Lucifer Smeraldina Cap. 4
Felipe Caprini
23 de Janeiro de 2020
Lucifer Smeraldina
Capítulo 4
"Porque Eu Não?"
I
Seis séculos antes:
Seis séculos antes:
Lucifer entrou no quarto voando através da sacada, estava vestindo sua classica armadura Onix com as ombreiras e grevas esculpidas em forma de serpentes, porém mal se via o negrume da pedra pois tudo estava lavado de líquido dourado, o sangue dos anjos é desta coloração e a densa batalha que se seguiu nos jardins daquele castelo fez o sangue angelical jorrar por todo lado.
Ele entrou devagar, ja não tinha pressa, Isabella estava deitada sobre a cama, a lança ainda cravada em seu peito, as pequenas mãos dela em volta do cabo como se tentasse remover aquilo de si, mostrando que até o ultimo segundo resistiu a violência o maximo que pôde. Mas agora Isabella era apenas um corpo sem vida, vazio de alma. Lucifer sentou ao lado do corpo e acariciou os cabelos vermelho alaranjados da jovem mulher, então lagrimas rolaram pelas suas bochechas encovadas. Ele sabia que não estava só, havia mais alguém no quarto, mas já não se importava.
— Porque ainda está aqui? A batalha acabou, tanto o meu exército quanto o seu já se retiraram. Não vou lutar com você, a penas... vá embora.
Ahavael saiu do canto sombrio no qual estava escondido.
— Eu... Me desculpe.
— Hã? Porque está se desculpando?
— Eu não queria isso... mas não pude fazer nada, Miguel a matou.
— Eu sei, ele é forte, ele a matou muitas vezes em muitas vidas. De todos os anjos maus ele é o único pior que eu.— Lucifer respondeu com a voz embargada.
— Escute Lucifer, eu sei que estamos em lados opostos mas eu jamais quis o mal dela. Eu zelei por ela como pude.
— Existe uma gigantesca diferença entre não quer que o mal aconteça e impedir que ele aconteça. Você acha que zelou por Isabella? Olhe para ela agora...
— Se eu me levantasse contra Miguel... Eu seria lançando ao inferno, cairia.
— Smeralda caiu por mim sem pensar duas vezes. Quando se ama se paga qualquer preço. Se a amasse como eu a amo teria se atirado diante da lança, teria morrido por ela e caso o inimigo fosse forte demais teria então morrido junto com ela.
Ahavael analisou a cena, o anjo de asas negras chorando pela mulher morta. Miguel e maioria dos anjos do alto escalão zombavam deste amor de Lucifer por Smeralda, mas ele sentia para dizer a verdade, inveja.
— Lucifer...
— Não me amole mais Ahavael, me deixe sozinho com ela.
— Mas Lucifer eu tenho uma idéia.
— E o que lhe faz pensar que me interessa?
Ahavael sentou na outra beirada da cama.
— Penso que sim pois é sobre ela, sobre Smeralda. Um modo de dar uma chance a ela. Sei que você a ama e que pensa muito neste amor, mas eu penso nela, quero que ela... viva.
— Tudo bem, fale, mas seja breve.
— Nosso pai é um jogador, um viciado em apostas. Vamos os dois até ele é propor um jogo.
— Um Jogo? — Lucifer olhou para Ahavael — Quer brincar de Jó outra vez?
— Sim, Vamos apostar com quem Isa... Smeralda vai querer ficar.
— Como assim? — Lucifer franziu a testa.
— A proposta que farei a ele, a nosso pai, e que eu irie cuidar da proxima encarnação dela, desde a infância, e me esforçarei para que ela me escolha, para que ela me ame. Você a buscará, e quando a encontrar fará o mesmo. Sem guerras, sem exércitos e sem a interferência de Miguel. Eu contarei Apenas comigo mesmo e com... digamos três aliados, e você fará a mesma coisa, contará com três aliados e ninguém mais. Este é o jogo.
Lucifer limpou as lágrimas com as costas da mão.
— Eu... Eu aceito este jogo. Mas sera que ele vai querer jogar?
— Vou. — disse o menino louro sentado aos pés da cama.
Ahavael imediatamente caiu de joelhos e uniu as mãos diante do rosto, ele tinha de saudar o seu pai, o Deus altíssimo mesmo quando ele aparecia naquela forma, a forma original de Jeová, um menino de cerca de dez anos de idade. Já Lucifer nem sequer olhou para a criança, ainda com toda a atenção no corpo de Isabella ele perguntou:
— Então é uma nova aposta? Vamos realmente fazer esse jogo?
