Lucifer Smeraldina Cap. 5
Felipe Caprini
25 de Janeiro de 2020
I
Murilo estava deitado, amava a liberdade humana de simplesmente poder deitar, em sua forma natural ele nunca havia feito isso. Ferrabraz já estava ausente por várias horas sem dar notícias, então Murilo aproveitou para simplesmente ficar sem fazer nada. Mas sua paz foi perturbada quando ele sentiu a presença aos pés da cama, o cheiro de maresia e a sensação de humanidade eram familiares.
— Então agora seu nome é Murilo, um garoto humano... — disse uma voz de mulher.
Murilo ergueu a cabeça e observou a figura da mulher nua de cabelos negros encaracolados, era bonita mas ao mesmo tempo estranha, era perfeita demais e isso tirava dela o poder de atração que deveria ter. Murilo não reconheceu a pessoa mas sim o que estava por trás dela.
— O que você quer Pomorski? E porque está me criticando se também está em forma humana?
— Isso é só uma miragem, fiz essa ilusão para poder caber neste cubículo. Nem um dente meu caberia neste quarto se eu viesse em minha forma de Dragão. Eu ainda sou Pomorski, o Dragão da agua, mas e você? Habitando esse corpo de carne... será que ainda é meu irmão Uragan?
— Sim Pomorski eu ainda sou Uragan Dragão do vento, mas agora momentaneamente estou de Murilo.
— Porque? Lucifer não conseguiu te prender de verdade, todos nós sabemos disso, nem com poder, nem com força e muito menos com palavras. Explique porque está aqui?
— Porque quero viver Pomorski, deixei Lucifer me levar, quero ter uma vida e não ser um inútil.
— Inútil? Nós os nove Zmej somos os pilares do universo, os braços do grande Sé!
— Blábláblá isso sim. Sé nos criou para construir este pedaço do universo, e ja fizemos isso há milhares... milhões de anos atrás, desde então somos extremamente poderosos e ao mesmo tempo extremamente inúteis. Eu o grande Uragan fiz o oxigênio e a atmosfera, fiz o movimento dos ventos neste planeta, e o planeta prossegue sozinho. Veja lá fora, veja as árvores com suas copas balançando ao vento, você acha que eu ordenei isso? Que eu convoquei o vento para soprar nelas? Não, o vento existe sozinho, sou um pai que criou os filhos e agora me torno nada além de um velho inútil pois os filhos são autossuficientes. Você Pomorski, foi você que fez o tsunami na Indonésia treze anos atras?
— ... Não.
— Exato, oh grande Pomorski Dragão criador de toda água que existe! Mas você ja criou a água, e agora ela segue o curso natural sozinha, você já não serve de nada, é inútil. É isso que você quer? Ser um Dragão de novecentos metros mas que é invisível para a maioria dos seres vivos e que não significa mais nada após ter concluído a meta?
— Então o seu modo de se tornar útil é fingir que é um garoto humano, trabalhar para Lucifer e... ceder a luxuria daquele demônio que se agarra no seu corpo como um coala em uma árvore quando você dorme?
— Eu não sei, estou testando. Se não for deste modo será de outro,vou fazer de tudo para encontrar o que busco.
— E o que é isto que busca?
— Busco a minha felicidade.
— Mas e nós? Somos os nove Zmej! Você não pode simplesmente decidir sair da família! Somos Vida, Luz, Agua, Terra, Vento, Fogo, Raio, Trevas e Morte, somos tudo o que compõe o mundo.
— Pomorski você percebe o quanto de textos decorados estão saindo da sua boca? Não existe espontaneidade em você? Em nenhum de vocês?
— Não. Em mim só há a fidelidade a família.
— Parabéns por isso, mas agora para mim essa história chegou ao fim.
— E é você que decide o fim dos Zmej?
— Nao, vocês podem prosseguir a missão de vocês, eu não vou atrapalhar enquanto vocês fazem o nada habitual de todo dia. Não me olhe assim, durante todos esses eons eu estive com vocês, meus irmãos, e nem por um segundo fui feliz. Trabalhei, criei, contemplei, e só.
— Mas é assim que tem que ser, Sé nós fez para isso.
— Sé é uma força criadora Pomorski, ele veio até aqui e nos fez, nos observou criar tudo e depois partiu. Nesse exato momento ele deve ter criado mais mil universos como esse, mais mil dragões para fazer as coisas para ele. Nós somos ferramentas usadas, nada além, mas agora eu vou sim viver, ser visto, ser...
— Amado? Você ia dizer ser amado? Por aquele demônio? Isso é ridículo.
— Então que seja ridículo, mas vou prosseguir assim mesmo.
— Um dia você vai perceber o quão estúpidas são essas suas escolhas e...
— E nada. A nossa conversa acaba aqui Pomorski, eu vou viver a minha vida agora, a minha vida individual. Sugiro que faça o mesmo.
Pomorski lançou um olhar de desaprovação ao irmão enquanto sua imagem desvanecia e desaparecia.
Instantes depois um clarão iluminou o quarto e Ferrabraz apareceu, vestia um terno preto antiquado com ombreiras grandes demais.
— Qual é da fantasia? — Murilo perguntou.
