Um Tabuleiro de Xadrez Capítulo 2 - Doralice
Felipe Caprini
Um Tabuleiro
de Xadrez
Capitulo II
Doralice
Sharir desceu por uma espiral de névoa branca, era como estar no olho de um furacão, ele deslizou até cair em uma cena, uma manhã nublada e cheia de neblina rasteira, se viu diante de três meninas adolescentes, as três loiras de cabelos cumpridos e cacheados, eram palidas por falta de sol, todas com olheiras escuras e rosto magro, estavam usando vestidos pretos estilo Lolita, coisa datada, vinham saindo de um cemitério, caminhavam de mãos dadas entre as lápides, a menina do meio era a única que chorava.
— Calma Doralice — A que usava uma fita no cabelo falou — Foi melhor assim. Tia Betina estava sofrendo muito, agora vai ter paz.
— Paz nada, ela vai arder no mármore do inferno isso sim. — a menina de óculos comentou.
— Não fale isso Sarana! — a de fita do cabelo censurou.
— E também não tem necessidade para drama, quando minha mãe morreu eu ergui as mãos aos céus. — Sarana disse.
Doralice era a do meio, chorava muito a ponto do queixo tremer, Sharir entendeu que aquela memória era de muitas décadas atrás e explorando mais soube que as duas outras moças eram as primas dela, Arlete e Sarana.
— Eu sei que mamãe não era muito boa, mas eu me sinto tão perdida... — Doralice choramingou com o nariz escorrendo.
— Você não está sozinha, nós três vamos sempre ficar juntas. — Arlete afirmou segurando a mão de Doralice com mais força.
— Eu sei... Obrigada. — Doralice retribuiu o aperto de mão.
A memória girou em névoa novamente e então o tempo voou, Sharir avançou entre arvores e entre paredes de casas, rodou como um catavento e ele foi até anos a frente no tempo e agora as três adolescentes já eram jovens mulheres e estavam na cozinha de um casebre no meio do mato em alguma cidade do interior, Doralice estava em pé separando as irmãs que discutiam, Sarana apontava uma colher de pau para Arlete de forma ameaçadora.
— Traidora! — Sarana gritava.
— Porque traidora? Você é uma bruxa de magia negra, sei que seu caminho é pelo vale da sombra da morte, mas o meu não precisa ser! Eu sou uma bruxa vermelha! Eu posso escolher onde pisar! — Arlete respondeu.
— Parem com isso! Nos não precisamos brigar assim! — Doralice interveio.
— Pro inferno com essa hipocrisia Doralice! Você está causando isso! Você fica enchendo a cabeça da Arlete com essa conversa hippie de amor a natureza! — Sarana gritou.
— Ninguém enche a minha cabeça com coisa alguma, eu simplesmente não sou cega. Acha que eu vejo o está acontecendo com você? A Mamãe e a nossa tia foram pelo mesmo caminho, servas de demônio que acabaram muito mal. Eu não vou acabar assim! — Arlete respondeu com raiva.
Sarana guardou a colher de pau dentro do bolso do casaco e foi caminhado para a saída.
— Onde você vai? — Doralice perguntou.
— Eu não posso mais ficar aqui, vocês... vocês não são como eu.
A memória girou novamente, Sharir rodopiou como um furacão, tudo ficou turvo, então ele estava em um jardim florido, o jardim da frente da casa, as três estavam ali novamente mas agora já eram mulheres feitas.
— Onde você está morando? — Doralice perguntou enquanto ligava o fogo para ferver chá.
— Não é de sua conta, não vim falar com você. — Sarana respondeu brusca.
— Não fale assim com ela, sabe que ela só quer o seu bem. — Arlete corrigiu a irmã.
— Meu bem? Ela separou nós duas! — Sarana gritou.
— Eu não separei ninguém e você sabe! Você nos deixou, foi escolha sua. — Doralice respondeu.
