em beleza e perfeição equiparados aos de *Idris Elba*. Edmundo sendo só um rapaz que mal havia alcançado a maioridade tinha lá certo receio em se declarar aquele homem, Sandara naquele ano estava nos dias de comemorar seu quadragésimo primeiro aniversário, sim, quarenta e um anos e ainda era tão belo que nem parecia gente comum, não parecia envelhecer.
Viraram a esquina e então viram as mais de dez viaturas policiais paradas diante da casa.
— Policha? — Meli notou e logo segurou na cintura do irmão com força.
Para as pessoas brancas ver uma viatura de Polícia pode não ser nada demais, mas para o homem de pele preta aquela visão pode significar que coisa muito ruins vem pela frente, os policiais costumavam parar todos os homens daquela casa quando os viam na rua, todo homem preto era um traficante, ladrão ou estuprador em potencial na mente suja daqueles desgraçados de farda, era perigo pois até mesmo os que jamais cometeram qualquer delito podiam ser falsamente incriminados.
Os dois desceram da bicicleta.
— Fique comportada Meli. — Ele sussurrou para irmã enquanto iam caminhando devagar até a casa. Não havia como evitar, ele parou a bicicleta ao lado de um policial.
— Hum...Por favor, senhor?
— Sai daqui neguinho, tu não tem nada que ver aqui. — O Policial o olhou feio.
— Mas... mas eu moro ai, senhor, é a casa da minha família.
— Mora? Você... espere ai, entre aqui no carro.
Ah, entregar em uma viatura com certeza não é boa idéia, Edmundo sentiu o corpo gelar e deu um passo para trás.
— Tudo bem, não precisa entrar, mas temos de conversar. Me de os documentos. — o policial parecia ter mudado o tom para algo mais gentil, o que com certeza não era bom sinal.
Edmundo entregou o documento de identidade mas enquanto o policial averiguava a atenção foi levada a outro ponto, um grito, Meli berrou tão estridente que ele imediatamente levou os olhos para onde ela olhava, ali logo após o portão de ferro era possível ver uma poça de sangue vermelho escura e pouco mais adiante uma mão ensanguentada agarrada a um telefone celular, alguém estava caído ali, alguém estava morto.
— Ca-calma Meli! — Edmundo se agachou e abraçou a menina.
— Melhor chamar uma ambulância para atender a menina, esses *mongoloides* infartam por qualquer coisa. — O policial sugeriu.
— O que aconteceu? O que aconteceu aqui?! — Tiago berrou.
— Garoto... foi uma chacina. — o policial falou em tom baixo.
— Chacina? Como assim? Onde está minha mãe? Meus irmãos?
— O total de corpos lá dentro somam onze, onze pessoas. Todos mortos.
— Não... não... NÃO!
— Ca-calma Meli! — Edmundo se agachou e abraçou a menina.
— Melhor chamar uma ambulância para atender a menina, esses *mongoloides* infartam por qualquer coisa. — O policial sugeriu.
— O que aconteceu? O que aconteceu aqui?! — Tiago berrou.
— Garoto... foi uma chacina. — o policial falou em tom baixo.
— Chacina? Como assim? Onde está minha mãe? Meus irmãos?
— O total de corpos lá dentro somam onze, onze pessoas. Todos mortos.
— Não... não... NÃO!
☆II
Edmundo acordou com o próprio berro, seu corpo todo tremia, a cama parecia girar, de novo aquele sonho. Apanhando o celular sob o travesseiro a primeira coisa que fez foi verificar a data, 29 de Março de 2019, onze anos haviam se passado, aniversário de onze anos da chacina que levara embora todos os seus amigos, todos os seus irmãos de santo, a única família que havia conhecido na vida com exceção de Meli.
— Toc-toc-toc...
Ele olhou para a porta entre aberta, la estava ela vestida com a roupa completa de baiana.
— Meli? Meu deus Meli são sete da manhã, a festa é só de noite, tire essa roupa senão vai acabar sujando.
— No vai sujá nada! É seta-fela, é dia do Oxalá, Meli tem de vesti o blanco.
Edmundo acordou com o próprio berro, seu corpo todo tremia, a cama parecia girar, de novo aquele sonho. Apanhando o celular sob o travesseiro a primeira coisa que fez foi verificar a data, 29 de Março de 2019, onze anos haviam se passado, aniversário de onze anos da chacina que levara embora todos os seus amigos, todos os seus irmãos de santo, a única família que havia conhecido na vida com exceção de Meli.
— Toc-toc-toc...
Ele olhou para a porta entre aberta, la estava ela vestida com a roupa completa de baiana.
— Meli? Meu deus Meli são sete da manhã, a festa é só de noite, tire essa roupa senão vai acabar sujando.
— No vai sujá nada! É seta-fela, é dia do Oxalá, Meli tem de vesti o blanco.
