Lucifer Smeraldina Cap. 15


Lucifer Smeraldina

Capítulo 15
"Porque Você Está Ajudando Smeralda?"

I
Eram centenas de árvores gigantescas, a mais baixa possuia cerca de cento e vinte metros, nos galhos se formavam casarões grandes construídos com pedra branca e madeira clara em formatos arredondados, quem visse ao longe imaginaria que eram grandes ovos equilibrados nos galhos, isso era Krosna, a cidade dos anjos femininos. Tifani estava sentada no beiral de sua casa quando outro anjo surgiu batendo as asas, era baixinha como ela mas tinha a particularidade de ter as pontas das penas das grandes asas em tom esverdeado, ela pousou ao lado de Tifani um tanto esbaforida.
— Ethaniel? O que foi?
Ethaniel colocou as maos ao lado da boca como quem não quer ser ouvida.
— É o mausoléu de Smeralda, está exalando um forte odor de carne podre. Além de Haskel você é a unica que tem a chave, pode ir dar uma olhada? Todas estão muito incomodadas com o odor.

Tifani assentiu e imediatamente saltou do beiral, sua morada ficava em um dos galhos mais altos de uma árvore Samauma de modo que ela apenas abriu as asas e planou descendo até chegar na construção de pedra lisa nas raizes de uma Jacarandá. Só de sobrevivoar ela sentiu o cheiro putrido, pousou diante da porta cobrindo o nariz com a mão.
— O que está acontecendo lá dentro? — Disse outro anjo feminino, essa mais alta e com seios grandes espremidos em um espartilho de couro prateado.
— Ah, olá Haskel, eu não sei.
— Você vem vem aqui toda a semana e não sabe?
— A cada três dias.
— Desde a sua ultima visita o cheiro se alastrou ou já havia indícios antes?
— Haskel...
— Eu sou a lider Tifani, eu substituí Smeralda faz muito tempo então já não tolero essa sua excitação quando esta sob a minha autoridade.
— Desculpe Haskel.
— Então diga.
— É... o corpo começou a apodrecer já faz algum tempo.
— Apodrecer? Você se refere a decomposição orgânica?
— Sim.
— Mas como é possível se nossa espécie não é orgânica? Quando um Anjo morre... apenas desaparece.
— Sim eu sei, mas não faço idéia do que exatamente está acontecendo.
— E porquê não me comunicou imediatamente?
— Eu sinceramente achei que era algo previsto, que tinha haver com Smeralda estar encarnada novamente, tipo... as coisas atualmente andam meio embaralhadas.

— Previsto? Não seja estúpida. — a voz infantil soou vinda de trás.

As duas giraram nos calcanhares e imediatamente caíram de joelhos quando olharam para baixo o viram o minúsculo garoto loiro de bochechas rosadas vestindo uma túnica azul clara bordada com arabescos em linha prata, Jeová as olhou com impaciência.
— Pai... A que devemos a honra? — Haskel perguntou.
— Saia da frente, eu quero ver o que está acontecendo lá dentro. — Ele falou e prontamente as duas se afastaram.

O menino se aproximou da porta, automaticamente as correntes arrebentaram espalhando seus elos despedaçados pelo chão, a porta se escancarou e o cheiro foi tão repulsivo que o propósito Jeová recuou alguns passos, ele encheu as bochechas de ar e soprou uma lufada de vento tão intensa para o interior do cômodo que a podridão se dissipou por um momento.
— Eu sei de tudo o que acontece aqui, cada centímetro de Nibiru está sob a vigilância meus olhos, mas este maldito mausoléu não mais, eu não podia sondar dentro dele, tive de vir pessoalmente e veja o que encontro... um cadaver.

Tifani e Haskel se entre olharam confusas com o Deus falando sozinho.
— Senhor, podemos servir em algo? — Haskel perguntou.
— Sim, me levante, eu não quero mudar minha forma física e dessa altura não enxergo o estado do corpo.

A expressão de Tifani transpareceu o terror, enquanto observava Haskel pegar o menino Jeová no colo sua mente trouxe a tona as lembranças, no passado houveram momentos em que Jeová simplesmente parou de usar seus poderes e se manteve na forma de uma criança evitando fazer qualquer coisa prodigiosa, todos foram momentos onde ele estava na verdade juntando o maximo de força de possível, todos momentos antes da guerras.

