Lucifer Smeraldina Cap. 11
Lucifer Smeraldina
Capítulo 11
" Teste o Amor de Lacínio"
Era um aposento enevoado quase todo tomado por uma grande banheira redonda repleta de agua azulada borbulhante, o cheiro de loção era intenso, Drusila se esfregava com uma esponja vegetal, sentada no meio da banheira com a água até os seios, ela parecia querer esfolar a própria ele, então a porta foi escancarada e ele entrou.
— Drusila Ucobach! Que desgraça você fez comigo?!
Drusila passou a mão pelo rosto afim de afastar os cabelos gruados pela umidade e encarou um Lucifer com a testa vincada o maxilar marcado em plena fúria.
— Majestade... Eu não fiz nada com você.
— Você não me engana cascavel! Eu... eu estava... sua megera!
— Sabe que não estou entendendo nada não é? Seja mais claro. Sente aqui e se acalme. — ela deu tapinhas na borda de pedra da banheira.
Lucifer sentou, abriu e fechou a boca algumas vezes sem dizer nada.
— Nossa aconteceu algo grave assim? — Drusila se preocupou.
— Eu... Eu tive uma ereção!
— E isso é o fim do mundo?
— Você não entendeu!
— Olha, nós Krilen naturalmente não temos órgãos sexuais, se lembra disso? Quando nós mudamos nosso corpo copiando a genética humana afim de sentir prazer igual a eles a nossa genitália se formou com o padrão exato do deles, isso significa que seu pau vai ficar duro. Agora me diz onde está a minha culpa nisso?
— Eu tive uma ereção por estar perto de Tiago.
Drusila sorriu gentilmente.
— Ah... foi isso? É porque você ama Smeralda...
— Não! Eu... foi por causa do corpo dele! Eu senti vontade de... com ele!
— Nossa senhora imaculada que pecado — Drusila fez o sinal da cruz em zombaria — O Diabo é puritano... nunca pensei, nem dizer a palavra ele consegue.
— Não faça piada, eu estou transtornado!
— Então fale! Diga em voz alta que você queria foder Tiago!
Lucifer agarrou o pescoço de Drusila com força e sacudiu antes de soltar.
— Não passe dos limites Drusila!
— Ai... tudo bem, falarei com boas palavras, você sentiu desejo de fazer amor com Tiago.
— É, foi isso.
— Não é perfeito? Dizem que gays vão para o inferno e vocês dois já estão aqui! Destino é algo perfeito! — ela gargalhou enquanto se esquivava das mãos de Lucifer que tentavam agarrar o pescoço dela novamente.
— Vai continuar zombando desgracada!
— Não, agora falando sério, você é homofobico? É esse o problema?
— Você sabe que não, a sexualidade sempre foi totalmente aberta no meu reino, aliás em todos os reinos, só os homofobia é besteira humana, a questão não é eu não gostar de gays, a questão é que nunca senti isso por seres masculinos e agora de uma hora pra outra estou sentindo.
— O problema nem sequer é ele ser homem, a questão e que você sabe que ter a alma dela não o faz ser ela, você está confuso por ter sentido algo pela pessoa dele e não por um resquício da imagem de Smeralda.
— É... isso é.
— Eu não tenho nada haver com isso, as poções que uso na comida e no banho de Tiago afetam humanos apenas, são coisas simples como pó de Lamúria e raízes de ervas de perfídia, se você sendo quem é bebesse um jarro de poção não adiantaria nada.
— Está dizendo que... É espontâneo?
— Eu acho que é, e se for parar para pensar faz sentido que você se apaixone por esse garoto em especial.
— Como sentido? O que o faz pensar assim?
— Ah qual é lucifer? O que você vê quando olha Tiago?
— Vejo o corpo que abriga a alma...
— Não minta para si mesmo, não é boa idéia. Diga, com quem ele se parece?
Lucifer encarou Drusila nos olhos mas não disse nada, ela tocou a superfície da água diante de si o reflexo do Lucifer de cabelos pretos e olhos de iris vermelhas se tornou um anjo mais jovem de cabelos prateados e olhos como alumínio líquido.
— Esse era você quando eramos recém criados lembra?