Ele sentou na cama e deu um suspiro profundo, Meli tinha agora vinte e dois anos, o corpo era de uma mulher mas a mentalidade ainda era de criança. A sindrome de down se manifesta de maneiras muito diferentes, existem niveis e formas, Meli em seu diagnóstico primário era considerada de nivel leve e portanto teria uma vida praticamente normal quando fosse adulta, mas alguma coisa se quebrou dentro dela naquele dia onze anos atrás, alguma coisa a travou e ela não mais se desenvolveu.
— Tudo bem, fique vestida como quiser. Tanya já chegou?
— Cozinha... — Meli respondeu e então correu corredor a fora.
— Tudo bem, fique vestida como quiser. Tanya já chegou?
— Cozinha... — Meli respondeu e então correu corredor a fora.
Edmundo se levantou com calma, quando tinha aquele sonho era como vivenciar a situação de novo, seu corpo reagia com uma sensação de profundo cansasso. Ele se levantou, ainda de cuecas foi até o espelho, esse era um hábito que tinha desde crianca, olhar para si mesmo para não se esquecer de quem era.
Era bem bonito na verdade, negro claro com o corpo magro. Passou a mão pelo cabelo e gemeu de desgosto, sempre gostou de seu cabelo afro trançado mas após Tanya o ter convencido a se deixar usar de cobaia em um processo quimico de definição de cachos o resultado foi um cabelo liso e espetado para cima como as costas de um porco espinho.
— Quanto tempo vai levar para você crescer? — ele passou a mão pelas mechas pontiagudas.
Aquilo era um sinal para nunca mais acreditar nas técnicas esteticas de Tanya. Ele vestiu a velha bermuda jeans de sempre e sua camiseta regata azul, passou a mão pelos cabelos novamente e saiu do quarto. Sempre havia um tom de melancolia quando saia do quarto e tinha de passar pelo corredor, eram exatamente dezessete quartos naquele casarão, o espaço tão amplo seria realmente ideal para o terreiro que já havia sido um dia, mas agora não passava de um casarão triste habitado por apenas três pessoas.
Depois de percorrer o imenso corredor e atravessar o salão Edmundo chegou a cozinha, e lá estava Tanya no fogão, as costas eram largas como os de um pugilista em seus mais de um metro e noventa de altura, a pele escura de seu ombro reluzindo a luminosidade do sol matutino que entrava pela janela fronte a pia.
— Bom dia Tanya, o que está fazendo?
— Ovos mexidos, Meli se recusou a comer geléia.
— Geléa é vemelha, no podi no dia do Oxalá. — Meli entrou pela segunda porta segurando a sua tão amada boneca de porcelana nos braços e logo se sentou a mesa.
— Essa menina é fanática... — Tanya resmungou enquanto despejava o conteúdo amarelo claro da frigideira em um prato fundo sobre a mesa — Oxalá não vai ficar ofendido com um pouco de geléia de Morango.
— Vochê num sabe di nada. — Meli resmungou, deu de ombros, abriu um pão e começou a rechear com o mexido enquanto cochichava algo no ouvido na boneca.
— Para com isso, esse negócio de ficar falando com essa boneca me assusta. — Tanya olhou feio para Meli.
— É mia! — Meli abraçou a boneca com força.
— Ed eu juro que um dia desses vi a boneca girar o pescoço feito a Anabelle, deus me livre e guarde.
— Vai dormir Tanya, deixa que eu faço o café. — Edmundo foi a pia encher a chaleira de água.
— Sinceramente não estou com sono.
— Noite difícil?
— Manhã difícil.
— O quê foi?
— Não quero falar sobre isso. Você já vai abrir a loja?
— daqui a pouco.
— Vá logo abrir, tem clientes que vem cedo comprar suas garrafadas e ervas.
— Tanya...
— Ah não enche.
— Tanya...
— Ok! Eu passei a noite inteira naquela lavanderia, lavei não sei quantas centenas de toalhas daquele maldito hotel, ai quando entrei no ônibus pra voltar pra casa... o motorista não quis me deixar entrar.
— Ah... ah Tanya eu sinto muito...
— Disse bem alto "olha aqui poço de AIDS, no meu onibus traveco não entra". Todos os passageiros riram.
— E o que você fez?
— Nada, só desci do ônibus. Eu não sou de levar desaforo, você sabe, mas estava tão cansada que... sei lá, só desci do ônibus e esperei outro. Agora to me sentindo uma covarde, devia ter metido uma facada no bucho daquele porco.
— Tudo bem Tanya — Edmundo pousou a chaleira no fogão e abraçou amiga — Você não tem de ser forte todo dia, o que importa é que voltou pra casa. Tente dormir um pouco, de noite vamos a festa na casa de Zeniba.
— Festa de Oxalá?
— É.
— Que tipo de calendário Zeniba segue? Ela faz *Olubaje* em fevereiro, *Iyabas* em junho, *Águas de Oxala* em março, que mulher doída.
— Acho que ela não segue calendário nenhum, só vai fazendo o que dá na telha. — Edmundo riu.
— Ande, vá abrir a loja, não seja vagabundo.