— E que diabos eu ia ficar fazendo aqui? Olhe pra vocês duas, revolvendo terra pra plantar ervas? Cultuando espíritos elementais? Bebendo chá de morango? Isso é humilhante! O sangue Salvaterra é nobre! Nossa família é das mais conceituadas e vocês aqui se comportando como benzedeiras... nojento!
— Melhor sermos benzedeiras do que assassinas. Eu sei o que anda fazendo, dos sacrifícios humanos. — Arlete respondeu enquanto apanhava as canecas no armário sob a pia.
— Esse é o ultimato Arlete, ou vem comigo ou fica com ela. — Sarana falou em tom de ameaça.
— Não sei porque pergunta, sabe que eu vou ficar com ela. — Arlete respondeu.
— Fique também Sarana, essa casa é de nós três, se você ficar nós vamos nos entender... — Doralice disse.
— Arlete! — Sarana ignorou Doralice — Tem certeza disso? Tem certeza que vai me dar as costas? Me trocar para viver com a escória?
— Se você ofender Doralice de novo... — Arlete se indignou.
— Tudo bem, ela só está nervosa. — Doralice tentou apaziguar.
— É você que está partindo, você está dando as costas para nós, para a família. — Arlete respondeu convicta a irmã.
— Vocês vão se arrepender amargamente. — Sarana ameaçou.
— Não somos crianças para ter medo de você. —Arlete disse.
— Mas deviam temer sim. — Sarana ergue o queixo.
— Ora já basta! — Doralice se impertigou.
— Ora essa vai ficar valente agora? — Sarana Provocou.
— Venha em paz, mas se for para trazer perturbações então fique longe. — Doralice falou áspera.
Sarana deu meia volta e foi embora pisando duro.
— Eu não entendo, porque ela me odeia? O que eu fiz pra ela? Quando eramos crianças havia harmonia, porque tudo desandou assim? — Doralice perguntou.
— Sarana queria que nós três fossemos iguais a ela, que fizéssemos as coisas hediondas que ela faz ou que pelo menos dessemos apoio. Você é o completo oposto dela Doralice, e isso a incomoda muito. Mas não se preocupe com isso, nós estamos bem e vamos continuar juntas. — Arlete abraçou a prima.
A memória girou novamente, Sharir visualizou um quarto com três camas com colchas cor de rosa, então Doralice e Arlete entraram vestido camisolas brancas. Arlete se deitou na cama e apagou a vela no criado mudo com um sopro, mas Doralice abriu a gaveta de seu criado e tirou de lá um pedaço de carvão, o pegou protegendo a mão com um lenço, em seguida riscou o chão traçando um círculo em volta da cama.
— Porque você faz isso mesmo? — Arlete perguntou após um bocejo.
— Isso afasta os maus espíritos. — Doralice afirmou.
O tempo acelerou, elas dormiram, quando o relógio bateu as três da madrugada a luz da lua invadiu o quarto pela janela, porém não só ela, um pequeno escorpião preto apareceu no parapeito e foi descendo pelas cortinas até chegar ao chão, chegou perto da cama de Doralice mas não conseguiu ultrapassar a minha de carvão, então se virou e foi para a cama de Arlete, subiu pelo cobertor, chegou até a mão dela e na região do pulsos a picou.
Arlete deu apenas um suspiro profundo e faleceu sem nem abrir os olhos.
Doralice abriu os olhos, sentiu o espírito de morte se aproximar, seu corpo inteiro ficou arrepiado.
— Arlete? Arlete sentiu isso?
Mas arlete não respondeu. Doralice se sentou na cama a acendeu a vela, foi então que viu os lábios roxos da prima e o escorpião ainda sobre o pulso. O terror tomou conta do rosto dela, apontou o dedo para o animal e ordenou:
— Revele-se!
O animal se contorceu e soltou um som chiado, disse "Sha-ran-a", em seguida picou a própria cabeça e se suicido.