— Não é fantasia, eu apanhei isso na minha casa, era a única roupa que tinha deixado lá, estava no cabide já a uns quarenta anos. Tive de usar, Ailin destruiu minha Jaqueta, encheu ela de sangue, o couro queimado dela estava soltando ao menor toque, me lambuzou todo de sangue e secreção.
— Pra onde a levou? Alguma enfermaria nos quintos dos infernos?
— Haha que engraçado, não, levei para uma bruxa de confiança, vai restaurar Ailin em poucos dias.
— Você está de mal humor?
— Obviamente. Ailin era pra ser meu soldado de campo, isso significa que eu vou ter ir atrás de Smeralda sozinho. Amanhã mesmo vou dar o primeiro passo.
— Mas é seguro? Quer dizer, eles são muitos...
— Sim, eu dou conta tranquilamente. Espera ai, você está preocupado comigo? — Ferrabraz abriu um sorriso largo.
— De modo algum.
Ferrabraz se sentou ao lado de Murilo na cama e de repente se jogou sobre o garoto colocando todo o peso do corpo nas costas dele.
— Ei! O que significa isso? Saí dai! Você é pesado!
— Mumu...
— O que é?
— Nos próximos dias eu vou ter de agir... agir como alguém do meu tipo age entende. Não quero que fique com medo de mim quando me ver... diferente do que sou quando estou com você.
— Eu ter medo de você? Esqueceu quem eu sou?
— Não é medo no sentido de temer Mumu, digo no sentido de ficar com uma má impressão. Eu não sou um demônio só de nome, eu sei agir como tal e a hora exige que eu seja... incisivo.
— Eu sei, não pense nisso agora, apenas cumpra com suas obrigações.
II
De manhã Tiago acordou com um barulho dentro do quarto, algo sutil como o estalar do assoalho e cochichos. Abriu os olhos apenas o suficiente para ver Júlio sem camisa sentado na cama conversando com... Um anjo em pé ao lado dele. Era de fato um anjo mas era muito menor que os que ele vira em seus sonhos, aquele Anjo não passava de um metro e sessenta de altura, tinha os cabelos preteados presos em um rabo de cavalo apertado e que caia liso até abaixo dos joelho, o busto visível por um decote cavado na camiseta frente única deixava a mostra boa parte dos seios revelando ser uma mulher, um anjo feminino, as asas de penas arredondadas muito parecidas com plumas de cisne usadas na confecção de travesseiros, e ela usava maquiagem, por sua pele ser extremamente branca o batom coral e o blush rosado praticamente gritavam em seu rosto. Tiago nunca tinha visto ela antes, mas ao mesmo tempo a reconhecia, era Tifarael, ele sabia que era ela.
— Hum... Oi? Bom dia. — disse ele se sentando na cama.
— Oi gatão... tudo bem? Primeira vez que estou na sua presença e gosto do que vejo. — Tifarael piscou pra ele.
— Pare de palhaçada Tifani.
— Tifani? — Tiago estranhou — Achei que era Tifarael.
— Ah achou é? Tifani é meu apelido, porque? Não gostou? Ou acha que só você pode ter um apelido? Oh sim "a vagabunda da Yerukainel tem olhos verdes! Então agora vamos chamar ela de Smeralda! Ah que maravilhoso!" Ora va se fuder sua chata do caralho!
— Tifani! — Júlio gritou — Você sabe que Tiago acabou de te conhecer não sabe? Entende que parece uma lunática falando assim? Ele ainda não é Smeralda, não adianta falar com ele como se fosse, duvido que ele sequer se lembre de você!
— Ele sabe meu nome!
— Sim mas deve ser uma lembrança superficial, afinal você não é do tipo esquecível.
Tifani pigarrou para clarear a voz.
— Verdade. Certo, desculpe, é que eu sou um pouco intensa. Mas já demorei demais aqui, tenho que ir. Até breve, e Tiago quando recuperar suas memórias tente ser uma pessoa melhor do que Smeralda era.
Tiago piscou os olhos e Tifani havia sumido. Júlio apanhou sobre sua cama uma caixa de madeira verde clara trabalhada em relevos de folhas e flores entrelaçadas em ramos e entregou a Tiago.
— Abra.
— O que é isso?
— Pedi para Tifani trazer, ela tem a chave do seu mausoléu.
— Meu mausoléu?
— Sim. Você tem a alma de Smeralda, mas o corpo dela ainda existe, está guardado no mausoléu Smeraldina nas terras de Krosna em Nibiru. Tifani retirou isso de lá.
Tiago abriu a caixa, dentro encaixados no forro macio de camurça verde estavam dois leques fechados, mediam aproximadamente quarenta centímetros de cumprimento. Tiago removeu um e o abriu, era enorme, as treze hastes eram ligadas por seda branca e do topo de cada uma despontava uma lâmina afiada de metal prateado, na haste principal haviam arabescos esverdeados e na basse uma pequena corda verde para enfiar os pulsos de modo que mesmo se o leque caísse da mão ficaria retido pela corda.
— Bonito né? — Júlio comentou.
— Nunca vi nada mais bonito.
— As hastes são de metal celeste, o tecido é seda viva.
— Como assim seda viva?