Era bem bonito na verdade, negro claro com o corpo magro. Passou a mão pelo cabelo e gemeu de desgosto, sempre gostou de seu cabelo afro trançado mas após Tanya o ter convencido a se deixar usar de cobaia em um processo quimico de definição de cachos o resultado foi um cabelo liso e espetado para cima como as costas de um porco espinho.
— Quanto tempo vai levar para você crescer? — ele passou a mão pelas mechas pontiagudas.
Aquilo era um sinal para nunca mais acreditar nas técnicas esteticas de Tanya. Ele vestiu a velha bermuda jeans de sempre e sua camiseta regata azul, passou a mão pelos cabelos novamente e saiu do quarto. Sempre havia um tom de melancolia quando saia do quarto e tinha de passar pelo corredor, eram exatamente dezessete quartos naquele casarão, o espaço tão amplo seria realmente ideal para o terreiro que já havia sido um dia, mas agora não passava de um casarão triste habitado por apenas três pessoas.
Depois de percorrer o imenso corredor e atravessar o salão Edmundo chegou a cozinha, e lá estava Tanya no fogão, as costas eram largas como os de um pugilista em seus mais de um metro e noventa de altura, a pele escura de seu ombro reluzindo a luminosidade do sol matutino que entrava pela janela fronte a pia.
— Bom dia Tanya, o que está fazendo?
— Ovos mexidos, Meli se recusou a comer geléia.
— Geléa é vemelha, no podi no dia do Oxalá. — Meli entrou pela segunda porta segurando a sua tão amada boneca de porcelana nos braços e logo se sentou a mesa.
— Essa menina é fanática... — Tanya resmungou enquanto despejava o conteúdo amarelo claro da frigideira em um prato fundo sobre a mesa — Oxalá não vai ficar ofendido com um pouco de geléia de Morango.
— Vochê num sabe di nada. — Meli resmungou, deu de ombros, abriu um pão e começou a rechear com o mexido enquanto cochichava algo no ouvido na boneca.
— Para com isso, esse negócio de ficar falando com essa boneca me assusta. — Tanya olhou feio para Meli.
— É mia! — Meli abraçou a boneca com força.
— Ed eu juro que um dia desses vi a boneca girar o pescoço feito a Anabelle, deus me livre e guarde.
— Vai dormir Tanya, deixa que eu faço o café. — Edmundo foi a pia encher a chaleira de água.
— Sinceramente não estou com sono.
— Noite difícil?
— Manhã difícil.
— O quê foi?
— Não quero falar sobre isso. Você já vai abrir a loja?
— daqui a pouco.
— Vá logo abrir, tem clientes que vem cedo comprar suas garrafadas e ervas.
— Tanya...
— Ah não enche.
— Tanya...
— Ok! Eu passei a noite inteira naquela lavanderia, lavei não sei quantas centenas de toalhas daquele maldito hotel, ai quando entrei no ônibus pra voltar pra casa... o motorista não quis me deixar entrar.
— Ah... ah Tanya eu sinto muito...
— Disse bem alto "olha aqui poço de AIDS, no meu onibus traveco não entra". Todos os passageiros riram.
— E o que você fez?
— Nada, só desci do ônibus. Eu não sou de levar desaforo, você sabe, mas estava tão cansada que... sei lá, só desci do ônibus e esperei outro. Agora to me sentindo uma covarde, devia ter metido uma facada no bucho daquele porco.
— Tudo bem Tanya — Edmundo pousou a chaleira no fogão e abraçou amiga — Você não tem de ser forte todo dia, o que importa é que voltou pra casa. Tente dormir um pouco, de noite vamos a festa na casa de Zeniba.
— Festa de Oxalá?
— É.
— Que tipo de calendário Zeniba segue? Ela faz *Olubaje* em fevereiro, *Iyabas* em junho, *Águas de Oxala* em março, que mulher doída.
— Acho que ela não segue calendário nenhum, só vai fazendo o que dá na telha. — Edmundo riu.
— Ande, vá abrir a loja, não seja vagabundo.
☆III
O *Ilê Axé Omobirin Ejo* era um terreiro modesto, seu salão não era grande como as casas famosas da cidade, aliás São Paulo possuía uma vasta qualidade de terreiros luxuosos que mais pareciam museus ou salões de baile, já aquele terreiro ainda tinha aquelas características de roça, chão de cimento queimado vermelho, paredes pintadas com cal, banheiro do lado de fora e poucas cadeiras, ao entrar na salão os três logo se acomodaram em banquinhos de madeira em um canto sem querer chamar muita atenção.
— Oooh... que bunitu... — Meli apontou para o teto forrado de bandeirinhas de papel branco.
O *Ilê Axé Omobirin Ejo* era um terreiro modesto, seu salão não era grande como as casas famosas da cidade, aliás São Paulo possuía uma vasta qualidade de terreiros luxuosos que mais pareciam museus ou salões de baile, já aquele terreiro ainda tinha aquelas características de roça, chão de cimento queimado vermelho, paredes pintadas com cal, banheiro do lado de fora e poucas cadeiras, ao entrar na salão os três logo se acomodaram em banquinhos de madeira em um canto sem querer chamar muita atenção.