Doralice se ficou em pé e foi até a prima, colocou dois dedos no pescoço para sentir os batimentos, nada, gelada e completamente morta. Ai ouviu a gargalhada vindo do jardim, correu até a janela e lá estava Sarana rindo, mas o riso acabou quando ela viu Doralice ali.
— Doralice? Escapou do meu bichinho? — Ela debochou mas ao ver a expressão no rosto da prima seu tom mudou para preocupado — Chame a minha irmã, quero falar com ela.
— Você mandou o escorpião? — Doralice perguntou com a voz embargada.
— Mandei, infelizmente ele compriu o propósito. — Sarana bufou.
— E qual era o propósito? Matar? — Doralice tinha os olhos marejados.
— Claro. — Sarana riu.
— Então sim, ele compriu o propósito.
— O que? Chame a minha irmã Doralice! Quero falar com ela! — Sarana exigiu.
Doralice apontou a mão para baixo na direção de onde Sarana estava e declamou:
— Essa é a minha casa, esse é meu lar, aquele tem sangue nas mãos aqui não pode ficar! O fratricida não cruzará os meus portões! Eu defendo minha casa pois diante do sol e da lua é o meu direito!
Ao dizer a última palavra Sarana foi arremessada para trás caindo deixada fora do jardim.
— O que é isso? Uma barreira? Não pode me barrar, eu sou da família! — Sarana gritou.
— Nenhuma assassina vai entrar na minha casa. Você não é mais da família, o que fez hoje rompeu todo e qualquer laço que ja teve comigo e com os Salvaterra. — Doralice respondeu.
— Assassina? O que está falando? Chame Arlete! Eu quero falar com ela! — Sarana gritou desesperada.
— O escorpião picou a bruxa errada. — Doralice respondeu e fechou as cortinas.
Do lado de fora Sarana começou chorar e berrar:
— Mentirosa! Mentirosa! Chame a minha irmã! Chame ela! — Berrou por horas até o amanhecer.
Quando o sol raiou Sarana ouviu barulho na parte de trás da casa e tentou entrar no jardim mas a barreira do feitiço de Doralice era dura como uma parede. Ela então correu pela lateral e entre os arbustos circundou a propriedade até ver o que Doralice estava fazendo. Ela berrou de horror quando viu a prima sair pela porta fazendo grande esforço para carregar no colo um volume enrolado em um lençou, o volume era inconfundível, um corpo. Sarana ficou completamente descontrolada, gritava sem parar e puxava os cabelos.
Doralice depositou o corpo no meio do jardim e começou a rezar na antiga língua hindu, rezava e chorava. A terra começou afundar a corpo acomodando na forma perfeita e o trazendo para dentro de si, logo o corpo desapareceu e Arlete então havia desaparecido para sempre.
— Doralice me deixe entrar! Me deixe ver ela! — Sarana implorou.
Doralice não se dignou nem a olhar para o lado, ficou ali sentado na terra diante do local onde o corpo havia afundado apenas chorando em silêncio o dia todo. Quando anoiteceu Sarana não aguentou mais ser ignorada e partiu.
A memória girou novamente, tudo escureceu, então Sharir viu uma nova cena, era uma noite chuvosa, os relâmpagos faziam clarões no céu nebuloso, Doralice já não era mais jovem, pareciam ter lá seus quarenta anos, as marcas de expressão já brotavam no rosto. Ela estava caminhando por uma rua de terra onde a lama tomava conta de tudo. Esperta como era, estava de capa de chuva amarela e galochas de borracha, infelizmente capa amarela e galochas verde limão, mas Doralice nunca teve tino para moda e para completar o visual ainda trazia um grande cesto de palha em um braço e uma bolsa plástica no outro, como a bolsa estava enganchada no cotovelo ela tinha a mão livre para portar um farolete a qual ia iluminando o caminho e o lado dela vinha uma enorme serpente jibóia rastejando entre os filetes de barro vermelho.
— Tem certeza que é uma boa idéia? — A serpente falou sibilando.