— Você... quer dizer, Smeralda lutou contra deuses Tiago, o leque foi respingado de sangue sagrado tantas vezes que a seda é viva, se ela for rasgada se refaz sozinha. Esse é o segredo dos famosos Tie Shan de Smeralda. Vamos lá fora treinar?
III
No jardim nos fundos da casa eles se postaram um diante do outro, Julio ainda com as calças do pijama e Tiago com bermuda e regata, ambos descalços mas Tiago com os leques em punho, Karen e Danusa sentadas na grama observando com interesse enquanto bebiam café.
— Não é justo você estar desarmado. — Tiago reclamou.
— Eu não estou desarmado, veja essas belezinhas aqui — Júlio ergueu os punhos diante do rosto — , muitos perderam a vida através desdes punhos. Vamos fazer assim, se conseguir me acertar uma única vez eu pego minha espada, ok?
— Que convencido... Ok! Se prepare!
— Vai Kitana eu aposto em você! — Karen gritou na torcida —Shao Kahn nunca vai te vencer!
— Quieta Sindel, se lembre que vc está morta. — Danusa disse rindo.
— Mas eu já ressuscitei não foi?
— Já, se Shao Kahn derrubar sua filha você bate nele com seu cabelo.
— Yeah! — Karen agitou os punhos no ar.
Júlio se curvou em uma saudação que Tiago imitou toscamente, então avançou, Tiago fez uma pose de kung-fu, Júlio ensinuou um ataque com os punhos atraindo os olhos do oponente para cima e deferiu um chute entre as pernas dele com toda a força, Tiago caiu no chão ajoelhado e com o rosto vermelho como um tomate.
— Golpe baixo meu senhor! Absurdo! Tem que ser penalizado! — Karen gritou se pondo em pé e agitando os braços em revolta.
Júlio ria sem parar e Tiago estava agora deitado no chão imóvel.
— Doeu? — Júlio perguntou.
— Um pouco... — Tiago respondeu com a Voz fraca.
— Ai está a lição numero um, não confie no seu adversário. Sei que artes marciais humanas tem um código de ética e de honra, mas entre os seres do outro mundo, e nisso você inclui todos que não são humanos, não tem essa de ética, entramos na luta para ganhar.
Tiago ficou em pé com certa dificuldade e empunhou os leques novamente, Júlio assumiu posição de luta e partiu para cima, deu três passos rápidos e um chute alto, Tiago viu o chute vindo e desviou, e no momento que se abaixou piscou os olhos e não viu mais Júlio, era Miguel com o corpo enorme e as asas abertas atacando, Tiago girou na ponta dos pés com os braços abertos e os leques prontos para retalhar, quando girou os seus cabelos longos e dourados esvoaçantes giraram em mechas grossas em volta de sua cabeça, e isso o assustou pois ele sabia que não era loiro e nem tinha cabelos cumpridos, então Miguel se aproximou de novo e ele não teve alternativa senão se defender, vibrou os leques no ar os segurando firmemente com mãos pequenas e palidas, assim cortou o peito do anjo inimigo abrindo uma grande fenda na carne.
— Tiago! — Danusa gritou.
Tiago piscou os olhos e Miguel havia desaparecido, mas Júlio estava no chão com uma enorme ferida no peito escorrendo tinta dourada, Tiago sabia, lá no fundo sabia que aquilo não era tinta, era sangue de anjo.
— Tá certo... No próximo treino vou usar minha espada.
Tiago soltou os leques e se ajoelhou ao lado do amigo.
— Ai meu Deus! Ai meu Deus! O que eu fiz?!
— Calma cara, é um corte superficial, vai sarar em um dia. Mas me diz, como foi que deu um giro rapido daqueles?
— Eu não dei! Foi ela, eu de repente era ela e você era Miguel.
— Smeralda derrotou Miguel em três ocasiões diferentes, você deve ter revivido uma delas.
— Me desculpa Júlio, eu não queria te machucar.
— Isso não é nada, na verdade você tem que ficar feliz.
— Feliz como?
— Você me derrubou, a vitória é sua.
— Não é uma vitória se você se machuca.
— Para de ser bobo, o objetivo foi cumprido, você tem memória de batalha. Então campeão, vai querer seu prêmio agora?
— Tenho direito a um prem... — Os lábios de Tiago foram silenciados por um beijo.
— Ei isso é assédio! — Karen gritou — as lutas de hoje em dia são muito estranhas.
IV
Ferrabraz se vestiu com uma camisa leve e calças folgadas, sandálias de tiras de couro, soltou os cabelos que caiam até seu queixo. Murilo observou a mudança de visual curioso pois o fazia se lembrar de algo,mas do quê?
—Porque essas roupas tão diferentes?
Ferrabraz sorriu e deu uma volta para mostrar como as peças caiam em seu corpo magro.
— Gostou Dragão do vento?
— Não sei, parece que ja vi antes.
— Jura?
— Sim... me lembra a vestimenta dos antigos sacerdotes do vento da
Tessália Antiga.
— É mesmo? Chegou a conhecer esses sacerdotes?
— Apenas um, mas faz muito tempo.
Ferrabraz estendeu a mão para Murilo.
— Vamos? É hora de trabalhar.
