Lucifer Smeraldina Cap. 18
Lucifer Smeraldina
Capítulo 18
"Sin Mi"
I
— Todos prontos? — Ferrabraz perguntou enquanto olhava em volta nervoso.
— Fique tranquilo, vai dar tudo certo. — Murilo falou em tom gentil.
— Mumu eu me preocupo com você.
— E eu com você, mas estou confiante.
Na sala da casa do sítio estavam todos, Danusa com botas de cano alto sem salto em couro negro, calças jeans e um agasalho preto, o cabelo preso em um coque, o arco nas costas e nas coxas duas pistolas seguras em coldres, Karen usava calça de moleton cor de rosa e casaco de capuz um tom mais claro, nos pés tênis Adidas laranja neon, tinha na mão um osso de fêmur e nas costas uma mochila com produtos de emergência, Júlio usava macacão jeans sem camisa e descalço, Murilo com bermuda Verde de algodão grosso e camisa polo, nos pés sandalias de tiras de couro, Ferrabraz usava apenas uma bermuda sintética, também descalço e sem camisa mas levando uma mochila grande nas costas.
— Vou repetir pela milésima vez, estão todos prontos?
— Estamos sim, mas porque vocês dois estão assim meio pelados? — Karen Perguntou.
— Nós vamos mudar de forma e qualquer roupa que estivermos usando vai rasgar, melhor ir com pouca então. — Júlio explicou.
— Ah... achei que ia rolar safadeza.
— Não seja assanhada. Todos prontos? — Ferrabraz repetiu.
— Sim. — Danusa deu um passo a frente.
Todos a imitaram, Ferrabraz esticou o braço.
— Então é isso. — Ele disse enquanto um a um eles seguraram nele.
— Que a sorte esteja do nosso lado. — Júlio falou.
Um flash de luz iluminou toda a sala da casa assim que desapareceram e seguida a mesma luz iluminou outro ambiente, estavam agora juntos em um quarto vazio e empoeirado cheio de mobília quebrada e cesto de palha cheios de cortinas velhas comidas por traças.
— Uou... — Ele deu um passo em falso.
— O que foi? — Murilo o amparou.
— Sei lá, acho que tem alguma coisa anormal acontecendo, quase que não acho o ponto certo de teletransporte.
— Onde estamos? — Murilo olhou em volta.
— É o Centésimo trigésimo terceiro andar, estamos na torre do imperador, isso aqui é um dos quartos desativados, na verdade era para ser meu quarto mas eu nunca quis morar aqui.
— Ferrabraz você ta mesmo legal? — Murilo olhou para ele preocupada.
— To sim.
— Centro e trinta e três né? Temos de chegar no cento e cinquenta e cinco para resgatar Tiago. — Karen Perguntou.
— Isso, não se esqueçam, é o centésimo quinquagésimo quinto andar, o último.
— Puxa vida como é frio aqui. — Danusa esfregou as mãos.
— É sim, o aquecimento está desligado. Vamos sair?
— Vamos. — Júlio caminhou rumo a única saída.
A porta de arco arredondado tinha as dobradiças endurecidas, machas de óleo seco pela falta de uso, Karen foi até elas e mirou com o osso.
— Tisina! — As dobradiças abriram sem fazer nenhum barulho.
— Sempre é bom andar com uma bruxa. — Murilo riu.
O corredor era amplo o suficiente para dois anjos de asas abertas passarem, cerca de doze metros, as paredes de pedra nua eram tão frias e úmidas que musgo verde era visível em várias fendas, toda a iluminação era feita por lâmpadas a base de cristais vermelhos dando um ar macabro ao lugar.
— Credo parece que caímos no esgoto.
— Para que lado vamos? — Danusa cochichou.
— Pela direita, o acesso a escada é no fim deste corredor. — Ferrabraz apontou a diante.
Eles sairam juntos, andavam devagar para não fazer barulho, dobraram o corredor e subiram o primeiro lance de escadas, assim que chegaram no piso superior em outro corredor deram de cara com duas mulheres usando túnicas pretas e luvas até os cotolovelos que vinham na direção oposta.
— O que fazemos agora? — Perguntou Karen.
— Silencie. — Júlio falou.
— Danusa é com você. — Ferrabraz pediu.
