Lucifer Smeraldina cap. 19




Capítulo 19
"Fogo Azul"

I
Quatro horas antes

— Curioso, você está sempre com essa aparência de criança, porque? — Danusa perguntou.
Jeová sorriu e olhou para os próprios pés pequenos em meias de cor de areia.
— É a forma que uso para economizar energia. Meu pai, Sé, criou doze deuses primordiais, em nós incutiu um núcleo gerador de energia, é como gerador nuclear inesgotável, o poder flui como se dentro do meu peito fosse uma nascente de rio. Era para eu e meus irmãos usarmos esse poder constante para algumas finalidades que não aprovamos, ativades que nos deixavam exauridos, então eu desenvolvi essa técnica, essa forma de criança é como uma represa, o rio continua fluindo mas eu não me deixo exaurir, eu retenho todo o poder dentro de mim mesmo.
— Uau... Vocês deuses são tão... complexos... cheios de truques com tudo, inclusive consigo mesmos.
— Na verdade é justamente o oposto, somos extremamente simples. Mas deixando isso de ladp eu queria te dar um presente.
— Presente? — Danusa se surpreendeu.
 O menino Jeová estendeu a mãozinha gorducha, Danusa olhou para os dois anéis de cobre que ele oferecia na palma.
— Que anéis são esses? 
— São potencializadores para o arco de Gabriel, anéis fabricados pelos Svartalfar.
— Svartalfar? Você se refere aos elfos negros?
— Sim, meu irmão Ymir é o pai dos Svartalfar, pedi este favor e eles fizeram para mim. Coloque os anéis nas extremidades do arco e tera uma flecha forte o suficiente para destruir até o sol.
— Mas o arco por si só já não foi feito para matar qualquer coisa? Um arco para forte matar até grande Asherah?
— Sim mas... Eu andei investigando, parece que a energia que está dentro de seu irmão é diferente de qualquer coisa que eu ja tenha visto, talvez uma mutação por estar carregando uma alma tão incomum quanto a de Smeralda, nisso acredito que valhe o reforço.
— Ainda acha que eu vou atirar no meu irmão?
— Você tem livre arbítrio, eu não sei dizer o que fará, mas espero que uma vez na vida opte por ajudar não aos outros e sim a si mesma. 
— Porque não manda um anjo fazer isso? Pegar o arco e ir cumprir essa missão?
— E você acha que não pensei nisso? Miguel executaria a tarefa com facilidade, porém... recebi um conselho sobre isso, as Parcas me disseram que é você a única que pode fazer.
— E porque eu?
— As Parcas fiandeiras tem uma habilidade de ler as linhas do destino tão avidamente que superam até as minhas, segundo elas se qualquer um tentar, falhará. O motivo... ora... porque seu irmão te tem em tão baixa estima que não desconfiaria, nem ele nem seus companheiros te cogitam como algo alem de uma serviçal. Tiago agora tem muito poder, acredito piamente que nenhum esquadrão de anjos poderia se aproximar sem ser notado e repelido, até de sua mãe ele teria desconfiança, afinal ela é louca, mas ele te vê como uma cadelinha a disposição, cadelinha inofensiva.
— Que linguajar mais baixo... — Ela apanhou os anéis e enfiou no bolso de trás da calça.
— Eu tenho menos de um metro de altura, é assim que eu falo. — o Deus gracejou.
— Me deixe sozinha, estou cansada.
— Não está não, está confusa, mas tem de tomar logo uma decisão. Vai atirar? Confirma isso?
— Se eu fizer... ele vai sentir dor?
— Não, dor é causada pelo sistema nervoso, essa seta fere a alma e não a carne, não havera dor ou sofrimento de qualquer tipo, nem mesmo derramamento de sangue.
— Eu... Eu vou pensar a respeito.

II
Murilo saltou da torre, sentir o vento passando pela pele causava um conforto sem tamanho mesmo com seus membros esguios sacolejando, então seu pequeno corpo despencou no ar por cerca de cento e cinquenta metros até que de pequeno passou a uma massa, seus membros incharam e em uma explosão de escamas que jorraram como uma nuvem de pétalas de rosas brancas surgiu o Zmej do vento, o grande Dragão Uragan.
Zunindo como um raio com seu corpo delgado sinuando no ar, assim que alcançou o gigante se enrolou no corpo do Deus imobilizando as pernas e as asas, Jeová imediatamente perdeu altitude e com uma grande velocidade. 
— Uragan o que pensa que está fazendo?! — O Deus gritou com a voz como um trovão — Não me atrapalhe! 
— Isso é que eu devia ter feito a muito tempo, traidor! — Uragan cravou os dentes no pescoço do Deus.
— Agh! Traidor? Eu? Porque diz isso? 
— Fratricida! 
— O que? Do que me chamou?
— Predavnicka zmija sto ja grizna rakata na kreatorot! — na língua antiga "serpente traiçoeira que mordeu a mão de seu criador".
— O que está acontecendo?! Não é hora para um ataque de loucura Dragão, se aperte de mim e de meu caminho!
— Não se faça de ingenuo, eu vi! Eu estava lá a milhares de anos atrás e vi você matar nosso pai! Eu vi você incitar a traição a Sé!

Uragan esperou uma resposta, uma discussão, mas Jeová nada disse, o dois embolados bateram contra o solo destruindo parte da cidade, uma nuvem de pó marrom tomou conta de tudo, demônios e robovis gritavam presos nos escombros e ferragens.
— Você viu então? Parabéns, o que fará a respeito? — Jeová tentava se desvencilhar — Você é poderoso e seria mais forte que eu se estivesse acompanhado dos outros Zmej, mas sozinho não dará conta. Eu vou lhe dar uma única chance Uragan, pare com isso e se afaste ou eu irei lutar de verdade, não temo ter de lhe destruir.
— Pois lute! Se acha que pode contra mim, tente!

Um enxame de mais de mil anjos se aproximou voando a toda velocidade, mas Urugan ao detectar o ataque suspirou pelas narinas paralisando todo o movimento de ar no entorno, as asas dos anjos mesmo batendo com toda a força não conseguiam mais deslocar o ar e assim ao som de gritos agudos de horror todos despencaram dos céus como pedras.
— Uragan se você acha que isso matará meus anjos está muito enganado. — Jeová falou entre os dentes.
— Não quero matar anjos, sei que a queda apenas os machucou, a única pessoa que desejo matar neste momento é você. 
—  Me matar? Matar o maior dos deuses? Seu ego não condiz com a realidade.

O Dragão soltou o corpo do Deus e subiu para o céu voando com movimentos similares ao nado de uma enguia, Jeová com um salto se pôs em pé, esticou as asas, firmou a lança nas mãos e vôou no encalço do Dragão mostrando que ao contrário dos anjos ele sim ainda podia voar, a menos de cem metros do topo da torre a dupla colidiu, a cabeça do Dragão bateu na ponta da lança e  a onda de choque emitida foi tão forte que a torre estremeceu rangendo em suas ferragens. 