O clarão atingiu a estrada de terra, Ferrabraz e Murilo surgiram na lateral tomada pelo mato, estavam longe da casa do sítio e o propósito era vigiar sem ser exposto. Eles entraram na mata, a região era toda verde, após caminhar um pouco chegaram até uma clareira.
— O que viemos fazer aqui? — Murilo perguntou enquanto sentava em um tronco tombado.
— Observar, estudar o inimigo.
— O que posso fazer para ajudar?
— Esperar. Na hora certa vamos levar Smeralda conosco, mas para isso temos de esperar, analisar e planejar.
Ferrabraz foi até o meio da clareira, apanhou uma faixa de tecido do bolso e cobriu os olhos dando um laço na nuca, então vendado começou a dançar, se movia como um bailarino dando giros e piruetas. Murilo a princípio achou graça mas rapidamente mudou de opinião pois reconhecendo os movimentos percebeu que o demônio não estava dançando e sim fazendo uma invocação. O vento soprou forte na clareira e as roupas de Ferrabraz se encheram de ar se agitando, flamulando. Então ele ficou embaçado, era difícil observar com precisão, parecia um borrão girando em meio a ventania, ora quase nítido, ora uma nuvem de fumaça.
Murilo sabia o que aquilo era, um antigo encantamento do vento, não para controlar mas para sentir e ele mesmo começou a sentir um leve formigamento nos pés, seu elemento sendo enfeitiçado diante de seus olhos era algo que ele não via a muito tempo.
Todo o ar da região agora passava por Ferrabraz, cada lugar onde a brisa tocava ele via, de tudo ele sabia, dos pássaros no céu, um bambuzal ali perto, macacos nas árvores, a ondulação na superfície de um pequeno lago na região, as folhas secas no chão, o som do ar percorrendo mil micro corredores de um formigueiro, e então ele os viu, o ar não tem maldade, não machuca e por isso passou tranquilamente pelas barreiras da casa do sítio, abrisa lambia tudo e este tudo passava diante dos olhos do demônio. Ele viu uma luta, era aparentemente um treino, o Rapaz Smeralda com seus leques, ele viu um golpe certeiro, sangue, e então ele viu... um beijo.
O vento parou imediatamente, Ferrabraz arrancou a venda dos olhos e ficou imóvel olhando para o chão.
— O que foi? O que você viu? — Murilo perguntou.
— O rapaz, o rapaz Smeralda... o anjo... eles se beijaram.
— Mas você tinha dito que nenhuma encarnação de Smeralda nunca se relacionou com ninguém, morreram virgens esperando Lucifer...
— E é verdade... todas até agora. Eu tenho de contar isso a Lucifer, tem de ser imediatamente. Mumu eu vou até o inferno, me espere aqui tudo bem?
— Tudo bem...
Em um clarão de relâmpago Ferrabraz desapareceu e em outro clarão surgiu em um corredor largo de paredes de pedra iluminado por archotes, diante dele uma grande porta de madeira vermelha onde um hábito artista esculpiu uma fênix flamejante. Elemestava prestes a bater quando ela foi aberta por Lucifer, o Imperador do Inferno com o corpo molhado usando apenas uma toalha na cintura.
— Senti sua agitação assim que chegou, parece grave e espero que realmente seja importante já que está atrapalhando meu banho. Venha, entre.
Ferrabraz entrou seguindo Lucifer, assim que o anjo se sentou em uma confortável poltrona vermelha Ferrabraz se ajoelhou diante dele.
— Meu senhor é melhor que veja, é melhor do que tentar falar.
Lucifer titubeou por um momento percebendo que a situação era mesmo grave, inclinou o pescoço e olhou nos olhos do demônio, assim assistiu a cena do beijo se refletir nas pílulas verdes, após a imagem ser transmitida Ferrabraz se afastou temendo ser esbofeteado como da última vez, mas Lucifer não se moveu e permaneceu congelado na mesma posição por um longo tempo até voltar a falar.
— Minha Smeralda nunca amaria outro homem, nunca, ela me esperaria assim como eu a tenho esperado por todo esse tempo.
— Ela mudou meu senhor. — Ferrabraz falou.
— Como mudou? Como mudar... ah.. o corpo, o genero... faz sentido... Jeová a fez nascer em um corpo diferente do de sua real natureza justamente com essa intenção, queria... confundir ela. A alma ainda está lá mas existem outras coisas junto, coisas odiosas que os homens humanos tem dentro do peito. Foi uma piada de Jeová... ele corrompeu minha Smeralda...
— E o que devo fazer meu senhor?
Lucifer fixou os olhos no demônio a sua frente.
— Eu deveria ir, deveria ir buscar minha Smeralda agora... Mas se eu usar minha força diante dela... dele... tenho medo que ele se assuste e me... e me... me rejeite. Ferrabraz você deve trazer Tiago para cá imediatamente. Use toda a sua força mas faça isso, ele não pode ficar na terra nem mais um dia. Esqueça a discrição, aja como a potestade que sei que você é. Eu... só... só faça isso e sua missão estará concluída.
— Assim farei meu senhor.
O clarão de luz apareceu diante da casa do sítio e Ferrabraz surgiu pronto para fazer o que fosse necessário.
