Lucifer Smeraldina Cap. 10





Lucifer Smeraldina 

Capítulo 10
"Este Não é Meu Corpo"

I
A sala estava totalmente destruída, pedaços da tela da televisão estilhaçado e da espuma amarela do forro do sofá estavam espalhados pelo chão, Júlio com o lábio inchado e o nariz sangrando, Ferrabraz descabelado e com um olho roxo e com o pulso da mão direita inchado, Murilo teve muito trabalho em separar os dois mas finalmente conseguiu porém não a tempo de impedir a completa destruição do ambiente.
— Agora que a idiotice amenizou temos de começar os trabalhos. Entendam bem, dispomos de pouco tempo, não quero deixar o menino Smeralda anos largado no quinto dos Infernos.
— Ninguém quer isso. — Júlio resmungou.
— Ótimo anjinho, mas a primeira que vou lidar e com ela. — Murilo apontou para Karen que estava sentada no chão bêbedo chá gelado.
— O que é que vai rolar comigo? Se for saliência eu ja adianto, topo de um tudo, passou dos dezoito eu topo.
Murilo ignorou o comentário mas não conseguiu disfarçar o sorriso.
— Você vai passar uma temporada com uma amiga minha.
— Ai que legal! Ela é bacana?
— Mãe! — Danusa interveio — Ele quer te levar para um lugar que você nem sabe onde é! Acorda! Isso pode ser uma armadilha!
— De fato Danusa, sua mãe não sabe onde é, mas ela conhece a minha amiga, pelo menos de nome.
— Conheço é?
— Sim, ela se chama Ubabaya Padmavathi.
O copo de chá caiu da mão de Karen derramando a bebida pelo tapete já emporcalhado.
— A velha Baba? Isso é... sério? — Karen falou sussurrando.
— Sim é sério. — Murilo afirmou.
— Quem é velha Baba? — Danusa quis saber.
— Quando eu era criança minha mãe, que no caso é sua avó, sempre contava as histórias da velha Baba, uma bruxa fenomenal que fez as coisas mais incríveis, tinha até uma cantiga... "A velha Baba com um cajado de madeira... Transformou um dente de leão em uma mamadeira..."
— O que? Não é nada disso, — Murilo teve que se segurar para não cair na gargalhada — a cantiga infantil é "A velha Baba é uma grande feiticeira, cuidado com o bote da aranha armadeira, a bruxa vem de noite e a serpente vem de dia, atenção na velha Baba que ela vem pra te matar. Baba é filha da deusa do amor, mas com a mão não aprendeu nada pois prefere causar dor".
— É isso ai! Eu tinha esquecido de como era, mas a pergunta é: A velha Baba existe mesmo?
— Existe é claro, mas não tem nada haver com as cantigas e histórias infantis, ela é a feiticeira mais poderosa que eu conheço.
— Então eu vou! Espere pra ver a cara da minha mãe quando eu souber que conheci a velha Baba.
— Olha vou te dar um conselho, não a chame de velha baba, ela odeia esse apelido.
— Tudo bem? Quando vamos?
— Faça as suas malas.

II
Uma escrava pequena manca de uma perna equilibrava a pesada bandeja de prata com varios pratos e copos cobertos por uma fina renda branca, ela se proximou da mulher alta em pé no fim do corredor e ergueu a bandeja com braços trêmulos.
— A-aqui está senhora... ovos mexidos com salsinha, três fatias de pão caseiro, suco de goiaba e de caju, queijo branco e presunto, tem também uma barra de chocolate meio amargo.
Drusila apanhou a bandeja mas no exato momento que a escrava a soltou, por um milésimo de segundo a bandeja inclinou fazendo uma gota de suco sujar a renda que cobria tudo.
— Sua cadela! Olha o que fez!
— Desculpe senhora, e que sou pequenina e isso é pesado.
— O que? Espere, acho que não ouvi direito, você me respondeu?

A escrava deu dois passos para trás e se encolheu apavorada, Drusila equilibrou a bandeja em uma só mão e com a outra agarrou o antebraço da pequena com brutalidade.
— Escute bem seu pedaço de excremento, quem disse que você pode falar comigo? Só dirija a palavra a qualquer demônio se for para servir, nunca para reclamar... — a intensidade das palavras se perdeu quando ela percebeu as marcas de corte no pulso da escrava — O que é isso aqui? Não me diga que tentou o suicídio?