— Lembro. — ele tocou na água fazendo a imagem desaparecer.
— Smeralda encarnou trinta e seis vezes antes de ser Tiago, essas trinta e seis foram mulheres humanas exatamente como ela era, claro que havia mudanças na aparência mas elas ainda eram Smeralda, então quando ela se tornou Tiago eu acho que... eu acho que Smeralda sempre foi muito feminina e por isso não sabia ser homem então... Ela usou as memorias do homem que amava para compor quem Tiago seria, ela fez Tiago se tornar uma cópia sua, uma versão humana do Lucifer puro e ingênuo que existiu milhares de anos atrás.
Lucifer ficou calado por um longo tempo.
— Você está bem? — Drusila perguntou.
— Ele se parece comigo, com a pessoa que um dia eu já fui... É verdade sim.
— E o que vai fazer a respeito?
— Não sei, que opções eu tenho? Sabe que meu plano era despertar o maior numero de lembranças nele, fazer a alma dela se avivar, trazer o corpo de Smeralda para cá e transferir a alma para o corpo original.
— Sim e isso matará Tiago, para Smeralda voltar para o corpo original Tiagotem que morrer.
— Mas... Eu não quero que ele morra.
— Lucifer você é o imperador, as maiores decisões são pesadas na sua espada. Decida, você dirá quem vive e quem morre.
— Sim mas antes de tomar essa decisão... quem tem de decidir é ele.
— Esta falando sobre quando você fizer a pergunta?
— Sim. Não se esqueça que isso ainda é um jogo de Jeová, se quando eu perguntar a quem ele ama e ele me escolher... ai eu tomarei a decisão.
— E se ele não te escolher? Se ele disser que ama Ahavael?
— Se o jogo virar para esse resultado minha decisão já está tomada. Se não for meu não será de mais ninguém.
— Não é do poder de Smeralda que está falando dessa vez não é?
— Talvez não.
II
Com um clarão três figuras surgiram diante de um grande Torii aos pés de uma montanha, fazia frio e a sutil nevoa branca indicava ser muito cedo, em volta da pequena clareira diante do Torii havia apenas vegetação, principalmente bambuzais, uma trilha quase apagada entre árvores dava sinais de que raramente alguém passava por ali. Diante do Torii se erguia uma escadaria de pedra bruta com degraus irregulares e cheios de musgo que havia sido assentada sobre as rochas, Karen olhou para cima e não conseguiu ver onde a escadaria terminava pois aparentemente ia até o cume.
— A Ubabaya mora la no topo?
— Sim. — Murilo respondeu.
— Poxa vida...
— É, Infelizmente todo o entorno da montanha é protegido por feitiços defensivos, Ferrabraz não pode atravessar, eu posso mas se for voar vou sozinho, não tenho como te carregar. — Murilo começou a tirar as alças das malas de Karen que Ferrabraz trazia nos ombros.
— Mas você é um Dragão do vento, como não pode me levar? Todo o poder do vento veio de você, ou por acaso isso é só lenda? — Karen estranhou.
— Eu sou um Dragão sim mas não estou Dragão agora, meu poder cai muito quando fico em forma humana.
— Por que?
— Eu não finjo ser um humano, neste momento eu realmente sou, este corpo que você vê não é uma miragem como geralmente seres espirituais fazem para parecer homens ou mulheres, eu fiz este corpo com os 21 elementos químicos para compor carne, sangue, órgãos 3 tudo mais.
— Então você não pode se transformar em Dragão?
— Posso, mas desfazer o corpo humano e depois refazer rapidamente me deixa cansado, prefiro subir as escadas andando, e também se eu me transfomar em Dragão agora será um problema pois Ubabaya não gosta de seres "espalhafatosos" na casa dela, e eu não quero começar com pé esquerdo, tenha em mente que Ubabaya é... geniosa.
— Então vamos subir a pé? De verdade? — Karen olhou para as quatro malas pensadas que havia trazido.
— Qual é Karen você tem cinquenta e poucos anos, bruxas medíocres vivem até os cento e cinquenta, você com certeza vai passar dos trezendos, com a idade que tem agora não ha como dizer que não consegue subir uma bobagem de... doze mil degraus.