(Continua)
25 de Janeiro de 2020
Lucifer Smeraldina
Capítulo 5
"A Vitória É Sua"
I
Murilo estava deitado, amava a liberdade humana de simplesmente poder deitar, em sua forma natural ele nunca havia feito isso. Ferrabraz já estava ausente por várias horas sem dar notícias, então Murilo aproveitou para simplesmente ficar sem fazer nada. Mas sua paz foi perturbada quando ele sentiu a presença aos pés da cama, o cheiro de maresia e a sensação de humanidade eram familiares.
— Então agora seu nome é Murilo, um garoto humano... — disse uma voz de mulher.
Murilo ergueu a cabeça e observou a figura da mulher nua de cabelos negros encaracolados, era bonita mas ao mesmo tempo estranha, era perfeita demais e isso tirava dela o poder de atração que deveria ter. Murilo não reconheceu a pessoa mas sim o que estava por trás dela.
— O que você quer Pomorski? E porque está me criticando se também está em forma humana?
— Isso é só uma miragem, fiz essa ilusão para poder caber neste cubículo. Nem um dente meu caberia neste quarto se eu viesse em minha forma de Dragão. Eu ainda sou Pomorski, o Dragão da agua, mas e você? Habitando esse corpo de carne... será que ainda é meu irmão Uragan?
— Sim Pomorski eu ainda sou Uragan Dragão do vento, mas agora momentaneamente estou de Murilo.
— Porque? Lucifer não conseguiu te prender de verdade, todos nós sabemos disso, nem com poder, nem com força e muito menos com palavras. Explique porque está aqui?
— Porque quero viver Pomorski, deixei Lucifer me levar, quero ter uma vida e não ser um inútil.
— Inútil? Nós os nove Zmej somos os pilares do universo, os braços do grande Sé!
— Blábláblá isso sim. Sé nos criou para construir este pedaço do universo, e ja fizemos isso há milhares... milhões de anos atrás, desde então somos extremamente poderosos e ao mesmo tempo extremamente inúteis. Eu o grande Uragan fiz o oxigênio e a atmosfera, fiz o movimento dos ventos neste planeta, e o planeta prossegue sozinho. Veja lá fora, veja as árvores com suas copas balançando ao vento, você acha que eu ordenei isso? Que eu convoquei o vento para soprar nelas? Não, o vento existe sozinho, sou um pai que criou os filhos e agora me torno nada além de um velho inútil pois os filhos são autossuficientes. Você Pomorski, foi você que fez o tsunami na Indonésia treze anos atras?
— ... Não.
— Exato, oh grande Pomorski Dragão criador de toda água que existe! Mas você ja criou a água, e agora ela segue o curso natural sozinha, você já não serve de nada, é inútil. É isso que você quer? Ser um Dragão de novecentos metros mas que é invisível para a maioria dos seres vivos e que não significa mais nada após ter concluído a meta?
— Então o seu modo de se tornar útil é fingir que é um garoto humano, trabalhar para Lucifer e... ceder a luxuria daquele demônio que se agarra no seu corpo como um coala em uma árvore quando você dorme?
— Eu não sei, estou testando. Se não for deste modo será de outro,vou fazer de tudo para encontrar o que busco.
— E o que é isto que busca?
— Busco a minha felicidade.
— Mas e nós? Somos os nove Zmej! Você não pode simplesmente decidir sair da família! Somos Vida, Luz, Agua, Terra, Vento, Fogo, Raio, Trevas e Morte, somos tudo o que compõe o mundo.
— Pomorski você percebe o quanto de textos decorados estão saindo da sua boca? Não existe espontaneidade em você? Em nenhum de vocês?
— Não. Em mim só há a fidelidade a família.
— Parabéns por isso, mas agora para mim essa história chegou ao fim.
— E é você que decide o fim dos Zmej?
— Nao, vocês podem prosseguir a missão de vocês, eu não vou atrapalhar enquanto vocês fazem o nada habitual de todo dia. Não me olhe assim, durante todos esses eons eu estive com vocês, meus irmãos, e nem por um segundo fui feliz. Trabalhei, criei, contemplei, e só.
— Mas é assim que tem que ser, Sé nós fez para isso.
— Sé é uma força criadora Pomorski, ele veio até aqui e nos fez, nos observou criar tudo e depois partiu. Nesse exato momento ele deve ter criado mais mil universos como esse, mais mil dragões para fazer as coisas para ele. Nós somos ferramentas usadas, nada além, mas agora eu vou sim viver, ser visto, ser...
— Amado? Você ia dizer ser amado? Por aquele demônio? Isso é ridículo.
— Então que seja ridículo, mas vou prosseguir assim mesmo.
— Um dia você vai perceber o quão estúpidas são essas suas escolhas e...
— E nada. A nossa conversa acaba aqui Pomorski, eu vou viver a minha vida agora, a minha vida individual. Sugiro que faça o mesmo.
Pomorski lançou um olhar de desaprovação ao irmão enquanto sua imagem desvanecia e desaparecia.
Instantes depois um clarão iluminou o quarto e Ferrabraz apareceu, vestia um terno preto antiquado com ombreiras grandes demais.
— Qual é da fantasia? — Murilo perguntou.
