Lucifer Smeraldina Cap. 2
Felipe Caprini
18 de Janeiro de 2020
18 de Janeiro de 2020
Lucifer Smeraldina
Capítulo Dois
"Eu sou uma Pedra"
I
— Eu sou o que? — Tiago perguntou confuso.
— Você é Smeralda. — Júlio falou.
— Então eu sou uma Pedra?
— O que? Não, não uma pedra esmeralda, Smeralda com S mudo na inicial, tipo Sssssmeralda, era seu... meio que seu nome.
— Meio que meu nome? Que papo de maluco é esse? Meu nome é Tiago Magno de Souza.
— Sim eu escolhi o nome — Karen falou com a boca cheia de salgadinhos de um saco que achou em baixo do banco — Cada um dos tres nomes tem cinco letras, sabe eu sou entendida de numerologia também, o número cinco é auspicioso.
— Ok tia tudo bem, agora preste atenção Tiago, antes de falar de você agora vou contar uma história, e quero que foque nela ok? E se possível não me interrompa.
— Ok.
— Ok. Vamos lá, cerca de vinte e seis Éons atrás o universo foi criado.
— Tipo vinte e seis milhões de anos? — Tiago pareceu surpreso.
— É tipo isso. Quem criou este universo foi um ser chamado "Sé".
— Sé é tipo Deus pai?
— Não, Sé é o pai dos doze deuses primordiais. Um destes deuses primordiais é Jeová, Jeová é esse que nós conhecemos por Deus com D maiúsculo. Ele foi o quarto filho de Sé. Jeová criou uma raça...
— A raça humana, Adão e Eva?
— Não existe Adão e Eva, e não, se você se refere a raça humana quem a criou foi Sé. Jeová criou uma raça menos numerosa porem imortal, na língua dos Deuses eles se chamam "Krilen", que significa "tem asas", mas a humanidade os chamam de Anjos. Jeová criou dezesseis mil anjos, quatorze mil masculinos e dois mil femininos.
— Porque essa disparidade? —Tiago perguntou.
— Jeová é um filho da puta machista. —Karen falou.
— Mãe a expressão "filho da puta" é machista também sabia? — Danusa rebateu.
— Gente vamos focar aqui na historia? — Júlio falou alto e então prosseguiu — Bem, os anjos masculinos tem muita resistência física, são para a guerra, os anjos femininos são extremamente mais poderosas em... bom por falta de um termo melhor eu vou falar que eram dotadas de poderes mágicos muito fortes, e serviam para comandar os anjos masculinos, eram os "cérebros" nas guerras.
— Que guerras? Os anjos lutam contra quem?
— Os anjos foram criados para defender Jeová de seus onze irmãos. Mas agora vou falar de um anjo em especial, a lider dos anjos femininos , seu nome original era Yerukainel, significa "Olhos verdes de Deus", mas logo seus olhos foram comparados a pedra esmeralda, então ela passou a ser conhecida apenas por Smeralda ou Smeraldina. A questão dela ter olhos verdes era muito especial pois todos os outros anjos tem olhos...
— Prateados. — Tiago falou.
— Como você sabe? — Karen perguntou.
— Vi eles, vi os anjos nos meus sonhos.
Tiago sorriu.
— Ah sim, faz sentido. Smeralda era a mais poderosa dos anjos, mas ela se apaixonou pela pessoa errada. Ela se apaixonou e se casou com Heylel. Sabe quem é Heylel?
— Heylel... Lucifer... Eu não sei como sei disso mas sei que o nome original de Lucifer é Heylel.
— Sim, Lucifer, ela foi esposa dele por milhares de anos, mas um dia houve a rebelião, Lucifer liderou uma revolta contra Jeová. Na batalha Smeralda se recusou a se juntar a qualquer dos dois lados, mas quando Lucifer perdeu... Bem, Jeová não pode matar anjos, a vida dos anjos é interligada a vida dele então matar um anjo e tipo dar uma facada na própria perna, porém ele podia aprisionar, e esse seria o destino de Lucifer e de todos os três mil que o seguiam. Mas então Smeralda interviu, ela usou seus poderes para fazer Lucifer e seus companheiros cairem no planeta terra, assim deu a eles liberdade e independência... Porém para fazer isso ela usou poder demais e ficou muito fraca, a alma dela se separou do corpo, o corpo ficou no céu e é guardado pela horda de Anjos femininos, mas a alma dela caiu na terra.
