Lucifer Smeraldina Cap. 1
Felipe Caprini
12 de Janeiro de 2020
12 de Janeiro de 2020
Capítulo Um
"É Esse Cara Aí "
I
Um quarto todo em marmore escuro, frio e sem vida. Ali apenas quatro malões grandes abertos com roupas caindo para fora, uma cama de dossel grande em veludo vermelho, uma banheira de louça e a penteadeira na qual a mulher estava sentada. Ela era ruiva, usava um vestido cor de areia com espartilho e saia de crinolina, penteava os cabelos lentamente, estava triste, desanimada. Então pela sacada aquele ser entrou, era para ser um anjo e ela sabia que era, mas não era como os anjos das pinturas expostas na Catedral, não, este era branco como uma Folha de papel com mais de dois metros de altura, cabelos longos e lisos cor de prata e olhos prateados e aguçados como os de uma aguia, e o mais impressionante eram as asa, um par de asas enormes em plumas brancas. Ela não se deu o trabalho de se virar, o fitou apenas olhando o reflexo no espelho. A voz potente dele ecoou nas paredes de mármore.
— Isabella junte suas coisas o mais rapido possivel, um baú basta, temos de partir.
Ela suspirou cansada e se virou para encarar o anjo.
— Partir para onde? Acabamos de chegar. Ahavael quando vão me explicar o que está acontecendo?
— No momento certo eu lhe contarei, mas agora temos de par...
O som de explosão rimbombou do lado de fora fazendo as paredes estremecerem, em seguida outro anjo maior e mais corpulento entrou voando pela sacada, ele portava uma lança dourada cujo a ponta escorria algo como ouro liquido, depois de retomar o folego ele se dirigiu a Ahavael em uma língua diferente, mas ainda assim Isabella compreendeu.
— Ahavael, treba da go napustime vednas! Toj znae koj e, toj e tuka.
— Como assim "ele sabe quem ela é? — Isabela perguntou — Quem é esse "ele"? Qual é o interesse dele em mim? Miguel me conte!
O anjo recém chegado chamado Miguel olhou para ela e depois se voltou para Ahavael.
— Ako ne, ubijte ja Isabella.
Isabella ficou em pé em um tranco rápido deixando a escova cair no chão, já começando a tremer ela berrou em desespero.
— Se não for possível fugir então mate Isabella? É isso? Vão me matar? Porque? Por Deus o que está acontecendo?
Miguel abriu a boca mas não foi a voz dele que ecoou, um brado vindo do lado externo trouxe um nome, aquele nome que fez o corpo de Isabella inteiro gelar.
— SMERALDAAAAAA!
TUM!
Tiago abriu os olhos assustado, o barulho foi por ter batido as costas no chão quando caiu da cama. É, novamente aqueles sonhos estranhos, novamente vendo anjos e a tal Isabella. Ele se sentou no chão e passou a mão pelo rosto, a testa estava suada e ao mirar as mãos ele viu que tremiam.
A porta do quarto foi aberta e Danusa, a chata irmã mais velha entrou ainda de camisola.
— Caiu da cama de novo?
— Caí.
— Pesadelo de novo dona Isabella?
Tiago amaldiçoou a si mesmo por ter um dia contado a irmã sobre os pesadelos, como ele não respondeu ela logo saiu do quarto rindo. Ele se levantou e abriu o guarda-roupa, mas assim que fechou a porta focou no reflexo de seu próprio rosto no espelho, as bochechas lavadas de lagrimas, os olhos inchados e vermelhos, parecia ter chorado a noite toda, porém não se lembrava disso, ele não era uma pessoa emotiva e mesmo se fosse, bem as pessoas pra chorar precisam de um motivo não é? Respirando fundo ele vestiu uma bermuda azul de tactel e uma camiseta Branca, calçou os chinelos, escovou os dentes e lavou o rosto e comeu algo na cozinha. Oito e meia, ele já havia descido para a loja, sua mãe já estava lá organizando as coisas. A casa, um pequeno apartamento de três dormitórios ficava sobre a loja de artigos religiosos "Madame Marte", e a Madame Marte na verdade era Karen, a mãe. Ela estava no caixa contando as notas de dinheiro trocado mas assim que Tiago entrou ela abaixou a cabeça e olhou para o filho tentando enxergar sobre as lentes grossas de seu óculos.