Uragan tinha um filete de sangue Dourado saindo de um minúsculo furo entre os olhos, Jeová olhou para a ponta da lança que agora não era nada além de metal retorcido.
— Quebrou a minha lança! Eu a possuia a milênios! Foi fabricada com um fio de cabelo de meu pai!
— Vai chorar como um bebê que perde o brinquedo preferido? Eu fui fabricado com toda a força de vontade de meu pai, venha com os punhos e eu irei com os dentes!

Jeová ergueu o queixo fitando o Dragão com profundo desprezo, atirou a lança torta para o longe, quado ela bateu no chão demoliu uma serie de construções, o Deus escancarou a boca e berrou, a voz grave como a o som de um trovão, seu maxilar se estendeu alem do normal e do fundo de sua garganta um jato de luz surgiu e como um canhão de raios ele cuspiu uma coluna de esverdeada que atingiu Uragan em cheio.

O Dragão sentiu várias de suas escamas esquentando como ferro ao fogo, deu uma guinada para baixo e seu rabo chicoteou batendo com força no queixo de Jeová o forçando a fechar a boca, ao som dos grandes dentes estalando ao bater ele riu.
— Pare de firulas, isso não vai me destruir.
— O-oque? — Jeová arregalou os olhos e massageou o queixo.
— Sim seu tolo, esse seu poder, a chamada "exclamação dos Deuses" realmente me causaria muito dano e teria até me matado... isso se estivéssemos em outro lugar. Seu asno, tão preocupado consigo mesmo que se esqueceu onde estamos?
— E o que tem o inferno de tão importante para me fazer ficar sem poderes? — o Deus disse com ódio mas sem conseguir esconder a real dúvida.
— Sé construiu esse lugar, não para ser reino de demônios, ele projetou este micro planeta para que os deuses não tivessem poder aqui, isso porque... Este lugar que Lucifer batizou de Inferno antes se chamava "Grob".
— Grob? Grob... oh não, você só pode estar me gozando! — Jeová olhava para baixo com prufundo nojo.
— Sim Jeová, este lugar é Grob, um planeta construído para aprisionar um ser tão ou mais poderoso que você. 
— Quer dizer que aqui é Grob? O túmulo de Lilith? Isso é só uma lenda, meu pai a destruiu.
— Sim é o tumulo de Lilith, ela não morreu, aquela bela e demoníaca mulher está descansando no núcleo deste mundo, sabe como é "deitada em berço explendido... e toda a magia de Sé a impede de despertar, bem como te impede de usar todos os seus poderes. Porque está me olhando assim? É medo? Já percebeu que você fica fraco aqui, não eu, eu não sou um Deus, eu sou anterior aos deuses.

Jeová fechou os punhos com força e os ergueu ameaçador, sua testa vincada de ódio.
— Maldito escravo de meu pai! Hoje achará seu fim.
— Então venha me findar.

Jeová com um impulso alcançou Uragan e esmurrou a  cabeça dragonidea com ambos os punhos, os braços flexionando os músculos em fúria, as asas asas farfalhando a cada golpe, Uragan se deixou atingir algumas vezes e então girou o corpo com agilidade chicoteando o peito do Deus com a ponta da calda, o corte que se abriu na pele fez jorrar uma quantidade exorbitante de sangue dourado, Jeová que jamais havia sido ferido com tanta gravidade antes se afastou e com uma expressão de choro infantil disse:
— Como ousa ferir o senhor dos senhores?!
— Ah Jeová... sempre com suas frases de efeito...  infelizmente eu nã... 

Os dois pararam de falar e olharam assustados para a torre, havia um som, um zumbido estranho que vinha dela.
— Poder se expandindo? Isso é inesperado... — Jeová comentou.

Entao um dos andares explodiu em chamas azuladas e escombros voaram para todos os lados.

III
O som do rugido se seguiu de uma dor intensa, Karen caiu quando Ailin transfigurada em uma leoa abocanhou sua coxa, o som do fêmur estilhaçando se misturou ao dos cacos de vidro se moendo sob peso do corpo que bateu no chão. 
Karen berrou alucinada agarrando a coxa com as duas mãos, nunca em sua vida havia sentido dor como aquela, nem mesmo nos dias de tortura foi submetida a algo assim.
Ailin soltou a carne da inimiga e riu.
— Achou mesmo que eu seria facilmente abatida? Sua velha maldita... — Ela se ergueu nas patas trazeiras e caminhou como se fosse pibede.
Karen grunhia pela dor lancinante, então soltou a coxa e deitou no chão tentando relaxar os músculos.
— Eu gostei dessa gatinha, felinos sempre brincam com a comida... — Ubabaya riu.
Karen inclinou a cabeça e olhou para o lado, sentiu um ódio tão grande da velha que seu espírito involuntariamente buscou dentro de si a informação necessaria para subjugar aquela alma, como um vulto que caminha entre corredores de estantes repletas de livros ela sentiu que era o que seu espírito fazia vasculhando o conhecimento roubado de Ubabaya.
— Srebreni pregratki za prokleta duza! — ela sussurrou entre os dentes, então o osso de Ubabaya que estava caído entre os cacos desapareceu com um estampido, o espírito da velha se encurvou e grandes algemas prateadas apareceram em suas mãos.
— Eu não acredito... — Ubabaya gemeu furiosa — Por todos os deuses eu não acredito que fez isso... meu osso, era meu osso... 
Karen voltou a segurar a própria coxa, a dor havia passado, o fêmur de Ubabaya agora estava a substituir o seu próprio. 

— Não está mais doendo? — Ailin perguntou.

Karen sorriu e respondeu que não, porém nenhuma palavra saiu de sua boca, tudo que emitiu foi um rosnado bestial, algo como "grhuuuum".
— O quê? — Ailin franziu o cenho felino.
Karen tentou falar enquanto ficava em pé mas nada de coerente saia de seus lábios, levando as mãos a boca ela examinou os lábios mas nada parecia anormal.
— Finalmente está acontecendo! É meu prêmio assistir isso! — Ubabaya comemorou.
Karen grunhiu novamente, Ailin se aproximou com a mão estendida para frente pronta para atacar, e então o tempo parou, Karen olhou para a velha Ubabaya e com os olhos arregalados perguntou o que estava acontecendo, a velha não entendeu o som gutural emitido em forma de pergunta mas imaginou o que seria.
— Você é uma bruxa mediana, medíocre, e eu fui uma das maiores que este mundo ja viu. Você comeu meu cérebro, meu coração e agora se apropriou do meu osso de fêmur, que pessima escolha Karen, sua tola. Sabe o que acontece com um balão de Borracha quando o enchem de água? Ele incha não é? E o que acontece se ninguém fechar a torneira? Se o balão continuar enchendo e enchendo? Sabe o que acontece? Você absorveu poder demais, o cérebro e o coração ja foram demasiados para você, mas o terceiro pedaço mais poderoso de uma feiticeira e o osso do fêmur, você passou dos limites. Adeus Karen, uma morte estúpida para uma mulher estúpida.