— Doze mil?!
— Sim mas não se preocupe com a bagagem, eu cuido dela.
— Boa sorte. — Ferrabraz desejou.
— Obrigado. — Murilo sorriu para ele — Pode ir se quiser, não precisa me esperar,
— Se não se importar eu prefiro esperar aqui mesmo.
Murilo se ergueu na ponta dos pés e deu um beijo de leve na bochecha do demônio.
— Você não precisa ficar se esgueirando a minha volta, eu não vou sumir.
— Ainda assim prefiro ficar esperando.
— Tudo bem, eu volto logo.
Ferrabraz observou a dupla subir os primeiros degraus, Karen já resmungando pelo esforço, Murilo indo faceiro enquanto as malas simplesmente os seguiam flutuando no ar.
Karen falou em voz alta sem disfarcar:
— Dragão como é que você tem estômago pra beijar um bicho daqueles?
— Eu o conheci antes de ser demonio, e ele não fede como os outros da categoria.
— Ele pode não ter cheiro de carne podre mas com certeza ainda tem cheiro de demônio.
— Não fale assim, ele vai ficar chateado. — Murilo cochichou.
Ferrabraz sorriu ao ouvir aquela conversa, ele apontou para uma parte na terra a seus pés e uma pedra de tamanho mediano veio a tona totalmente limpa, ele sentou ali e ficou olhando para os dois até que a imagem deles se tornou tão minúscula nos distantes degraus que desapareceu em meio a névoa.
— Eu o conheci antes de ser demônio... — ele repetiu as palavras de Murilo com um sorriso no rosto, mas logo o sorriso desapareceu, o pensamento de Ferrabraz fugiu dali, se perdeu dentro da própria cabeça em um redemoinho de lembranças, os últimos acontecimentos deixaram tudo confuso então para acalmar a mente só lhe restava focar no passado.
III
Século Primeiro, Eólia, Noroeste da Ásia Menor
Licínio e Uragan viviam como casal já a seis anos.
Uma fila de mais de cinqüenta pessoas se formou na porta da casa antes do amanhecer, Lacínio havia prometido atender um por um, no primeiro cômodo da casa pequena ele conversava com os clientes cobrando doze denarios para prever o futuro, e realmente previa, com a visão adquirida pelo toque divino de Zeus junto com a orientação de Uragan ele tinha conquistado grande aptidão em vidência.
Uragan não o acompanhava nestas ativades, pelo contrário, sendo um ser considerado sobrenatural para ele as questões misticas eram nada além de monótonas então acabou arranjando emprego na casa da tecelã Verona de Líbia, passava os dias tecendo tapeçarias para os nobres da região com figuras majestosas de alta complexidade, coisa que para ele era considerado como extrema diversão.
Certo noite Licínio atendeu toda a fila de clientes e quando ia fechar a porta foi surepreendido por uma jovem mulher parada diante da entrada, era belíssima e pelas roupas e jóias com certeza rica, tinha olhos azuis em contraste com a pele morena, lábios adornados com carmim como os de uma deusa.
— Boa Noite, você é o vidente? O profeta?
— Boa noite, sim, sou Lacínio de Tigris, oraculo da cidade.
— Sei que a hora é imprópria mas eu gostaria de uma consulta, estou disposta a pagar o dobro para compensar qualquer contratempo.
— Sendo assim... tudo bem, entre, vou lhe atender imediatamente.
A mulher se sentou no chão sobre uma almofada de lá de carneiro como era o costume da época, mas olhou em volta com um certo desdém que somente pessoas nascidas em berço de ouro tem no olhar. Lacínio sentou diante dela em outra almofada, recebeu o pagamento e começou a consulta.
— Qual é o seu nome?
— Sou Melanipe de Thanás, filha do governador desta província.
— Filha de Aenon Thanás?
— Sim, mas não quero me fiar na fama de meu pai, estou aqui apenas por meu próprio interesse, ando aflita por questões minhas.
O comportamento de Lacínio mudou imediatamente, Aenon era o homem mais rico de toda Eólia, havia boatos de que sua riqueza se comparava a do antigo Rei Minos, nisso tratar aquela moça com mais deferência talvez rendesse bons frutos.