— Tifarael não precisa ficar alarmada, venha. — Jeová ordenou ao reparar a rigidez dela.
Tifani leventou e entrou no mausoléu junto com Haskel e o Deus.
— Me diga Tifarael, o que é isso? — ele apontou para o cadaver inchado, esverdeado e vazando fluidos por todos os orifícios.
— Um corpo apodrecido meu senhor.
— Um corpo apodrecido?
— É o que vejo senhor.
— Não Tifarael, isso é traição. Você sabe o que faz o corpo de um krilen apodrecer?
— Não senhor...
— Isso acontece quando o Krilen se torna... diferente de sua natureza. Ela, Smeralda, está migrando para o corpo do garoto humano, ela levou toda a energia Krilen deste corpo para o outro abandonando neste as fraquezas da carne dos homens. Sabe o que isso significa?
— Não senhor, nunca soube que isso era possivel.
— Mas não é, e isso significa que Smeralda não é mais Krilen, não é mais um anjo. Eu fiz uma aposta com Lucifer e Ahavael sobre o destino do anjo Smeralda, mas esse anjo não existe mais. A aposta está desfeita.
— Entendo senhor. — Tifani inclinou a cabeça em respeito.
— Entende é? Mas sabe o que eu não entendo? — ele se ajeitou nos braços de Haskel — Eu não entendo como você pode esconder de mim que a alma do garoto ja se manifestou neste corpo.
— Ha... — Tifani ergueu a cabeça olhando para Jeová e depois trancando um olhar de suplica com Haskel.
— Não adianta olhar para ela, Haskel não pode te ajudar. — Jeová levou uma mãozinha gorducha até o cabelo e com movimentos dos dedos enrolou um caixinho nervosamente.
— Senhor... Eu não falei pois...
— Também não veio até mim contar que Ahavael estava metido com Asherah.

Tifani ergueu o rosto novamente e seu queixo caiu.
— Nem tente se defender, a situação saiu do controle. — Jeová disse.
— Mas... mas senhor eu não fiz nada! Ahavael é quem... eu não, eu nem vi ela! Eu não vi Asherah! E eu não falei sobre Tiago vir para o corpo de Smeralda porque...
— Porque é uma traidora.
— Não sou senhor, eu juro.
— Traidores não juram. eu até poderia relevar isso, mas acontece que estou irritado com os acontecimentos atuais, isso me faz desejar ficar cercado apenas pelos mais fiéis. Pode me por no chão Haskel.
Haskel o desceu com cuidado.
— Senhor? — Ela olhou para baixo apreensiva.
— Haskel leve Tifani para Lucifer, ele vai por ela para trabalhar, Lucifer ama ter escravos e eu como um pai amoroso não posso negar isso a meu filho mais ilustre.
— Sim senhor. — Haskel tinha a voz embargada.

Jeová abriu um sorriso cínico.
— Você Tifarael não é mais um anjo, por minha ordem eu decreto, Tifarael você está banida, que tenha boa sorte na sua nova vida como... Demônio.

II
Karen se mantinha imóvel, deitada com as Mãos sobre o peito porém suas pálpebras saltavam levemente indicando que os olhos se mexiam por debaixo da pele.
— Até quando ela vai dormir? Parece um sono atribulado. — Ferrabraz perguntou.
— Não é sono, ela não está dormindo de verdade, nesse momento o efeito de ter ingerido os órgãos principais de Ubabaya é fazer Karen se ligar a alma da velha.
— Alma?
— Sim, você achou que o poder de Ubabaya estava em dois órgãos? Eles são apenas carne, o verdadeiro poder está na alma e come-los deu a Karen acesso isso, a alma da bruxa. Neste momento é como se ela estivesse fazendo download de tudo de útil referente a magia que estava na memória de Ubabaya Padmavathi.
— Mas isso tem efeitos colaterais?
— Tem... mas não importa, os fins justificam os meios. Ela ainda vai ficar apagada um tempo, vamos lá para fora, a noite está linda, hoje tem a super lua.