— Vamos. — o menino falou enquanto brincava com a bainha do vestido do cadaver — Mas tem de ter um prêmio. E pode levantar Ahavel, você é peça desse jogo, sente onde estava e preste atenção.
Ahavael obedeceu. Lucifer perguntou:
— Que prêmio?
— Simples, se ela escolher você será sua, lhe devolvo o corpo dela como prêmio, poderá ter sua preciosa Smeralda de novo.
— E se ela escolher Ahavael?
— Então ela volta a ser minha, sera novamente celeste e você nunca mais poderá ve-la ou toca-la, estará totalmente fora de seu alcance para todo o sempre.
— Parece bem razoável. — Lucifer comentou.
— Mas não é. Se ela for sua... isso sera para mim um... ligeiro contratempo. Se ela for minha isso sera a sua desgraça eterna, você nuca mais amará ninguém e sucumbira na própria amargura. Ainda assim quer jogar? Depois que o jogo começa tem de ir até o fim.
Lucifer se viriou e olhou para Deus:
— Sim.
— Isso será divertido.
II
Vidália dividiu a cama com Karen, Tiago e Danusa dormiram no sofá. Pela manhã Júlio, que havia passado a noite no carro, foi até a mercearia da esquina providenciar o desjejum, lá encheu uma cestinha com todas as guloseimas que pôde encontrar. Foi para o caixa e entregou uma nota, e na hora de receber o tronco a moça do caixa segurou o braço dele com força, suspirou e então os olhos dela reviraram ficando totalmente brancos, ela riu de um modo grosseiro.
— Irmão, não tem medo da diabetes? Tem muito açúcar nestas coisas. Suspeito até que esses bolinhos tem câncer de estômago como principal ingrediente.
Ahavael puxou o braço.
— Falou o renomado crítico culinário. Miguel o que está fazendo? É contra a lei possuir humanos, não cumpre mais a lei dos Krilen?
— Eu sempre estive acima da lei. Como está a Smeralda? Sabe, afiei minha lança pensando nela ontem. Dizem que ela virou um rapaz bonito, vai ficar ainda mais bonito quando eu fizer um buraco no peito dele.
— Você não pode interferir desta vez, nosso pai determinou.
— E desde quando nosso pai cumpre suas promessas? Quer um exemplo? Você sabe que esse pais é de maioria cristã, eles até hoje esperam a volta do Messias, e Deus realmente prometeu que ele ia voltar. Mas ele atirou o Messias no esquecimento quando cansou da brincadeira, e sobre a volta? Uma piada.
— E eu não sei disso? Mas agora me responda você, tenho outro senhor para me fiar? Eu só posso contar com a palavra de nosso pai, mesmo não sendo segura.
— Sobre ter outro senhor? Pode ser que em breve tenha.
— O que? Como assim?
— Ah Ahavael, você é o pior tipo de tolo, o tipo de tolo que ama. As resposta e os indícios estão bem diante do seu nariz, veja.
— Miguel me explique isso de outro senhor!
— O que? — a voz da moça do caixa estava normal novamente, ela não percebeu que havia sido possuída.
— Não, nada, desculpe.
Júlio voltou para a casa de Vidália, após todos comerem e agradecerem repetidas vezes eles partiram devolta a casa do sítio.
No carro Karen contou diversas vezes que após ser tocada pela deusa do Ouro elas agora tinham uma "conexão astral intima" e todos fingiram acreditar nisso.
Em casa foi hora de por a mão na massa. Por mais que Karen fosse totalmente alucinada, era de fato uma bruxa poderosa, Júlio tinha cópias de diversos livros antigos de magia e os entregou a ela, Karen passou o dia todo deitada no assoalho da sala lendo. Quando anoiteceu entregou uma lista de ingredientes para Júlio, a maioria ele tinha no porão mas precisou sair para providenciar o restante, porém como não confiava em deixar Tiago sozinho o levou consigo. A casa contava com uma pequena garagem onde Danusa guardava o carro, mas na parte do fundo havia uma motocicleta coberta por uma capa de plástico, Júlio removeu a capa a apresentou a Tiago a Hornet amarela.
— Era meu sonho ter uma moto dessa.