— Oooh... que bunitu... — Meli apontou para o teto forrado de bandeirinhas de papel branco.
— Achei que não vinham, eu não ia perdoar a desfeita.
Tiago olhou para cima e lá estava Zeniba, a mãe de santo mais querida da região, estava trajada com sua saia de baiana de algodão rajado de fios de prata, o turbante redondo e os brincos de argola a faziam parecer mais jovem do que realmente era, trazia nas mãos um pequeno prato com pedaços de chocolate branco.
— Sua bênção *Iyá* Zeniba — Edmundo beijou-lhe as costas da mão — Jamais faria essa desfeita com a senhora.
Zeniba sorriu e entregou o prato a Meli que imediatamente atacou o doce.
— Seja educada Meli. — Tanya pediu.
— Ah... bligada. — Disse Meli sem tirar os olhos da guloseima.
— Eu sei que a menina ama comer doces. Mas e você Tanya, de calça? Quer uma saia emprestada? Eu te empresto uma minha pra você dançar na roda do Xirê.
— Ah Iyá Zeniba eu agradeço mas prefiro não dançar.
— Deixe de besteira, sabe que aqui na minha casa você é como qualquer outra mulher.
— Obrigado — Tanya sorriu mas ainda assim não quis dançar.
Era verdade sim que Zeniba a tratava como mulher, com todo o respeito que Tanya merecia como pessoa, porém o terreiro não era composto apenas de Zeniba, seus filhos de Santo olhavam Tanya com nojo toda vez que ela passava, ser transexual na mentalidade tacanha de muitos ainda era como ser um pária da sociedade.
Zeniba virou o rosto para a esquerda a tempo de ver um de seus Ogans encarando Tanya com uma expressão de perplexidade, o homem ao perceber que a mãe de santo o observava imediatamente olhou para o outro lado.
— Tudo bem — Zeniba se voltou para Tanya e removendo um fio de contas branco do próprio pescoço o passou para o pescoço Tanya — Mas eu quero que você se lembre do motivo de ter vindo aqui essa noite.
— Por Oxalá. — Tanya respondeu com firmeza.
— Sim, e ele é mais importante que qualquer um desses idiotas, não se esqueça disso. — ela se afastou e voltou a dançar na roda.
— Sua bênção *Iyá* Zeniba — Edmundo beijou-lhe as costas da mão — Jamais faria essa desfeita com a senhora.
Zeniba sorriu e entregou o prato a Meli que imediatamente atacou o doce.
— Seja educada Meli. — Tanya pediu.
— Ah... bligada. — Disse Meli sem tirar os olhos da guloseima.
— Eu sei que a menina ama comer doces. Mas e você Tanya, de calça? Quer uma saia emprestada? Eu te empresto uma minha pra você dançar na roda do Xirê.
— Ah Iyá Zeniba eu agradeço mas prefiro não dançar.
— Deixe de besteira, sabe que aqui na minha casa você é como qualquer outra mulher.
— Obrigado — Tanya sorriu mas ainda assim não quis dançar.
Era verdade sim que Zeniba a tratava como mulher, com todo o respeito que Tanya merecia como pessoa, porém o terreiro não era composto apenas de Zeniba, seus filhos de Santo olhavam Tanya com nojo toda vez que ela passava, ser transexual na mentalidade tacanha de muitos ainda era como ser um pária da sociedade.
Zeniba virou o rosto para a esquerda a tempo de ver um de seus Ogans encarando Tanya com uma expressão de perplexidade, o homem ao perceber que a mãe de santo o observava imediatamente olhou para o outro lado.
— Tudo bem — Zeniba se voltou para Tanya e removendo um fio de contas branco do próprio pescoço o passou para o pescoço Tanya — Mas eu quero que você se lembre do motivo de ter vindo aqui essa noite.
— Por Oxalá. — Tanya respondeu com firmeza.
— Sim, e ele é mais importante que qualquer um desses idiotas, não se esqueça disso. — ela se afastou e voltou a dançar na roda.
Mesmo sendo já uma mulher de mais de sessenta anos, a voz de Zeniba soava como uma potência incrível, o *Alabê* ao terminar uma cantiga deu espaço para que ela entoasse a próxima, e Zeniba elevou a voz e melodicamente cantou:
*"Oyá balè e laari o, Oyá balè, Oyá balè e laari o, Oyá balè, Adá maa de f'ara ge ngbele"*
(Oyá tocou a terra, ela é valorosa, Oyá tocou a terra, que sua espada não se volte contra nós e nem seus raios derrubem nossas casas)
(Oyá tocou a terra, ela é valorosa, Oyá tocou a terra, que sua espada não se volte contra nós e nem seus raios derrubem nossas casas)
E todos os presentes responderam em uníssono:
*" Oyá balè e laari o"*
(Oyá tocou a terra, ela é valorosa)
*" Oyá balè e laari o"*
(Oyá tocou a terra, ela é valorosa)
Os tambores se agitaram sob a técnica impecável das mãos que os brandiam e a energia se aspalhou pela casa como se naquele momento uma fogueira houvesse sido acesa, o calor era sentido não por fora, não na pele e nem na carne, mas sim na alma.