Os dois sentaram nos degraus da varanda da casa de Ubabaya, o vento frio da noite era reconfortante e bagunçava o cabelo de Ferrabraz.
— Eu ouvi Karen cantar. — Murilo falou.
— Sim ela meio que surtou e cantou uma musica.
— Gosto de músicas brasileiras, são bonitas. — Murilo suspirou.
—  Também gosto, me lembram de casa.
— De casa?
— Sim, português é uma língua que se originou do latim, então me lembra bastante o meu passado romano.
— É, as vezes eu também me pego lembrando desta época.
— Então? Quando vamos ter uma conversa franca? — Ferrabraz perguntou.
— Franca? Não é uma boa idéia.
— Não confia em mim?
— Com certeza não. — Murilo riu.
— Tá, então me faça prometer não relevar nada do que disser, você é meu dono agora, eu não posso quebrar uma promessa, mesmo se eu quiser contar os seus segredos a minha boca vai travar e nenhuma palavra sairá.
— É... Certo pode ser. Eu o proibo de revelar a qualquer outro as coisas que vou te contar agora.
— E eu prometo não contar a ninguém.
— Tudo bem. — Murilo suspirou cansado mas um longo silêncio se seguiu e ele não disse nada.

Ferrabraz começou a cantarolar.
— Eu não sei dizer... Nada por dizer...Então eu escuuuuutoooo...
— Ney Matogrosso? — Murilo riu.
— Se você disser... Tudo o que quiser... Então eu escuuuuutoooo... — um suave som de acordes de violino acompanhou a melodia .
— Você está usando o feitiço do violino do diabo para cantar Ney Matogrosso? Cara você é o demônio mais estranho que ja vi. — Murilo não pode evitar em abrir um largo sorriso.