Antes que as duas mulheres percebessem, Danusa retirou o arco das costas, mirou, retesou a corda e disparou a primeira seta, a mulher da direita caiu como um peso totalmente flácido, a da esquerda saltou um grito de horror mas foi logo calada por uma flecha que a atingiu no pescoço.
— O que fazemos com os corpos? — Júlio quis saber.
— São corpos feitos de terra, assim que as almas saem eles se tornam pó em minutos. — Ferrabraz Explico.
— Zanobia! Nejima! Esperem ai, tem mais duas caixas para embalar! Robovis folgadas, voltem já! — Uma Mulher baixinha com orelhas de gato saindo por cima da cabeça cheia de cabelos negros saiu de um dos quartos, olhou para o grupo e de repente berrou — Inovativni! Inovativni!
Danusa mirou e puxou a corda do arco.
— Não! Não atire nela! — Ferrabraz tentou avisar mas logo a seta reluzente atingiu a mulher entre os olhos.
— Não era pra atirar?
— Não! — Ele correu até o corpo da mulher, ela usava uma túnica azul celeste e tinha o cabelo cor de caramelo, fios de cabelo grosso espetado saiam de suas bochechas.
— Que porra é essa? Bigodes de gato? — Karen perguntou.
— Sim, era uma Lin. — Ferrabraz levou as mãos a cabeça preocupado.
— Lin? O que é isso? Júlio Perguntou.
— Os demônios Lin são os principais serventes, eles estão acima dos escravos robovi.
— E o que tem de mais ter matado essa? — Danusa Perguntou.
— Os Lin são psíquicamente interligados. — Karen falou.
Sons de miados desesperados acoaram pelo corredor, paraciam vir de todos os lugares, todas as direções.
— Todos os Lins que estão nesta torre sabem que uma deles foi morta, eles estão vindo pra cá!
— E não passou pela sua cabeça nos avisar sobre esses Lin? Achou o que? Que íamos adivinhar? — Danusa disse raivosa.
Um rugido como de uma pantera ecoou pelo corredor.
— Corram! — Ferrabraz ordenou.
Correram rápido, na dobra do corredor um homem de pele amarelada com os olhos grandes cor de âmbar e orelhas felinas saindo pelo topo da cabeça surgiu rosnando com duas adegas nas mãos, antes que pudesse alcançar Murilo ele foi derrubado por uma flecha de Danusa, continuaram correndomas assim que chegaram próximo a segunda escada foram surpreendidos por um grupo de sete Lin, diante deles estava Ailin Luthera vestida com um casaco de pele de urso pardo, calças de couro negras coladas ao corpo.
— Olha só, uma ruma de porcos! Sinto o cheiro do bacon! — Ela zombou.
— Ailin recue, não quero ter que lutar com você! — Ferrabraz falou.
— Ah não seja tolo, eu esperei por séculos a chance de te rasgar inteiro, traidor desgraçado. — Ela falou entre os dentes enquanto mais cinco Lin se juntavam ao grupo.
— Ele não vai lutar com você, eu é que vou. — Karen deu um passo a frente.
— Cale a boca mulher, não tenho nada a resolver contigo.
— Gata vagabunda, tem medo? Fique e me de a oportunidade de te queimar até os ossos.
— Mas que abuso... — Ailin ronronou.
Mãe tem certeza disso? — Danusa Perguntou.
— Sim, fique com a mochila, vocês sigam a diante e eu os alcanço em breve.
Danusa, Murilo e Júlio tocaram os ombros de Ferrabraz e em um clarão de luz eles desapareceram.
— Eles estão no andar de cima! Rápido! Eles estão no centro e trinta e cinco! — Ailin gritou.
Antes que ela e os outros Lin pudessem correr escada acima Karen ergueu o braço e apontando o osso de fêmur para o teto berrou:
— Glava-na-zmija!
A explosão que se seguiu foi tão grande que a escada foi raduzida a uma pilha de escombros, todo o corredor foi tomado por fogo lilás, as portas e a maioria das paredes ao redor foram destruidas, após o fogo apagar só o que sobrou foi pó, pedregulhos e uma nuvem de poeira preta.
II
Quatro horas antes.
Danusa estava ajoelhada ao lado da cama, sobre a colcha projéteis e peças de metal.
— Montando as pistolas?