— Nunca é uma boa idéia quando Sarana está envolvida, mas isso envolve mais que ela. Obrigada novamente por me acompanhar Kainana, eu...
— Não se preocupe com isso, eu vou ficar de olho. — Kainana respondeu.
Após muito caminhar atolando os pés chegaram em um barraco de madeirite e telhas de amianto, a luz vermelha que vinha de dentro indicava a falta de luz elétrica. Doralice bateu palmas mas ninguém apareceu então ela e Kainana entraram. A barraco era um cômodo só, havia uma cama de solteiro e um fogão enferrujado, deitada em cima da cama estava Sarana palida e muito magra amamentando um bebê gordo de cabelos negros e lisos.
— Você mandou me chamar? — Doralice falou áspera.
— Mandei. — Sarana respondeu com a voz rouca.
— O que quer?
— Você já sabe, se veio é porque sabe.
— Você vai mesmo dar a criança?
— Dar? Não, eu vendi.
— Vendeu? Como assim? — Doralice se preocupou.
— Não se preocupe, não vendi pra nenhuma mafia de tráfico de órgãos. — Sarana riu mas acabou por ter uma crise de tosse.
— Então o que vai ser?
— Jorn, aquele bruxo idiota. Ele perdeu um filho e acabou ficando sentimental. Ele vai criar.
— Ai... menos mal... — Doralice suspirou aliviada — Jorn é uma boa alma.
— Deve ser, tanto faz. — Sarana deu de ombros.
— Mas ainda assim você é a mãe, seria melhor...
— Eu não vou criar essa desgraça. — Sarana interrompeu — Só estou amamentando porque ela precisa ir embora com saúde.
— Eu poderia ficar com ela. — Doralice disse.
— Não poderia não. — Kainana se intrometeu.
— Uma serpente que fala... Você é cheia de bizarrices não é? — Sarana zombou.
— Confie em em mim Doralice, sinto o cheiro de desgraça na menina. — Kainana disse.
— Tudo bem Kainana... Então Sarana porque me chamou aqui? — Doralice perguntou.
— Jorn está viajando, eu pari antes do tempo e ele não está aqui agora. Preciso que leve a criança para ele.
Doralice se aproximou da prima e pegou a criança no colo.
— Eu já imaginava, Trouxe uma cesta acolchoada para levar ela. Qual o nome?
— Belladonna. — Sarana respondeu.
— Belladonna? Como a erva venenosa? — Doralice ergueu as sobrancelhas.
— Isso. Agora por favor leve ela daqui, se eu passar mais um dia com essa criança vou acabar afogando ela em um balde. — Sarana disse.
Sem dizer mais nada Doralice pegou o bebê e colocou na cesta, cobriu com um tecido fino de plástico para não pegar chuva e foi embora. Na volta, no meio da estrada de terra Kainana falou:
— Ali, veja, um poço desativado. — A serpente apontou com a cabeça para um terreno ao lado onde havia um poço abandonado — Jogue esse bebê lá dentro.
— O que? Que absurdo! Eu não vou fazer isso. — Doralice se espantou — Kainana que conversa é essa? Você não é assim.
— Doralice vá por mim, esse bebê vai ser pior que mãe. Está nas suas mãos cortar o mal pela raiz, mas não fizer sofrerá as consequências. — Kainana sibilou.
Doralice olhou para a cesta, a mãozinha do bebê brincava com a cobertura de plástico.
— Não vou condenar alguém a pagar por crimes que não cometeu. Ela vai morar com Jorn e terá uma boa vida. Ele é um feiticeiro mas tem um coração muito bom, e tenho certeza que isso vai dar a ela um norte a seguir.
— Você é mesmo uma figura... — Kainana comentou.
— Porque?
— Viu como Sarana estava debilitada? Todos sabemos que no momento do parto a bruxa fica sem poderes, nos quarenta dias seguintes fica extremamente fraca e só vai recuperar totalmente as forças quando completa três meses.
— Onde você quer chegar com isso? — Doralice questionou.
— Você poderia ter matado ela e se vingado.