Fazia onze anos que Edmundo não era parte de um terreiro, ia sempre na casa de Zeniba nas festas e de vez em quando até ajudava nos ritos internos mas não conseguia entrar em uma nova família. Zeniba o havia chamado quase uma centena de vezes mas ele não podia, não conseguia, sempre que a figura de alguém que fosse sua sacerdotisa vinha em sua mente era a imagem de sua primeira sacerdotisa, Enobária de Yewá.
Enobaria não era apenas uma mãe de santo, ela era a mãe de Edmundo e da maioria dos membros da casa, havia adotado todos de papel passado e tudo. Edmundo mal se lembrava de seus pais biológicos, sempre que lembrava de quaisquer coisa relacionado a palavra "mãe" era de Enobária que ele lembrava. Fora adotado por ela com seis anos de idade, desde então recebeu daquela mulher um teto, roupas boas, comida, estudo e principalmente muito amor. Onze anos atrás, naquele fatídico dia após a Polícia o convocar para o reconhecimento dos corpos, Edmundo foi até o IML (Instituto Médico Legal), em uma camara fria foi levado a uma parede cheia de portas de metal, ao se aproximar ele imediatamente soube que eram gavetas refrigeradas. O perito abriu uma de cada vez, onze gavetas foram abertas, Edmundo se deparou com a face descorada de onze de seus irmãos. Após reconhecer todos os corpos o perito agradeceu e o liberou, mas Edmundo não compreendeu.
— Mas falta um corpo.
— Falta? — O homem passou a ponta do dedo enluvado por varias linhas em um papel em sua prancheta — Não, são onze óbitos, você reconheceu todos.
— Não senhor, fui informado que todos da casa foram assassinados — respondeu com a voz trêmula — mas a casa era composta de quatorze pessoas, eu e Meli sobrevivemos, o assassino também, então falta o corpo de minha mãe.
— Sua mãe? Pode descrever ela? — o perito juntou as sobrancelhas enquanto erguia as folhas da prancheta lendo o que estava por baixo.
— Enobária Vivienne Du Fontette, sessenta e dois anos, acho que um e sessenta e cinco de altura, uns setenta quilos...
— Du Fontette? — O perito riu.
— Sim.
— Mas são todos pretos, porque um sobrenome francês?
— Minha mãe é... era descendente de escravos, o homem que comprou a tetradecavó dela foi um francês que vazia translado de escravos na Costa no Benim, era o Duque Jean Bernard Fontette, seus escravos eram registrados como propriedade da familia Fontette, portando...
— Du Fontette. — o perito anuiu — Puxa que história...
— Sim. Mas agora por favor, pode me levar até o corpo de minha mãe.
— Desculpe garoto mas não há nenhuma mulher idosa nessas gavetas, não sei onde está sua mãe mas ela não foi trazida para cá e nem mesmo consta nas fotografias do local do crime, nenhuma pessoa acima de quarenta anos morreu naquele centro de macumba.
Fazia onze anos que Edmundo não era parte de um terreiro, ia sempre na casa de Zeniba nas festas e de vez em quando até ajudava nos ritos internos mas não conseguia entrar em uma nova família. Zeniba o havia chamado quase uma centena de vezes mas ele não podia, não conseguia, sempre que a figura de alguém que fosse sua sacerdotisa vinha em sua mente era a imagem de sua primeira sacerdotisa, Enobária de Yewá.
Enobaria não era apenas uma mãe de santo, ela era a mãe de Edmundo e da maioria dos membros da casa, havia adotado todos de papel passado e tudo. Edmundo mal se lembrava de seus pais biológicos, sempre que lembrava de quaisquer coisa relacionado a palavra "mãe" era de Enobária que ele lembrava. Fora adotado por ela com seis anos de idade, desde então recebeu daquela mulher um teto, roupas boas, comida, estudo e principalmente muito amor. Onze anos atrás, naquele fatídico dia após a Polícia o convocar para o reconhecimento dos corpos, Edmundo foi até o IML (Instituto Médico Legal), em uma camara fria foi levado a uma parede cheia de portas de metal, ao se aproximar ele imediatamente soube que eram gavetas refrigeradas. O perito abriu uma de cada vez, onze gavetas foram abertas, Edmundo se deparou com a face descorada de onze de seus irmãos. Após reconhecer todos os corpos o perito agradeceu e o liberou, mas Edmundo não compreendeu.
— Mas falta um corpo.
— Falta? — O homem passou a ponta do dedo enluvado por varias linhas em um papel em sua prancheta — Não, são onze óbitos, você reconheceu todos.
— Não senhor, fui informado que todos da casa foram assassinados — respondeu com a voz trêmula — mas a casa era composta de quatorze pessoas, eu e Meli sobrevivemos, o assassino também, então falta o corpo de minha mãe.
— Sua mãe? Pode descrever ela? — o perito juntou as sobrancelhas enquanto erguia as folhas da prancheta lendo o que estava por baixo.