Ela virou o corpo assustada e lá estava o garoto louro a encarando.
— Poxa vida que susto! É estou. E você o que está fazendo?
— Planejando o próximo dilúvio.
— Jura? — Danusa arregalou os olhos.
— Claro que não sua boba, sabe, quando moises escreveu que eu tinha feito isso eu deixei porque achei engraçado, mas na verdade o dilúvio foi um efeito natural, esse planeta é um organismo vivo, ele percebeu que era hora de mudar o clima e degelou sessenta por cento das calotas polares, até essa água toda ser realocada houveram as cheias que foram chamadas de "o grande dilúvio".
— Mas e Noé e a arca?
— Noé era um invejoso, o avô dele era o grande nefilin chamado Enoque, ah esse Enoque era muito interessante, ele tinha muitos dons, mas Noé não tinha nada, quando Enoque avisou a ele que o dilúvio vinha... ele fez aquele dramalhão. E ele nunca teve uma arca, o que tinha era um barco, uma biboca de uma canoa fuleira, e essa história de ter salvo os animais é mentira, os Zmej salvaram os animais os armazenando em viveiros climatizados no topo de montanhas.
— A bíblia é toda mentirosa?
— É, mas ainda assim eu acho uma obra fascinante, os homens que a escreveram tinham muita imaginação. Mas não foi para falar disso que eu vim aqui.
— E foi para falar de quê? — Danusa começou a montar as pistolas — Finalmente vai pedir? Você vem enrolando faz tempo para fazer esse pedido.
Jeová subiu na cama, teve certa dificuldade por ser miúdo, começou a por os projéteis dentro dos cartuchos.
— Vou ser direto então, quero que pegue o arco de gabriel e quando tiver a chance atire no seu irmão.
— Você está louco?
— Não, é como diz aquela cantora, "Rompompompom".
— Me poupe, por um segundo cogitou que eu ia aceitar? Eu nunca vou fazer isso.
— Não me trate como um ingênuo, se eu estou a pedir é porque sei que há chance de você aceitar.
— Jamais.
— Danusa... você está sendo realista? Invés de dar um rompante indignado me diga se realmente acredita que pode salvar seu irmão.
— Claro que acredito!
— Que ingenuidade a sua...
— Não tente me manipular.
— Então veja isso. — Jeová esticou o dedo indicador e desenhou um círculo no ar, ali se formou um tipo de espelho de metal líquido onde o novo rosto pálido e louro de Tiago se refletiu.
— Quem é... ah não, esse é meu irmão?
— Sim, o louro ficou bem nele, não? É a cor do meu proprio cabelo, sabe "a imagem e semelhança de Deus".
— E como vou saber se não é uma ilusão sua?
— Você vai estar cara a cara com ele em algumas horas, como eu manteria uma ilusão? — o espelho se desfez no ar.
— Certo... Então...
— Entenda, eu não duvido que você e sua trupe de valentões consigam entrar no inferno e pegar o garoto, mas e depois? Vocês vão conseguir fazer com que Tiago sobreviva a Smeralda? Como fariam isso? Ela já está dominando ele, você verá com seus próprios olhos. Você pode ser forte Danusa, mas há lugares onde sua mão não alcança.
— Eu... eu não sei... eu... eu não vou atirar no meu irmão.
— Menina... você não tem mais irmão.
— Ah... Que merda, agora você me deixou confusa.
— "Ah" digo eu, espere, você nem sequer me deixou falar da sua recompensa caso atenda o meu pedido.
— Ainda tem suborno? Você é o que? O Bolsonaro?
— Ora essa, fui eu que inventei a traição sabia? Eu tenho registro de patente neste assunto. — Jeová soltou uma risada infantil.
— Fale de uma vez, mas já adianto que dinheiro ou poder não são coisas do meu interesse.
— Eu te ofereço aquilo que você mais deseja: Paz.
— Paz? Tipo uma pomba branca?
— Não ria da minha pomba, se Zeus pode ser uma aguia e Oyá um búfalo sem virar piada, porque todos riem quando eu me transformo em pomba?
—Não, não estou rindo. — Ela apertou os lábios para conter o riso — Agora prossiga.