— Eu não faria isso, não busco vingança e mesmo se buscasse não a teria matando uma mulher no seu estado de fragilidade.
— Eu te admiro Doralice, mas infelizmente essa sua postura honesta e correta não orna com a realidade do mundo. — Kainana falou.
— Se eu ganhasse um vintém pra toda vez que ja ouvi isso estaria rica.
A memória girou novamente, as imagens desfocaram e borraram, então Sharir estava agora diante de uma Doralice muito mais velha com cabelo curtos e grisalhos, sentada em uma cadeira de madeira segurando a mão de um homem aparentando cinquenta anos, ruivo e sardento, estava adoentado que convalescia em uma cama.
— E Isaura? Onde está?
— Está de férias, fazia dois anos que não tirava feiras e eu achei melhor por ela longe disso tudo. Isaura é uma boa amiga, mesmo sabendo que ela seria útil agora eu não queria ver ela aqui. Ela é muito chorona, você sabe.
— Como assim? Então Jorn, não há nada que eu possa fazer para te ajudar?
— Não minha querida... — ele respondeu com a voz fraca — Eu apenas quero que busque Belladonna na escola e distraía ela na rua, se possível a deixe dormir na sua casa essa noite.
— Tudo bem, sem problemas, mas porque? Você não deve ficar sozinho neste estado.
— Doralice... Hoje é o meu último dia vivo. — Jorn teve outra crise de tosse.
— Último dia? Me explique isso.
— Olhe pela janela, ela está lá.
Doralice se levantou e olhou pelo vidro da grande janela e viu do outro lado da rua uma mulher de cabelos encaracolados pretos, pele muito pálida e lábios finos em batom vermelho, ela usava um casaco de pele de chinchilla e sapatos de salto alto pretos de bico fino. A mulher olhou para Doralice a seus olhos momentaneamente ficaram vermelhos e brilhantes.
— Quem é ela? Não me parece humana.
— Aquela é Drusila Ucobaque, é o demônio a qual vendi a minha alma quando era menino. Eu a mantenho afastada por um feitiço, mas ele vai acabar a meia noite de hoje e então Drusila vai entrar e... Você já deve imaginar.
— Mas como isso? Quando um bruxo vende a alma geralmente o demônio comprador o protege, então o que você fez?
— Quebrei o pacto. — Ele respondeu e logo teve outra crise de tosse.
— Quebrou? Mas porque?
— Veja bem, quando eu fiz o pacto era jovem e não analisava bem o que significavam as palavras. Drusila me propôs dar poder em troca de eu fazer serviços para ela, porém um vez ao ano ela me faria um pedido que eu não poderia recusar, independente se quisesse ou se gostasse, ela iria ordenar e eu obedecer.
— Entendo. E o você não deu a ela este pedido?
— Não dei. Hoje faz sete anos que venho me negando, e por isso ela me lançou estas inúmeras doenças, castigos.
— O que ela pediu?
— Minha filha, Belladonna. Ela queria que Belladonna fosse a minha suplente, que eu fizesse minha menina jurar obediência a ela, mas eu me neguei e vou morrer negando. Belladonna é meu bem mais precioso, eu quero que ela seja feliz, que tenha família, que não seja bruxa. Ela manifestou os dons e já usei a trikkon pra saber, ela é uma bruxa vermelha, isso significa...
— Que ela tem escolha. — Doralice se sentou novamente na cadeira ao lado da cama.
— Sim, eu quero que ela fique longe disso, dessa sujeira que é o mundo das bruxas. Por favor me ajude com isso.
— Eu vou tentar ao máximo, prometo.
— No meu escritório, atrás do quadro tem um cofre, Belladonna sabe a senha, lá está a escritura desta casa e também os dados bancários, ela deve herdar tudo o que é meu, e não é muito mas vai pagar os estudos e garantir o sustento até ela completar vinte e um anos.
— Oh Jorn... Eu não tenho palavras para te dizer como estou triste. Você não merecia isso.