Karen santiu uma fisgada na raiz dos dentes, seus olhos latejaram, surgiu uma sensação ruim em seu peito.
— Or... Orquê fassssso? — ela grunhiu para Ubabaya.
— Se tiver poder próprio o suficiente tente conter o meu poder, ele tentará escapar de seu corpo, mas ambas sabemos que nao tem. Porem tente, é a sua única chance.
Karen fechou os olhos e se concentrou, sentia uma chama ardendo dentro de seu corpo, algo como uma chama de vela, focou em apagar aquela chama, usou seus poderes para alcançar e suprimir aquilo, e sem prévio aviso seu corpo explodiu como se dentro dele houvesse um barril de hidrogênio pronto para se tornar uma bomba atômica, os membros e pedaços e carne voaram para todos os lados se desintegrando, a gargalhada da velha Ubabaya morreu conforme o fogo azulado se expandiu como uma nuvem, Ailin não teve nem o entendimento do que estava acontecendo, em milésimos de segundos as cinzas de seu corpo eram pulverizadas junto as chamas, o fogo tão intenso que as moleculas do ar se converteram em eletricidade, com um arco voltaico as paredes a volta foram sendo demolidas, as portas, vidraçarias e móveis dos cômodos adjacentes se tornavam pó assim que a onda azul os atingia, mais de uma dezena de robovi escondidos em compartimentos dentro das paredes para se proteger da invasão torraram tendo seus corpos acesos como cabeças de fósforo, e então o andar inteiro foi pelo ares, as colunas caíram, um rangido pavoroso de ferro sendo retorcido indicou o que estava porvir, sem sustentação as milhares de toneladas da parte superior do predio estremeceu e desceu, assim o peso do edifício acima bateu contra o piso cheio de chamas apagando o fogo, mas sem colunas para sustentar o peso o andar abaixo cedeu, e em seguida o proximo, quem via a torre ao longe tinha a ilusão de ótica dela estar entrando terra a dentro, mas na verdade os andares sendo esmagados, em instantes o andar 133 se tornou escombros, então o 132, 131, 130. 129, 128, 127, 126, 125, 124, 123, 122, 121, 120, 119, 118, 117 e a destruição não parou, a parte superior da torre começou a se inclinar, rangendo em suas ferragens ela tombou para o lado e por três segundos esteve em queda livre até bater contra as casas da cidade destruindo tudo ao redor enquanto se despedaçava e levantava uma nuvem colossal de poeira cinza e fumaça negra.

IV
Molin ia na frente, apontava para as portas e elas se abriam por efeito de sua própria magia, Tifani vinha atrás correndo o maximo que podia com Tiago nos braços, desceram pelas escadas de degraus largos, percorriam pelo andar de número 149 quando avistaram um pequeno grupo parado olhando por uma janela estilhaçada. 
— Invasores a frente! Se prepare! — Molin falou entre os dentes e já expondo as garras nas mãos abertas.
— Não! Não ataque! São aliados! São amigos!

Ao ouvir aquela voz aguda famíliar Júlio se virou e gritou:
— Tifani? Tifani! O que é que está fazendo aqui?!
— Ela está carregando um outro anjo no colo? — Ferrabraz aguçou a visão.
— Parece que está. Devo atirar na gata? — Danusa perguntou já com uma flecha pronta.
— Não, espere elas se aproximarem, Tifani é uma amiga, a Lin deve ser amiga dela ou sei lá. — Júlio respondeu.

Eles avançaram com cautela até encontrar com as duas alguns metros a frente.
— Ahavael, graças a Sé! Me ajude ande, o garoto é todo desengonçado, parece uma boneca de pano, pegue ele aqui. — Ela esticou os braços oferecendo o corpo inerte que carregava.
— Garoto? — Júlio olhou atentamente para o rosto do rapaz — Ah não... esse é Tiago?! — Ele tomou o corpo nos braços e se ajoelhou no chão o segurando de modo exageradamente dramático.
— Meu irmão! Ele... o que fizeram com ele? — Danusa se aproximou e examinou horrorizada a nova aparência do rapaz. 
— Eu nada, mas ele desmaiou quando viu Jeová surgir no céu, acho que ficou em panico. — Tifani respondeu.
— Me refiro a aparência dele. — Danusa falou áspera.
— Ah... Bem, que eu saiba Smeralda vinha mudando a aparência dele ja faz algumas semanas ou meses, sei lá, porém faz poucos dias que houve essa mudança mais radical, Smeralda assumiu o corpo dele e...
— Assumiu? — Danusa interrompeu.
— Sim, ela por alguns minutos tomou posse do corpo dele, e então ele vomitou um monte de sangue e praticamente regurgitou toda a parte humana que tinha, ele ganhou asas e o sangue Dourado dos seres divinos.

O rosto de Danusa foi tomado por uma sombra de horror ao ouvir aquelas palavras,  em sua mente a idéia que se formava era de que Tiago de fato já não existia.

— Molin qual é a situação? — Ferrabraz perguntou.
— O imperador me ordoneu guiar este demônio — ela apontou para Tifani — até o portal para a Ilha de Lemúria. 
— Demônio? — Ferrabraz se espantou.
— Eu caí, Jeová me expulsou, fui acusada de estar demasiado envolvida com Smeralda, sabe como é, papai não tolera qualquer iniciativa angelical que não seja de seu próprio interesse.

— E não te levaram para trabalhar nas caldeiras? É  o que fazem com os anjos caídos que não possuem conchavos aqui. — Ferrabraz perguntou.
— Tiago me salvou, fez Smeralda me requerer para si, então eu pertenço a ela agora, ou melhor, a ele. 
— Poxa Tifani, eu realmente sinto muito, não achei que isso fosse acontecer com você, anjos femininos raramente caem em desgraça. — Julio afogou o ombro dela.
— Não se preocupe, eu acho que serei melhor como demônio, só espero não feder como eles.
— Melhor? Ninguém gosta de nós, as pessoas rejeitam demônios a qualquer custo. — Danusa comentou.
— Meu namorado gosta de mim do jeito que eu sou. — Ferrabraz falou com ânimo.
— Então isso ja é um começo, minha primeira meta demoníaca será arranjar um namorado. — Tifani bateu palmas.
— Nossa que historia enrolada... mas graças a Sé Tiago está bem, ele deve ter se assustado apenas, sinto o pulso dele. Veja Danusa, ele está bem. — Júlio ergueu a cabeça para olhar a amiga mas Danusa mantinha um ar de profundo horror.
— Tem certeza que isso ai é meu irmão? — respondeu com a testa vincada.
— É Tiago sim, a aparência mudou mas ainda é ele. — Júlio respondeu sem entender a razão da pergunta. 
— Quero dizer, ele ainda é ele? Porque para mim isso ai parece a tal Smeralda, olhe a pele branca, os cabelos loiros... 
— Você Não o ouviu? Não julgue a aparência, você não sabe pelo que seu irmão passou. — Tifani falou.
— Bom, já temos ele, vamos descer e encontrar Karen, então levo vocês até o portal e volto para ajudar o Mumu. — disse Ferrabraz.
— Certo, vamos todos junto então. — Molin falou e tomou a dianteira.