— Que olheiras são essas? Está sem dormir? — Karen perguntou.
— Pesadelos de novo. — Tiago respondeu enquanto apanhava seu avental laranja sob o balcão e o vestia.
— Eu já te disse, isso é encosto. Tem de fazer aquele descarrego com nove ovos vermelhos pra Iansã, é tiro e queda.
— Mãe a senhora sabe que eu não acredito nisso.
Karen voltou a contar o dinheiro infeliz.
— Um pisciano ateu. Como pode isso? Você sabe, você é filho de Oxum, tem de cuidar disso, gente de Oxum quando ignora os sinais do astral acabam...
— Acabam o que? — Tiago perguntou abafando o riso.
— Acabam... Loucas.
Tiago não conseguiu segurar a risada, Karen ficou nitidamente aborrecida com o deboche.
— Pare de rir, você sabe que eu sou entendida. Agora deixe de vagabundagem e vá repor as velas, as prateleiras estão quase vazias.
Tiago foi para os fundos, para o depósito, apanhou uma caixa Grande de velas vermelhas e a apoiou no ombro, já estava se virando para sair quando de repente um homem cutucou sua barriga com a ponta de uma lamina, Tiago fixou o olhar nele e... era um Anjo, Miguel com sua pele branca e olhos de prata frios como o gelo, ele fincou a lança dourada na barriga de Tiago, então sussurrou "morra Isabella, você tem de morrer mais uma vez".
Karen ouviu o berro do filho, era um grito cheio de dor, ela bateu a gaveta do caixa e correu para o fundo, Tiago estava ajoelhado no chão e Julio, o melhor amigo do filho ali diante dele com uma expressão de espanto enquanto tentava equilibrar uma caixa de velas e um fardo de espadinhas de alumínio sem corte.
— Tiago?! O que é isso? Você está bem? — Ele se ajoelhou ao lado dele e se assustou ao ver os olhos do filho completamente brancos, revirados enquanto ele gemia mantendo as mãos sobre a barriga. Ela se virou para Júlio — O que aconteceu?
— Eu não sei tia, eu peguei uma das espadas e cutuquei a barriga dele pra dar um susto, mas são espadas sem corte e sem ponta, é impossível ele ter se machucado.
— Tiago! Tiago! Porra moleque! Saí dessa! — Karen deu um tapa forte no rosto no filho.
Tiago tirou as mãos da barriga e olhou pra mãe incrédulo.
— A senhora me bateu?
— É eu vi em um filme que dar uma bolacha na cara de quem está em fora de si resolve, e pelo visto é verdade. Você está bem?
— Cara que loucura foi essa? — Júlio perguntou.
— Júlio? O que você? Como você chegou aqui?
— Eu vim pedir ajuda, o entregador de incenso está aqui e como ele é meio desonesto eu queria ajuda pra conferir a mercadoria. Mas ai eu te cutuquei e você teve uma crise psicótica.
— Foi você? Você me... cutucou?
— É cara, e você quase deixou a caixa de vela cair e ficou falado "não Miguel, não faz isso".
— Miguel? É aquele seu ex namorado porco não é? — Karen perguntou enquanto ajudava o filho a se levantar.
— Não mãe, meu ex se chama Michael, eu não conheço nenhum Miguel.
— Ah mas eu sim, você sabe que eu sou entendida, é São Miguel Arcanjo, você disse o nome do anjo, sabem o que significa não é?
Júlio e Tiago disseram "não" em uníssono.