— E o que aconteceu?
— Sé fez cada planeta para um tipo de vida dominante, e a terra foi feita para a humanidade. Quando a alma de Smeralda bateu no solo terrestre ela se uniu aos planos de Sé, ela se tornou humana. Smeralda se transformou em uma mulher. Então Lucifer a encontrou, e ela em forma humana não tinha como manifestar seu próprio poder em totalidade, mas podia sim potencializar os poderes dele, nas batalhas contra o céu ela ia montada nas costas do marido com as mãos nas têmporas dele, ali ela lhe dava força, um poder inimaginável. Mas não demorou para que Jeová descobrisse isso. Em uma das batalhas Miguel, o lider dos anjos masculinos matou Smeralda, ou pelo menos matou o corpo humano dela. Mas assim como todos os humanos um dia nascidos reencarnam, Smeralda reencarnou, exatas trinta e seis vezes ela renasceu, teve muitas aparências, muitos nomes, Lucifer tentou a encontrar todas as vezes mas os Anjos a matavam antes que isso pudesse acontecer, e agora você está aqui na minha frente, a trigésima sétima encarnação de Smeralda.
— Então eu sou a encarnação humana de uma anja esposa de Satã e eu sou uma espécie de combustível pra ele e por isso os anjos vão querer me matar?
— De um modo chulo, mas é mais ou menos isso sim.
— E você acha mesmo que eu vou acreditar nisso seu Babaca?
II
Republica, um bairro central da capital de São Paulo famoso pelas boates, vida noturna, diversidade, exposições artisticas e extremo odor de urina, mendigos, drogados, prostitutas e ladrões por toda a parte. Ferrabraz e Murilo alugaram a suite principal de um hotel daqueles baratos mas ainda assim limpos. Ferrabraz não precisava comer, não era humano, não possuia necessidade de consumir proteinas nem carboidratos pois seu corpo por mais que ainda fosse orgânico não era um orgânico humano, estava mais para um conjunto de átomos mutantes ou sei lá o que, átomos e células demoníacas, mas ainda assim ele comia e o fazia apenas por gula pois amava comer guloseimas e regar as garganta comnbebidas alcoólicas, também apreciava muito fumar. Já Murilo mesmo não sendo humano e precisava comer, não porque sentia fome mas sim para poder se manter naquela forma pois o corpo que criou para si era sim um corpo humano de verdade. Sentados em posição de lótus sobre o tapete, um diante do outro e no meio deles muita comida disposta em pratos de papel.
— Mumu você devia beber coca-cola, é uma das melhores criações humanas, a ambrosia do século vinte!
— Não gosto, parece esgoto. Vi em um vídeo que da pra desentupir uma pia so com ela, é ácida.
— Todo mundo sabe que coca-cola mata, mas ainda assim todo mundo toma, sabe como é, a humanidade ri na cara do perigo. Sabia que eles afirmam que ela é vendida em duzentos e sete países? Mas estão enganados, na verdade são duzentos e oito já que no Inferno todo mundo ama coca-cola.
— Eu sei, a ultima vez que fui lá vi muito lixo nas ruas, boa parte eram latas de cerveja e refrigerante. Ninguém costuma varrer aquelas ruas ou sei lá, tentar não jogar lixo no chão?
"MIAAAU"
Olharam para a janela e uma gata Preta estava sentanda no beiral, tinha os olhos em um amarelo intenso. Ferrabraz sorriu.
— Ja não era sem tempo Ailin.
A gata saltou para dentro do quarto e subiu na cama de casal, deitou ali e ficou encarando os dois.
— Quer comer Ailin? Tem carne aqui também. — Murilo ofereceu.
A gata moveu a cabeça lentamente em negativa.
— Tudo bem, direto ao ponto. — Ferrabraz ficou de joelhos com a cabeça na mesma altura da gata — Eu o vi Ailin, vi Smeralda. Olhe nos meus olhos e você o verá também. Ele está acompanhado, protegido por um anjo e duas mulheres, uma delas é mestiça, a outra não sei. Mate os acompanhantes se puder, se possível todos, mas não mate a Smeralda, ela não deve sofrer um arranhão sequer.
A gata fixou os olhos nos de Ferrabraz e viu refletido neles os rostos de Tiago, Danusa e Júlio e Karen, então saltou pela janela e desapareceu na noite escura.