Ela começou a caminhar para o fim do corredor, todos a acompanharam mas logo ouviram um tipo de zumbido, algo que parecia o som emitido por um apito para cães. 
— O que foi isso? — Danusa olhou em volta.
— Deslocamento de energia. — Ferrabraz falou.
— Que estranho... nunca senti um deslocamento tão intenso dentro da torre... — disse Molin.
— Isso é como o que? Um vulcão prestes a erudir? — Júlio também olhou em volta.
— Não, essa energia liberada é magista, é coisa de bruxa. — Ferrabraz falou.

O som que os atingiu em seguida foi tão alto que deixou todos momentaneamente surdos, era algo como o som de uma cachoeira, não, o som de uma catarata amplidado um milhao de vezes, eles se abaixaram instintivamente pensando que o projéteis ou destroços de alguma bomba viria em seguida, mas o que aconteceu foi a sensação de impacto, os corpos de todos saltaram com um solavanco repentino.
— A torre sacudiu? — Danusa perguntou.
— A-acho que desceu... — disse Molin tentando se erguer.
— Desceu? Foi isso? — Júlio perguntou, mas logo a sensação se repetiu, os corpos se ergueram no ar e rapidamente bateram contra o chão, a sensação era como se estivessem dentro da parte traseira de um onibus que passa em alta velocidade sobre uma lombada, os estomagos se reviraram, em seguida veio o som de estalos e de ranger metálico.
— O que é isso?! — Júlio perguntou se agarrando ao corpo de Tiago com toda a força. 
— A torre esta mastigando seus andares! — Tifani tentou ficar em pé mas caiu deitada novamente quando mais um solavanco aconteceu.
Então aos solavancos se repetiram muitas e muitas vezes, eles se entre olhavam aterrorizados.
— Merda eu acho que foi a Karen... — Ferrabraz cochicou.
— Ah... ela estava aqui? — Tifani perguntou.
— Sim, deixamos ela em um andar abaixo, estava lutando com Ailin. — Ferrabraz explicou.
— E quem Diabos é Ailin? — Tifani perguntou.
— Era uma de minhas irmãs, e eu senti a morte dela. — disse Molin.
— Quando? — Perguntou Ferrabraz.
— A no máximo dois ou tres minitos. Senti que ela morreu de supetão, o espirito desapareceu de imediato. Nós Lin sabemos sempre como e onde estão nossos irmãos, e ela era uma das melhores. — Molin falou.
— Ela deve ter morrido na explosão, eu acho que a bruxa se explodiu. — Tifani falou.
— Eu também senti, a energia dela se ampliou e depois sumiu. — Júlio respondeu em voz baixa.
— Minha mãe? Estão dizendo que ela fez a explosão? 
— Danusa eu acho que ela foi a explosão. — disse Ferrabraz.
— Acho que ela morreu. — Júlio falou.
— Como assim acha que ela morreu?! — Danusa elevou a voz. 
— Nós sentimos uma energia feminina com a assinatura similar da sua mãe se amplificar e depois desaparecer, o  desaparecer  significa morrer para os humanos. — Tifani explicou.
— Vocês estão dizendo com toda essa calma que minha mãe está morta?!
— Acho que sim, desculpe Danusa, eu achei que ela ia ficar bem. — Ferrabraz falou.
— Você está escondendo algo? 
— Bem, sua mãe absorveu os poderes de Ubabaya Padmavathi, eu achei que ela ia dar conta, mas sucumbir era uma possibilidade. — Ferrabraz explicou.
— Vocês mataram minha mãe... 
— Não,  ela era meio maluca mas ainda assim era dona da própria vida, todos os caminhos foram escolha dela. — Ferrabraz se defendeu.
— Danusa é melhor que não pense nisso agora, temos que nos salvar primeiro. — Julio disse.

O piso começou a se inclinar, cacos de vidro deslizavam se acumulando nos cantos do corredor, a torre gemeu como o suspiro derradeiro de um moribundo.
— Merda! Esta caindo, temos que sair daqui agora! — Molin gritou.
— segurem em mim agora, eu vou transportar todos para fora! —  Ferrabraz gritou.
Os quatro se moveram se arrastando no chão pilhado de vidro moído até alcançar o corpo do demônio e segurar com força em seus braços, Júlio abraçou Tiago e com a mão livre segurou o pulso de Ferrabraz.
Como um relâmpago uma luz tomou conta do ambiente e eles desapareceram do corredor e surgiram dois mil metros acima da torre, estavam despencando no ar, a queda livre e o vento extremamente frio os fazendo sentir como se estivessem úmidos.
—  Que porra é essa! Você falou que ia nós tirar de lá! Porque estamos no meio do céu?!!! — Tifani perguntou, seus cabelos sendo puxados para trás pelo vento enquanto agitava as asas inutilmente.
— Eu não sei! A presença de Jeová embaralhou meus poderes! Era pra estarmos no chão em segurança!
— E agora? — Molin perguntou.
— Ora, Tifani e Júlio tem asas, o que estão esperando para voar? — Ferrabraz perguntou.
— Não podemos! Murilo cancelou o vento nas asas dos anjos, vamos cair como pedras! — Júlio respondeu.
— Eu me esqueci disso! Ai porra e agora?! — Ferrabraz perguntou.

O vento os fazia cair unidos, Danusa olhava fixamente para o corpo de Tiago nos braços de Júlio enquanto despencavam entre as rajadas de ar cortante, o garoto inconsistente tinha os cabelos louros cumpridos esvoaçando ao redor do rosto, sua face era serena de um modo que realmente o fazia parecer outra pessoa, aos olhos dela aquele não era seu irmão. 
— Não devíamos ter vindo aqui. — ela falou para si mesma.
— O que? — Ferrabraz perguntou.
— Nunca devíamos ter vindo para essa missão de salvamento ridícula, não há o que salvar. Olhe para ele, essa pessoa... Minha mãe está morta por isso?! Por isso?! Por essa aberração?!
— O quê? Do que está falando? — Júlio olhou para cima  mas tudo que viu foi a sola do sapato de Danusa o atingir no nariz.
Com a surpresa do golpe seus braços se soltaram e o corpo de Tiago se afastou passando a girar a esmo no ar, Danusa caia logo acima, com o máximo de força que podia controlou os braços, era difícil se mover entre o vento mas ela buscou no bolso o par de aneis dados por Jeová e os encaixou nas extremidades do arco, retesou a corda e uma flecha luminosa apareceu.
— O que ela vai fazer?! Vai atirar no Tiago?! — Tifani perguntou abobada.
— Danusa o que está fazendo?! — Júlio gritou agitando os braços enquanto seu corpo resplandecia.
Danusa entendeu que ele estava se transformando em anjo, se isso acontecesse ele seria maior e alcançaria Tiago no ar, então antes que realmente acontecesse ela fechou um dos olhos, mirou e atirou. 