— Eu sei, por isso tenho ela, você falou disso por anos — Júlio passou o capacete para Tiago enquanto colocava o próprio.
— Anjos precisam de capacete?
— Não, mas não quero chamar a atenção da Polícia, teria de matar os policiais se eles pedissem os documentos da moto, achei ela, então é de segunda mão, sem documentos.
— Achou?
— É, na garagem de um bacana, ai trouxe pra cá.
— Você roubou.
— É roubei. Vamos?
Eles subiram na moto.
— Ei, você disse que ia matar os policias que te parassem? Era sério? Tipo, matar os caras?
— Tiago por mais que ame alguns humanos, a maioria é meramente descartável, você vai aprender isso com o passar do tempo. Humanos se reproduzem com muitan facilidade, assim que um morre nascem cinquenta para substituir. Agora segure aqui com força.
Júlio levou aos mãos de Tiago até a própria cintura, assim que teve certeza que ele segurava firme deu partida da na moto e pegou a estrada.
Durante todo o trajeto ele ficou perdido em pensamentos, o que Miguel quis dizer com outro senhor? O que Lucifer estava tramando? E principalmente, será que ele estava indo bem na parte de conquistar Tiago? Todas perguntas sem resposta até então.
Quando Júlio disse que ia providenciar ingredientes para feitiçaria Tiago não imaginou que eles iam voltar para a loja de Karen. Fazia apenas dois dias que tinham saído dali mas parecia um século, Tiago entrou na loja pela porta dos fundos e tudo ali parecia uma lembrança muito distante do que havia sido sua vida. Ele foi até o balcão e sorriu ao ver na parede atras dele a foto de Karen sorrindo, o retrato estava com os dizeres "funcionário do mês" na moldura, e sim, ela se auto elegia funcionaria do mês com frequência. Júlio encheu duas sacolas com ervas secas, velas e essências, então seguiu Tiago para o andar de cima, para a casa. Na cozinha as panelas ainda estavam abertas sobre o fogão, salada murcha em uma travessa sobre a pia, Danusa fugiu com tanta pressa que deixou tudo pela metade. Thiago jogou a comida fora e lavou as panelas, depois tirou os sacos de lixo e deixou perto da porta da cozinha, então foi para o quarto, seu quarto de criança. É ele tinha vinte e oito anos mas aquele quarto continuava com ar infantil. Karen havia pintado estrelas e uma grande lua no teto com tinta fosforescente de modo que sempre que escurecida elas brilhavam em tom amarelo luminoso. Na parede da cabeceira da cama estava colado um enorme poster da banda " The Cranberries" remontando a adolescência de pseudo roqueiro que odiava música nacional e consumia tudo dos EUA com a mentalidade de um retardado. Tiago apagou a luz e deitou na cama, ficou ali imerso na saudade de ser apenas um rapaz que trabalhava na loja da mãe em troca de um salário minimo mas que era feliz. Fechou os olhos e quis esquecer de tudo, de toda essa coisa de Smeralda, mas sem muito sucesso. Então ouviu a porta do quarto ser aberta e em seguida fachada, som de alguém tirando os sapatos, o colchão se mexeu, Tiago se moveu para o lado dando espaço para Júlio deitar ao seu lado.
— Você gosta de mim? — Júlio perguntou.
Tiago ainda com os olhos fechados respondeu:
— Sim e não.
— Como é isso?
— O "sim" é porque gosto muito do meu melhor amigo Júlio, amigo que conheci na primeira serie do ensino fundamental, amigo que me defendia dos valentões na hora do recreio e que ia comigo jogar The King Of Fighters no fliperama, que convencia minha mãe de deixar a gente ir nadar na represa. Meu amigo que ajudou eu e minha mãe a fazer da loja um sucesso mesmo que no início aceitasse receber só duzentos reais por mês. Esse amigo eu amo do fundo do meu coração. Mas o "não" é para a pessoa que eu descobri que meu amigo é, um ser que nunca foi meu amigo de verdade, alguém que eu não conheço e que só esta comigo por uma missão.
— Isso não é verdade, não estou com você só por uma missão, eu escolhi estar do seu lado, foi por vontade minha. Você não percebeu mas as duas pessoas que você descreveu são a mesma. Eu sou Júlio, e eu sou Ahavael. Você pode me chamar de Júlio-Ahavael se quiser como um daqueles personagens de novela mexicana que tem dois nomes.
