Diário 7 - Palavra Latina

Quando eu tinha quatorze anos
Fui estudar em uma escola católica,
Eram Salezianos.
Não eram Como os católicos jecas
Meio abobados que vemos por ai,
Esses eram na verdade muito 
Ligados a intelectualidade e cultura.
Lá havia o costume de rezar 
Todos os dias as sete da manhã 
Sendo que as aulas começava 
As sete e meia.
Eu fui criado em lar protestante 
Então fiquei pasmo ao ouvir pela
Primeira vez rezas católicas 
Entoadas em latim.
Soube lá que o nosso idioma português 
É um filho do latim 
E que é por isso que somos latinos.
Aprendi a oração de São Bento,
Aquela que originou a frase
"Va de retro Satanás",
Aprendi também o Credo 
E Salve Regina
Que é uma prece das mais belas
Mesmo citando a humanidade 
Como "degradados filhos de Eva".
Porém de tudo que foi latim
Eu me fixei em uma unica palavra:

OBUMBRATA

Ouvi esta palavra em meio
Ao poema "Fortuna", 
O mais famoso entre 
As Canções de Beuern. 
Toda vez que o Coral cantava 
Eu me fixava nesta palavra,
Sentia como se fosse minha,
Como se fosse algo tão íntimo 
Quanto meu próprio nome.
Então como sempre fui curioso 
Perguntei a um dos professores,
Ele prontamente abriu um grosso
Direcionario de latim medieval 
E leu 

"Obumbrata, aquilo que é obscuro, oculto em sombras, secreto a penumbra, nebuloso e de dificil definição."

Me espantei muito 
Pois não era o que eu esparava,
Em minha mente de adolescente 
Uma palavra com pronúncia tão interessante 
Só poderia significar algo bom,
Porém mesmo sabendo do real sentido
Meu coração se apegou ainda mais,
E eu soube desde aquela época 
Que eu sou obumbrata.
Eu sou obscuro, oculto em sombras, 
Secreto na penumbra, nebulo e de 
Difícil definição.
Não falo isso com orgulho 
Ou com aquele tom que esotéricos malucos 
Tem ao falar da misticidade
Que os envolve, não,
Falo apenas com a verdade 
De quem recita um sobrenome 
Ou fala de um diagnóstico imutável.
Eu sei que sou obumbrata 
Pois eu estou oculto, mergulhado 
Em sombras tão densas
Que eu nunca me encontrei. 

Sors immanis             ♥ Sorte imensa
Et inanis                      ♥ E vazia
Rota tu volubilis        ♥ Tu, roda volúvel
Status malus               ♥ És má
Vana salus                   ♥ Vã é a felicidade
Semper dissolubilis   ♥ Sempre dissolúvel
Obumbrata                  ♥ Obscura
Et velata                       ♥ E velada 
Michi quoque niteris ♥ Também a mim contagias
Nunc per ludum         ♥Agora por brincadeira 
Dorsum nudum          ♥O dorso nu
Fero tui sceleris          ♥ Entrego a tua perversidade 

Falamos de luz e trevas 
De bem e mal,
Do maniqueísmo total,
Mas na verdade é tudo mentira,
Pelo menos para mim
Que estou Obumbrata
Que sou Obumbrata 
E que portanto não sei 
Reconhecer ou apontar
O claro ou o escuro,
Apenas vejo o nada,
Um nada meio cinza
Como se fosse um tudo
De sabor insosso.
Se fosse por minha vontade 
Jamais teria nascido,
Mas pela vontade de terceiros 
Nasci, cresci, vivi
E após quase trinta anos
Ainda posso chamar 
Meu berço de 
Obumbrata. 
É por isso que eu pinto, escrevo 
E crio tantas coisas imaginativas,
Elas desviam a minha atenção
Das sombras que me abraçam,
Suas cores fortes as vezes
Me fazem crer em uma luz,
Mas essa luz na vida real
Nunca vi,
Só vi o escuro pobre 
De Obumbrata.


Comentários

  1. Eu sempre odiei essa música, se fosse para definir minha pessoa em uma parte da música seria o final. Rsrsrs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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