A escrava não respondeu mas lágrimas cairam de seus olhos cheios de medo. Drusila empregou mais força no aperto até que o sutil som de estalo foi ouvido, ela intencionalmente havia quebrado o braço da escrava, o ganido de dor foi como o de um cão ferido.
— Ainda não aprendeu que não há saída? Você não morre no inferno, não adianta cortar os pulsos, você não é uma alma como as outras que caminham para a Roda das Encarnações, Você tem um corpo de carne imortal aqui, esse é o seu presente, seu pagamento por ter vendido sua alma a Lucifer, você será escrava até que a sua alma vire pó. Agora saia daqui e não ouse colocar tipoia neste braço, quero que o osso cure torto e que você fique ainda mais feia, agora suma!

Drusila soltou o braço da escrava que saiu apressada mancando.
— Vamos ver que imundície temos aqui... — ela murmurou para si mesma enquanto removia a renda que cobria os alimentos, apanhou entre os seios um pequeno frasco cor de ambar, mordeu a tampa e com a mão livre o girou o até que estivesse aberto, deixou algumas gotas do líquido transparente que nele continha cairem nos dois copos de suco, fechou o frasco e o escondeu novamente no decote, recolocou a renda no lugar e segurou a bandeja com as duas mãos então respirou fundo, pigarreou ensaiou dizer "bom dia" de um modo simpático e casual, deu meia volta e se encaminhou até a porta vermelha do quarto de Lucifer, com a ponta de sua sandália chutou a porta levemente três vezes e quando Tiago abriu ela falou como um tom gentil de uma verdadeira amiga:
— Bom dia seu dorminhoco, vim trazer o café da manhã.
— Drusila... que horas são? — Tiago esfregou os olhos sonolento.
— Aqui é a decima hora, mas na terra diriam "dez da manhã", porém aqui no inferno...
— Nunca é de manhã, é sempre escuro...
— Sim, e não faça essa cara, o sol é um inimigo da beleza, aqui ninguém precisa de protetor solar.
Drusila entrou e depositou a bandeja sobre a mesa de trabalho de Lucifer então se virou para Tiago e sorriu novamente.
— O chefão vai trabalhar aqui hoje?
— Vai sim.
— O que o amor não faz...
— Do que está falando?
— Que ele quer ficar perto de você.
— Não, ele disse que é por causa da mesa.
— Você é mais inteligente que isso querido, pense bem, se ele gostasse tanto da mesa simplesmente mandaria alguém levar ela para alguma outra sala. Ele quer é ficar aqui. Lucifer já percebeu que você não gosta dele e nem acho que tem esperanças que você um dia goste, mas o amor faz isso, faz a pessoa querer estar perto da outra mesmo sabendo que é odiado.
— Eu não odeio ele.
— Não?
— Já disse, tenho medo dele.
— Você se lembra do significado literal da palavra preconceito?
— Sim, formar uma opinião sobre algo ou alguém que não se conhece.
— Será que seu medo não é isso? Não precisa responder, só pense. Agora vou te deixar sozinho, coma, os cozinheiros fizeram com muito carinho.
— Obrigado. — Tiago sorriu.
Drusila devolveu o sorriso e saiu do quarto como uma menina faceira mas assim que a porta se fechou atrás de si sua expressão se tornou fria.

III
Um hora depois Lucifer entrou no quarto carregando um livro tão grande que mais parecia um caixote, o colocou em cima da mesa com  cuidado e quando percebeu a bandeja com os pratos e copos ali ao lado a pegou, abriu a porta e atirou no corredor quebrando todas as peças de vidro e porcelana.
— Mas... mas porque fez isso? — Tiago se espantou.
— Fiz o que? — Lucifer olhou como se houvesse notado a presença do rapaz naquele instante.
— Você jogou tudo, quebrou tudo.
— Ah isso? Não tem o menor problema, abra a porta e veja.

Tiago abriu a porta e viu dois homens agachados, um recolhendo os cacos e o outro limpando o chão com um pano, eles vestiam calças largas pretas e aventais vermelhos por cima do torso nu, suas cabeças eram raspadas e a musculatura do corpo forte como de fisiculturistas.
— São robovi. — Lucifer falou.
Imediatamente Tiago traduziu mentalmente a palavra da língua divina para o português, robovi era escravo.
— Eles... eles são pessoas más enviadas para pagar por seus crimes aqui?