— Sim, eu posso resetar sua vida, fazer você nascer em uma família comum onde irá crescer sendo criada com amor e atenção, será filha única e não se lembrará de nada referente a essa vida atual, não sentirá saudade ou remorsos, será uma pessoa nova e terá a real possibilidade de ser feliz, sem anjos, bruxas, magia.
Danusa olhou fixamente para aquela criança pérfida mas nada respondeu.
III
Os quatro corriam por um corredor de paredes brancas quando de repente caíram no chão enquanto um tremor seguido de estrondo tomava conta de tudo.
— Que porra é essa?! — Danusa Tinha um corte na testa sangrando profusamente.
— Sua mãe acaba de demolir metade do andar de baixo. — Ferrabraz falou enquanto a ajudava a ficar em pé.
— Estão todos bem? — Júlio Perguntou.
— Não, minha testa está aberta! — Danusa gritou.
—Você é Nefilim, isso vai curar em minutos. — Júlio falou com a voz trêmula.
— Ei... estão sentindo isso? — Murilo olhou para Ferrabraz assustado.
— Sentindo o que? Ah merda, agora to sentindo. Júlio? Júlio você tá legal cara?
Júlio tinha a boca aberta e os olhos arregalados, as mãos tremiam.
FOOOOOOOOOOOOOOOOOOOON!
— Isso é um alarme? Parece uma trombeta. — Danusa falou enquanto olhava em volta.
FOOOOOOOOOOOOOOOOOOOON!
— É o alarido, os robovi de vigia sopram as trompas de alarme, indica que o inferno está sendo atacado. — Ferrabraz falou.
— Ai merda, então é por nossa causa? Todos saberão que estamos aqui! Nós não temos chance! — Danusa falou histérica.
FOOOOOOOOOOOOOOOOOOOON!
— Não, o alarido não soa por invasões internas, existe outra invasão simultanea. Júlio é quem penso que é?
— Sim, é meu pai, Jeová está aqui.
Dois demônios altos de cor marrom avermelhada e com chifres de boi brotando das temporas vieram correndo pelo corredor, Danusa retesou o arco pronta para atirar.
— Não atire! — Ferrabraz pediu — São patrícios, vigias da Torre, são os patrícios os robovi que soam os alarmes. Ei pare ai!
Um dos patrícios passou correndo disparado mas o outro ficou e de um jeito impaciente fez uma reverência.
— Arquiduque, desculpe mas estamos com pressa, é uma situação de urgência...
— Se está com pressa relate o mais brevemente o que está acontecendo.
— Jeová abriu um portal no céu a aproximadamente trinta e tres mil pés bem acima do Lago de Casanera, ele pessoalmente está nesse momento se dirigiando a Torre em sua forma original. Posso ir agora?
Ferrabraz dispensou o patrício com um aceno de mão.
— Forma original ele disse — Murilo perguntou.
— Sim, eu nunca vi mas dizem que é como um titã. — Ferrabraz respondeu.
— O que fazemos agora? — Júlio perguntou.
— Temos de abortar a missão, ir embora.
— Não podemos não. — Murilo interveio — Jeová nunca entrou no inferno antes, significa que nada que estava aqui antes despertava nele qualquer interesse, a única coisa nova no Inferno é Tiago.
— Mas e a aposta? Jeová tinha uma aposta comigo e com Lucifer, ele não poderia... — Júlio falou.
— Não existe mais aposta, eu não mencionei isso antes mas... agora já não importa. — Murilo deu de ombros.
— Como não importa? — Júlio gritou.
— Não importa agora Júlio, temos de subir e achar Tiago antes que Jeová mate ele. Vamos!
Os três tocaram os ombros de Ferrabraz e em um clarão desapareceram do corredor e reapareceram oito andares acima.
— Merda! — Ferrabraz mordeu o lábio inferior com força.
— O que foi? — Murilo perguntou.
— Interferência, o campo de força projetado por Jeová deve estar me desestabilizando, eu não sei que andar estamos.
— Estão no cento e quarenta e quatro.
Ferrabraz girou rapido e olhou para trás.
— Olá Nabucodonosor, quanto tempo...
— Fico surpresa, todos sentem falta da velha Nabu. — Ela riu.
— Trouxe suas tropas para defender a Torre?
— Sem tropas hoje. Me diga Ferrabraz, você foi destituído ou ainda é um de nós?