— Não é fantasia, eu apanhei isso na minha casa, era a única roupa que tinha deixado lá, estava no cabide já a uns quarenta anos. Tive de usar, Ailin destruiu minha Jaqueta, encheu ela de sangue, o couro queimado dela estava soltando ao menor toque, me lambuzou todo de sangue e secreção.
— Pra onde a levou? Alguma enfermaria nos quintos dos infernos?
— Haha que engraçado, não, levei para uma bruxa de confiança, vai restaurar Ailin em poucos dias.
— Você está de mal humor?
— Obviamente. Ailin era pra ser meu soldado de campo, isso significa que eu vou ter ir atrás de Smeralda sozinho. Amanhã mesmo vou dar o primeiro passo.
— Mas é seguro? Quer dizer, eles são muitos...
— Sim, eu dou conta tranquilamente. Espera ai, você está preocupado comigo? — Ferrabraz abriu um sorriso largo.
— De modo algum.
Ferrabraz se sentou ao lado de Murilo na cama e de repente se jogou sobre o garoto colocando todo o peso do corpo nas costas dele.
— Ei! O que significa isso? Saí dai! Você é pesado!
— Mumu...
— O que é?
— Nos próximos dias eu vou ter de agir... agir como alguém do meu tipo age entende. Não quero que fique com medo de mim quando me ver... diferente do que sou quando estou com você.
— Eu ter medo de você? Esqueceu quem eu sou?
— Não é medo no sentido de temer Mumu, digo no sentido de ficar com uma má impressão. Eu não sou um demônio só de nome, eu sei agir como tal e a hora exige que eu seja... incisivo.
— Eu sei, não pense nisso agora, apenas cumpra com suas obrigações.
II
De manhã Tiago acordou com um barulho dentro do quarto, algo sutil como o estalar do assoalho e cochichos. Abriu os olhos apenas o suficiente para ver Júlio sem camisa sentado na cama conversando com... Um anjo em pé ao lado dele. Era de fato um anjo mas era muito menor que os que ele vira em seus sonhos, aquele Anjo não passava de um metro e sessenta de altura, tinha os cabelos preteados presos em um rabo de cavalo apertado e que caia liso até abaixo dos joelho, o busto visível por um decote cavado na camiseta frente única deixava a mostra boa parte dos seios revelando ser uma mulher, um anjo feminino, as asas de penas arredondadas muito parecidas com plumas de cisne usadas na confecção de travesseiros, e ela usava maquiagem, por sua pele ser extremamente branca o batom coral e o blush rosado praticamente gritavam em seu rosto. Tiago nunca tinha visto ela antes, mas ao mesmo tempo a reconhecia, era Tifarael, ele sabia que era ela.
— Hum... Oi? Bom dia. — disse ele se sentando na cama.
— Oi gatão... tudo bem? Primeira vez que estou na sua presença e gosto do que vejo. — Tifarael piscou pra ele.
— Pare de palhaçada Tifani.
— Tifani? — Tiago estranhou — Achei que era Tifarael.
— Ah achou é? Tifani é meu apelido, porque? Não gostou? Ou acha que só você pode ter um apelido? Oh sim "a vagabunda da Yerukainel tem olhos verdes! Então agora vamos chamar ela de Smeralda! Ah que maravilhoso!" Ora va se fuder sua chata do caralho!
— Tifani! — Júlio gritou — Você sabe que Tiago acabou de te conhecer não sabe? Entende que parece uma lunática falando assim? Ele ainda não é Smeralda, não adianta falar com ele como se fosse, duvido que ele sequer se lembre de você!
— Ele sabe meu nome!
— Sim mas deve ser uma lembrança superficial, afinal você não é do tipo esquecível.
Tifani pigarrou para clarear a voz.
— Verdade. Certo, desculpe, é que eu sou um pouco intensa. Mas já demorei demais aqui, tenho que ir. Até breve, e Tiago quando recuperar suas memórias tente ser uma pessoa melhor do que Smeralda era.
Tiago piscou os olhos e Tifani havia sumido. Júlio apanhou sobre sua cama uma caixa de madeira verde clara trabalhada em relevos de folhas e flores entrelaçadas em ramos e entregou a Tiago.
— Abra.
— O que é isso?
— Pedi para Tifani trazer, ela tem a chave do seu mausoléu.
— Meu mausoléu?
— Sim. Você tem a alma de Smeralda, mas o corpo dela ainda existe, está guardado no mausoléu Smeraldina nas terras de Krosna em Nibiru. Tifani retirou isso de lá.
Tiago abriu a caixa, dentro encaixados no forro macio de camurça verde estavam dois leques fechados, mediam aproximadamente quarenta centímetros de cumprimento. Tiago removeu um e o abriu, era enorme, as treze hastes eram ligadas por seda branca e do topo de cada uma despontava uma lâmina afiada de metal prateado, na haste principal haviam arabescos esverdeados e na basse uma pequena corda verde para enfiar os pulsos de modo que mesmo se o leque caísse da mão ficaria retido pela corda.
— Bonito né? — Júlio comentou.
— Nunca vi nada mais bonito.
— As hastes são de metal celeste, o tecido é seda viva.
— Como assim seda viva?