Lucifer já sentado a mesa soltou uma risada sutil.
— Tiago o Inferno não é um mundo onde os "pecadores são enviados", aqui só moram três tipos de seres, os que governam, os que são cidadãos nativos e os humanos robovi, estes humanos venderam suas almas quando vivos e por isso estão nesta situação, a maioria foi bruxo ou rico.
— Então eles... eles trocaram suas almas por algum pedido e em troca são escravos eternos?
— Nada neste universo é eterno, após alguns milênios os robovi ou se tornam demônios, e isto os eleva de patamar, ou simplesmente perdem a identidade e voltam para... o universo ou sei lá o nome que tem agora. A alma humana não é como a minha e a sua que foram moldadas por um Deus, a alma deles foi criada por Sé para ser parte do todo, quando ela se desgasta ao extremo retorna para o núcleo de energia que Sé deixou antes de partir e de lá elas se integram a energia para futuramente originarem novas almas.
— E porque você compra Almas?
— Não é óbvio?
— Hum... porque você é mal?
— Pegue um gatinho recém nascido, gatinhos são uma gracinha não é? Solte ele na floresta  e em minutos será despedaçado pelos predadores, isso é a natureza, Sé fez para ser assim. Eu não sou mal, sou um predador natural. E o motivo de eu comprar almas não é por ser mal e nem por ser predador e sim por ser Rei, aliás Imperador.
— Não compreendo.
— Você já olhou pelas janelas? Já saiu na sacada? Viu a cidade?
— Sim, vi tudo, é uma cidade enorme.
— Esta é a capital, é a menor das vinte e duas cidades do Inferno, a população atual, e eu me refiro a demônios apenas, é de... — ele abriu o livro em um marcador de páginas e leu — Trezentos mil setecentos e trinta e seis. Demônios são poderodos, mas um reino não se faz com apenas de côrte, elite, nobreza e burguesia, quem mantém o reino em pé é quem faz o serviço braçal, e estes são os robovi.
— Está dizendo que a estrutura social do Inferno é similar a da Alemanha na época da Catarina a Grande?
— É, isso é uma boa analogia, ela também utilizava da escravidão do povo para manter a elite no poder. Sem escravos esta terra dasaba. Veja essa torre, a edificação mais alta do Inferno, é esplendorosa e qualquer dia te mostro inteira, mas quem você acha que a ergueu? Eu? Com essas minhas mãos de veludo? Jamais.
— Você sabe que monarquia absoluta sempre acaba com os reis na guilhotina não sabe?
— Isso quando a elite e a plebe são da mesma espécie, o que não é o caso. Pense bem, se os seiscentos mil robovi se rebelassem, o que eles poderiam fazer? Eles não tem poderes, nós sim.
— Não fale "nós", eu jamais viveria escravizado alguém!
— Mentiroso.
— Como ousa? Porque acha que eu estou mentindo?
— Porque esta estrutura social perfeita foi idealizada por você.
— Eu?
— Na verdade pela sua alma. Quando eu descobri essa terra, Smeralda não queria viver aqui mas sim passar algum tempo, porém ela sabia que não seria possível viver em um lugar um tanto quanto inóspito junto com os milhares de anjos que cairiam conosco sem ter quem nos servisse. Ela pensou nos humanos, ela redigiu isto. — Lucifer girou o livro sobre a mesa para permitir que Tiago o lesse, estava aberto em uma das primeiras paginas, era o molde de um contrato de venda de alma, Tiago nunca havia visto a letra de Smeralda mas imediatamente a reconheceu, foi sim escrito pela mão dela.

— Ela... ela fez isso mesmo? — ele passou a ponta dos dedos sobre uma assinatura em ideogramas, era a forma de escrita celestial e ali ele pode ler " Yerukainel Smeralda". Assim que seus dedos deixaram papel ele se sentiu tonto como se lhe faltasse ar, então tudo ficou preto.
— Fez. Tiago ela... Tiago? Você está bem?