— A vida não é justa e nem bonita. Minha amiga agora por favor vá, já são seis horas e Belladonna está saindo da escola. Faça o combinado por favor.
Doralice deu um beijo no rosto de Jorn e então saiu. Na entrada da casa olhou bem para Drusila e perguntou:
— A senhora não poderia relevar? Não tem outra forma de resolver isso
Drusila sorriu erguendo os cantos dos lábios com ar maquiavélico:
— Tem, é claro que tem, eu não precisaria fazer nada do que vou fazer hoje, mas farei porque eu quero e porque eu posso. Tem certeza que vai se meter nisso bruxinha?
Doralice meneou e se afastou triste, quando já havia dado vários passos Drusila falou alto:
— Jorn não quis me dar a menina, mas seria melhor se ela fosse minha. Ela não tem salvação, é podre por dentro.
Doralice fingiu não ouvir e continuou caminhando, tomou o ônibus e desceu na porta do colégio católico onde Belladonna estudava, estava atrasada então a menina era a única sentada na escadaria, tinha doze anos, usava saia xadrez, camisa branca e meia três quartos, o cabelo negro e liso comprido como sempre. Belladonna olhou para Doralice com ar de surpresa, então desceu os degraus até ela.
— Tia Doralice? Eu achei que meu pai ia pedir pra Isaura vir me buscar.
— Não sou sua tia, sou sua prima. — Doralice disse sorrindo.
— Você é velha como um maracujá, e primas são jovens então tia é mais adequado.
— Menina petulante... Vem, vamos tomar sorvete.
— Mas e meu pai? Eu preciso ir pra casa cuidar dele.
— Não hoje, essa noite você vai dormir comigo na minha casa, ordens de Jorn.
Belladonna arregalou os olhos e eles se encheram de lágrimas.
— É o último dia? — Ela perguntou com a voz embargada.
— Sim criança, é o ultimo dia.
— Eu tenho de ajudar meu pai, tenho de estar com ele!
— Você não pode estar lá.
— Porque não?
— Porque esse foi o último desejo dele. Respeite.
Belladonna assentiu e foi com ela.
Elas tomaram sorvete em um quiosque perto da escola, depois foram pra casa de taxi, Doralice fez "geladão de abacaxi", que era a sobremesa preferida de Belladonna, e elas comeram juntas, mas Doralice não era boba, Belladonna estava galante demais, sorrindo demais, estava agradável demais, e ela nunca, nunca, jamais era agradável. Já beirando as onze horas Doralice decidiu tomar banho, mas na hora de sair do banheiro a porta não abriu, emperrou. Ela estranhou, aquela porta so trancava por dentro, então empurrou o máximo que pôde mas não abriu de jeito algum.
— Safadinha, isso é feitiço... — Ela murmurou.
Abriu o armarinho e pegou uma navalha que usava para depilar as pernas, com ela abriu um pequeno Corte no braço, o suficiente para sangrar um pouco, com o sangue desenhou na porta a suástica de Lakshmi e então imediatamente porta abriu. Assim que pôs um pé para fora do banheiro ouviu um berro, e em seguida o som de pneus derrapando, correu para fora da casa ainda vestida em roupão de banho, demorava um pouco até chegar na estrada devido a distância, a casa era no meio do mato mas ela conseguiu, chegando lá viu um homem caído no acostamento.
— Senhor! O que aconteceu? O senhor está bem? — Ela perguntou o ajudando a se levantar.
— Eu estou sangrando! Uma... uma ninfeta maldita pediu carona, eu parei o carro, ela pegou uma adaga e enfiou na minha barriga! Meu Deus eu vou morrer... — Ele se desesperou.
— Não vai morrer, a lâmina não restou nada além de pele e entrou só até a camada de gordura, você vai ficar bem e se bobear nem cicatriz terá. Me desculpe mas eu tenho que ir.
Ela correu para o meio da estrada a tempo de parar um caminhão e pedir carona.