— Acha que ela consegue? — Murilo perguntou.
— Sim, ela vai se esforçar, se conseguir essa missão será promovida.
Murilo assistiu televisão até tarde, fazia dois meses que estava em forma humana e quando conheceus os fenômenos chamados televisão, cinema e YouTube ficou maravilhado e logo viciado, sempre que podia ele assistia algo. Ferrabraz colocou "Anabelle" para passar, era um filme estúpido sobre uma boneca possuída por um espírito, e mesmo Ferrabraz achando tudo uma bela porcaria Murilo nem piscava e ficava sobressaltado em cada cena clichê de susto.
Quando o filme acabou Murilo rapidamente caiu em sono profundo deitado no tapete. Ferrabraz podia ter feito o corpo do garoto levitar até a cama mas preferiu fazer aquilo da forma antiga, com todo o cuidado o pegou no colo, era leve, a pele macia, tinha um cheiro similar ao de... Ferrabraz riu baixinho quando constatou que o cheiro da pele de Murilo o fazia lembrar de flores brancas da campina. Ele deitou o rapaz na grande e única cama do quarto e o cobriu com um lençol, Então se afastou para esperar o milagre acontecer, dez minutos depois começou. Toda a vez que Murilo dormia acontecia, primeiro pequenos pontos de luz piscando em volta como vagalumes coloridos, depois os flocos de gelo translúcidos flutuando em todo aposento, em seguida o cheiro de madeira, terra molhada, maresia e flores do campo. Havia no criado mudo um vaso com violetas murchas que de repente se tornaram vividas e reluzentes. O gelo no ar... era como micropartículas de glitter azul, a cena era tão linda e perfeita que até o coração demoníaco de Ferrabraz se enchia de paz. Murilo era a forma humana de um ser muito antigo, mais antigo que os demônios, anjos e deuses, ele era um dos nove que juntos eram popularmente chamados de "Mãe Natureza".
Houve um tempo em que Ferrabraz não era demônio, era um homem, um homem simples que cultuava os espíritos antigos. Murilo não se lembrava mas naquela época ele em sua forma original ajudou o então humano Ferrabraz em um momento de muita necessidade, desde então ele passou a admirar e realmente amar aquele espírito.
Ferrabraz se aproximou e deitou na cama, do modo mais suave ergueu a cabeça do garoto e colocou sou braço por baixo para servir de travesseiro, com o outro braço puxou a cintura dele o fazendo se aproximar de seu corpo, e assim junto de Murilo ele se sentiu verdadeiramente feliz, um sentimento raro para alguém como ele.
— Porque está fazendo isso? — Murilo falou sonolento.
— Porque estar ao seu lado é o que mais desejo. — Ferrabraz beijoi a nuca do garoto.
— Você deseja o impossível.
— Grande Dragão do Vento, se existe piedade em seu peito me permita te abraçar essa noite. — Ferrabraz falou em um tom formal.
— Ako vi e dobro, togas taka i da bide.
Um enorme sorriso surgiu no rosto de Ferrabraz, o que Murilo disse foi "Se te faz bem, então que assim seja", e isso era uma real permissão para estar ali.
III
Viajaram por cerca de uma hora, ja era quase meia noite quando chegaram no sítio em Mairiporã. Assim que desceram do carro Karen entrou na casa e acendeu as luzes, era uma tradicional casa caipira, paredes pintadas de cal branco, móveis de madeira rústica porém estava tudo limpo, na sala de cara Tiago notou a enorme televisão de tela plana e o roteador de Internet ligado, na mesa de centro um notebook aberto e uma extensão com carregadores de celular plugados.
Karen foi direto para a cozinha e logo o cheiro de incenso invadiu a casa.
— Mãe, você ta queimando incenso? Não faz nem cinco minutos que chegamos aqui, pra quê isso? — Tiago reclamou.
— Ah tenho de agradecer ao universo por estarmos todos bem, você sabe, eu sou entendida.
— Mas afinal de quem é essa casa? — ele perguntou.
— Minha. Eu moro aqui. — Júlio respondeu passando pela porta.
— Como mora aqui? Você ta todo dia no meu bairro? Sua casa é na rua de trás...
— A é? Onde exatamente é a minha casa?
— Nos fundos da casa do Seu Lima não é?