Lucifer saltou sobre a mesa derrubando todos os papeis que estavam sobre ela com suas asas, segurou Tiago antes que ele batesse contra o chão, tocou o rosto dele e os olhos se entre abriram, o rapaz estava desacordado, desmaiado, mas Lucifer pôde ver claramente na pequena abertura dos olhos um par de íris verdes fulgurantes.
— Tiago? Fale comigo.
Mas ele nao se meveu, Lucifer estremeceu quando sentiu o tranco, foi como se o corpo de Tiago tivesse expandido e depois voltado ao normal, isso foi impercetível aos olhos mas Lucifer tinha certeza do que havia sentido. Ele se inclinou e tocou os labios no pescoço do rapaz, o coração batia, os pulmões funcionavam mas o cérebro estava parado, apenas a a programação nervosa para manter o corpo ativo se mantinha mas toda a parte da personalidade estava ausente.
— Tiago? — Lucifer o chacoalhou — Onde... para onde sua alma foi?

IV
— Ai... Ai... — ele abriu os olhos com dificuldade, seu corpo doía muito, principalmente as asas, por Deus as asas pareciam pedras. — O que... Caramba...
Ele se deu conta de que não deveria ter asas, deu um tranco para frente tentando se levantar mas não conseguiu, tentou se apoiar nos cotovelos mas quando o fez acabou puxando penas das asas.
— Aí! — a dor era similar a de um puxão de cabelo.
Ele sentia dor, parte era cãibra, parte era má circulação, a ponta dos dedos e os pés estavam dormentes mas o fato de haver dor o fez sentir medo, não existem dor nos sonhos. Com mais esforço girou para o lado e conseguiu se sentar, mas quando olhou em volta teve a certeza de que não era sonho nem visão, era realidade, ele sentia estar ali, ele estava ali naquele momento. A sala era inteira de mármore branco e nos quatro cantos haviam pilastras de jade, velas em castiçais nas paredes que já estavam apagando de tão gastas, ele se levantou com dificuldades pois não tinha costume de ter peso nas costas por arrastar aquele enorme par de asas, e o peso da frente também era esquisito. Peso na frente? Ele levou aos mãos ao peito e tocou em um par de seios...
— Este não é meu corpo. — Falou em voz alta e o som fino confirmou, a voz era feminina.
Ele ficou em pé e deu alguns passos sôfregos, se virou e viu que o local onde estava deitado era uma mesa de pedra similar aquelas onde... se depositam caixões... mesa de pedra... quarto de mármore...
— Ai caralho, é o mausoléu, o mausoléu na terra dos anjos onde está o corpo de Smeralda... e eu... eu estou... nele...

Ele removeu um dos tocos de vela de um castiçal, foi até a parede de pedra lisa e aproximou a vela do rosto, a pedra branca refletiu levemente o rosto fino emoldurado por longos cabelos loiros, era um rosto de mulher, e os olhos verdes não deixaram dúvidas, era o rosto de Smeralda.
— Ai meu Deus, porque essas merdas tão sempre acontecendo comigo?

O som de correntes sendo movidas veio do outro lado da grande porta de metal, ela foi aberta e Tifani entrou, estava de jeans gastos e uma camisa frente unica cor de rosa, tinha fones nos ouvidos e entrou cantarolando "My Party" da dupla Icona Pop, na sua mão um saco transparente cheio de velas novas, ela foi até o primeiro castiçal e substituiu o toco de vela por uma inteira, quando se dirigiu para o segundo olhou para o lado e viu Smeralda em pé a encarando, seus olhos se arregalaram e a primeira reação que teve foi arrancar os fones, apontar para o rosto da outra e berrar:
— VAGABUNDA!
— Tifani não grite.
— Você não pode mais me dar ordens sua putinha nojenta! Quem mandou! Quem mandou... quem mandou ressuscitar?! Olha aqui Smeralda eu não to brincando, que palhaçada é essa? Quer me matar? Cai dentro! Anda! Eu não tenho medo de você sua puta!
— Eu não sou.... eu não sou a Smeralda, seu eu Tiago! Eu estava no meu corpo e do nada acordei aqui.
— Ah sim, e as minhas asas são de pomba rola! MENTIROSA DO CARALHO!
— Pare de gritar! Eu juro, sou eu!
— Isso é um jogo pra você? Então vamos fazer um teste.