Ferrabraz ficou em pé e com uma velocidade sobre humana agarrou a cintura de murilo com ambas as mãos erguendo e girando o corpo magro do garoto no ar enquanto cantava.
— Lá lá lá lá lá lá lá laaaaaa... faaala...
— Ta bom eu falo! Eu falo! — Murilo respondeu entre risos.
Ferrabraz o colocou no chão e ele sentaram no mesmo lugar.
— Então me conte Primero porque você está ajudando Smeralda? Dessa vez seja sincero.
Murilo olhou para Ferrabraz, a luz da lua brilhando na lateral de seu rosto.
— Eu não estou ajudando ela.
— Como não? E toda essa missão? Você fala com a alma dela e faz tudo que ela pede.
— Não é bem assim.
— Então explique.
— É complicado. — Murilo virou o rosto e mirou a lua.
— Me diga uma só coisa neste nossa jornada que não é complicada.
— Tem razão, tudo é. Mas tudo bem, é melhor eu contar, desabafar.
— Sim. — Ferrabraz afagou o ombro do rapaz.
— Bem... a história não começa com Smeralda, tudo começa muito antes disso, éons atrás Sé criou este mundo, este universo, quando tudo estava pronto, a humanidade já consciente, Sé observou este planeta por quinhentos e dez anos, e ele... Ele viu que estava errado. Quando criou o mundo ele implantou um sistema de auto preservação nos seres, uma coisa composta por duas partes chamadas de dor e medo. Mas a dor era para ser um alerta, um aviso de  que algo ameaçava a segurança do indivíduo, um alarme para a corrupção do corpo, degradação do organismo, o medo era para poupar o ser de atividades perigosas, só isso. Um dia ele observava duas tribos humanas, eram ainda meio primitivos, mal falavam, as duas tribos entraram em conflito, era a primeira guerra humana, uma coisa tola, cada tribo não tinha mais de cinquenta pessoas. Na batalha a tribo mais hábil matou, torturou e estuprou os adversários. Sé viu e ficou horrizado.
— Horrorizado? Mas isso, a violência não é natural? — Ferrabraz perguntou.
— Não, a violência foi uma anomalia, o desejo de ferir o outro não foi criado por Sé, mas essa vontade de afligir dor intencional não foi algo espontâneo, não surgiu sozinho neste mundo. Na guerra entre tribos um fato principal aconteceu, uma mulher humana esposa do chefe do clã perdedor, ela estava gravida, a tribo vencedora a mutilou, decepou os seios dela e a observou morrer de hemorragia.
— Ah... a humanidade ama fazer essas coisas.
— Sim ama, mas Sé não sabia disso, ele não criou a humanidade para sofrer e causar sofrimento. Lembro da expressão no rosto dele ao testemunhar a mulher sendo brutalizada, Sé observava paralisado, incrédulo de que sua criação estivesse fazendo aquilo. Pode imaginar você ver seus filhos se tornando monstros diante de seus olhos e você saber que a culpa é sua? Que você os criou assim? Sé ficou arrasado.
— Posso imaginar. — Ferrabraz se aproximou.
— Sé passou a investigar, tentar achar o erro no projeto que fez a humanidade ser maligna, e então encontrou um descontrole na dor e no medo presente não só nos homens mas em toda a criação, encontrou dor intensa em toda a natureza, uma dor tão horrenda que era claramente não era erro, não era falha no projeto, aquela desgraça era criação de outro alguém.
— Alguém? Quem poderia ter feito uma intervenção na criação de Sé?
— Fácil responder, os únicos capazes eram os doze deuses primordiais.
— O quê? Porquê? — Ferrabraz se admirou.
— Para serem deuses.
— Explique melhor.
— Sé criou os filhos para serem regulamentadores do universo, mas a idéia seria viverem entre os homens de modo impercetível, fingir ser um humano para então proteger a humanidade.
— Não imagino um Deus como Jeová vivendo humildemente entre os mortais. — Ferrabraz comentou.
— Mas esta era a real finalidade destes doze, mas eles não queriam isso, Sé implantou neles um poder praticamente ilimitado mas não pensou que esse nível de poder despertaria, ou melhor, inventaria neles um sentimento que não antes existia neste ou em qualquer outro mundo.
— Deixe-me adivinhar, a soberba.
— Sim, vários nomes como bufonaria, imodéstia, arrogância, altanadice, presunção, arrogância, eles tinham isso dentro de si, o sentimento de serem superiores a todas as criações.
— Mas... eles não são de fato superiores? — Ferrabraz perguntou.
— Ferrabraz eles foram criados para cuidar dos humanos, nisso quem é superior? O protetor ou o protegido?
— Caralho! Você está dizendo que Sé criou a humanidade para ser superior aos deuses?
— Sim, exato. Mas os doze se uniram para não deixar isso acontecer, eles pegaram diversos bebês humanos recém nascidos e perverteram as ordens de matriz, incluíram o ódio, a crueldade, pegaram o medo natural e elevaram até se tornar covardia, o sofrimento mudaram para doses tão altas que a dor se tornou terror. Sé soube que os doze haviam feito isso e os reuniu para entender o motivo.
— E o que eles disseram?
— Contaram a Sé a verdade, que perverteram os humanos afim de assim os governar.
— E Sé?
— Ele vendo que a corrupção na criação era irreversível mandou eu e os outros Zmej para longe, para uma parte negra e vazia do universo, nós deveríamos começar a criar uma nova galáxia lá. Meus oito irmãos foram na frente e eu... eu sempre fui curioso e fiquei para observar a reunião dos Deuses
— E o que aconteceu?
— Eu sou o Dragão do vento, posso identificar qualquer vibração no ar ou em quaisquer substância gasosa como foi o caso do espaço sideral que é feito de hélio e hidrogênio, então mesmo me mantendo ao longe escondido entre formações que flutuavam a esmo eu pude ouvir tudo e através das vibrações eu pude também ver, presenciei a reunião. — o tom de voz de murilo se tornou sombrio.
— E o que aconteceu?
— Os doze juntos... Eles mataram Sé.
— Mataram? — Ferrabraz se admirou.
— Sim, mas eu... eu... — as Mãos de Murilo tremeram e a forma de seu corpo tremeluziu por um momento, um brilho azulado percorreu suas formas.
— Mumu o que foi isso?
Murilo colocou a cabeça entre os joelhos e fechou os olhos.
— Quando fico muito nervoso corro o risco de sair desta forma e voltar a ser um Dragão. Eu não consigo falar disso sem me descontrolar.
— Então me mostre, me deixe ver suas lembranças desse momento.
— Quer que eu compartilhe minhas lembranças?
— Não é como se nunca tivéssemos feito isso antes.
— É... tudo bem, vem cá.