— Ah querido, não, não existe casa dos fundos lá, o Lima tem uma horta no quintal dos fundos, inclusive ele planta ervas medicinais poderosissimas. — Karen falou passando da cozinha para a sala novamente e abrindo as janelas.
— Ele planta maconha Karen. — Júlio comentou.
— Sua mãe é crente e não gosta da minha família, por isso nunca... Nunca fui na sua casa. Mas você sempre disse que morava lá.
— Sim, disse, tinha de dizer que morava perto. você me conhece desde que estudamos juntos na primeira série e nunca foi na minha casa. E pra falar a verdade eu não tenho mãe.
— Como não tem mãe? Eu ja falei com sua mãe.
— Não falou não.
— Para de ser doido, eu ja falei várias vezes com ela, dona Eulália não é?
Júlio brilhou por um momento e então se transformou em uma senhora de cabelos brancos e traços severos, Tiago deu um grito de espanto e caiu para trás batendo as costas em Danusa que estava entrando com as malas.
— Para de dar chilique! Seu boiola! — Danusa levantou o irmão agarrando pelo colarinho da camisa — Isso não é nada demais, ande e se acostume logo.
— Não chame ele assim! — Karen repreendeu a filha — Ele só precisa se acostumar com as verdades cosmicas da vida, isso leva tempo, e essa palavra boiola é muito pejorativa.
Júlio voltou a sua forma normal e se sentou no sofá, Tiago ficou encostado em uma das paredes o encarando desconfiado.
— Que tipo de aberração é voce? É um mutante? Meta-humano?
— Eu não sou uma aberração, aberrações são coisas únicas, exceções, e também não sou personagem da Marvel ou da DC, eu sou um Anjo, isso não é ser uma exceção, afinal existem milhares de nós.
— Um Anjo? É mesmo? Então me mostre suas asas!
— Não posso.
— Como não pode? Se é anjo tem de ter asas.
— E eu tenho, mas quando assumo a minha forma original, aquela com asas e tudo mais, é difícil voltar a ter essa aparência humana. Então se eu te mostrar as asas agora vou acabar ficando uns três dias nela e agora isso poderia ser inconveniente. Imagina se tivermos de fugir novamente e eu não couber no carro? Eu sou bem grande e as minhas asas de uma ponta a outra tem mais de de seis metros.
— Como você conseguia ir para a loja tão rapido se saia daqui todos os dias?
— Eu sou bem rapido quando corro e as vezes eu passa a noite na loja, sua mãe deixava. Eu não durmo Tiago, vinha pra cá só para trocar de roupa e tomar banho quando precisava.
— E como você conseguiu dinheiro para comprar esse sítio, esses móveis e essa televisão gigante?
— Roubei.
— Você roubou?
— É, e não me olhe assim, roubar de uma pessoa comum é um pecado pois se considera covardia, já roubar de bilionarios é simplesmente Justo. Dez por cento da humanidade detém mais dinheiro que os outros noventa por cento juntos, eu roubei alguns milhões dos mais ricos. Tenho uma boa poupança. Vocês humanos criaram o sistema bancário online mas temos um anjo que manja disso tudo, fez os desvios bancários para mim e também conseguiu documentos falsos de modo que o nome Júlio Bernardo de Andrada existe, tenho RG, CPF e certidão de Nascimento.
— Ok... Mas se você é um anjo, para que precisava de uma boa poupança?
— Para você, para ter como dar a você segurança.
— Corta essa cara, faz quinze anos que nós dois trabalhos doze horas por dia na loja da minha mãe e você vem me dizer que tem alguns milhões e que os usa para me dar segurança? Que porra de segurança é essa? Porque não me deu uma parte logo? Ia poupar muito trabalho atoa.
— Tiago nós precisávamos ter uma vida comum, um disfarce, por isso a loja. Na verdade eu queria que nós fossemos floristas, mas Karen... ela quis uma loja esotérica, afinal você sabe, ela é entendida. Sente aqui, vamos ver TV.
Tiago hesitou por um segundo, então se moveu roboticamente até uma poltrona e se sentou. Júlio franziu a testa ao observar.
— Você está tão assustado assim?
Tiago encarou a tela da televisão enquanto Júlio zapeava entre canais.
— Assustado? Um pouco. Estou na verdade profundamente triste com isso tudo.
— Triste?