— Você... quer dizer, Smeralda lutou contra deuses Tiago, o leque foi respingado de sangue sagrado tantas vezes que a seda é viva, se ela for rasgada se refaz sozinha. Esse é o segredo dos famosos Tie Shan de Smeralda. Vamos lá fora treinar?
III
No jardim nos fundos da casa eles se postaram um diante do outro, Julio ainda com as calças do pijama e Tiago com bermuda e regata, ambos descalços mas Tiago com os leques em punho, Karen e Danusa sentadas na grama observando com interesse enquanto bebiam café.
— Não é justo você estar desarmado. — Tiago reclamou.
— Eu não estou desarmado, veja essas belezinhas aqui — Júlio ergueu os punhos diante do rosto — , muitos perderam a vida através desdes punhos. Vamos fazer assim, se conseguir me acertar uma única vez eu pego minha espada, ok?
— Que convencido... Ok! Se prepare!
— Vai Kitana eu aposto em você! — Karen gritou na torcida —Shao Kahn nunca vai te vencer!
— Quieta Sindel, se lembre que vc está morta. — Danusa disse rindo.
— Mas eu já ressuscitei não foi?
— Já, se Shao Kahn derrubar sua filha você bate nele com seu cabelo.
— Yeah! — Karen agitou os punhos no ar.
Júlio se curvou em uma saudação que Tiago imitou toscamente, então avançou, Tiago fez uma pose de kung-fu, Júlio ensinuou um ataque com os punhos atraindo os olhos do oponente para cima e deferiu um chute entre as pernas dele com toda a força, Tiago caiu no chão ajoelhado e com o rosto vermelho como um tomate.
— Golpe baixo meu senhor! Absurdo! Tem que ser penalizado! — Karen gritou se pondo em pé e agitando os braços em revolta.
Júlio ria sem parar e Tiago estava agora deitado no chão imóvel.
— Doeu? — Júlio perguntou.
— Um pouco... — Tiago respondeu com a Voz fraca.
— Ai está a lição numero um, não confie no seu adversário. Sei que artes marciais humanas tem um código de ética e de honra, mas entre os seres do outro mundo, e nisso você inclui todos que não são humanos, não tem essa de ética, entramos na luta para ganhar.
Tiago ficou em pé com certa dificuldade e empunhou os leques novamente, Júlio assumiu posição de luta e partiu para cima, deu três passos rápidos e um chute alto, Tiago viu o chute vindo e desviou, e no momento que se abaixou piscou os olhos e não viu mais Júlio, era Miguel com o corpo enorme e as asas abertas atacando, Tiago girou na ponta dos pés com os braços abertos e os leques prontos para retalhar, quando girou os seus cabelos longos e dourados esvoaçantes giraram em mechas grossas em volta de sua cabeça, e isso o assustou pois ele sabia que não era loiro e nem tinha cabelos cumpridos, então Miguel se aproximou de novo e ele não teve alternativa senão se defender, vibrou os leques no ar os segurando firmemente com mãos pequenas e palidas, assim cortou o peito do anjo inimigo abrindo uma grande fenda na carne.
— Tiago! — Danusa gritou.
Tiago piscou os olhos e Miguel havia desaparecido, mas Júlio estava no chão com uma enorme ferida no peito escorrendo tinta dourada, Tiago sabia, lá no fundo sabia que aquilo não era tinta, era sangue de anjo.
— Tá certo... No próximo treino vou usar minha espada.
Tiago soltou os leques e se ajoelhou ao lado do amigo.
— Ai meu Deus! Ai meu Deus! O que eu fiz?!
— Calma cara, é um corte superficial, vai sarar em um dia. Mas me diz, como foi que deu um giro rapido daqueles?
— Eu não dei! Foi ela, eu de repente era ela e você era Miguel.
— Smeralda derrotou Miguel em três ocasiões diferentes, você deve ter revivido uma delas.
— Me desculpa Júlio, eu não queria te machucar.
— Isso não é nada, na verdade você tem que ficar feliz.
— Feliz como?
— Você me derrubou, a vitória é sua.
— Não é uma vitória se você se machuca.
— Para de ser bobo, o objetivo foi cumprido, você tem memória de batalha. Então campeão, vai querer seu prêmio agora?
— Tenho direito a um prem... — Os lábios de Tiago foram silenciados por um beijo.
— Ei isso é assédio! — Karen gritou — as lutas de hoje em dia são muito estranhas.
IV
Ferrabraz se vestiu com uma camisa leve e calças folgadas, sandálias de tiras de couro, soltou os cabelos que caiam até seu queixo. Murilo observou a mudança de visual curioso pois o fazia se lembrar de algo,mas do quê?
—Porque essas roupas tão diferentes?
Ferrabraz sorriu e deu uma volta para mostrar como as peças caiam em seu corpo magro.
— Gostou Dragão do vento?
— Não sei, parece que ja vi antes.
— Jura?
— Sim... me lembra a vestimenta dos antigos sacerdotes do vento da
Tessália Antiga.
— É mesmo? Chegou a conhecer esses sacerdotes?
— Apenas um, mas faz muito tempo.
Ferrabraz estendeu a mão para Murilo.
— Vamos? É hora de trabalhar.