Tifani deu um tapa tão forte no rosto de Tiago que o desiquilibrou e o fez cair para trás, Tifani correu para o ajudar a se levantar.
— Poxa vida, é você mesmo menino! Que loucura!
— Porque me bateu?
— Ora... Smeralda era a melhor lutadora entre os anjos, ela se esquivaria de um tapa com facilidade, já você um humano sem nenhum talento...
— Nossa... Obrigado.
— Não se chateie, eu sou uma pessoa doce mas não consigo ser simpática olhando para essa sua cara de rameira. Vamos, se deite na mesa de pedra exatamente como estava antes, vou te mandar de volta para seu corpo humano.
— Você sabe como fazer isso?
— Porra cara eu sou um anjo feminino, manjo de tudo.
— Ai que bom, então por favor me mande devolta.
— Olha Tiago eu vou manter isso aqui em segredo, a única pessoa que vai saber dessa sua súbita vinda ao corpo antigo vai ser Ahavael. Entenda, eu estou do lado dele, sempre estive.
— Porque segredo?
— Vai ser melhor assim.
Tiago se deitou com dificuldade para encolher as asas.
— Porque eu vim parar neste corpo?
— Nenhuma outra encarnação de Smeralda jamais teve acesso as memórias dela, já você está sendo exposto a muitas coisas que forçam a alma dela a vir a superfície, com certeza foi isso. Mas não se anime, sua cara de homem é mais bonita na minha opinião.
— Tifani porque você odeia Smeralda?
Tifani olhou para cima e suspirou.
— Você sabe como nós Krilen fomos criados? Como nascemos? Ja teve essa lembrança?
— Não.
— Jeová nosso pai é o fodão e tudo mais, porém ele não era poderoso o suficiente para criar seres como nós sozinho, então ele usou estrelas, e não tenha idéias romantizadas a respeito, as estrelas não são aqueles desenhos infantis, são gigantescas esferas de energia, algumas poucas como o Sol não podem ser tocadas pois Sé as criou com propósito, mas a maioria das estrelas são apenas "rebarbas" da energia que ele empregou para criar o universo. Pense assim, imagine que Sé fez um grande penteado no cabelo, isso é o universo, as estrelas são aqueles fios que caem e ficam presos a escova, eles são só fios soltos mas ainda assim tem  DNA.
— Analogia interessante, entendi. Então cada anjo nasceu de uma estrela?
— Não, as estrelas são muito poderosas, são cargas de energia extremamente potentes, de uma única estrela nascem ate sessenta anjos. Eu sou fruto de uma estrela fria, ela deu origem a apenas dois anjos, eu e Smeralda.
— Então vocês são irmãs?
— De certo modo sim.
— E o que deu errado na relação de vocês?
— A estrela que eu nasci se chamava Crisoar, ela era três vezes maior que o sol. Quando Jeová tocou a estrela ele deu vida a quarenta anjos femininos, eu fui a primeira a nascer, a energia que eu tomei da Estrela foi exatamente dois e meio porcento do total, cada uma das quarenta iria receber a mesma dose de energia, mas assim que sai escutei os gritos, Smeralda foi a segunda a eclodir e antes de sair ela... ela se alimentou de todas as outras, ela absorveu trinta e oito de nossas irmãs e então tomou todo o poder da Estrela. Quando Jeová nos viu eu contei a ele o que ela tinha feito, e para a minha surpresa ele invés de se aborrecer ele ficou admirado, disse que Smeralda era sagaz. Eu ouvi e vi ela rasgar os corpos recém formados de todas as nossas irmãs, isso não era sagacidade, foi extrema crueldade. Mas não parou por ai, como ela era a mais forte entre os anjos ela recebeu a patente de comandante suprema ao lado de Miguel, e... não ainda contar caso por caso mas ela era sempre corrupta, cruel e imunda. Tiago, Ahavael diz que você é uma pessoa boa, espero que ele esteja falando a verdade . Se você for como ela ou deixar que a personalidade dela tome conta... Olha, não faça isso, não permita que aconteça.
— Me desculpe Tifani.
— Desculpar? Tiago você tem ela mas não é ela, eu sei disso, nos Krilen falamos a língua audível mas também a sensorial, eu sinto que você é bom. Não me deve desculpas, mas se ainda assim achar que deve... use isso como incentivo a ser uma pessoa melhor do que Smeralda foi.
— E Lucifer? Qual a sua opinião sobre ele?
— Ele um dia ja foi como você é agora, era um anjo amável. Foi ela quem o perverteu. Agora ele é maligno, mas será que esse mal veio dele ou foi imposto a ele? Fica o questionamento. Agora feche os olhos e...
— Tifani e se isso acontecer de novo? Esse negócio de troca de corpo...
— Eu não sei, estamos lidando com uma situação sem precedentes.
— Sei... Quando falar com Júlio pode dar um recado?
— Qual?
— Diga que eu o amo.
— Digo sim.
— Obrigado.
Tiago fechou os olhos, Tifani o tocou na testa e no peito.
— Você tem de relaxar. Conhece a música que eu tava cantarolando?
— Sim, minha irmã é fã da Icona Pop.
— Maravilha, então cante comigo... "It's my party and I'll cry if I want to, Cry if I want to, cr-cr-cry if I want to... You would cry too if it happened to you... You would cry too if it happened to you...