— Claro claro, então por favor diga, o que quer saber sobre o destino?
— Eu tenho um irmão que está afastado, seu nome é... Samir. Ele fugiu da família para se casar com uma pessoa sem categoria, um filho de ninguém, ralé. Eu tenho tentando convencer Samir a deixar aquela miserável criatura e retornar para o nosso convívio. Não que eu seja soberba ou mesquinha, mas as classes sociais existem para separar o joio do trigo não é verdade? Como poderia haver paz na minha familia se meu amado irmão que é um alazão de primeira se casar com um asno?
— Sim com certeza, é uma situação difícil.
— Então o que eu quero saber é se meu irmão é um caso perdido ou se vai se cansar do asno 3 voltar para a família.
Lacínio pensou na pergunta feita, tentou puxar em seus dons uma resposta exata mas estranhamente não conseguiu encontrar nada, a visão de futuro se tornou totalmente nublada.
— Desculpe mas não estou conseguindo prever nada, não sei dizer o motivo, acho que estou cansado.
— Acredito que sim, vi a fila na porta logo cedo, foram muitas pessoas. Vamos fazer o seguinte, amanhã passe o dia comigo, eu irei pagar o suficiente por um dia inteiro.
— Passar o dia?
— Sim, naturalmente... em minha casa. — ela pronunciou as últimas palavras deixando entender algo a mais.
Lacínio pensou primeiro no dinheiro, concordou animado pelo lucro que ia ter em um golpe só, Melanipe se despediu sorridente e partiu.
Após um dia árduo de trabalho Uragan voltava para casa levando consigo uma cesta com os pães doces favoritos de seu amado, pães de geleia de tâmaras, ia assobiando tranquilamente enquanto caminhava pelas ruas desertas iluminadas por archotes, ao virar a esquina ele viu a mulher vindo na direção contrária, era belíssima a ponto de se destacar até na luz fraca do fogo, mas Uragan a reconheceu, não como mulher mas sim o que estava dentro dela, e ela não era humana.
— Grom... Grom o que faz aqui? Porque esta desta forma?
Melanipe sorriu debochada e girou com os braços abertos no meio da rua.
— Se você, o grande Dragão do Vento pode fingir ser homem, porque eu, o grande Dragão do Raio não posso fingir ser uma mulher? Sabe de onde eu vim? Da sua casa.
— Se você feriu Lacínio eu... — Uragan ameaçou cheio de temor.
— Se acalme, não feri ninguém e não toquei em nada, o seu rapaz me atendeu sem desconfiar.
— Porque está fazendo isso?
— O mesmo motivo de sempre Uragan, por você.
— Ja disse para me deixarem em paz.
— Impossível nossos irmãos estão furiosos, quase indignados com essa sua aventura inconsequente.
— Nada disso é da conta deles! Nem da sua!
— É melhor se acalmar pois estou aqui para te ajudar.
— Ajudar? Do que está falando?
— Uragan preste atenção, o assunto é sério, é melhor que me ouça.
Uragan entendeu que era melhor ouvir, Grom não estaria ali em forma humana se o caso não fosse serio. A dupla saiu da estrada e sentaram em uma colina gramada onde poderiam conversar em paz.
— Fale o que tem para falar Grom.
— Grom? Respeite minha personagem, eu agora estou de Melanipe, a vadia rica da cidade.
— Tudo bem, diga Melanipe.
— Houve uma reunião, Zivot, Pomorski, Zemjiste, Ogan, Osvetlen, Temno e Kraj decidiram que a sua aventura...
— Não é uma aventura! Eu amo Lacínio!
— Me deixe falar, quando eu acabar você poderá se revoltar. Eles se reuniram e decidiram que o problema é justamente você amar o humano, então para eles a solução seria matar o rapaz.
— O QUÊ? — Lacínio ficou em pé assutado — Mas é uma regra deles não interferir nos assuntos que não fazem parte da jornada Zmej! Matar um humano é interferência!
— Nós seguimos fielmente a regra de Sé sobre não interferir no caminho de suas criações até você quebrar essa regra se tornando humano. Mas eu votei contra a ideia deles e fiz outra proprosta.
— Que proposta?