— Enobária Vivienne Du Fontette, sessenta e dois anos, acho que um e sessenta e cinco de altura, uns setenta quilos...
— Du Fontette? — O perito riu.
— Sim.
— Mas são todos pretos, porque um sobrenome francês?
— Minha mãe é... era descendente de escravos, o homem que comprou a tetradecavó dela foi um francês que vazia translado de escravos na Costa no Benim, era o Duque Jean Bernard Fontette, seus escravos eram registrados como propriedade da familia Fontette, portando...
— Du Fontette. — o perito anuiu — Puxa que história...
— Sim. Mas agora por favor, pode me levar até o corpo de minha mãe.
— Desculpe garoto mas não há nenhuma mulher idosa nessas gavetas, não sei onde está sua mãe mas ela não foi trazida para cá e nem mesmo consta nas fotografias do local do crime, nenhuma pessoa acima de quarenta anos morreu naquele centro de macumba.
Edmundo pediu averiguação, mesmo a contragosto os peritos abriram uma investigação, encontraram sangue em algumas manchas em uma parede do terreiro que bateu com o DNA de fios de cabelos colhidos na escova de Enobaria, mas nenhum corpo jamais foi encontrado. Tanto ela quanto o assassino desapareceram como em um passe de mágica.
E o assassino? Ah era difícil de pensar na mãe e não pensar nele, o filho mais velho da casa, o homem que Edmundo admirava como sendo um ser gracioso e magnânimo, aquele desgraçado, aquele maldito Búfalo Sandara. Era assim que Vicente era chamado, Sandara era seu Orukó, coisa que dizia "nove é perfeito" (Esan+Odara), era um filho de Oyá tão parecido com as características da deusa que foi apelidado de búfalo, o animal sagrado dela. Foi Sandara que matou todos, um a um com golpes de facão. Aquele homem tinha o sorriso mais lindo que Edmundo vira em sua vida, era talentoso em tudo que fazia, como podia ter fingido tão bem? Ninguém jamais suspeitaria que ele era um assassino cruel, covarde. Sandara com toda a certeza havia levado Enobaria consigo. Mas para onde? E que violências havia feito com a mãe? Porque? Porque?
E o assassino? Ah era difícil de pensar na mãe e não pensar nele, o filho mais velho da casa, o homem que Edmundo admirava como sendo um ser gracioso e magnânimo, aquele desgraçado, aquele maldito Búfalo Sandara. Era assim que Vicente era chamado, Sandara era seu Orukó, coisa que dizia "nove é perfeito" (Esan+Odara), era um filho de Oyá tão parecido com as características da deusa que foi apelidado de búfalo, o animal sagrado dela. Foi Sandara que matou todos, um a um com golpes de facão. Aquele homem tinha o sorriso mais lindo que Edmundo vira em sua vida, era talentoso em tudo que fazia, como podia ter fingido tão bem? Ninguém jamais suspeitaria que ele era um assassino cruel, covarde. Sandara com toda a certeza havia levado Enobaria consigo. Mas para onde? E que violências havia feito com a mãe? Porque? Porque?
— Ed? Edmundo? — Tanya afagou as costas do amigo.
— Hã?
— Você está bem?
— Sim, ótimo.
— Tem certeza? Parece que vai rasgar a calça. — Tanya apontou para as mãos do amigo que estavam agarradas com tanta força no tecido das calças que cobriam as coxas que os nós de seus dedos estavam brancos.
— Eu... só me distraí. — ele soltou a calça e flexionou os dedos — Onde está Meli?
— Foi ao banheiro. — Tanya encolheu os ombros.
— Hã?
— Você está bem?
— Sim, ótimo.
— Tem certeza? Parece que vai rasgar a calça. — Tanya apontou para as mãos do amigo que estavam agarradas com tanta força no tecido das calças que cobriam as coxas que os nós de seus dedos estavam brancos.
— Eu... só me distraí. — ele soltou a calça e flexionou os dedos — Onde está Meli?
— Foi ao banheiro. — Tanya encolheu os ombros.
☆IV
Meli estava sentada entre Edmundo e Tanya, prestava muita atenção nas danças da roda, toda vez que ia a uma festa gostava de prestar atenção nas pessoas dançando para depois Quando estivesse sozinha em casa pudesse colocar um CD de cânticos de Orixá e dançar diante do espelho de seu quarto. Estava atenta a cada passo, cada movimento dos ombros e braços das pessoas da roda quando algo tirou sua atenção.
Meli estava sentada entre Edmundo e Tanya, prestava muita atenção nas danças da roda, toda vez que ia a uma festa gostava de prestar atenção nas pessoas dançando para depois Quando estivesse sozinha em casa pudesse colocar um CD de cânticos de Orixá e dançar diante do espelho de seu quarto. Estava atenta a cada passo, cada movimento dos ombros e braços das pessoas da roda quando algo tirou sua atenção.
— Amélia... — a voz suave a chamou.