— Se você se refere a ser arquiduque, sim eu ainda sou, o título é vitalício.
— Então tem sob seu comando um exército não tem?
— Não, minha função é outra, eu sou chefe da casa das armas, a chave fica comigo.
— Ah... todas as armas estão com você? Inclusive a armadura de obsidiana o tridente de Lucifer?
— Apenas a armadura, o Tridente não.
— Ferrabraz... — Nabucodonosor deu um passo a frente — Hoje todos os arquiduques concordaram em se omitir, ninguém vem ajudar na defesa.
— Opa... traição?
— Porque todos ficam surpresos? Nós somos demônios, fomos feitos para ser traiçoeiros.
— Por Sé Nabu, isso nunca aconteceu antes, não com Lucifer.
— Blábláblá... diga arquiduque, posso contar com seu apoio?
— Esta falando que se Lucifer pedir a chave da sala das armas eu devo negar? Eu faria isso mesmo se você não pedisse, tenho outro senhor agora.
— Ah... fico mais tranquila.
— Vocês estão tramando o que? — Ele falou em tom baixo.
— Se o Imperador cair você também é um candidato ao trono, não se esqueça disso. — ela piscou os olhos.
— Então é um motim fundamentado em golpe?
— É um motim, o golpe é certo.
Nabucodonosor deu meia volta e desapareceu nas sombras do corredor.
IV
Tiago olhou para aquele gigante voando no ceu negro, através do vidro da janela a luz do grande Deus Jeová era resplandecente como o brilho branco da lua, ameaçador, terrível mas ao mesmo tempo belo.
— Ele está atacando como um anjo normal, sem seus poderes de dominação da realidade, eu não acredito que vivi para ver isso. — Tifani falou boquiaberta.
— Em cima do solo do inferno nenhum Deus tem poder absoluto, eles aqui são fortes mas não invencíveis, terão de lutar como guerreiros. — Molin explicou.
— Tiago nós temos de ir. — Lucifer o chamou.
— Tiago? Tudo bem? — Tifani franziu a testa quando percebeu a expressão fria do rapaz.
Ele ouviu Lucifer e Tifani chamarem seu nome, sentiu as mãos deles tentando arrastar seu corpo dali mas não se moveu, nem um passo, ele olhava para Jeová se aproximando e então uma frase ecoou dentro de sua cabeça.
"Sin mi"
A mente de Tiago trabalhou para traduzir a frase, não houve dificuldade, na língua antiga dos deuses aquela frase significava "meu filho".
Meu filho? Mas que filho? Porque aquela frase parecia tão dolorosa mesmo sem fazer nexo com a situação?
Então tudo parou, o tempo congelou, Jeová estático no céu não batia mais as asas, Tiago olhou em volta e tanto Lucifer quanto Tifani E Molin estavam parados, congelados em poses como fotografias tiradas de pessoas que estavam em movimento no instante da captura. Ele sentiu um vento frio nas costas e olhou para trás, então viu que a porta do quarto estava aberta mas não dava para o corredor e sim para uma sala que não constava no edifício, algo que ele se lembrava como sendo seu.
— Garoto? Garoto é melhor vir ver isso. — A voz de Smeralda se fez ouvir do outro lado.
Tiago deu um passo para trás e tropeçou em correntes, no chão havia um emaranhado de elos dourados e prateados, uma corrente presa a seu pescoço e outra ao pulso esquerdo.
— Ah... estou sonhando...
Ele Saltou aquilo e atravessou a porta, saiu em um ambiente totalmente novo, era algo como uma plataforma de vidro, olhando para baixo através do piso transparente era possível ver o planeta terra girando lentamente, olhando para a esquerda se via o sol vermelho como uma brasa e tudo em torno era negro e cheio de estrelas, sob a plataforma estava Smeralda vestindo uma túnica grega Branca e com os cabelos presos em um coque muito volumoso acima da cabeça.
— Garoto... você pode me explicar que diabos é aquilo? Eu nunca vi isso antes, não é uma memória minha e muito menos sua. — ela apontou para cima.
Tiago ergueu o queixo e viu um homem imenso flutuando em posição fetal, a pele era furta-cor, estava nu e tinha no rosto uma expressão de profunda dor.
— Eu não sei. — Tiago falou mas quando pronunciou as palavras o gigante adormecido moveu os lábios simultaneamente.