— significa que é uma mensagem vinda de Nibiru!
— Que diabos é Nibiru? — Julio perguntou.
— É um planeta habitado pelos anjos...
— Mãe para de bobagem, Júlio eu vou com você conferir o incenso.
Karen ficou olhando o filho sair, havia algo muito errado ali, ela ainda não sabia o que era porém sentia que ia descobrir em breve.
II
Dois rapazes em uma mesa pequena mesa dentro de uma confeitaria de bairro, um aparentando trinta anos, alto com cabelo negro cumprido preso em um rabo de cavalo, olhos verdes e cavanhaque, o outro aparentando dezesseis anos, de compleição pequena, cabelo castanho curto e grandes olhos castanhos. O mais novo desenhava, traçava linhas na folha branca de um caderno de desenho, lápis na mão e olhos fechados. Havia falatório dos clientes nas outras mesas, som de louça, colheres batento em xícaras, vento balançando o toldo de lona. Desenhou tantos simbolos estranhos que a folha ja estava tomada por grafite, então de repente ele parou e abriu os olhos.
— Finalmente.
— Mumu? Finalmente?
— Ferrabraz eu a encontrei. Encontrei a Smeralda.
— Mumu...Tem certeza?
— Por Deus não me chame assim, quantas vezes tenho de dizer que meu nome é Murilo? Aliás você que me batizou assim.
— Ok Mumu, onde ela está.
— São Paulo.
— Que parte?
— Ora Ferrabraz, em alguma parte do estado.
— São Paulo tem doze milhões de pessoas sabia? Não pode ser mais... Preciso?
— Sim Ferrabraz, achei a Smeralda, ela está bem aqui de baixo da minha bunda.
— Eu posso trocar de lugar com ela?
— Vá se fuder.
Uma garçonete se aproximou e sorridente e perguntou se gostariam de provar mais um pedaço de bolo, a garota era bonita e falava com os olhos fixos em Murilo. Ferrabraz se incomodou com aquilo, aqueles olhos de quem gosta do que vê.
— Eu é que pago a conta, então se pra ficar se oferecendo faça isso pra quem paga. — Ferrabraz falou.
A menina piscou surpesa com a rispidez e saiu de perto apressada.
— Porque fez isso? — Murilo guardou o caderno na bolsa.
— Porque você é meu.
— Não sou...
Ferrabraz ergueu a mão esquerda e esticou o dedo mínimo para cima, então um fio dourado surgiu sendo uma ponta amarrada no dedo dele e a outra no dedo mínimo de Murilo que foi obrigado a erguer a mão junto. Ele riu e falou:
— Você é meu, não se esqueça disso.
Murilo abaixou a cabeça, triste, Ferrabraz abaixou a mão e o fio desapareceu.
Murilo ficou em pé nitidamente aborrecido, colocou a bolsa no ombro e esperou Ferrabraz pagar a conta, então sairam juntos para a rua, contornaram por um beco até chegar na parte de trás da confeitaria, um corredor escuro onde só haviam lixeiras. Ferrabraz segurou a mão de Murilo então beijou o alto da cabeça do rapaz.
— Pronto Mumu?
— Sim, vamos logo.
— Então vamos para São Paulo. Acha que é melhor ir direto para a capital?
— Eu não sei... acho... Acho que sim.
Ferrabraz apertou a mão de Murilo com força, e foi como se um relâmpago houvesse iluminado o beco,um segundo estavam ali e no outro dentro de um cubículo de paredes brancas com um espelho enorme e uma cortina azul fazendo a vez de porta.
— É... Um provador? — Murilo olhou em volta, seu corpo rente ao de Ferrabraz por falta de espaço.
— Sim, loja de Shopping. Estamos no bairro chamado Tatuapé, é bem popular na capital de São Paulo.
Eles Sairam do provador causando espanto na vendedora que estava atendendo a cliente da cabine ao lado, caminharam até a saída, era uma passarela sobre uma avenida onde podiam ter acesso ao metrô. Ferrabraz segurou a mão de Murilo e perguntou:
— Para onde vamos agora?