Meli olhou para a lateral do corpo, sua bolsa de pano estava ali e ela sabia o que havia dentro, nunca saia de casa sem ela. Olhou para Tanya e visou que iria ao banheiro, saiu apressada e quando entrou no reservado abriu a bolsa e tirou de lá a boneca de porcelana, uma boneca loura com vestido rosa de babados.
— Amelia? — a voz suave penetrou os ouvidos de Meli.
— Si, eu to ovido, fala, pode fala bonitia...
— Amélia eu preciso que pegue algo para mim. Vou te falar onde está, você tem de ir com calma para que ninguém a veja.
— Ta bom... Mais... é robo? Roba é feio, Ed não gosta.
— Não querida, não é roubo, fique tranquila. Vai fazer o que pedi?
— Vô.
— Amelia? — a voz suave penetrou os ouvidos de Meli.
— Si, eu to ovido, fala, pode fala bonitia...
— Amélia eu preciso que pegue algo para mim. Vou te falar onde está, você tem de ir com calma para que ninguém a veja.
— Ta bom... Mais... é robo? Roba é feio, Ed não gosta.
— Não querida, não é roubo, fique tranquila. Vai fazer o que pedi?
— Vô.
Meli escutou com atenção a orientação da voz que vinha da boneca, saiu do banheiro de modo sorrateiro e invés de voltar para o salão ela saiu do terreiro dando a volta até chegar na entrada dos fundos.
— Veja, é ali, é aquele quarto. — a voz da boneca indicou.
Meli com alguma dificuldade abriu o portão dos fundos e adentrou em um pequeno quintal, do lado direito havia um cômodo externo cuja as paredes eram feitas de barro, ao se aproximar da porta e virar a maçaneta Meli constatou que era impossível.
— Tem tlanca, tlancado.
— Use a água, a água abre qualquer porta. — a voz falou.
— Veja, é ali, é aquele quarto. — a voz da boneca indicou.
Meli com alguma dificuldade abriu o portão dos fundos e adentrou em um pequeno quintal, do lado direito havia um cômodo externo cuja as paredes eram feitas de barro, ao se aproximar da porta e virar a maçaneta Meli constatou que era impossível.
— Tem tlanca, tlancado.
— Use a água, a água abre qualquer porta. — a voz falou.
Meli olhou frente e viu alguns metros a diante uma torneira de jardim.
— Mais Meli fica doenti si faiz isso...
— Por favor, você não vai me ajudar? Achei que você me amava...
— Meli ama, ama sim... — Ela afagou carinhosamente a bolsa.
— Mais Meli fica doenti si faiz isso...
— Por favor, você não vai me ajudar? Achei que você me amava...
— Meli ama, ama sim... — Ela afagou carinhosamente a bolsa.
Meli não era uma mulher comum, era especial.
Toda vez que alguem dizia isso, dizia que ela era especial, Meli respondia "Sim eu sou mesmo", todos pensavam imediatamente que ela se referira a sua condição, muitos até mesmo a chamavam de especial por ser "doente mental", mas Meli não era doente, a sindrome de down não é doença e sim um fenômeno que ocorre com a quantidade de cromossomos, Meli era diferente da maioria das pessoas sim, mas não era isso que a fazia especial.
Com sua mão demasiado gordinha ela girou a torneira um pouco, o suficiente para a água sair sem fazer barulho, então enfiou a mão em baixo da Água e murmurou:
— Omi teliba fun mi...
Foi a voz da boneca que a ensinou a dizer essas palavras, "omi tẹriba fun mi" significa "a água me obedece".
Assim que pronunciou aquelas palavras a água parou de escorrer por sua mão e se juntou em uma esfera perfeita, uma bola transparente do tamanho de uma laranja flutuando a cinco centímetros da palma da mão de Meli.
— Isso! Isso Amélia! Mostre que você é filha dela! Uma verdadeira filha de Yemanjá! — a voz disse animada.
Meli caminhou devagar prestando atenção na esfera de água que pairava diante de si, ao se aproximar da porta ela sussurrou "Faiz abli, abli a tlanca", a esfera de agua se chocou contra a tranca da porta e entrou pelo buraco da fechadura, o metal em questão de segundos tomou um tom alaranjado.
Meli girou a maçaneta e para sua satisfação o giro emitiu um som de estalo e a porta se abriu, a fechadura estava tão enferrujada que partiu ao meio abrindo sem o menor esforço.
— Parabéns Amélia, seus poderes estão cada vez maiores. — a boneca falou.
Meli sentiu a vista escurecer e teve de encostar no batente da porta por um momento, toda vez que fazia aquelas coisas se sentia mal.
— Rápido menina, temos pouco tempo. Entre, está em baixo da esteira.
Toda vez que alguem dizia isso, dizia que ela era especial, Meli respondia "Sim eu sou mesmo", todos pensavam imediatamente que ela se referira a sua condição, muitos até mesmo a chamavam de especial por ser "doente mental", mas Meli não era doente, a sindrome de down não é doença e sim um fenômeno que ocorre com a quantidade de cromossomos, Meli era diferente da maioria das pessoas sim, mas não era isso que a fazia especial.