Ferrabraz inclinou a cabeça e Murilo pressionou os lábios em sua testa, imediatamente a imagem tomou conta da mente do demônio.

Era um espaço escuro, negro com pequenos pontos luminosos, estrelas longínquas. De repente um bomem gigantesco de pele azulada brilhante surgiu no campo de visão cercado de doze outros seres menores, cada um com características próprias, todos flutuando livremente. Sé falou com eles:
—Expliquem o que fizeram, eu não comprendo essa falta de respeito pela vida e por mim.

Um homem de pele bronzeada e cabelos louros cacheados até a cintura que portava uma lança de ouro flutuou para cima ficando rente aos olhos do grande Sé.
— Pai nós fizemos o que achamos certo, fizemos para que assim cada um de nós tenha como reinar sobre a criação.
— Jeová... Isso é absurdo. — Sé respondeu.
— Não, não é. — uma mulher com traços asiáticos e com longos cabelos negros esvoaçando a esmo falou.
— Amaterasu, eu não espera essa traição de você.
— Fiz o que era certo, todos fizemos. — Ela respondeu.
— Os enfraqueceram para assim dominar? Isso é indigno.
— Pai... — Um homem de pele vermelha com três olhos, sendo o maior no centro da testa falou — Não nos tome como indignos apenas por não aceitar seu desejo, nos não somos escravos.
— Entendo Indra, e por odiarem a idéia da escravidão é que se propuseram a escravizar a humanidade?
— Não fale dele como se fossem iguais a nós! — um homem de pele escura com grandes asas de plumas azuis e verdes se indignou.
— Viracocha, vocês são criações minhas tais como eles.

Ao ouvirem esta frase os deuses se revoltaram, todos juntos bradavam frases cheias de ódio contra Sé.
— Parem, parem já, não há o que discutir, eu já resolvi, este mundo será destruído, o erro que vocês cometeram será apagado junto com tudo o que fiz, então construirei um mundo novo em outro lugar, meus Zmej neste momento já estão a procura de um novo ambiente propício para uma nova galáxia.

Os deuses trocaram olhares de compreensão, uma que era muito palida com cabelos negros cacheados falou:
— Pai nós já previamos esta sua decisão, mas não estamos dispostos a aceitar.
— O quê? Nix o que quer dizer com isso? — Sé pareceu genuinamente surpreso.
— Nós não vamos ser levados a outro mundo para servir seus planos mirabolantes, nós vamos ficar aqui e reinar.
— O que isso significa?
— Desculpe pai, mas para um bem maior alguns sacrifícios terão de ser feitos. — Nix ergue as duas mãos na direção de Sé e raios negros sairam da ponta de seus dedos atingindo o gigante azul no peito.
— Como ousa! — Sé tentou se equilibrar.

Ashera murmurou algo e cipós e Ramos surgiram entrelaçando as pernas de Sé o amarrando e imobilizando, Ymir com um grande machado de pedra atingiu-lhe o ombro Viracocha escancarou a boca cuspindo labaredas amarelas no rosto de Sé. O que se seguiu foi um ataque covarde, doze contra um, Sé Jamais esperaria que a força que tirou de si mesmo e deu para seus doze filhos seria usada em uma traição.
Sim, todos os deuses atacaram Sé repetidas vezes até que o grande corpo azul fosse reduzido a um punhando de pó cintilante flutuando a esmo.
Ferrabraz podia sentir o medo e o desespero nas lembranças de Uragan, sentia a visão turba como se estivesse chorando, e era isso que acontecia, o grande Dragão do vento chorava.
Os deuses escarneceram das cinzas de Sé e juntos se retiraram dalí, Uragan esperou por um longo tempo encarando o vazio, então tomou coragem e se aproximou da nuvem de cinzas cintilantes que se desfazia a esmo, as micropartículas eram tudo o que restava do criador supremo de todas as coisas.

— Uragan... — uma voz fraca sussurrou.
— Pai? — O Dragão se moveu com agilidade girando o corpo para olhar em volta.
— Aqui filho, aqui...