— Tipo "Carlos Eduardo" ou "Pedro Augusto"? — Tiago riu.
— Isso mesmo.
— Posso te pedir um favor? Você pode me ensinar a me defender?
— A se defender? Você quer aprender a lutar?
— Sim, tipo, minha mãe parece que manja dos feitiços Danusa sabe atirar...
— Eu ensinei ela o manejo de armas de fogo e a confeção de balas de sangue.
— Ah... É eu maginei algo assim. Então entre nós eu sou o único que não sabe nada.
— Eu posso te ensinar se quiser, não a lutar pois eu luto com espada e a sua arma é outra, mas eu posso te ajudar a se lembrar de como você lutava.
— Qual é a minha arma?
— Você... bem, Smeralda usava um par de Tiě Shàn, se lembra o que são Tiě Shàn?
— Leques de aço?
— Sim.
— Como eu lembro dessas coisas? Como sei delas?
— Você ainda é você.
— É... acho que sim.
Tiago se sentou na cama pronto para levantar mas Júlio o puxou de volta o forçando a se deitar.
— O que foi? — Tiago perguntou virando a cabeça para olhar o amigo.
— Porque eu não?
— Do que está falando agora?
— Porque você nunca me escolheu? Você teve seis namorados, inumeras paixões, tantos homens, mas eu nunca fui cogitado.
Tiago virou o corpo inteiro na direção de Júlio.
— Você foi o primeiro a ser cogitado, desde o dia em que eu entrei na puberdade e comecei a pensar em romance.
— Então o que te impediu? Eu fiz algo errado?
— Fez. Fez eu te amar.
Júlio ficou calado por um tempo, então perguntou:
— E isso foi um erro?
— Sim. Todos os namoros e paixões que tive já começavam com data de validade, uma hora ia acabar. Eu nunca quis que você se tornasse um ex, queria você sempre comigo.
— Então me manteve como amigo...
— Sim. Não quis arriscar.
Todo o caminho de volta para a casa do sítio os dois permaneceram no mais absoluto silêncio.
III
Durante toda a manhã Ferrabraz tentou falar com Ailin, a comunicação entre demonios era feita através de um cálice cheio com água do mar, sangue humano e vinho, era possível se fazer ouvir a qualquer espírito do submundo se o nome dele fosse pronunciado diante do cálice.
Pela décima vez Ferrabraz se sentou na espreguiçadeira na sacada do quarto de hotel com o cálice nas mãos e chamou por "Ailin Luthera", mas não houve resposta. O dia passou, a noite caiu, nada de Ailin.
Murilo estava sentado no tapete comendo o único sabor de pizza que Ferrabraz abominava, a pizza de alho, o quarto inteiro fedia como uma cozinha de restaurante chinês.
— Mumu você pode me ajudar a achar a Ailin? Ela não é de sumir, deve ter acontecido alguma coisa grave.
Murilo respondeu sem tirar os olhos do filme que assistia na tv:
— Não. Meu papel é rastrear Smeralda, que inclusive sei onde está agora. Se a gata fritou não é problema meu.
— Fritou? Como assim?
Murilo deu de ombros, Ferrabraz ergueu a mão acima da cabeça e esticou o dedo mindinho para cima, o fio dourado se formou puxando a mão de Murilo para ele com violência fazendo o rapaz bater as costas nos pés da cama.
— O que está fazendo? Acha engraçado ficar invocando o elo de posse toda hora? Pelo que me consta isso serve para me trazer de volta se eu fugir, mas eu estou bem aqui então pare de fazer isso! Vai arrancar meu dedo!
— O que quer dizer com "a gata fritou"?
Murilo revirou os olhos.
— Eu sou o Dragão do ar não sou? Então escuto coisas a todo momento.
— Não escuta não, você é bem seletivo com o que ouve. Diga.
— Ok, mas me solte!
Ferrabraz abaixou a mão e o fio dourado que unia os dedos dos dois sumiu, Murilo voltou a falar:
— Uma Deusa se manifestou perto daqui ontem a noite, Oxum.
— Oxum se manifesta no Brasil inteiro, tem templos e devotos dela por todo lado nessa terra, qual a novidade?
— Ela se manifestou em totalidade, esteve cem por cento aqui neste mundo.
— Sério? E tem uma médium tão forte assim por aqui para aguentar uma incorporação total?