Murilo fechou os olhos e moveu o corpo na direção desejada, indicou apontando com o queixo.
— É Pra lá.
— Norte? Certo Mumu, vamos para a zona norte.
III
Nove e meia da noite e o relógio de parede fazendo aquele tique-taque chato. Tiago e Júlio já haviam passado uma hora e meia do expediente mas a loja estava cheia, era um grupo de macumbeiros daqueles bem fanáticos comprando tudo o que podiam, só as compras de um deu mais de setecentos reais. Era impressionante, Karen conseguia fazer eles comprarem tudo. Ela levou uma mulher até uma estante de de vidro e mostrou a ela um enorme tacho de cobre vermelho.
— Olha isso minha querida, cobre da mais alta qualidade, é ideal para fazer o assentamento da Oyá da sua filha, e está uma pechincha, veja a etiqueta, são apenas trezentos reais. Ha não faça essa cara, está barato, isso vai durar a vida toda!
Júlio estava no balcão, embalava um pacote de velas em jornal, riu e cochichou para Tiago:
— Sua mãe é muito esperta, se a mulher soubesse que no Brás ela compra uma tacho igual por oitenta reais...
— Mas no Brás ela vai comprar em uma loja de utensílios domésticos, já aqui ela está comprando diretamente das mãos da Maravilhosa Madame Marte.
— Porque sua mãe usa esse nome de Madame Marte? Eu sempre quis saber.
— Bem, existem duas respostas para essa pergunta, a primeira é que ela cultua Marte, Deus Romano da guerra. A segunda, e de fato verdadeira, é que mamãe é fã daquele filme "Marte Ataca", lá tem um momento onde um dos aliens se veste de mulher e é chamado de Madame Marte, ela ama essa parte do filme.
Dez e dez da noite, o último cliente foi embora, Júlio correu para fechar a porta mas assim que se aproximou dela um adolescente se materializou bem um metro a diante.
Júlio piscou os olhos confuso, tinha certeza de que a calçada estava deserta um momento antes.
— Desculpe mas já fechamos. Abriremos amanhã as oito.
O rapaz olhou para ele curioso.
— Não sou comprador. Quero falar com a mulher.
— Mulher? Você quer falar com a... Olá?
Ferrabraz se aproximou, colocou a mão no ombro de Murilo.
— Mumu tem duas mulheres aqui, uma dentro da loja e outra no andar de cima.
Ferrabraz falou distraído, mas sua fisionomia mudou quando olhou para Júlio que estava com a mão firme apertada na maçaneta da porta de vidro.
— Você não pode entrar, não vai passar.
— Um... Anjo? Você é um Anjo? Sinto o cheiro.
Júlio elevou a voz:
— Saia daqui, saía já se não quiser problemas.
—Um anjo disfarçado de humano...
Júlio mediu o Ferrabraz o fitando dos pés a cabeça.
— Um demonio disfarçado de homem é o que vejo.
— Não senhor, não há disfarce aqui, essa é a minha aparência real e eu sei que você gostou, pode olhar o quanto quiser.
— Saia já daqui criatura imunda!
— Não. Está protegendo a Smeralda não é? Eu não consigo indentificar qual das mulheres ela é, mas sei que está aqui, sinto o força que ela emana.
Tiago notando a agitação na porta se aproximou.
— Está tudo bem ai Júlio? Quem são esses ai?
— Tiago volte pra dentro. — Júlio disse de modo severo.
Murilo fixou os olhos em Tiago, houve um Q de reconhecimento em seu olhar.
— Ferrabraz você não disse que a Smeralda era mulher?
— Sim todas as trinta e seis encarnações dela foram belíssimas mulheres, princesas, rainhas, cortesãs.
Júlio berrou:
— Tiago pegue sua mãe e sua irmã e corra!