Ja era uma da manhã quando chegou na casa de Jorn, ela tinha certeza que Belladonna estava lá, e acertou.
Doralice entrou com calma, a porta da frente estava aberta, as luzes da casa acesas, ela foi em direção ao quarto de Jorn e lá estava Belladonna diante da cama do pai olhando o corpo com os olhos arregalados, paralisada. Seria exagero dizer que ela estava olhando um corpo, não era mais Jorn e sim um amontando de carne sangrenta, apenas a cabeça estava intacta, o restante havia sido tão retalhado que os órgãos estavam esparramados pelo chão e os músculos fatiados como se tivessem sido passados por um processador.
— Não meu anjo, não olhe isso. — Doralice foi ate Belladonna a abraçou.
— Foi ela não foi? Drusila Ucobaque. — Belladonna perguntou com a voz trêmula.
— Foi sim meu bem, foi aquele demônio. Olha, não tem nada aqui pra você, não mais. Vamos pra minha casa, você fica um tempo lá até eu ajeitar as coisas.
A memória girou novamente, agora Sharir estava diante de uma Doralice realmente idosa que caminhava devagar e tinha as costas encurvadas. O cabelo ralo e totalmente branco, estava rodeada de entidades, pombagiras, todas presas dentro de um círculo de sigilo desenhado no chão, o local era uma igreja abandonada, Sarana e mais dois, uma Pombagira de aparência infantilizada e uma espírito masculino de barba negra e olhou azuis cintilantes estavam diante deles.
— Pare com isso Sarana! Pare! — Doralice gritou ajoelhada no meio das muitas moças.
— Vocês estão bem onde deviam, vamos começar a Roda das Princesas! — Sarana gargalhou — Está surpresa Doralice? A última vez que me viu eu estava um caco, mas agora eu estou magnífica, gloriosa! Já você fede a morte, velha decrépita.
Doralice olhou em volta em busca de ajuda mas todas as Pombagiras estavam caídas totalmente impotentes.
— Elas não podem te ajudar agora — Saran falou.
— O que está fazendo com elas? — Doralice perguntou.
— Drenando. O feitiço da roda das princesas exige muita energia e vou usar a delas.
— Doralice você achou mesmo que podia conosco? — o espírito masculino falou zombando.
— Ela com certeza não pode, mas eu posso. — Um homem alto e magro de cabelos cumpridos e brancos entrou no salão, vestia uma túnica de seda negra e tinha na testa um diadema em forma de estrela mas o que mais chamava atenção eram as asas gigantescas de penas negras que pendiam das omoplatas. Com seus olhos de prata perscrutou a todos que estavam ali.
A Pombagira ao lado de Sarana perguntou com empafia:
— Mas quem diabos é você?
— Justamente. — o homem riu.
— Eu não entendi. — ela retrucou com ar de irritação.
— Pergunte a seu companheiro quem eu sou. Diga a ela Sete Encruzilhadas, diga o meu nome.
Ela se virou para perguntar a Sete Encruzilhadas mas quando procurou por ele não havia ninguém lá.
— Oh... Ele se foi... Desapareceu... Sentiu medo. Esse Sete Encruzilhadas que hoje você chama de Exu antes era um anjo, e todos os anjos caídos respondem a mim. Já conseguiu deduzir quem eu sou garota?
— Não... — Ela respondeu com insegurança.
O homem apontou o dedo indicador para ela e então correntes de ferro fundido surgiram das sombras e a acorrentaram dos pés a cabeça.
— O que é isso? Sarana! Socorro! — Ela gritou desesperada.
— Eu sou o imperador do Inferno, Lúcifer. — Ele sorriu — Agora queime.
O piso sob os pés da Pombagira cedeu formando um buraco e uma labareda enorme saiu dele, ela caiu para dentro enquanto gritava aa plenos pulmões.
— Só pra constar, alguém pode me dizer o nome dessa que acabei de lançar no lago de fogo do inferno? — Lúcifer perguntou para Sarana mas ela não respondeu, estava tão assustada que não se movia.