Quando Tiago ia começar a cantar ela fez pressão nos pontos onde tocava, ele sentiu as mãos dela quentes como brasas e Então a quentura o empurrou para baixo com muita força, a sensação de estar caindo no vazio durou menos de meio minuto, ele abriu os olhos e encarou Lucifer que estava debruçado sobre seu corpo, ambos deitados na grande cama do quarto infernal.

V
— Você está bem?
— Sim... eu desmaiei?
— Não, você morreu.
— Morri? Não eu só desmaiei.
— Morreu, sua alma saiu do corpo. Seu coração batia, eu verifiquei, mas o corpo não tinha nada, era carne vazia. Te coloquei na cama e de repente você cantou umas frases em inglês.
— You would cry too if it happened to you, you would cry, yeah yeah yeaahhh... Foi isso que eu cantei?
— Sim.
— Então eu estava bem, você se enganou, uma pessoa desalmada poderia cantar Icona Pop? Eu acho que não.

Lucifer sorriu, abaixou a cabeça e beijou Tiago na testa.
— O que está fazendo?
— Fiquei assustado. — Lucider admitiu.
— Desculpe ter causado preocupação mas... você não precisar ficar deitado do meu lado, pode ir trabalhar na sua mesa.
— Eu sei que te incomodo, que você não gosta de ficar perto de mim, mas eu gostaria de ficar um pouco mais aqui na cama se você deixar.
— Bom... tudo bem.

Lucifer fechou os olhos e Tiago ouviu um som chiado como de fogo crepitando, então Lucifer abriu os olhos e se encostou nele, assim deitados a disparidade de altura ficava maior, Tiago era alto para um humano mas lucier tinha mais de dois metros de modo que os pés de Tiago acabavam no meio das panturrilhas do anjo.
— Que som foi esse? A lareira está acesa?
— Eu escondi minhas asas, elas fazem esse som quando as escondo. Tiago, Drusila falou que você tem medo de mim, é verdade?

Tiago virou o rosto e seu nariz ficou a centímetros do de Lucifer.
— Sim tenho.
— Está mentindo. — Lucifer sorriu.
— Como é? Olha eu sei dos seus paranauês de ler emoções mas eu garanto que estou falando a verdade.
— Uma pessoa que tem medo olha o alvo de seu temor nos olhos como você está fazendo agora?
— Eu disse que tenho medo, não que sou covarde.

Lucifer riu das palavras sinceras.
— Eu errei com você, é por isso que não gosta de mim.
— É, a parte de ter mandado um demônio de pele vermelha me sequestrar realmente não foi um fator positivo para um primeiro encontro.
— Não, me refiro a outro erro, eu achei que você ia lembrar de mim, me reconhecer e por isso não me dei ao trabalho de te mostrar quem sou, isso foi o que te fez ficar receoso. Mas se me der uma chance...
— Chance de que? Cara eu não vou namorar você, você é o diabo, é o cão do segundo livro.