— O que? — Tiago questionou confuso.
Murilo apontou o dedo para ele:
— Ferrabraz acho que algo excepcional aconteceu pois a Smeralda... é esse cara aí.
Os olhos de Ferrabraz foram lentamente de Murilo até Tiago, não parecia ser possível, Smeralda era uma Rainha, uma consorte, Smeralda tinha marido. Os olhos de Ferrabraz examinaram Tiago dos pés a cabeça, realmente não era possível, ele era muito bonito sim mas não era nem sequer feminino. Apenas para tirar a prova ele fez uma pergunta, falou na lingua antiga:
— Momce kazi mi, kako se vikas?
— Meu nome é Tiago.
A boca de Ferrabraz se escancarou em surpresa, ele perguntou na língua divina qual era o nome de Tiago, e ele respondeu, ele compreendeu a lingua e somente um ser divino podia saber, ele era de fato Smeralda.
Um milésimo de segundo, um piscar de olhos, Tiago foi atirado para o lado por Júlio e então as balas começaram a cantar, a porta de vidro foi estilhaçada, o corpo de Ferrabraz sacudia freneticamente enquanto era atingido pelos projéteis pois ele se colocou diante de murilo como escudo, Tiago caído no chão olhou para trás e viu a coisa mais inacreditável do mundo, Danusa com dois revólveres um em cada mão disparando com ferocidade, atrás dela Karen recolhia todo o dinheiro do caixa e enfiava em uma bolsa. Danusa disparou até as balas acabarem, quando chegou a porta Ferrabraz so teve tempo de segurar a mão de Murilo e desaparecer no ar. Danusa chutou os cacos de vidro e abaixou a porta de aço, então se virou para ver os meninos.
— Todo mundo bem?
Tiago estava lívido.
—Como você sabia em quem atirar? — Júlio perguntou.
— Ouvi o pivete dizendo aquele nome, eu mirava nele mas o do cavanhaque se meteu no meio. Tiago você ta bem?
— Tu-tudo bem? Que porra tá acontecendo aqui? Você matou o cara! E desde quando você sabe atirar? De onde vieram essas armas?
— Explico no caminho. — Ela ajudou Júlio a ficar em pé.
— Caminho? Como assim?
— Tiago nós temos de dar o fora agora. Aquele cara veio aqui pra te pegar, e ele vai voltar.
Karen veio até eles.
— Tudo pronto, tenho dinheiro e o básico, o resto a gente se arranja na Estrada. Vamos dar o fora antes que o demônio volte. — Ela agitava as chaves do carro na mão.
— Usei balas de sangue, mas ainda assim ele vai se recuperar em no mínimo meia hora, temos de ir já.
— Demônio? Balas de sangue? O que está acontecendo aqui? — Tiago perguntou cheio de desespero.
— Moleque cala a porra da boca e vamos pro carro! No caminho eu conto! — Danusa falou.
IV
— Mumu... Como foi que você não previu isso?
Ferrabraz falou arfando, havia recendo vinte e tres balas no corpo, ali caído no carpete do saguão de uma imobiliária a dois quarteirões da loja, Murilo ajoelhado ao lado dele pescando as balas com os dedos de dentro dos buracos no tronco do demônio.
— Você me ordenou localizar a Smeralda e não fazer uma análise sobre o ciclo de amizades dela. E de toda forma é impossível perceber o que a rodeia, ela é poderosa demais, tudo em torno fica oculto na sombra que ela projeta.
— Ela? Agora é Ele. — Ferrabraz falou entrecortado por uma tosse.
— Ele... É isso foi inesperado não é?
— Isso é um desastre. Como espera que meu senhor vai reagir? Ele espera pela esposa, e eu vou dar a ele o que? Um marmanjo? Todas as encarnações de Smeralda eram lindas, principalmente a ultima, foi uma princesa chamada Isabella. Era a mais bela das criaturas.