— Espera um pouco... que estranho, ele está te imitando.
— Ele é bonito, não é? — Tiago sorriu um tanto quanto lunático e novamente o gigante moveu os lábios simultaneamente.
— Ele não está te imitando... vocês estão espelhados... Me diga o que está acontecendo lá fora, você viu Jeová e então o que mais aconteceu?
"Sin mi" — o gigante sussurrou — "Predavnik..."
— Meu filho traidor? É isso que ele disse? Afinal de contas quem é ele? — Smeralda perguntou.
— Ele... sou eu.
— Juro por tudo que há de mais sagrado que não estou gostando dessa brincadeira.
Tiago olhou para Smeralda e a compreensão iluminou seu rosto.
— Ah... entendi, você está com medo.
— Medo? Eu? Não seja tolo! Eu só estou um pouco... apenas achei estranho.
— Está com medo pois isso que esta ocorrendo, essa visão ou sonho, não foi produzido por você. Smeralda... Você assim como todas as criaturas teme o desconhecido.
— Pare de falar frases de efeito e diga logo o que está acontecendo.
— Hum... eu acho que sei quem ele é, reconheço a forma dele, me lembro dele. Você não?
— Nunca vi um ser tão grande, ele é maior que a lua. Não entendo, não entendo o que está acontecendo aqui.
Tiago ergueu o braço, a mão esticada para o alto, o gigante desceu lentamente deixou que a ponta dos dedos do rapaz tocasse sua gigantesca testa.
— Claro... perfeito... — ele sussurrou.
— Claro? Ja sabe algo sobre?
— Eu sei o nome dele agora.
— E qual é? — Smeralda parecia assustada.
— Sé.
V
Os quatro chegaram no centésimo quadragésimo nono andar, corriam por um corredor cujo uma parede era inteira de janelas de vidro liso e a outra coberta por espelhos quando um impacto fez tudo se transformar em uma nuvem de cacos e todos caíram ao chão, um ronco como som de vento sendo deslocado acoou tão alto que todos cobriram os ouvidos com as mãos por um instante.
— O que foi isso?! — Ferrabraz perguntou.
A reposta se fez óbvia quando um pé do tamanho de um barco invadiu o corredor a frente destroçando tudo pelo caminho.
— Jeová, ele está atacando a torre, deve estar tentando por ela abaixo. — Murilo falou.
— Manualmente? — Júlio perguntou.
— Se ele destruir a torre todos vamos morrer! — Danusa se desesperou.
— Não garota, se Jeová acha que não tem ninguém a altura dele neste lugar ele esta muito enganado. — Murilo ficou na ponta dos pés beijou Ferrabraz — Vocês três vão até Tiago, eu vou dar jeito do Deus com D maiúsculo.
— Tem certeza? — Ferranraz tinha o rosto lívido.
— Nao seja um bule! — Murilo riu e então correu até uma das janela estilhaçadas e saltou, segundos depois os três viram um grande Dragão branco subir em alta velocidade e a torre estremeceu.
— O que ele quis dizer com "Não seja um bule"? — Júlio perguntou.
— Bule é de por café... — Ferranraz falou sem humor.
— Ha que engraçado, "pouca fé", vocês são muito esquisitos. — Danusa riu.
VI
Ailin chutou a porta de madeira que estava sobre seu corpo, saiu engatinhando coberta de poeira, algumas lascas da madeira estavam grudadas em seu cabelo.
— Isulin? Tvelin? Migolin? — Ela chamou por seus irmãos mas ninguém respondeu, logo que ficou em pé viu a massa de carne retorcida que eram os corpos dos outros Lin.
— Você... Você os matou! Você matou meus irmãos sua desgraçada!
Karen sorriu, também estava coberta de poeira mas não tinha um arranhão sequer.
— Inteligência sua ter saído da frente quando ataquei, mas seus irmãos pelo visto tinham como futuro ser carne moída, e não fique ai toda melindrosa, é claro que tem muito mais pragas por ai iguais a estas, sua família deve ser grande como um cupinzeiro.
— Puta maldita! Eu vou matar você! Eu vou te fazer urrar de dor! — Ailin ergueu as mãos revelando afiadas garras metálicas no lugar das unhas.