V
Lucifer abriu as asas negras, com o tridente na mão estava pronto para pular da torre, o rombo na parede de seu quarto dava a visão sobre a luta entre Uragan e Jeová e ele estava a se decidir como proceder o ataque.
— Espere ai. — uma voz masculina e ligeiramente arrogante veio do alto. 
Lucifer olhou para cima, encarapitado na beirada do telhado estava um anjo de porte atlético superior ao de quaisquer outro, os cabelos branco prateados caindo nas laterais do rosto como cortinas.
— Olá Miguel.
— Olá Heylel.
— Sabe que não gosto que me chamem assim.
— Tudo bem, vou recomeçar: olá Lucifer, Estrela da Manhã, Satã, Satanás, Diabo, Adversário dos Santos, Pai da Mentira... 
— Melhor assim. Veio me deter? 
— Não exatamente.
— Eu não disponho de tempo para suas brincadeiras Miguel.
— Eu não vim brincar, recebi uma ordem expressa de matar você. 
— Você foi ordenado a fazer isso milhares de vezes e nunca obteve sucesso.
— Mas agora estamos só nós dois aqui.
— E o que está esperando? 
— Nada, não estou esperando nada. — Ele saltou para dentro do quarto — Seu amigo Dragão bloqueou o vento das asas dos anjos, nós não podemos voar nesse mundinho de merda.
— Vamos lutar? — Lucifer foi direto ao ponto.
— Não.
— E então?
— Na verdade eu quero que você vá e faça o que está planejando, seja lá o que isso for.
— Como assim? 
— Eu estou me amotinando. Se existe um momento propício para se fazer um motim... É este.
— Vai trair Jeová? Agora?
— É, já faz uns milênios que ando com nojo daquele Merda. A vida de servidão não é boa.
— Me lembro de ter lhe convidado a se juntar a nosso grupo na época da rebelião.
— E você acha o que? Que seria mais propício trocar um escorpião por uma serpente? Lagar Jeová para então ser subordinado a Smeralda? Veja como Nabucodonosor e Drusila agem, sempre com medo do nome da verdinha, e elas no céu eram mais poderosas que eu na época. Não me parece lucrativo.
— Mas se você está se amotinando... seu destino é vir para o Inferno.
— Se eu escolhi este momento é porque há uma terceira opção. O inferno já não precisa ser destino obrigatório de nenhum Krilen.
— Você está tão calmo que está me assustando, sempre o vi raivoso...
— Estão tão revoltado que já não tenho nem condição de esbravejar.
— Ele ainda te transforma em chihuahua quando está passeando na terra não é? 
— É.
— Então qual é o ponto? Se está se amotinado... fuja.
— Eu vou, mas vim aqui para te dar uma coisa, um presente. Pegue. — ele apontou para a grande cama. 
Lucifer virou o rosto e ao ver o que estava lá seus olhos brilharam.
— Sua lança? Está dando ela? Para mim?
— Sim, sim, sim. 
— Se você realmente me entregar ela... Você se tornará o pior dos párias Miguel, tem certeza? 
— Pegue logo, vá salvar o menino Smeralda. 
— Miguel o que está realmente acontecendo?

O arcanjo ficou em silêncio por um momento, respirou fundo e falou:
— Lucifer eu já cumpri a minha jornada krilen por assim dizer, ela acabou. As Parcas me disseram o futuro, eu apenas estou deliberadamente deixando que aconteça.
— E qual é o futuro? 
Miguel pigarreou e então recitou formalmente:
— Denot koga vesterkata ke se stori, paga kulata i zenata ke ja ubie ednakva, na ovoj den osameniot ke go nosi deteto i ova dete ke bide vasata majka, kralot na kralevite ke se podigne i ke mu dade lovorov venec za onoj sto  ke donese era na temninata na ovaa univerzumot.
— Hum... No dia em que a bruxa se findar fazendo a torre cair e a mulher matar seu igual, neste dia a solitária gerará o filho e este filho será sua mãe, o rei dos reis será erguido e dará a coroa de louros para aquela que trará a era da escuridão sobre esse planeta? É isso?
— É isso. — Miguel confirmou.
— E como se aplicará essa profecia? 
— Descubra por si só, porem aquela lança será importante para que faça algo ainda hoje.

Lucifer deu de ombros foi até a cama, apanhou  a lança, era de ouro maciço.
— Se isso for de meu eu irei usar contra Jeová, irei cravar isto no peito dele.
— Faça o que for preciso, mas faça rápido.

O demônio colocou as duas armas em pé, a lança era ligeiramente mais cumprida, apertou a os punhos em torno de ambas e no local tocado elas se avermelharam como se estivessem em brasa.
— Meu tridente foi construído para rivalizar com esta lança, agora você me entrega ela como se não fosse nada...
— Você se lembra do velho Nostradamus? — Miguel perguntou.
— Claro que me lembro, ele é um importante lord de meu reino atualmente, conselheiro de Nabucodonosor.
— Se lembra da profecia que ele fez sobre uma torre que caí?
— Sim, a profecia que gerou a carta da torre no Tarô, e por coincidência a profecia que você acabou de recitar também fala da queda de uma torre, agora espera que eu acredite que seja a minha?
— Segundo as moiras essa profecia se realizará também no dia de hoje. Ah este dia parece ser um dia muito agitado para os acontecimentos cósmicos.
— A minha torre não cairá nunca.

Os dois ficaram calados, um zumbido agudo atingiu seus ouvidos, então veio o som ensurdecedor da explosão, o chão tremeu e um vaso de porcelana que se encontrava sobre um aparador caiu e se estilhaçou, Lucifer imediatamente se abaixou e tocou o piso do quarto com as mãos.
— Por tudo que há de mais sagrado... — ele murmurou.
— O que foi? — Miguel perguntou com um sorriso cínico brotando no canto dos lábios.
— O andar de numero 134 foi vitimado por uma explosão, liberação de energia, e ele... parece estar cedendo.
— Esta torre foi projetada para ser resiste a praticamente tudo não é? A minha torre não cairá nunca! — Miguel sorriu —
— Não seja debochado. Que desgraça, eu odeio essas malditas profecias.
— A torre cairá pois é o destino dela cair, eu mesmo a ataquei dezenas de vezes no passado e ela nunca ruiu, porém ela ruirá sob o peso do destino.
— Não vai ruir, eu projetei ela, não existe força que possa por ela no chão, o andar vai resistir.
— Sua fé me comove... — Miguel zombou.