— Então fale com seu senhor. É uma notícia grande demais para ser oculta.
— É. Vou fazer isso. Farei assim que eu tiver reunido coragem o suficiente.
— Você tem coragem o suficiente, a questão é outra.
— Como Assim?
— Me acha mesmo com cara de trouxa não é?
— Te acho com cara de safado.
— Nao fode. Seu Senhor me prendeu e me colocou sob sua tutela, mas nenhum membro da minha família pode ser preso para sempre. Seu Senhor, Lucifer Imperador do Inferno, me prendeu pois somente eu seria capaz de rastrear a alma de Smeralda após o próprio Jeová ter colocado feitiço de camuflagem nela. Mas a minha prisão acaba no momento em que ela for entregue a ele.
Ferrabraz se sentou com dificuldades e apoiou as duas mãos nos ombros de Murilo.
— Eu te amo.
— Você não me ama, você me cobiça. Pare de bobagem.
— Como pode dizer que não te amo, eu acabei de entrar na frente de balas por você, servi de escudo humano pra você.
Murilo sorriu com ar de deboche.
— Você não é humano.
— Detalhe, você entendeu o que quis dizer.
— Achou o que? Que estava salvando minha vida? Eu, um dos nove Zmej? Não há arma feita por homem ou feitiço feito por bruxa que me cause dano. Nem o seu senhor pode me derrotar em batalha, nem o criador dele e nenhum dos quatro mil deuses pôde. Eu não preciso de um demônio de menos de cinco mil anos de existência pra me defender.
— Se você é tão foda assim como acabou como escravo? Como deixou que meu senhor te forjasse uma forma humana e limitasse seus poderes? Ele te venceu sim! Te derrotou.
— Lucifer não me derrotou na batalha, ele não tem poder pra isso. Ele me enganou com as palavras, estou preso as palavras que ele me enganou a dizer.
— É eu sei.
— Já está bem? Vamos atrás do rapaz Smeralda.
— Não, deixe que se esconda e pense estar seguro, ai sim atacarei.
V
Danusa no volante, Karen no banco do carona, Júlio e Tiago atrás, o Ford Ka parecia já estar preparado de antemão para uma fuga, haviam roupas e comida no porta-malas e bastante dinheiro no porta-luvas. Estavam já na Estrada quando Tiago rompeu o silêncio:
— Agora será que alguém pode me explicar o que é que está acontecendo?
Ninguém respondeu, o silêncio total. Ele espero alguns minutos e perguntou de novo, então ninguém respondeu novamente, e em um gesto desesperado de chamar a atenção Tiago abriu a porta do carro em movimento e tentou saltar para fora mas foi agarrado pela cintura antes que pudesse se atirar no asfalto.
— Ta ficando louco?! — Júlio gritou somado as exclamações de espanto de Karen e Danusa.
— Tô! Não é óbvio? Uma hora atrás eu estava trabalhando na loja da minha mãe com minha irmã fazendo o jantar em casa, agora estou em carro de fuga que visivelmente já estava preparado pra isso, minha irmã é uma pistoleira no sentido literal da palavra e matou um cara que ela acreditava estar me perseguindo! Quer que eu te diga o que? Que está tudo bem? Pois não está!
— Conte logo pra ele Julio, não da mais pra esconder. — Karen falou.
—Mas... Nós nunca contamos... — Júlio respondeu.
— Conte Júlio, ele é meu filho, lá no fundo também é entendido, vai aguentar. — Karen falou.
— Nenhuma encarnada antes soube da verdade. — Júlio pareceu sério.
— E deu certo? As trinta e seis vidas anteriores acabaram bem? Deixa-las no escuro se revelou uma boa idéia? Quer que ele acabe como a Isabella? — Danusa disse irritadiça.
Júlio ficou calado, olhou para o rosto assustado de Tiago.
— Certo. Vou contar. Tiago preste atenção, eu vou contar quem você é. Só não surte ok?
(Continua)
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