— Ué? Mas você ja tentou, enfeitiçou aquelas serpentes, uma delas me picou lembra? Você ja tentou me matar mas não conseguiu. Quer uma segunda chance? Pode vir, eu vou ter o prazer de arrancar sua carne pedaço por pedaço.
— O quê ? — Ailin vacilou por um instante.
— O quê ? — Karen a imitou zombeteira — Você achou que essa briga seria entre uma vilã, que no caso é você, e uma mocinha, que no caso sou eu? Vou ter de te desiludir, nessa história todos somos vilões, se você é má... eu sou pior.
Ailin saltou para frente com os braços esticados, as garras se cravaram no peito de Karen.
— E agora bruxa? Ainda vai se gabar?
— Quer saber? Vou sim!
Ailin tentou puxar as garras mas estavam presas no corpo de Karen, mesmo puxando com força elas não se libertavam.
— Está com dificuldades? Eu a ajudo. — Karen tocou o peito da adversária com a ponta do osso — Aratunji!
Ailin foi atingida por uma onda de choque tão intensa que ao ser arremessada para trás pairou no ar alguns segundos antes de bater com o corpo no chão.
— Ok puta velha, você quer brincar? Pois vamos. — Ela arfava enquanto se erguia.
— O que você pode fazer? Hein?
— Isso na sua mão é o osso da minha coxa? — a voz rouca da idosa se fez ouvir.
Karen olhou para a esquerda e em pé sobre um pedregulho estava Ubabaya com a cabeça torta ensanguentada e um buraco no peito em carne viva.
— É, e o que é que tem isso? Você por acaso precisa dele agora? — Karen respondeu ríspida.
Ailin olhou na direção que Karen estava mirando e não viu nada ali além de entulho.
— Agora você está usando meu fêmur como condutor de energia, meu fêmur como varinha de condão... meu coração e meu cérebro não foram suficientes? Vai me violar até quando?
— Cale a boca velha! Eu to ocupada agora.
— Vocês todos vão morrer aqui, mas eu ainda tenho um pingo de energia para te fazer sobreviver minha querida.
— Me fazer sobreviver? Agora quer me salvar? Porque?
— Para que você veja seus dois filhos morrerem na sua frente, quero que veja isso, quero que escute os gritos deles.
Ubabaya abriu a boca deslocando o maxilar como uma serpente papa-ovos e gritou, gritava por ajuda e por clemência mas não era a voz dela que ecoava e sim as de Tiago e Danusa.
"Não! Não por favor! Mãe! Mãe! Socorro! Não deixe eles fazerem isso, por favor! Por favor me mate! Faça isso parar!"
— Pare com isso! Pare! — Karen cobriu os ouvidos com as mãos e deixou o osso cair mas logo arregalou os olhos quando o som do rugido de um leão penetrou as orelhas abafadas e a pancada atingiu suas pernas estilhando os ossos.
VII
Aos pontas dos dedos ficaram coladas na testa do gigante, um tipo de magnetismo nunca experimentado antes, Tiago tremia por inteiro, a sensação era como de descargas eletricas atravessassem cada uma das células de sei corpo,
E sua mente foi ficanco cheia, mas não cheia abarrotada e sim como se bagagens de memória fossem realocadas em locais já preparados antes. Tiago e o gigante abriram os olhos simultaneamente, a luz emanava dos quatro globulos oculares como farois de rochedo, uma espiral de energia desconhecida se formou como um suave redemoinho e
então o gigante foi diminuindo de tamanho gradativamente até ser inteiramente sugado pelas pontas dos dedos do rapaz.
O corpo de Tiago começou a mudar, o cabelo louro se tornou castanho escuro com o pigmento se espalhando da raiz até as pontas, a pele retomou o tom mais dourado de antes, porém a perfeição permaneceu, o par de asas brancas se estendeu saindo das omoplatas mas a penas brancas se tornaram maiores e de tom levemente azulado. Os olhos de Tiago foram tomados por um azul de tom Royal
E finalmente ele suspirou e abaixou a mão erguida.
— O que está acontecendo aqui Tiago?! — Smeralda gritou desesperada mirando o espaço vazio onde antes pairava o gigante flutuante.
Ele virou o rosto e mirou com surpresa como se houvesse esquecido que ela estava lá.