Então veio o primeiro solavanco.
— Oh não... — Lucifer gemeu.
— Ah o andar não resistiu... — Miguel zombou novamente.
— Não pode ser... — Lucifer murmurou.

Então veio o segundo solavanco seguido de vários outros.
— Está se demolindo, de dentro para fora. 
— Espero que Tiago já esteja fora daqui. — Lucifer ficou em pé.

A torre começou a se inclinar, Miguel caminhou o até o rombo na parede.
— No dia de hoje só morrerá quem tiver de morrer, só nascerá quem tiver de nascer. E é assim que se termina uma Era. — ele sorriu para Lucifer e saltou para fora em queda livre.

Lucifer apanhou o tridente e a lança, com certa dificuldade pela inclinação do piso caminhou até o rombo na parede, olhosu para baixo, havia uma densa nuvem de poeira e destroços no ar, algumas chamas azuladas ainda lambiam parte do edifício, a torre se inclinava cada vez mais, não haveria como salva-la, iria sim cair.
— Minha casa, tudo que é meu está aqui dentro...  
Mas não houve tempo de lamentar, ouviu gritos e olhou para o alto, centenas de metros acima dele estavam micropontos despencando do céu, apertando os olhos pôde focar a visão e identificou Ferrabraz, Tifani, Ahavel em forma humana, Molin e Tiago, sim Tiago rodopiava desacordado no ar enquanto uma outra figura, uma mulher humana, mirava com um arco pronta para disparar uma seta reluzente.
— Não! — O grito escapou dos lábios dos demonio.
Ele não poderia bater asas até lá, nenhuma asa que não fosse a de um Deus poderia enfrentar o efeito de Uragan sobre o vento, então usando sua magia negra antiga Lucifer atirou suas armas para o abismo abaixo e lançou no ar, seu corpo perdeu a forma e se tornou uma massa escura e gasosa, era como fumaça, disparou feito uma bala rumo ao grupo acima, venceu a distancia com facilidade mas quando estava se aproximando de Tiago a mulher atirou e Lucifer viu como que em câmera lenta a seta atressar o peito do rapaz.

VI
Uragan olhou para cima, la estavam seus amigos despencando do céu, ao tentar alçar vôo para ajuda-los foi impedido, Jeová segurou sua calda.
— Me solte! — o Dragão ordenou.
— Não, ainda não, apenas observe... — Jeová sorriu.
Os dois olharam para o grupo a tempo de ver Lucifer se aproximando com uma calda de cometa em fumaça negra, e então viram a flecha ser disparada do arco e atingir Tiago no peito.
— Ah...
— Ah? Só isso? Eu estraguei seus planos não é? Veja, Lucifer apanhou o corpo do garoto, será que vai fazer um velório em um caixão de vidro como na história da branca de neve? — Jeová zombou.

Uragan liberou seu poder sobre o ar, Ahavael e Tifani puderam  bater as asas e voar carregando Molin, Danusa e Ferrabraz. 
— Ele não fará velório algum. 
— Não fará? Ora essa Uragan eu sei bem que você ajudou Smeralda a se tornar uma deusa, aquela flecha mata qualquer Deus exceto eu. Smeralda está morta.

Uragan cintilou, seu corpo de Dragão desvaneceu e da nuvem de vapor que se formou restou apenas o humano Murilo, estava nú e era tão pequeno que em pé tinha o tamanho do dedo mínimo da mão de Jeová.
— Você é tolo.
— Tolo? E que tolice cometi? — Jeová perguntou.
— Tudo tem de acontecer como deve. Venha ver, vamos ver de perto.

Murilo flutuou de maneira desordenada até o solo, caminhou a passos largos até Lucifer, Jeová achando toda a situação interessante diminuiu sua forma ate ficar na estatura de um humano comum, pousou na terra e seguiu Murilo.

VII
Lucifer apanhou o corpo de Tiago, o rapaz rodopiava no ar com sangue dourado escorrendo pela haste da flecha, o demônio então planou até o solo tomando certa distancia dos destroços da torre, em uma praça de paralelepípedos pousou  com delicadeza, a flecha estava fincada como uma haste de vidro, ele sentiu uma tristeza tão grande que seu coração doeu fisicamente, mas esse sentimento deu lugar a uma enorme confusão quando acariciou o rosto de Tiago e sentiu que estava quente. 
— Ele... vive... 
Júlio largou Danusa sem o menor cuidado a deixando cair dois metros direto nas pedras, pousou recolhendo as asas e então correu até Lucifer.
— Eu não acredito, não acredito...
— Ele não está morto, Tiago ainda vive. — Lucifer falou.
— Não? Mas... era o arco de Gabriel, aquela arma mata até deuses... 
— Não está morto? — Jeová soou incrédulo.
Lucifer olhou para trás e viu o Deus em forma humana junto a Murilo.
— Não, não está, a seta desaparece logo após tirar a vida do alvo,  mas nele a seta ainda brilha,  não desvaneceu.
— Impossível... — Jeová falou dando um passo a frente.

Danusa ficou em pé e também se aproximou, quando chegou perto o suficiente foi empurrada por Ahavael que a bombardou com indagações furiosas sobre o motivo de ter atirado, mas antes que pudesse pensar em responder fitou o rosto sereno e modificado do irmão, e então Tiago abriu os labios levemente e suspirou.
— Olá minha... Irmã.
Ela o ouviu falar porém a voz não saiu dos lábios, tampouco realmente haviam sido abertos, a voz de Tiago ecoou dentro de sua cabeça, ela piscou os olhos e de repente estava em pé diante do fogão de sua casa em cima da loja de artigos religiosos em São Paulo. 
— O que? Como... 
— De volta ao lar. Danusa isso é apenas uma pausa, quero conversar com você. 
— ela se virou e lá estava Tiago, não louro e pálido como ela havia visto a segundos, mas um Tiago com o tom  de pele normal, os cabelos cumpridos eram castanhos, as feições eram limpas, a pele perfeita, o olhos azuis quase violetas e das costas brotando um par de asas de tom azul claro, vestia uma calça branca de cetim e nada mais. Puxou uma cadeira e sentou a mesa.
— Sente-se, vamos conversar por um momento.
— Como me transportou para cá? — Danusa se sentou na cadeira a diante com movimentos robóticos.
— Não te transportei, ainda estamos na Inferno , isso é apenas uma visão. Realizei isso para falar com você e também com ela. — Ele apontou para porta.
Danusa virou a cabeça e viu parada em pé com ar de deslocada um anjo feminino com olhos verdes vividos e trajada como um túnica branca helênica.
— Você é Smeralda não é? — Danusa perguntou.
— É  eu acho que sou...
— E o que está fazendo aqui?
— Não me olhe como se eu pudesse fornecer respostas, estou tão confusa quanto você. 
— Sente-se também Smeralda, não custa nada.