Com sua mão demasiado gordinha ela girou a torneira um pouco, o suficiente para a água sair sem fazer barulho, então enfiou a mão em baixo da Água e murmurou:
— Omi teliba fun mi...
Foi a voz da boneca que a ensinou a dizer essas palavras, "omi tẹriba fun mi" significa "a água me obedece".
Assim que pronunciou aquelas palavras a água parou de escorrer por sua mão e se juntou em uma esfera perfeita, uma bola transparente do tamanho de uma laranja flutuando a cinco centímetros da palma da mão de Meli.
— Isso! Isso Amélia! Mostre que você é filha dela! Uma verdadeira filha de Yemanjá! — a voz disse animada.
Meli caminhou devagar prestando atenção na esfera de água que pairava diante de si, ao se aproximar da porta ela sussurrou "Faiz abli, abli a tlanca", a esfera de agua se chocou contra a tranca da porta e entrou pelo buraco da fechadura, o metal em questão de segundos tomou um tom alaranjado.
Meli girou a maçaneta e para sua satisfação o giro emitiu um som de estalo e a porta se abriu, a fechadura estava tão enferrujada que partiu ao meio abrindo sem o menor esforço.
— Parabéns Amélia, seus poderes estão cada vez maiores. — a boneca falou.
Meli sentiu a vista escurecer e teve de encostar no batente da porta por um momento, toda vez que fazia aquelas coisas se sentia mal.
— Rápido menina, temos pouco tempo. Entre, está em baixo da esteira.
Meli acariciou novamente a bolsa que escondia a boneca e entrou no quarto, era um comodo usado como depósito, havia uma serie de bugigangas, pilhas de alguidares, caixas de velas, baus de roupas velhas.
— Ali, ali em baixo daquela caixa! — a voz soou animada.
Meli se ajoelhou diante de uma caixa de madeira cheia de pratos de louça, era pesada portanto exigiu certo esforço para ser deslocada, em baixo havia uma esteira de palha já muito gasta, Meli a removeu revelando uma porta de madeira, um alçapão no piso.
— No tem baçaneta...
— Me pegue, eu posso abrir.
Meli abriu sua bolsa a apanhou posicionou a boneca diante do alçapão.
— Siiiiiiiii... — a voz da boneca pareceu um silvo de serpente, então com um "click" o alçapão se abriu.
— Ali, ali em baixo daquela caixa! — a voz soou animada.
Meli se ajoelhou diante de uma caixa de madeira cheia de pratos de louça, era pesada portanto exigiu certo esforço para ser deslocada, em baixo havia uma esteira de palha já muito gasta, Meli a removeu revelando uma porta de madeira, um alçapão no piso.
— No tem baçaneta...
— Me pegue, eu posso abrir.
Meli abriu sua bolsa a apanhou posicionou a boneca diante do alçapão.
— Siiiiiiiii... — a voz da boneca pareceu um silvo de serpente, então com um "click" o alçapão se abriu.
📚Glossário:
1.Ajeun: refeição festiva dentro dos terreiros de candomblé.
2. Xirê: dança de roda nas festas de terreiro.
3. Orukó: Nome na língua Yoruba.
4. Idris Elba: Ator britânico famoso por interpretar o personagem Heimdall na franquia de filmes Thor e Vingadores.
5. Mongoloide: termo ofensivo para falar de pessoas com quaisquer condições mentais diferentes do considerado normal, termo racista pois os Mongol's (etnia asiática) para alguns europeus são vistos como "retardados".
6. Olubaje: festa dedicada ao Orixá Obaluaye.
7. Iyabas: curruptela de Iyagba, modo de se referir a anciãs ou neste caso específico a Orixás femininos.
8. Iyá: Mãe em Yorubá.
9. Alabê: Homem encarregado de entoar os canticos sagrados.
1.Ajeun: refeição festiva dentro dos terreiros de candomblé.
2. Xirê: dança de roda nas festas de terreiro.
3. Orukó: Nome na língua Yoruba.
4. Idris Elba: Ator britânico famoso por interpretar o personagem Heimdall na franquia de filmes Thor e Vingadores.
5. Mongoloide: termo ofensivo para falar de pessoas com quaisquer condições mentais diferentes do considerado normal, termo racista pois os Mongol's (etnia asiática) para alguns europeus são vistos como "retardados".
6. Olubaje: festa dedicada ao Orixá Obaluaye.
7. Iyabas: curruptela de Iyagba, modo de se referir a anciãs ou neste caso específico a Orixás femininos.
8. Iyá: Mãe em Yorubá.
9. Alabê: Homem encarregado de entoar os canticos sagrados.
Já amei, bem diferentão das outras histórias e super criativos! Com direito a militância HAHAHA, da alimentar minha sede por Beladona até chegar outro conto da urdidura das feitiçarias!
ResponderExcluir💅👁️👄👁️💅 e lá vamos nós❤
Fico feliz que gostou, obrigado por acompanhar meu trabalho
Excluir