— Smeralda... Você é linda sabia? Não fui eu que a fiz, mas seu design é esplêndido.
— Como assim? Agora explique o que foi isso! — Ela gritou nervosa.
— Se refere aquilo que flutuava? Eu disse, era Sé, o criador... criador desta parte do universo.
— Pare de palhaçada, Sé não pode estar dentro de você, aqui só tem duas Almas, a minha e a sua.
— Você errou e acertou.
— Como assim?
— Sé está aqui sim, também é verdade que dentro do meu corpo só estão eu e você.
— Então que porra é essa que estava flutuando! E porque seu cabelo mudou de cor.
— Eu ja disse, é Sé, e Sé... sou eu.
— O que? Do que está falando?
— Vai ser difícil explicar tudo agora querida, seja paciente, logo vamos sair daqui.
VIII
Lucifer puxou Tiago pelo braço mas vendo que o rapaz estava totalmente fora de si o agarrou suspendendo no colo e saiu correndo pelo corredor com Tifani e Molin logo atrás, quando alcançaram o escada para o andar inferior ouviram o estrondo, olharam para trás viram e a mão enorme de Jeová arrebentar as janelas do quarto que momentos antes ocupavam.
— Molin! Molin onde estão os arquiduques?! Eles ja deviam estar aqui! — Ele falou enquanto descia os degraus com asas abertas preocupado em proteger Tiago dos cacos de vidro que choviam por todos os lados.
— Majestade eu infelizmente terei de lhe dar uma notícia muito desagradável e espero que não se...
— Fale logo!
— Um robovi que servia bebidas em uma sala de visitas ouviu Merodake Nabucodonosor pedir a Drusila Ucobach e a Samael que boicotassem qualquer pedido de ajuda vindos... vindos do senhor. Eles Também se comprometeram a convencer os outros arquiduques a fazer o mesmo. Eles se amotinaram majestade, sinto muito.
Lucifer estacou o passo no último degrau.
— Me diga que isso é uma piada!
— Quem dera fosse, senhor. — Molin abaixou a cabeça.
— Não pode ser, não agora... Não posso ficar desamparado agora!
— Lucifer se mexa! — Tifani gritou quando uma nuvem de pedregulhos veio do alto da escada.
Ele entrou correndo na biblioteca e deitou Tiago em um sofá.
— Molin há alguma tropa disponível nas proximidades? E quantos soldados estão na torre neste momento?
— Não senhor, neste momento dentro da torre estão somente os Lin e os robovi, até os guardas e soldados de baixa patente foram dispensados por ordem do arquiduque Pazuzu.
Ele olhou para Tiago, deitado imóvel com os olhos abertos vidrados.
— Tifarael você pertence a ele, tem obrigação de defender ele com a sua vida.
— Sim tenho. — Ela se aproximou e tocou o ombro de Tiago — Vou fazer isso, não se preocupe.
— Existe um edifício a cerca de dez quilômetros daqui, é a uma central de tratamento de água desativada numero quarenta e um, no porão está um portal que dá para a ilha de Lemúria, leve Tiago e fuja, Molin vai te guiar até lá, certo Molin?
— Sim majestade.
— Tudo bem, mas e você? — Tifani perguntou.
— Eu... Eu vou lutar com Jeová.
— Não seja bobo, você nunca vai vencer.
— Não estou sendo bobo, sei que não tenho chance alguma, mas vou assim mesmo, isso vai distrair aquele desgraçado e vocês fugirão em paz.
— Então que seja. — Tifani pegou Tiago no colo e saiu da biblioteca seguindo Molin.
Lucifer respirou fundo e calmamente se dirigiu para uma das janelas de vitral, então viu Jeová se afastando da torre com um gigantesco Dragão branco com os dentes cavados em seu pescoço.
— Um Deus, um Dragão e um anjo caído. Isso vai ser uma história para se contar muitas vezes no futuro.
Estendeu a mão para a esquerda e imediatamente um grande tridente de metal negro surgiu sendo envolvido por seu punho.
Lança outro capítulo logo, por favor!
ResponderExcluirMeu magnífico Felipe caprini, quando vc estará lançando oh próximo capítulo "19" ah ansiedade está me tomando super curiosa pro este desfecho
ResponderExcluirpoxa, cadê o próximo capítulo?? ����
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