Smeralda sentou em uma cadeira ao lado de Danusa, fez as asas desaparecerem para tomar espaço e com os cotovelos apoiados na mesa olhou para ele.
— Então Tiago, diga logo o que está acontecendo, de onde vieram esses poderes todos? — Smeralda falou com a voz aguda.
— Você é muito parecida com seu pai sabia?
— Com Jeová? Porque diz isso?
— Posso sentir sua revolta, está furiosa por estar em uma situação que não planejou.
— Me de respostas e essa fúria passará.
— Eu ja te disse, agora vou dizer a danusa também, eu sou Sé. 
— Tiago a mãe está...
— Eu estou dizendo que sou Sé, sei que ela morreu, a alma dela já está livre.
— E você fala isso assim? Como se não fosse nada?
— Danusa você prestou atenção no que eu disse? Eu sou Sé. 
— Sé? O criador do universo? 
— Exatamente.
— Foda-se. 
Tiago abriu um largo sorriso.
— De todas as respostas... essa eu não esperava. 
— Eu gostei dessa garota. — Smeralda sorriu — Ela é boa com as palavras.
— Eu sou Sé, a força que critou este universo. 

Danusa se levantou, foi até o armário em baixo da pia e pegou uma garrada de vodca.
— Isso é uma visão ou sei lá o quê, mas se eu beber fico bêbada mesmo assim? 
— Certamente que ficará.
— Otimo. — Ela apanhou uma faca na gaveta do gabinete e abriu o lacre da garrafa, deu um gole direto do gargalo e sentou novamente a mesa.
— O que é "White Lake"? — Smeralda perguntou lendo o rótulo da garrada.
— Vodca importada, ou pelo menos dizem que é da Rússia.
— Posso? 
— Vá em frente. — Danusa passou a garrafa e Smerlada bebeu.
— Credo, tem gosto de urina de Dragão Theropode. Eu gostei. — ela deu outro gole.
— Vamos ter atenção a conversa? — Tiago pediu.
— Se você é Sé isso significa que tudo isso, as nossas vidas, tudo foi um jogo, blocos na construção da sua história.
— Não, na verdade não foi um jogo, eu estive foragido por muito tempo, nenhuma atitude ou construção deste mundo ou mesmo de suas vidas foi por minhas mãos. Por exemplo, ao seu lado tem um anjo, ou pelo menos era era um anjo até pouco tempo. Smeralda e a raça dela não foram criados por mim, nenhum dos planos com a presença de anjos tem meu dedo, isso é só um exemplo.
— Está dizendo que não tem culpa de nada? — Danusa perguntou.
— Estou dizendo que... 
— Ela não está absorvendo nada desta conversa. — Smeralda falou.
— Não?
— Não, ela está tão aturdida pela morte da mãe e pelo monte de situações que aconteceu que está apenas ouvindo, as palavras estão entrando mas não está processando o que ouve.
— Não fale de mim como se eu não estivesse aqui! — Danusa esmurrou a mesa. 
— Entendo. Me diga Danusa, o que te levou a atirar em mim?
Danusa deu mais um gole na vodca e pigarreou.
— Jeová me disse que se eu fizesse isso ele me daria uma nova vida, uma existência tranquila sem rastros de anjos, demônios, deuses e o caralho todo.

Tiago tamborilou os dedos na mesa pensativo.
— Isso infelizmente não será possível.
— O que? Ele não vai cumprir o trato? 
— Mesmo se tiver intenção de cumprir... não poderá.
— Como não? Mesmo se ele não cumprir a palavra, você é Sé não é? O manda chuva que fingiu ser meu irmão por quase trinta anos! Você pode me dar uma vida nova se quiser! — Danusa começou a chorar. 
— Não posso. Danusa eu fui traído por meus filhos, pelos deuses primordiais, foi por causa deles que eu tive de me esconder por milênios. Meus planos para este mundo envolvem... caos, o meu retorno sera um completo "upside down", vou varrer este mundo. Onde eu a colocaria? Que lugar estaria imune desses fatores que você citou? Se é uma vida humana simples que queria, sinto muito mas isso não é mais um opção.
— A paz não é uma opção? 
— Não, para nenhuma espécie neste planeta.
— Então me de poder. — Danusa enxugou as lágrimas com os dedos.
— Poder? Quer ser uma bruxa? 
— Quero ser uma deusa, uma deusa que tenha poder o suficiente para fazer o que quiser.
— Esse é justamente a minha meta. — Smeralda falou.
— Sua meta ja se concluiu Smeralda, você já é uma deusa, e eu a fortificarei para que seja superior a Jeová, sei que o que quer é justamente ser maior que ele, e será. 
— E você, o grande Sé, estaria fazendo isso por mim a troco de quê? Afinal de contas eu não posso confiar em você.
— Eu sucumbi nas mãos dos meus doze filhos pois eles tinham algo que eu não tinha na época, um sentimento chamado "maldade". Bom, agora eu tenho muita maldade dentro de mim, e nisso você pode basear sua desconfiança, mas nada supera você, você anjo de olhos verdes é o fruto do mal, é perversa em cada milímetro do seu ser. Vou lhe dar poder o suficiente para fazer o que quer, sei que o seu desejo é governar, dominar todos os seres, inclusive os deuses e um Império de terror. Te darei meios para isso.
— Então eu serei seu veículo para a vingança? Uma capanga?
— Sim, se quiser é claro. O seu plano de ser deusa engolindo almas deu certo, você agora ja é de status divino, mas se aceitar fazer o que disse eu irei multiplicar seu poder por cem vezes mais.
— Aceito! Não preciso nem pensar muito, sem duvidas está aceito. 
— Há uma condição, se quiser me ouvir.
— Condição? — Smeralda ergueu as sobrancelhas desconfiada.
— Renege seu poder sobre Tifani, eu gosto dela, ela assinou o livro Imperial e portanto é sua escrava, dê a ela liberdade. 
— É essa a condição? Leve aquele anjo, nada me interessa nela. 
— E eu quero Lucifer.
Smeralda arregalou os olhos.
— Você o quer?
— Sim, eu tenho sentimentos por ele. 
— Romanticamente falando?
— Romanticamente. — Tiago confirmou.
— Mas você é Sé, pode criar um ser perfeito para ser seu par, não precisa daquele idiota.
— Você disse bem, eu sou Sé, e com base nas minhas atitudes você não encontrará coerência, eu faço o que quero, e eu quero Lucifer. 
— Pode ficar com ele.
— Fechado. E você Danusa, existe algo mais que queira?
— Quero que ressuscite nossa... minha mãe. 
— Isso não é possível agora.
— Como não? Você não tem poder pra isso?
— Karen morreu faz menos de uma hora, e levando em consideração todas as perturbações que aquela alma tinha... se eu fizer ela reencarnar imediatamente o resultado será catastrófico, sera uma pessoa tão problemática...
— Não interessa, eu cuido dela. — Danusa deu outro murro na mesa.
— Para uma alma ser purificada é necessario pelo menos dez anos no seio de Shanka. 
— Eu não faço ideia de que porra é Shanka, mas eu quero a minha mãe agora!
— Tem plena certeza disso? 
— Absoluta.
— Ok, não me culpe pelo resultado. — ele moveu o queixo lentamente para frente.
— Agh! — Danusa levou as mãos ao ventre com uma expressão de dor.
— Toda alma tem de ser gerada, almas para se tornar seres humanos precisam nascer através de uma mulher. Você gerará o novo corpo de Karen em seu ventre.
— Serei... mãe da minha mãe? 
— Danusa você será uma deusa a partir de agora, se habitue com coisas que burlam a lógica, apenas humanos caminham a passos razos, deuses vivem em uma espiral de confusão. Agora ambas prestem atenção, assim que eu abrir meus olhos no mundo terreno, as coisas ditas aqui irão se cumprir. Estejam preparadas. 