— Eu observo humanos de perto desde que eram macacos,eles são criaturas podres e Sé sabe como os desprezo, eles não amam, não sabem amar.
— Você odeia qualquer criatura que tenha livre arbítrio, sempre foi assim.
— Se é o que pensa. Mas a minha proposta é a seguinte, eu provo que Lacínio não ama você, o que é óbvio, se eu conseguir provar isso você o abandona e retorna para casa. Nesta minha proposta ele não vai morrer e nem sequer ser ferido, tudo volta a ser como antes.
— E se você não puder provar isso? Se descobrir que ele me ama de verdade?
— Eu sou sua irmã Uragan, pode mentir para si mesmo mas não para mim. Você sabe que ele nao o ama, ele apenas momentaneamente o deseja.
— Você não sabe de nada!
— Se acredita que encaro a situação com ignorância então arrisque. Se Você estiver certo e ele te amar... então nós prometemos te deixar em paz e viver na porquice com seu bichinho de estimação.
— Como tentará provar a sua teoria?
— Ah vou pelo basico, apelar a luxuria e a ganância. Vou seduzir ele, oferecer beleza, sexo e dinheiro, isso e o que move a humanidade. Se ele disser com os próprios lábios que me quer, que me deseja... é porque ele não te ama. Mas não se preocupe, como eu disse ele não será ferido, minha tática não envolverá nem sequer sedução por meio de artes não naturais, eu farei tudo como uma mulher rica faria.
— Então as minhas opções são enfrentar sozinho vocês oito...
— Coisa que você não tem condição de fazer.
— Ou deixar que teste o amor de Lacínio...
— Sim.
— Pois faça seu teste.
— Farei, mas você tem de me dar a sua palavra que irá romper definitivamente com o humano caso eu vença.
— Do mesmo modo que você me da a sua palavra de garantir a minha paz se perder.
Os dois apertaram as mãos.
— Prometo abandonar Lacínio de Tigris se ele ceder a seus encantos.
— Eu em nome dos oito Zmej prometo te deixar em paz e seguir o rumo que quiser se o humano realmente te amar.
Uragan foi para casa, Lacínio o recebeu com alegria e ficou ainda mais contente quando recebeu os pães doces. No meio do jantar Uragan deu a notícia.
— Verona recebeu uma grande encomenda e para isso terei de ir com ela até Mitilene comprar as linhas azuis e verdes das artesãs do templo de Poseidon, vou ficar fora por dois dias.
— Tudo bem, pode trazer as maçãs de lá? Dizem que as maçãs de Mitilene são as melhores.
— Claro, vou voltar com um cesto cheio.
Uragan partiu cedo, Lacínio se vestiu com a melhor tunica, linho branco com bordados purpura, calçou sandálias novas e esperou Melanipe chegar. Não demorou muito e uma visão era magnífica e totalmente inesperada atingiu seus olhos, a cidade parou para ver uma liteira carregada por dez escravos árabes abaixar diante da casa, um deles que era provavelmente o lider se dirigiu a Lacínio:
— Meu senhor nós somos os servos da Senhora Melanipe e viemos lhe buscar, ela está a sua espera.
Lacínio subiu na liteira animadissimo com a pompa a qual tinha sido agraciado, o povo da cidade parou para ver, ele que tal qual um marajá ia sendo levado, com o queixo erguido não olhou para ninguém durante todo o percurso, foi carregado até uma área afastada da cidade onde se encontrava a mansão dos Thanás.
A mansão era gigantesca, o jardim adornado com estátuas de mais de vinte Deuses, escravos lanceiros guardando cada porta ou passagem. Lacínio foi conduzido até a sala de jantar onde Melanipe o aguardava com um banquete cheio de especiarias, mas ela não estava sozinha, Uragan sentado ao seu lado se tornou completamente invisível até mesmo para os olhos mediunicos do parceiro.
— Tem certeza de que é um oráculo? — Melanipe perguntou olhando com indisfarçável espanto dos pés a cabeça.
— Sim, porque a dúvida?
— Todos os médiuns e oráculos que ja conheci eram homens velhos, barbudos, fetidos e asquerosos, agora que percebo que estou diante de um que se parece com um astro de romance fico desconfiada. — Ela sorriu de modo galante.