O clarão atingiu a estrada de terra, Ferrabraz e Murilo surgiram na lateral tomada pelo mato, estavam longe da casa do sítio e o propósito era vigiar sem ser exposto. Eles entraram na mata, a região era toda verde, após caminhar um pouco chegaram até uma clareira.
— O que viemos fazer aqui? — Murilo perguntou enquanto sentava em um tronco tombado.
— Observar, estudar o inimigo.
— O que posso fazer para ajudar?
— Esperar. Na hora certa vamos levar Smeralda conosco, mas para isso temos de esperar, analisar e planejar.
Ferrabraz foi até o meio da clareira, apanhou uma faixa de tecido do bolso e cobriu os olhos dando um laço na nuca, então vendado começou a dançar, se movia como um bailarino dando giros e piruetas. Murilo a princípio achou graça mas rapidamente mudou de opinião pois reconhecendo os movimentos percebeu que o demônio não estava dançando e sim fazendo uma invocação. O vento soprou forte na clareira e as roupas de Ferrabraz se encheram de ar se agitando, flamulando. Então ele ficou embaçado, era difícil observar com precisão, parecia um borrão girando em meio a ventania, ora quase nítido, ora uma nuvem de fumaça.
Murilo sabia o que aquilo era, um antigo encantamento do vento, não para controlar mas para sentir e ele mesmo começou a sentir um leve formigamento nos pés, seu elemento sendo enfeitiçado diante de seus olhos era algo que ele não via a muito tempo.
Todo o ar da região agora passava por Ferrabraz, cada lugar onde a brisa tocava ele via, de tudo ele sabia, dos pássaros no céu, um bambuzal ali perto, macacos nas árvores, a ondulação na superfície de um pequeno lago na região, as folhas secas no chão, o som do ar percorrendo mil micro corredores de um formigueiro, e então ele os viu, o ar não tem maldade, não machuca e por isso passou tranquilamente pelas barreiras da casa do sítio, abrisa lambia tudo e este tudo passava diante dos olhos do demônio. Ele viu uma luta, era aparentemente um treino, o Rapaz Smeralda com seus leques, ele viu um golpe certeiro, sangue, e então ele viu... um beijo.
O vento parou imediatamente, Ferrabraz arrancou a venda dos olhos e ficou imóvel olhando para o chão.
— O que foi? O que você viu? — Murilo perguntou.
— O rapaz, o rapaz Smeralda... o anjo... eles se beijaram.
— Mas você tinha dito que nenhuma encarnação de Smeralda nunca se relacionou com ninguém, morreram virgens esperando Lucifer...
— E é verdade... todas até agora. Eu tenho de contar isso a Lucifer, tem de ser imediatamente. Mumu eu vou até o inferno, me espere aqui tudo bem?
— Tudo bem...
Em um clarão de relâmpago Ferrabraz desapareceu e em outro clarão surgiu em um corredor largo de paredes de pedra iluminado por archotes, diante dele uma grande porta de madeira vermelha onde um hábito artista esculpiu uma fênix flamejante. Elemestava prestes a bater quando ela foi aberta por Lucifer, o Imperador do Inferno com o corpo molhado usando apenas uma toalha na cintura.
— Senti sua agitação assim que chegou, parece grave e espero que realmente seja importante já que está atrapalhando meu banho. Venha, entre.
Ferrabraz entrou seguindo Lucifer, assim que o anjo se sentou em uma confortável poltrona vermelha Ferrabraz se ajoelhou diante dele.
— Meu senhor é melhor que veja, é melhor do que tentar falar.
Lucifer titubeou por um momento percebendo que a situação era mesmo grave, inclinou o pescoço e olhou nos olhos do demônio, assim assistiu a cena do beijo se refletir nas pílulas verdes, após a imagem ser transmitida Ferrabraz se afastou temendo ser esbofeteado como da última vez, mas Lucifer não se moveu e permaneceu congelado na mesma posição por um longo tempo até voltar a falar.
— Minha Smeralda nunca amaria outro homem, nunca, ela me esperaria assim como eu a tenho esperado por todo esse tempo.
— Ela mudou meu senhor. — Ferrabraz falou.
— Como mudou? Como mudar... ah.. o corpo, o genero... faz sentido... Jeová a fez nascer em um corpo diferente do de sua real natureza justamente com essa intenção, queria... confundir ela. A alma ainda está lá mas existem outras coisas junto, coisas odiosas que os homens humanos tem dentro do peito. Foi uma piada de Jeová... ele corrompeu minha Smeralda...
— E o que devo fazer meu senhor?
Lucifer fixou os olhos no demônio a sua frente.
— Eu deveria ir, deveria ir buscar minha Smeralda agora... Mas se eu usar minha força diante dela... dele... tenho medo que ele se assuste e me... e me... me rejeite. Ferrabraz você deve trazer Tiago para cá imediatamente. Use toda a sua força mas faça isso, ele não pode ficar na terra nem mais um dia. Esqueça a discrição, aja como a potestade que sei que você é. Eu... só... só faça isso e sua missão estará concluída.
— Assim farei meu senhor.
O clarão de luz apareceu diante da casa do sítio e Ferrabraz surgiu pronto para fazer o que fosse necessário.
(Continua)
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