VIII
Jeová se deu dois passos a frente, Lucifer ouriçou as asas pronto para defender seu amado.
— Não ouse!
— Não Lucifer, fique tranquilo, deixe que ele se aproxime. — falou Murilo.
— Deixe que se aproxime? Esse cara é um monstro, não vou deixar que toque em Tiago!
— O Satanás me chamando de monstro? Logo eu? O Deus com D maiúsculo? — Jeová zombou.
— Lucifer... — Murilo se aproximou a pousou a mão no ombro do demônio — há um assunto pertinente a Tiago, só ele pode resolver. Confie em mim quando digo que não sofrerá nenhum mal. Há muitas supresas a serem ditas, esclarecidas. 
Lucifer olhou para Murilo e se demorou em seu olhar, por fim compreendeu que ali havia algo mais importante do qualquer coisa já dita.
— O que está acontecendo? Seja sincero Uragan! — Julio gritou.
— Apenas deixe que Jeová se aproxime. Tiago sobreviveu a uma seta setembrina, a seta do arco de Gabriel, acredite nele, acredite que ele não é indefeso.

Lucifer deitou Tiago no chão e ficando em pé se afastou, Jeová se aproximou mais e com a ponta do pé deu um leve chute no quadril do rapaz inconsciente.
— Ande Smeralda, eu sei que está ai, abra os olhos, mate a saudade do seu pai.
Tiago suspirou profundamente e abriu os olhos, uma forte luz tal qual de um holofote foi emitida por suas iris, Jeová pulou para trás ao ver o corpo do rapaz se elevar pairando no ar.
— Ela esta vindo, essa cadela vai se revelar! — Jeová riu — e eu vou despedaçar ela com minhas próprias mãos...

Então o corpo de Tiago mudou assumindo a aparência que já possuia internamente, com uma metamorfose limpa a rápida as asas surgiram azuladas, o cabelo escureceu e se tornou castanho, a pele bandonou a palidez, quando abriu os olhos encarou Jeová com aquelas iris azuis de tom não humano. 
— Olá meu filho. — Tiago pronunciou com o grave na voz. 
— Filho? — Jeová ergueu as sobrancelhas confuso, mas sua expressão logo se transformou em uma máscara de terror.
— Lucio, me ajude, eu não posso me mover, essa flecha me despertou mas ao mesmo tempo esta me encarcerando. — Tiago falou.
Lucifer se aproximou, ficando na ponta dos pés ao lado dele e com as duas mãos agarrou a haste tentando puxar para fora porém ela não se moveu.
— Não quer sair! — o demônio se exasperou.
— Me deixe tentar. — Uragan também tentou puxar mas a haste não se moveu.
— A arma foi feita por Jeová, essa flecha é obra dele criada por ele e para os desígnios dele, acredito eu que somente outra arma criada com igual propósito poderia remover a seta. — Tiago falou calmamente.

Lucifer imediatamente ficou em pé e ergueu as mãos no ar.
— Minhas armas! — algumas centenas de metros atrás os escombros da torre caída se revolveram e deles saíram duas armas, um tridente negro e uma lança dourada.
— Esta é a lança de Miguel, como tens autoridade para invoca-la? — Jeová perguntou. 
— Esta lança é minha, e mim foi presentada.
— Miguel! Miguel! Miguel venha imediatamente! — Jeová berrou porem a convocação foi ignorada, Miguel não apareceu.
— Parece que ele abandonou o barco... — Tifani riu.
— Ele havia visitado as Parcas, parecia saber algo sobre o futuro e nisso decidiu sair de cena. — Lucifer explicou enquanto colocava ambas as armas em pé diante de si.
— O que vai fazer com elas? — Ahavael perguntou.
— Unir. — Lucifer juntou as armas e imediatamente a lança dourada tornou-se flácida como se fosse metal líquido, passou então a girar em torno do tridente negro dando a ele uma espiral de ouro do cabo até a ponta do meio.
— Isso! Agora faça! Faça! — Murilo se animou.

Lucifer usou o garfo e com ele enganchou a flecha, então com o mínimo de força a puxou para fora, a seta azulada caiu para o lado e desapareceu ao bater no solo.
— Obrigado Lucio. — Tiago se ergueu mais no ar e ficou ereto pairando a dois metros do chão.
— Você está bem? — Lucifer quis saber.
— Sim, obrigado por ter me libertado, em um instante falo com voce, agora eu tenho de lidar com meu filho. — ele apontou para Jeová.
— Como é possivel? Você... você...
— Eu deveria estar morto? Sim, meu filho, porém não morri, graças a fidelidade de Uragan — ele lançou um olhar carinhoso a Murilo — eu resisti. 
— Como assim? Porque está chamando Jeová de filho? — Lucifer perguntou.
— Ele é Sé. — Danusa explicou.

Todos o encararam boquiabertos.
— Isso é verdade? — Ahavael perguntou. 
— Sim eu sou. Mas antes de iniciarmos quaisquer coisa, me permitam tornar esse momento um encontro de gerações. — Tiago bateu as asas com força e centenas de plumas se soltaram e flutuaram no ar, todos se admiraram ao ver as plumas azuladas mudando para a cor verde intensa e então girar como um redemoinho, o cheiro de enxofre invadiu o nariz de todos e as penas se juntaram se multiplicando até se moldar em forma humanoide, logo uma bela mulher com grandes asas brancas, cabelo louro ondulado até abaixo da cintura e os olhos verdes mais intensos que mundo ja viu se formou diante dos presentes, com as mãos na cintura Smeralda falou:
— É um ótimo dia para renascer como uma Deusa, não é verdade garotos? 



Comentários

  1. Uau. Adorei, aguardando o último capítulo.

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  2. Ebbaa ótimo que teve post hoje! Ja estava ficando triste sem... mas também nesses apereio quem não se atrapalha? espero que consiga derrubar a pessoa que tem usado suas artes! Muita luz♥

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  3. Ameiiiiiii ansiosa para o próximo capitulo ...

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