Lacínio sorriu sem jeito e sentou a mesa, comeram juntos até se fartarem, após isto ela o levou para passear pela vinícola nos fundos da propriedade e pediu que ele fizesse previsões sobre as condições futuras para a terra, sobre como seria a colheita e se haveriam bons lucros para o ano seguinte, ele respondeu cada uma das perguntas vendo e sentindo traços do futuro para dar respostas certas mas todas as vezes que ela perguntava do irmão ele não conseguia enxergar nada e continuava sem resposta.
Por toda a tarde passearam juntos pela grandiosa propriedade, e em certo momento Melanipe passou a constantemente tocar Lacínio, dava palmadinhas nas costas dele quando contava algo engraçado, passava os dedos pelos bordados da túnica que ele vestia, falava em tom baixo o forçando a ficar mais perto para ouvir e por fim o tomou pela mão e o fez voltar para a mansão de mãos dadas, tudo isto com Uragan caminhando impercetível logo atrás deles. O dia passou e quando anoiteceu Lacínio perguntou até que horas ela gostaria que ele ficasse e a resposta foi exatamente a imaginada.
— Gostaria que dormisse aqui, tenho muitos quartos de hóspedes e amanhã quero lhe fazer mais perguntas.
— Mas... é que eu moro com...
— Você mora com aquele tecelão eu sei, todos sabem, já adquiri algumas tapeçarias do ateliê de Verona e as mais bonitas foram produzidas por ele. Vocês dois são parentes? Não me diga que são... namorados?
Sem saber muito bem o motivo Lacínio sentiu vergonha e mentiu.
— Ele é meu primo só isto,
— Seu primo precisa que volte? Ele está com alguma dificuldade na sua casa? Posso mandar uma dúzia de escravos em assistência imediatamente se quiser.
— Não, ele viajou para Mitilene e só retorna depois de amanhã.
— Perfeito! Durma aqui então, a não ser que prefira ficar sozinho do que em minha companhia.
— Claro que não, farei como diz, dormirei aqui está noite e amanhã dedico o dia as suas previsões.
O quarto de hóspedes era maior que a maioria das casas da cidade, todos os móveis luxuosos e de excelente escolha, cada vez que abrisa da noite entrava pelas janelas as cortinas de seda branca esvoaçavam, a luz dos candelabros refletiam em em vazos de porcelana de múltiplas cores, no chão um tapete castanho de pele de urso do oriente,parecia um sonho.
Um par de escravas indicou uma casa de banhos particular onde ele se levou antes de deitar na cama mais macia que já havia experimentado,
Uragan sentou no chão perto da cabeceira e esperou, já era o meio da madrugada quando Melanipe veio, sorrateira como uma serpente entrou no quarto sem fazer barulho, subiu na cama debruçada sobre Lacínio o beijou nos lábios, abrindo os olhos assustado ele indagou.
— O que está fazendo? O que significa isso?
— Quero você... — disse manhosa tocando a bochecha do rapaz com a ponta do nariz.
— Senhora Melanipe... eu não posso fazer isso... eu... eu...
Melanipe se afastou e sentou na cama, cada movimento calculado para a sedução.
— É por causa do seu "primo"? Eu não sou tola, todos da cidade sabem que são um casal.
— Bem... sim nós somos.
— E o que tem isso? Lacínio eu não quero prejudicar sua vida de modo algum, veja bem, nós somos de classes sociais diferentes, quando eu digo que quero você isso significa que quero você sobre esta cama, não pretendo ser sua esposa e nem mesmo gostaria que essa situação fosse do conhecimento de mais alguém além de nós dois. Eu sou rica Lacínio, posso dar o que você quiser se em troca me der o que quero.
— Não tenho certeza...
— Sua boca diz isso mas seu olhos falam outra coisa.
— Garante que ninguém vai saber disso?
— Obviamente, uma mulher da família Thanás nunca tem o nome na boca do povo, então será segredo de minha parte e eu realmente confiarei que seja da sua. Agora me responda... você me quer? — as mãos suaves subiram pelas coxas do rapaz até levantar totalmentea túnica fina que ele vestia e expor o pênis ereto a luz fraca das velas.