Lucifer abriu um largo sorriso e Tiago sentiu o coração estremecer.
— Cão do segundo livro? Somente brasileiros me chamam assim, acham que eu sou o demônio do livro de Cipriano.
— E não é?
— Não, quem ajudou Cipriano foi um demônio chama do Caifaz, eu não sairia de minha torre para ensinar bruxaria a um velho estúpido, inclusive aquele livro é uma bobalhada sem tamanho, até Caifaz ficou com vergonha quando leu. Mas estamos desviando do assunto, eu quero uma chance para que você me conheça e não para que me namore.
— Se quer que eu te conheça me mostre quem você é.
— Tudo bem mas... Smeralda e eu crescemos juntos, nunca precisei me mostrar para ela, então como faço isso?
— Comece pelo básico.
— O básico?
— É... tipo... diga a sua cor favorita.
— Vermelho naquele tom do sangue das crianças degoladas em minha honra nos sacrifícios satanicos. — Ao perceber a expressão séria do outro, Lucifer gargalhou — É serio que acreditou? Devia ver a sua cara! Ha!
— Deixe de ser bobo e fale logo.
— Minha cor preferida é azul escuro, como o do céu noturno da sua terra. E a sua cor?
— Eu gosto de rosa.
— Ah é porque você é homossexual?
— Nossa que clichê, mas não, é porque quando era criança eu queria ser a Kimberley, Power Ranger Rosa.
— Power Ranger? Não sei o que é isso.
— Olhe só, possuo informações privilegiadas então. — Tiago riu.
— Me mostra?
— Como? Não tem Internet aqui.
— Pense no que quer que eu veja e eu verei. Eu não posso ler mentes no sentido de invadir pensamentos mas se você quiser que eu veja algo de sua memória eu posso ter acesso, basta pensar com intenção de me mostrar.
— Ok, vou pensar.

Lucifer se aproximou até sua testa enconstar na de Tiago, ele ainda segurou o rosto do rapaz colocando um das mãos na nuca dele o fazendo permanecer na oposição, no quesito ler mentes o contato físico era totalmente desnecessario mas Drusila havia dito que contato ajudaria a amolecer aquele coração. Ambos permaneceram de olhos fechados até Lucifer se afastar um pouco.
— Mas... é só uma mulher com um macacão rosa e um capacete de motociclismo fazendo acrobacias ensaiadas de luta sem sentido.
— É, mas para os olhos de uma criança era fantástico.
— Hum... Obrigado por ter me mostrado essa sua lembrança. Agora é minha vez, quer ver uma lembrança boa minha?
— Sim.
Repetiram a mesma posição de antes e Lucifer enviou para a mente de Tiago uma cena onde Ferrabraz contava que Smeralda era um homem e então mostrava através do reflexo de seus olhos a imagem dele, Lucifer sorria e agradecia a Ferrabraz pela notícia, a cena foi rapida mas Lucifer conseguiu transmitir uma extrema felicidade, fez Tiago acreditar que ele havia ficado feliz e emocionado ao ver uma imagem sua pela primeira vez. O único detalhe era que esta lembrança era falsa, na verdade Lucifer ficou extremamente revoltado e profundamente enojado quando soube da notícia e chegou até a esbofetear Ferrabraz por trazer tal novidade, mas Tiago jamais saberia disso, se há uma coisa que Lucifer faz bem é mentir.
— Obrigado por me mostrar. — Tiago sorriu.
— Você está bem? Parece cansado.
— Estou com sono. — Mas na verdade aquela história de mudar de corpo o havia deixado esgotado.
— Mas... você acabou de acordar, não faz nem três horas que dormiu.
— Eu sei, mas acredito que não seja crime tirar uma soneca mesmo assim.
— Tudo bem. Posso ficar aqui com você?
— Sim claro.

Tiago fechou os olhos e imediatamente caiu em sono profundo, Lucifer ficou lá deitado ao lado dele totalmente achando aquilo um tédio, o garoto parecia morto. Um instante depois Tiago se mexeu colocando uma das pernas entre as do anjo ao seu lado e encostando a cabeça no ombro dele, Lucifer se ajeitou para que seu braço servissse de travesseiro e Tiago não o rejeitou, acabou se aproximando mais até Lucifer sentir a respiração dele em seu pescoço. Ficaram assim por um bom tempo, até que Lucifer arregalou os olhos e teteou a própria virilha para ter certeza do que estava acontecendo ali, sua mão ao encontrar o volume endurecido confirmou, era uma ereção.
Aquilo deixou Lucifer extremamente confuso, ele jamais havia tido interesse em machos humanos, então que diabos estava acontecendo? Com sutileza ele se afastou de Tiago e se levantou, em pé ao lado da cama desamarrou o cordao que segurava a calça, puxou o coz e olhou para dentro dela, era verdade, estava ereto.
— O quê? O que significa isso agora?








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