— Apenas uma, ouvi o nome dela, Vidália eu acho. A questão é que a sua gata, burra como de costume, atacou os amigos de Smeralda dentro do templo enquanto a Deusa estava em terra, e a Deusa fritou ela.
— Merda... sabe onde Ailin está? Pode me levar lá?
— Eu não vou lá, mas tudo bem...
Murilo tocou a testa de Ferrabraz com o dedo indicador, então a imagem se formou na mente do demônio, o flash de luz iluminou o quarto por um instante e um segundo depois Murilo estava sozinho.
Ferrabraz apareceu em um pequeno espaço entre duas arvores, pela mata ser tão densa ele não conseguiu deduzir onde se localizava exatamente, mas bastou dar alguns passos para encontrar a gata escondida entre raízes de árvore, não havia pelos em seu corpo, apenas o couro vermelho em carne viva.
— Ailin! Por mil demônios, você está bem?
Ailin abriu os olhos ao ouvir seu nome mas não teve forças para permanecer desperta. Ferrabraz abaixou e a pegou no colo, cada vez que era tocada ganidos de dor escapavam de sua garganta felina.
IV
Em uma pequena mesa de armar estavam todos os ingredientes, utensílios e ferramentas necessários, de baixo da mesa gaiola com quarto galos de campina. A lua minguante estava alta no céu negro. Tudo pronto, mas Karen não estava bem.
Tiago, Danusa e Júlio aguardavam sentados em um banco de jardim a alguns metros atrás dela, Karen que estava vestida com uma túnica branca ritualística virava páginas do livro de encantamentos com as mãos trêmulas.
— Nossa, ela vai mesmo fazer magia? — Tiago parecia animado.
Danusa e Júlio se entreolharam preocupados.
— Precisamos que ela faça, sem esse feitiço de proteção não poderemos permanecer nesta casa. — Júlio falou.
— Tomara que ela consiga. — Danusa disse com esperança.
— Ué mas qual é o problema? Se ela é bruxa porque não conseguiria?
— Você nunca se perguntou porque mamãe é tão esquisita? Ou porque nunca namorou ninguém mesmo sendo tão bonita? — Danusa perguntou a Tiago.
— É a personalidade dela, e foi uma opção, não é?
— Não, não é. Aconteceu uma coisa no passado dela, um problema. Mas não gosto de contar essa história, é melhor Júlio contar, ele sabe ela melhor que eu.
Tiago olhou para Júlio com expectativa, então ele começou:
— Você não se lembra, mas durante o seu primeiro ano de vida você e Danusa moraram com sua avó, lembra dela?
— Vovó Lucrécia? Sim, visitamos ela em Maceió faz uns cinco anos, é a mesma megera de sempre, mas eu realmente não sabia que tínhamos morado com ela. Onde minha mãe estava?
— Antes de eu me tornar Júlio estava em Dukpa esperando que a oráculo anunciasse o renascimento de smeralda.
— Dukpa? — Tiago perguntou.
— Sim, lembra quando sua mãe disse que os anjos vivem em Nibiru? Ela estava falando a verdade, Nubiru não é um planeta como a Terra, na verdade é mais ou menos do tamanho da sua Lua. Lá é divido em quatro partes, Dukpa é a cidade comum dos Anjos médios, na língua humana Dukpa significa toca. A segunda cidade é Belina, lar dos anjos da aristocracia, Belina significa Brancura. A terceira cidade é Voen, lar dos Anjos exclusivamente militares, Voen significa Marcial. A última cidade e onde os anjos femininos moram, e é onde a oráculo vive, a cidade se chama Krosna que significa Copa. Eu estava acampado nos portões de Krosna já a sete anos esperando a oráculo dar a notícia, e então ela anunciou seu nascimento Tiago, disse o dia em que havia nascido, disse o país a região, então eu busquei por você por alguns meses.
— Mas eu sendo um anjo não seria fácil de me achar?
— Um anjo acha outro anjo, mas você é mestiço, um meio anjo, e não podemos rastrear mestiços. Passei três meses te procurando até que encontrei você e sua irmã sendo cuidados pela Lucrécia, ela é uma feiticeira também. Perguntei sobre a mãe de vocês mas Lucrécia não sabia, disse apenas que recebeu uma ligação para vir até São Paulo cuidar dos netos e quando chegou aqui encontrou uma Danusa de tres anos de idade sozinha com você que era recém nascido. Lucrécia descreveu a filha e eu saí a procurar ela, temia que tivesse acontecido o pior, e realmente estava certo. Não muito longe da casa vocês havia um covil de demônios, e ela estava lá, estava sendo mantida em cativeiro.