— Quero. — Lacínio falou e de supetão a agarrou, com um giro na cama se pôs sobre o corpo macio daquela mulher estonteante bela.
Mas o rosto de Melanipe já não estava sensual, estava risonho como o de uma criança arteira, virou a cabeça para a direta e falou em voz alta.
— Uragan diga se já esta bom, eu não quero ter que ir ao extremo de ser penetrada, tenho um certo nojo de acasalamento.
Lacínio ao ouvir o nome de seu amor olhou na mesma direção que ela, lá estava Uragan em pé ao lado da cama com as lágrimas rolando pela face.
Lacínio saltou da cama se afastando de Melanipe, ela ria alto, uma gargalhada cruel.
— O que está acontecendo aqui? Uragan... eu... Porque está aqui?
— Eu explico, — Melanipe saiu da cama — você está na casa de Melanipe Thanás, mas ela, pobrezinha, está enterrada no jardim, a matei faz três dias e assumi a identidade dela, meu nome real é Grom, sou um Zmej, o Dragão do Raio, obviamente irmão de Uragan.
— O que significa isso? Fale Uragan! O que signica isso tudo?
— Ah já sei, vai fazer drama... — Grom zombou — Aliás eu fico me perguntando como foi tolo de não perceber que eu sou quem sou?
— E como eu perceberia?! — Lacínio berrou enfurecido.
— Simples, eu pedi uma revelação sobre meu irmão e o namorado sujo dele, você não conseguiu prever porque videntes não fazem previsões que estejam ligadas a si mesmos, você não pode ler seu próprio futuro, é por isso que não viu nada... seu asno.
Uragan olhou para Grom com os olhos mais tristes que um Zmej jamais ostentou.
— Chega Grom, você venceu, todos venceram, estavam certos.
— Então vamos embora de uma vez, não porque desperdiçar mais um segundo aqui.
— Não, vá na frente, eu tenho... Eu quero me despedir dele.
— Que seja.
O corpo de Melanipe foi coberto de faíscas e com um som de trovão desapareceu por completo.
— Se despedir? O que quer dizer com isso? Se despedir... de mim? — Lacínio trêmulo pela situação se aproximou de Uragan.
— Sim.
— Vai me deixar? Vai me deixar por conta disto? Foi... foi sua irmã que fez isso, eu não tive culpa!
— Teve sim. Isso tudo foi uma aposta dos meus irmãos.
— Aposta? Apostaram que eu iria te trair foi isso?
— De certo modo sim, mas a aposta em si era diferente. Meus irmãos, os oito Zmej restantes, não gostam da idéia de eu os abandonar para viver ao seu lado, então a princípio decidiram te matar. Eu jamais permitia que tirassem sua vida, mas como eu sozinho deteria a fúria de oito iguais? Não teria chance então... — A voz de Uragan ficou embargada e ele passou a falar entre lágrimas — Grom sugeriu um teste, invés de te eliminar ela provaria que você... não me ama.
— Mas eu te amo! — Lacínio se ajoelhou diante de Uragan agora os dois choravam.
— Se Grom provasse estar certa eu deveria te deixar para sempre, e eu aceitei.
— Mas ela não provou nada! Nada! — Lacínio abraçou a cintura do outro com força.
— Tem razão, ela em si não provou nada, quem provou foi você.
— Mas eu não fiz nada com ela! Você viu!
— Lacínio pare já com isso! — Uragan o empurrou até que estivessem separados — Quando Grom fez a proposta eu aceitei já sabendo que iria perder. Você não fez nada com ela porque ela não quis, ela interrompeu, mas os outros não interromperam.
— O-outros? Lacínio gaguejou.
— Nestes seis anos você me traiu dezenove vezes, achou que eu não saberia? Eu sou quem sou, um humano não pode esconder nada de mim. Eu sentia o cheiro deles na sua pele, sete mulheres e doze homens. Todas as vezes que você aparecia após ter feito sexo em algum beco escondido como um cão de rua eu sabia, mas a princípio eu não compreendia muito bem que amor entre humanos é atrelado a fideliade então não me importei, mas vivendo nesta forma eu aprendi sobre respeito a pessoa a quem se escolheu amar, percebi que eu te respeitava mas você não, e onde não há respeito não existe amor.