Uragan encontrou uma pequena partícula do tamanho de um grão de areia que reluzia como se fosse feita de magma.
— Pai?...
— Sim meu filho, eu estou aqui, esse é único fragmento de meu corpo que resistiu, guardei meu espírito nele.
— Pai... Eu vi tudo! Eu vou vingar o senhor!
— Não, não se vingue, antes disso eu te peço, me ajude.
— Ajudar? Como eu poderia?
— Eu não hei de sobreviver aqui, me leve para a Samsara, lá eu vou estar seguro.

O Dragão abriu a boca e estirou a enorme lingua Vermelha para fora, com ela recolheu a partícula a protegendo na boca fechada, então se moveu tão rapido Quanto um raio cortando o espaço escuro, passando por planetas e estrelas, nuvens de asteróides e rajadas de luz e energia até que avistou a Samsara, era uma gigantesca estrutura, era uma esfera do tamanho do planeta Júpiter, essa esfera era composta por vinte e um aros que giravam conectados uns aos outros mas indo em direções opostas e no cetro de tudo estava uma mulher nua flutuando em posição de lótus, ela tinha o corpo rechonchudo e a pele de um tom rosa claro, sua cabeça era desproporcional ao corpo e seu rosto com olhos miúdos e lábios finos tinha como destaque um enorme nariz suíno. Uragan entrou na esfera, ali dentro milhares de luzes se moviam de um lado para o outro, cada luz uma alma criada por Sé, eram tantas que que pareciam cardumes nadamos no fundo do mar. Uragan se aproximou da mulher, apenas a cabeça dela era maior que todo o corpo do Dragão.

— Hum... hum? — ela abriu os olhinhos miúdos lentamente e encarou Uragan, ele falou com ela usando a mente.
— Shanka, guardiã da Samsara, Sé...
— Eu sei. — Shanka respondeu com a voz aveludada.
— Sabe?
— Sé foi atacado pelos filhos, eu sei, eu vi. Sou a senhora que é responsável pelas almas, sei do caminho de todas, inclusive das almas deles, as almas dos deuses. Ande, solte Sé, a Samsara protege e alimenta todas as almas, a dele será protegida e alimentada aqui também.

Uragan abriu a boca e a partícula iluminado saiu flutuando e logo se juntou com as outras almas que giravam e dançavam a esmo.
— Shanka, se sabia o que iria acontecer então porque não disse a Sé?
— Eu fui criada apenas para cuidar das Almas, não sou uma delatora.
— Mas... Mas Shanka... como eles puderam?
— Hum... Quer saber como eles tiveram força para matar Sé? Como foi possível as criaturas sobrepujarem o criador?
— Sim.
— Ódio.
— Ódio? O que significa isso? Não conheço.
— Hum... Ora Uragan não me espanta que desconheça, o ódio nasceu agora, o que viu acontecer foi ódio. Doze golpes medianos, mas o que feriu Sé não foi a força fisica dos filhos, foi o ódio.
— Ainda não compreendo o que é Ódio.
— Hum... Doze golpes na verdade foram apenas um fatal, um golpe de Ódio.
— Shanka eu não compreendo o que diz!
— Então fale do que compreende.
— Quero...
— Quer ajudar seu pai e não sabe como?
— Justamente.
— Ora Uragan eu disse que não sou uma delatora, mas sou uma boa conselheira quando me pedem um bom conselho.
— Então eu te peço, me aconselhe, como devo ajudar meu pai?
— Hum... Eu sei, eu vejo as linhas do destino claramente.
— Então diga, por favor diga!
— Digo... Sé foi derrotado pelos deuses que criou, caiu pela mão dos deuses que ele mesmo fez e o que o matou foi Ódio.
— Sim eu acho... pelo menos é o que você diz.
— No universo a solução para um é menos um. Hum... — ela suspirou.
— O que quer dizer com isso Shanka?
— Ora... o vento não pensa? Se eu digo que Sé caiu pela mão de deuses que ele criou... a solução de um é menos um.
— Menos um? é o oposto de um? É isso.
— Hum... é isso.
— Então se é o oposto, significa que se Sé caiu pela mão de deuses que ele criou ele vai se reerguer pelas mãos de deuses que ele não criou?
— Sim é isso, mas o fator ainda é o ódio.
— Mas como eu vou achar neste universo um deus que não tenha sido criado por Sé ou pelos próprios deuses que o mataram e que ainda tenha esse tal ódio?
— Crie um deus você mesmo.
— O que?
— Hum...
— Shanka! Como eu faço isso?
— Hum... Sé dedicou a maior parte deu poder para a Samsara.
— Sim porque a Samsara é o berço das Almas...
— Se é então é. O vento nao pensa?
— Claro que eu penso Shanka, mas não consigo entender o que você diz.
— Hum... Vento estúpido. — Shanka fechou os olhos.