— Eu não sou burro Júlio, sei somar dois mais dois. Se você é um Anjo significa que meu melhor amigo nunca existiu e era na verdade um segurança ou espião disfarçado. Minha mãe pelo visto não é a doce maluca que eu pensava e minha irmã chata e solteirona é na verdade outra segurança disfarçada. Uma hora atrás eu estava entre família, agora estou rodeado de estranhos.
— Não, Não Tiago, não somos estranhos. Omitimos uma parte considerável da sua vida sim, mas todos nós te amamos. E eu sou seu amigo mais antigo, desde de uma época em que você se chamava Isabella e eu Ahavael.
— Ahavael? — Tiago encarou Júlio com olhos arregalados — Você é Ahavael?
Júlio se inclinou para frente cheio de expectativa.
— Sim, você se lembra de mim?
— Lembro, aliás não é uma memória, é um sonho. Sonho sempre com o dia em que Isabella foi morta na sua frente e você não fez nada para impedir. O nome Ahavael na minha cabeça signica muitas coisas, mas não um amigo.
IV
Se esgueirando entre as raízes das árvores ela foi o mais rápido possível, Ailin era um Demônio da casta dos felinos, um tipo de espírito que pode controlar, ou melhor, perverter parte da natureza. Assim como todos os demônios menores, um dia Ailin foi outra coisa pois ninguém nasce demônio, a pessoa se torna aos poucos. Ailin antes era humana, uma Bruxa que conquistou poderes inimagináveis mas que não esperava que a morte fosse trazer os grilhões da escravidão. Sim, quando caiu no inferno foi dada a ela duas escolhas, servir ou sofrer, então a servidão se tornou a razão de sua existência.
Correu silenciosamente com as patas macias que a forma de gato oferecia, sua coluna flexível a fazendo sinuar em cada salto. As faces que havia vislumbrado nos olhos de Ferrabraz serviam de guia, era como se fosse o norte de uma bússola, ela via na mente os rostos e naturalmente sabia caminho, assim seguia firmemente. Então escalou o tronco de uma árvore e observou a quinhentos metros a frente a casa de campo, mas seus olhos captaram mais que isso, havia no entorno da casa um círculo de pedras fincadas no chão, pedras celestes sagradas, aos olhos humanos não era nada mas Ailin via com clareza e sabia que não podia atravessar, aliás sequer se aproximar das pedras lhe causaria uma dor lancinante. Mas Ailin não precisava fazer isso pessoalmente, ela sabia como atacar de longe, Então fechou os olhos e se concentrou e sua mente viajou por cada centímetro da floresta a sua volta, e ela encontrou ferramentas muito apropriadas para usar. A gata se aconchegou em cima de um galho de árvore e esperou.
V
Danusa fez o jantar, coxas de frago refogadas, arroz e purê de batatas, ela era a que cozinhava, desde criança com a mãe entupindo ela e o irmão de comida industrializada, Danusa sentiu vontade de comer melhor. A princípio foi com certo desgosto por achar que estaria se expondo a ser vítima do machismo ao ser relegada ao posto de "merendeira", mas no fim se apaixonou pela culinária e passou a cozinhar todos os dias. Tiago aprendeu um bocado com ela, ele também sabia cozinhar bem e quando a irmã estava fora era ele quem assumia as panelas. Já a mãe... Karen entendia de muitas coisas, mas nenhuma delas estava relacionada a cozinha. Se sentaram juntos, uma mesa redonda de quadro cadeiras e se serviram, sempre em silêncio. Júlio com a cabeça baixa, Tiago com as sobrancelhas erguidas como se questionasse alguma coisa, Karen mastigando enquanto olhava pela janela a lua cheia no céu .
Danusa olhava de um para outro até que se cansou e bateu as duas mãos no tampo da mesa fazendo os pratos tremerem.
— Que Porra é essa?! — todos a olharam espantados — Se vocês tem alguma coisa pra falar, falem! Não sou obrigada a aguentar três idiotas do meu lado fingindo que estão em outro lugar quando na verdade estão todos na mesma mesa! Não pessei uma hora cozinhando pra vocês comerem com essa cara de bunda.
— Ok, quer que eu fale? Eu falo. Vocês duas são mesmo da minha família? Vamos por a verdade na mesa!
— Como assim? — Karen perguntou confusa.
— Vocês tem o meu sangue?
— Eu não tenho seu sangue. — Ela respondeu calma.
— Eu sabia!
— Mas você tem o meu. — Karen falou sonhadora.