— Cativeiro? Sequestrada por demônios? Porque?
— Sua mãe engravidou duas vezes de anjos, e quando uma mulher mantem relações sexuais com anjos por um período de um a tres anos ela conserva o cheiro, o cheiro do anjo. Para o olfato humano e até mesmo bruxo é imperceptível, mas os demônios sentem. Se lembra quando Danusa atirou naquele demônio na porta da loja? Assim que ele se aproximou de mim soube que eu era anjo, ele sentiu o cheiro. Os demônios são sujos, crueis, e gostam de... vamos dizer "brincar" com namoradas de anjos. Sua mãe estava sendo mantida como escrava sexual de onze demônios. Ela foi estuprada tantas vezes que quando a achei estava em um lamentável estado físico e também danificada psicologicamente. Matei os demônios, comuniquei a Lucrécia o que havia acontecido e então levei sua mãe para Nibiru, para ser curada. Lá tentamos remendar o máximo possível, desfazer os estragos. A carne dela foi totalmente restituída, não há nenhum vestígio ou cicatriz dos abusos, mas a mente dela por mais que foi muito trabalhada para voltar a normalidade... é... Acho que conseguimos trazer 80% da Karen normal de volta, mas 20% da mente dela ainda permaneceu danificada. Ela contou que os demônios a obrigavam a realizar prodígios mágicos, fazer feitiços entre ou até mesmo durante os estupros, parece que eles achavam engraçado. Esse foi o lado permanentemente danificado da mente, o lado da realização da magia, isso porque ela inconscientemente relaciona a magia com o que aconteceu naqueles dias. Quando eu a trouxe de volta... por algum tempo tive de manter ela sob vigilância e por dez anos eu a mediquei com chás preparados para acalmar a mente. Você se lembra da sua babá? A Shirley?
— Lembro sim, era um doce de pessoa.
— Tiago, eu era Shirley. Mudei a minha forma para poder paracer uma menina adolescente que precisava de emprego. Foi necessário para cuidar de você, sua mãe não podia. Mas assim que vi que ela estava melhorando eu parei com os chás, deixei de ser Shirley e a incentivei a criar uma ocupação, disse que seria necessário para ser um disfarce para encobrir você, mas é claro que isso era mentira, eu só queria que ela voltasse a viver. Dei a idéia da floricultura mas ela quis abrir a loja esotérica. Deu certo, Karen hoje, mesmo ainda não sendo totalmente normal, é uma mulher plena de suas faculdades mentais.
Tiago ouviu até o fim, quando Júlio acabou ele ficou em pé por alguns minutos, tudo o que vinha a sua mente era sua mãe, todas as vezes que sorria, que era amável, todos anos de trabalho... Ele sentiu um profundo remorso da época em que era um adolescente tolo que sentia vergonha de ser filho da maluca do bairro... agora invés de sentir pena da mãe ao saber de sua história o que ele sentia era orgulho e uma profunda admiração, Karen passou pelos piores horrores mas ainda assim voltou para ele e para a irmã. Ele suspirou profundamente e caminhou até Karen, segurou a mão esquerda e trêmula dela. Karen olhou para ele confusa.
— Filho eu estou ocupada agora, sente lá com os meninos que vou acabar aqui rapidinho.
— Não.
— Como não? Vai ficar ai segurando a minha mão o tempo todo?
— Sim.
— Oxi, qual a necessidade disso?
— É pra senhora não se esquecer de que não está sozinha. Eu vou ficar aqui.
— E eu também. — Danusa colocou uma mão no ombro da mãe.
Karen sorriu para eles e mesmo um pouco trêmula segurou o athame e o apontou para o céu, em seguida recitou as palavras escritas no livro enquanto Danusa sacrifica os galos. Um onda de ar frio veio de repente, rodeou a casa e então todos sentiam que a magia havia sido realizada com sucesso, nenhum demônio ou criatura enviada com má intenção pisaria naquele solo novamente.
Tiago nunca mais zombaria do jeito excêntrico da mãe novamente.
(Continua)
Amei amei amei, chorei agora no finalzinho ❤😭
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ExcluirLINDO AMEI
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