Uragan pensou e pensou e pensou mais até sua mente achar uma resposta.
— Nossa! Você está dizendo que eu posso criar um Deus usando a energia das Almas?
Shanka abriu os olhos.
— Hum... é isso. Crie um deus a partir de alguém que não devia ser deus, faça uma perversão, crie o deus que não é de Sé e coloque Sé dentro dele, então... espere e verá.

A visão girou, a lembranças giraram, de repente Ferrabraz viu que Uragan estava na terra e diante dele Smeralda saindo de uma cratera.
— Você se revolta com o que Krilen? — ele perguntou.
— Eu? Com muitas coisas, mas principalmente com a minha natureza.
— Com a sua natureza? Não gosta de ser Krilen?
— Nós Krilen fomos feitos para servir e amar Jeová, mas eu olho para cima e não sinto amor, sinto apenas... Ódio.
— Ódio? — Uragan repetiu espantado.
— Sim eu sou cheia de Ódio. Não nasci para ser Krilen, não quero ser um Anjo, estou cansada de ser escrava.
— E o que você quer ser?

Smeralda olhou para cima fitando Uragan com aqueles olhos verdes intensos.
— Eu quero ser uma Deusa.

O coração de Uragan disparou mas ele controlou a voz e respondeu:
— Eu sei como te ajudar nisso, se quiser.
— Sabe como me tornar uma Deusa?
— Sim.
— Mas... porque me ajudaria?
— Porque isso seria o início de uma nova era. O mundo, este universo, é hora de entrar em uma nova era.
Smeralda sorriu pensativa.
— Sim nisso eu concordo plenamente, se eu subir aos nível dos deuses... isso será uma nova era.

III
Murilo removeu os lábios da testa de Ferrabraz.
— Viu?
— Sim vi tudo, mas... por tudo que há de mais sagrado, é o que penso que é?
— Eu levei Smeralda até Shanka e a ensinei a encarnar como humana, Shanka mostrou como absorver o poder das Almas, Smeralda fez isso, a cada vez que ela encarnava em corpo humano Shanka mandava para ela uma alma poderosa  qual era prontamente absorvida, Smeralda comeu trinta e seis almas e hoje o poder que ela tem é equivalente ao dos deuses primordiais.
— E a trigésima sétima alma? — Ferrabraz perguntou apreensivo.
— Quando percebi que Smeralda ja havia se tornado uma deusa pedi a Shanka para concluir o nosso plano, a alma enviada na trigésima sétima encarnação foi a de meu pai.
— Então...
— Sim Ferrabraz, Smeralda não pôde absorver a última alma, é uma alma diferente, por isso ela nem sequer conseguiu adulterar a natureza dela e acabou nascendo em forma masculina.
— Masculina porque é seu pai.
— Sim a sua conclusão está certa. Tiago é meu pai, Tiago é Sé.

Ferrabraz se afastou com uma expressão de profunda tristeza.
— O que foi? — Murilo quis saber.
— Se Sé voltar... você sera novamente o Dragão do vento e vai me deixar de novo.
— Não.
— Como não? Não é óbvio que seu pai vai te querer por perto?
— Nada nesse universo é gratuito, Sé vai ter de me dar um pagamento pelo meu esforço. O pagamento que vou exigir é você.

Ferrabraz ergueu o rosto surpreso, Murilo se aproximou e o envolveu em um abraço apertado.
— Eu ainda te amo, você ainda é meu lacínio.



Comentários

  1. Engraçado que Samyaza e Belladonna tão tentando fazer um deus voltar a vida também ksks jato criando ate fanfic. amo seu trabalho seja muito iluminado!

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  2. Engraçado que Samyaza e Belladonna tão tentando fazer um deus voltar a vida também ksks jato criando ate fanfic. amo seu trabalho seja muito iluminado!

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  3. Amando o rumo inesperado que a história está tomando.

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