— O que? Como assim?
— Como assim o que? — Karen parecia ainda mais confusa.
— Mãe ele quer saber se você o pariu, sabe, ele tem dúvidas se foi gerado no seu útero. — Danusa interveio.
— Aaaaah... Pois foi sim. E meu Deus, sua cabeça era enorme, oito horas de trabalho de parto até que a médica optou pela cesariana, mas eu recusei, queria um parto normal, afinal vocês sabem que criança que nasce de cesária fica lelé da cuca.
— Mas... Mas... como eu posso ser a reencarnação de um anjo se voce me pariu? Porque se sou seu filho eu sou humano, não sou?
— Ah meu querido você não é humano, nem eu sou. — Karen falou como se não tivesse dito nada demais e depois voltou a comer enfiando um enorme pedaço de frango na boca.
— Mãe... Eu não estou entendendo nada. — Tiago parecia exasperado.
— Quer que eu conte mãe? — Danusa perguntou e Karen anuiu — Ok. Mamãe é uma bruxa, e não faça essa cara, ela é uma bruxa de verdade. Ela certa vez conheceu um anjo chamado Mayimel. Anjos as vezes "namoram" mulheres, e daí eu nasci em 1986. Bem, Mayimel após a missão na terra dele ter acabado voltou para o céu, mas um ano depois ele enviou Rachmanel, um outro anjo, e de repente a visita dele se estendeu por alguns meses e em 1989 você nasceu.
— Mãe... a senhora engravidou de dois anjos diferentes? É isso mesmo? — Tiago estava boquiaberto.
— Eu sempre disse que sou entendida. — Karen deu de ombros.
— Então eu você somos Nefilim? — Tiago perguntou a Danusa.
— Somos. Eu tenho meus dons e você tem a alma da mais poderosa Anjo que ja existiu guardada dentro do corpo.
Depois ouvir essas coisas Tiago não falou mais nada, ja era o suficiente de bizarrice por uma noite.
Após o jantar ele foi tomar banho, Júlio apareceu com uma bermuda, uma camisa e um par de chinelos novos, tudo no exato tamanho de Tiago. Ele nem perguntou, só aceitou e vestiu, no banheiro também havia escova de dentes nova e todos os produtos de higiene. Apos o banho ele foi para o quarto de Júlio, a casa possuia dois quartos, um para as meninas e um para eles. Havia duas camas ali, Júlio deitou na que ficava perto da janela e Tiago na perto da porta. Júlio tentou puxar conversa, mas em cinco minutos Tiago estava roncando.
Júlio observou o rapaz de boca aberta babando no travesseiro.
— Achei que ia perder o sono com as revelações mas nem isso impede ele de dormir.
O grito o fez despertar, quando abriu os olhos viu o vulto de Júlio correndo para fora do quarto, então Tiago se levantou e saiu do quarto.
— Não Tiago! Fique ai! Não venha! — Júlio gritou do outro quarto.
Tiago olhou para o chão no corredor, estava tomado de serpentes, e pelo formato das cabeças ele soube imediatamente que eram venenosas.
PA-PA-PA!
O som de disparos vindos do quarto das meninas, Tiago tomou coragem e pisou no corredo e as cobras imediatamente se afastaram dele.
PA-PA-PA! — mais disparos.
Júlio apareceu na porta carregando Karen no colo, o braço dela estava sangrando, foi picada.
— Tiago saia daí! Elas são peçonhentas! — Júlio berrou.
— Elas me evitam Júlio, as cobras me evitam.
— Oh... Então quem as mandou não quer te ferir. São serpentes enfeitiçadas, Danusa matou as duas que entraram no quarto dela mas uma picou Karen.
— Vamos para o carro! Vamos achar ajuda!
La fora o som do carro ligado chamou a atenção de Tiago.
— Danusa já ta la fora?
— Já! Ela pulou a janela, vamos!
Tiago correu na frente, Júlio veio atrás carregando uma Karen desfalecida.
Há alguns metros dali Ailin observava tudo sentada no mesmo galho de árvore, as serpentes que ela enviou fizeram um bom serviço, a mulher mais velha, que agora ela sabia se chamar Karen, foi picada por uma cascavel bem em uma das veias principais do corpo, a veia cefalica, e era certo que em minutos ela ia morrer, nenhum medico pode salvar alguém de algo assim.
(Continua)
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