Lacínio escondeu o rosto com as mãos enquanto chorava e soluçava.
— Me perdoe... Eu não vou fazer mais isso, eu juro...
— Não acredito. — ele abaixou, removeu as mãos de Lacínio do rosto e o beijou nos lábios. — Agora preste atenção, saia desta casa discretamente, a morte de Melanipe vai causar alvoroço e você por estar aqui será suspeito, vá para casa imediatamente, faça as malas com o necessário e fuja, deixei meu salário na sua bolsa, junte com seu dinheiro e vá viver em outro lugar, e tente viver bem.
— Você não pode me deixar, não pode! — Lacínio abraçou Uragan com o máximo de força possível.
— Você é quem me deixou primeiro. Eu sempre vou te amar.
Os braços de Lacínio caíram vazios, não havia mais ninguém no quarto, Uragan desapareceu como se nunca houvesse existido.
Uragan se foi.
Mas ele estava enganado em um ponto, Lacínio realmente o amava, mesmo sendo infiel, desrespeitoso e traidor em mais de um aspecto, ele o amava.
Lacínio chorou muito, chorava em silêncio quando saiu da mansão saltando pela janela, chorou aos berros em casa enquanto colocava os itens mais necessários em uma bolsa, chorou desvairado enquanto ia ziguezagueando pela estrada. Deciu que ia para Éfeso mas quando chegou estátua da Deusa Hekate que ficava no meio de uma encruzilhada ele percebeu que haviam três caminhos a seguir, ir para Éfeso e começar uma nova vida, voltar para trás e provavelmente ser morto por um crime que não cometeu ou ir para a Lídia.
— Lídia...
Na mente de Lacínio emergiu a lembrança daquela mulher, Ailin, ela que disse que iria para a Lídia, ela que era... um demônio. Quando ele e Uragan encontraram Ailin na estrada seis anos antes ele não entendeu o que ser um demônio significava mas depois com mais calma Uragan explicou exatamente o que era, eram sujos, perversos mas extremamente poderosos, podiam distorcer a realidade com feiticeira inimaginável.
De repente as lágrimas cessaram quando a idéia se formou, ele ergueo os olhos e notou que a estátua de três cabeças da deusa dos caminhos tinha sua face anciã voltada para a estrada lidiana, e foi para ela que Lacínio rumou.
A viagem durou cinco dias mas finalmente chegou em Sardis, a capital da província, extremamente cansado pelo esforço do caminho Lacínio procurou uma estalagem mas como a cidade era muito grande se perder era fácil, entre as ruas a vielas de paralelepípedos ele caminhava exausto sem encontrar nada além de casas e comércios, estava tão cansando que acabou por sentar em uma pedra em uma rua deserta afim de recuperar as forças.
— Está perdido rapaz?
Ele olhou para trás a viu, vestida de Vermelho como a deusa da discórdia, sem dúvida era ela.
— Você é Ailin não é?
— Claro que sou, soube que estava a minha procura e vim te encontrar.
— Como soube disso?
— Tudo que se faz na encruzilhada tem parte com minha raça. Venha, vamos para minha casa, temos muito o que conversar.
IV
— Perdido em pensamentos? — Murilo falou sacudindo levemente o ombro de Ferrabraz.
— hã? Oh, sim estava. Já acabou? Ubabaya aceitou Karen como aprendiz?
— Sim, e... ei o que está fazendo? — Murilo foi pego em um abraço surpresa, Ferrabraz o ergueu do chão e o beijou.
— Você não pode me beijar quando te da vontade. — Murilo se fingiu estar ofendido enquanto era colocado no chão.
— Quando vamos conversar?
— Conversar sobre o que?
— Sobre você ter voltado por mim. Não diga que não voltou, eu sei que sim.
Murilo pegou nas duas mãos de Ferrabraz.
— Vamos conversar depois. Agora podemos voltar para a casa do anjo? Tenho de colar a asa que você arrancou e você vai consertar o telhado quebrado.
Com um clarão de relâmpago eles desapareceram.
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