— E-ellen... — Doralice gaguejou.
— Ellen? Mas que trivial... — Lúcifer torceu os lábios.
— Era também conhecidas por Pombagira Menina. — Doralice completou.
— Hum... Melhor que Ellen sem dúvida. Pelo jeito que você e essas... moças estão presas neste circulo eu presumo que não estão envolvidas nesse feitiço não é? — Ele perguntou.
— Nós viemos impedir. — Ela respondeu.
— Eu também. — Ele piscou para ela e então se virou para falar com Sarana — Você eu conheço, Sarana Salvaterra, e grande puta. Me diga feiticeira, achou mesmo que ia realizar esse feitiço e fazer uma alma suja encarnar no corpo de uma criança?
— E-eu posso fazer... — Sarana respondeu acanhada.
— Com certeza você pode, eu não estou questionando a sua competência, o que eu quis dizer é se você achou que ia passar despercebido? — Lúcifer perguntou.
— Como assim? — Sarana questionou.
— Isso, esse feitiço, coisa que eu não tolero. O que é vivo morre e só volta a ter carne se for da vontade da Samsara, a roda das encarnações. Eu não permito, eu não admito, eu tolero que uma bruxa pense que tem autoridade maior que a minha. Se eu quisesse fazer uma alma de morto encarnar eu faria acontecer, é o que os Deuses fazem, mas você não é uma Deusa, você é um saco de couro e ossos que não mediu onde estava pisando, e vai pagar por isso.
As pombagiras ao redor de Doralice começaram a acordar, Sete Saias foi a primeira que sentou e com os olhos vidrados viu Lúcifer arrancar duas vigas do teto e junta-las formando uma cruz.
— O que o senhor pretende com isso? — Sarana perguntou assustada.
— Vais ver já! — Lúcifer falou.
Ele lançou a cruz para cima e então o telhado de madeira explodiu, as telhas voaram para todos os lados a luz da lua entrou no salão, a cruz pairou, flutuou acima de todos, Sarana foi arguida no ar como se puxada por uma corda invisível, seus braços abriram e o corpo se encaixou perfeitamente na cruz.
— Meu senhor! Meu senhor! Por favor não faça isso! — Ela berrava em pleno desespero.
— Eu vou te por como um exemplo, como um espantalho pra espantar os corvos. — Ele riu.
— Senhor por favor, não há necessidade disso! — Doralice interveio.
— Calada ou vai se juntar a ela. — Lúcifer ameaçou.
Ele agitou as asas e quatro penas negras saíram voando, foram arremessadas para o alto e fincaram nos pulsos e nos pés de Sarana como pregos a fixando na cruz.
Os berros eram horrendos, todas as Pombagiras em volta de Doralice despertaram e se puseram em pé observando a cena pavorosa.
A cruz girou, ficou de cabeça para baixo e então em um estupor de chamas desapareceu.
— Aqui vai um conselho senhoras — Lúcifer falou — , jamais atravessem o meu caminho. Eu não sou mal, apenas não sou tolerante. Esta bruxa e a tal Menina hão de arder eternamente nas masmorras da minha casa.
Ele bateu as asas causando um vendaval tamanho que obrigou todas ali a fecharem os olhos por um segundo, quando abriram ele já havia desaparecido.
Doralice saiu do circulo, estava com o corpo tremendo, então se abaixou e apanhou no chão a colher de pau de Sarana, aquilo era a única coisa que restava dela na terra.
A memória girou e Sharir saiu das lembranças de Doralice e passou para a seguinte, e ali estava ele diante de uma bela mulher de pele morena e cabelo preto cumprido, era Soraya, a famigerada Pombagira das Sete Saias.
(Continua...)
Amei ❤️
ResponderExcluirGente essas histórias, futuramente irão virar um série da Netflix concerteza... Parabéns Fellipe é aguardo a continuação e muito asé💞
ResponderExcluir