Um Tabuleiro de Xadrez - 1 - Ahiliel


Felipe Caprini

Apresenta o Quarto conto da Série "Urdidura das Feiticeiras"





Um Tabuleiro
de Xadrez


Este conto não interfere diretamente na história maior, mas ajuda a entender quem são os personagens. Sharir Malaun em breve despertará e então quer conhecer cada uma das peças desse grande jogo.


Capitulo I
Ahiliel


NO INFERNO
Samyaza estava em seu salão de balé rodopiando sobre as sapatilhas de ponta com as asas abertas fazendo o grande lustre tremeluzir com o vendaval que seus rodopios provocavam. Estava com a cabeça cansada, extremamente cansada. Em meio a um dos rodopios parou quando se viu refletida no gigantesco espelho que ocupava toda a parede. Se aproximou dele ainda pisando com as pontas dos pés, se apoiou na barra dourada e colocou o rosto a poucos centímetros do vidro. Estava tão triste, tão massivamente triste, e o pior era que nem sabia o motivo da tristeza.
Olhou atentamente para o próprio rosto, o nariz de linhas finas, as sobrancelhas castanhas, os olhos que tão azuis quanto safiras. Mas então percebeu que o rosto balançou, ondulou como a agua um lago.
     — O que? — Ela murmurou.
Se afastou do espelho e passou as mãos pelo rosto mas então percebeu que era o espelho que balançava. Samyaza se abaixou, deitou no chão com um dos ouvidos colados no piso e sim pode ouvir o "Tum! Tum! Tum!" Como batidas de um coração.
     — Senhora Samyaza! — Sahahiel entrou no salão correndo.
     — Isso é um ataque? — Samyaza perguntou ainda com um ouvido no chão.
     — Sim senhora, eles chegaram.

A cerca de um quilômetro do Palácio de Samyaza os três reis estavam em pé sobre uma biga de madeira enegrecida puxada por dezesseis escravos amarrados por correntes. Os três reais eram Satanás que vestia uma saia de pele de urso pardo felpudo com uma longa espada de aço escuro preso a cintura e uma coroa negra que contrastava muito com a pele palida, Lilith que usava um vestido vermelho longo com uma coroa idêntica de Satanás sobre a cabeça de longos cabelos negros, o terceiro rei era Kakuseisha, que finalmente havia se juntado aos outros dois, ele usava um colete vermelho vivo e calças de couro justas, na cabeça a coroa. Satanás era um anjo, Lilith uma humana com poderes sobrenaturais mas Kakuseisha era o único entre eles que era realmente um demônio.
     — Tem certeza que quer fazer isso sozinho? — Satanás perguntou passando um braço pela cintura do marido.
     — Sim é claro, Samyaza não deve ser reconhecida como ameaça digna de você travar a batalha pessoalmente. Você e Lilith vão para a fortaleza de Hell e eu dou conta de tudo.
Os dois se beijaram e Satanás voltou para a biga, bateu com o chicote sobre os escravos e eles começaram a puxar dando meia volta, Kakuseisha levou dois dedos aos lábios e atirou um beijo a Lilith que revirou os olhos e sorriu enquanto partia.
Ele caminhou adiante até entrar em um campo de papoulas e pode observar com nitidez o palácio de Samyaza bem diante da praça principal do Gehinom.
     — Majestade? — Um homem baixinho e atarracado de pele vermelha e asas de penas negras trajando armadura de couro cozido se aproximou.
     — Marchoziel as almas estão prontas? — Kakuseisha perguntou.
     — Logo atrás do senhor, são setecentas meu senhor.
     — Excelente.
Kakuseisha levou as duas mãos as temporadas e fechou os olhos, no campo de terra algumas centenas de metros atrás estavam as setecentas almas, homens e mulheres nus que eram pastoriados como ovelhas por uma dizia demônios de pele vermelha que usavam chicotes e lanças para manter todos juntos. Kakuseisha respirou fundo a deixou a coluna ereta então disse:
     — Meu nome é Legião...
Todos os humanos no campo começaram a gritar a plenos pulmões como se estivessem sob grande sofrimento mas em seguida endireitaram as colunas e assumiriam uma postura idêntica a de Kakuseisha, em uníssono disseram:
     — Porque somos muitos.

Os demônios de pele vermelha começaram a distribuição de armar, espada e escudos para todos, assim que se armaram começaram a bater as espadas nos escudos com força causando grande estrondo.

NA TERRA
 A casa de Belladonna estava em ordem novamente, Momo foi alojada em um dos quartos enquanto Ahiliel organizava as bagagens para a viagem rumo ao Brasil.
Belladonna estava se sentindo zonza desde que haviam saido da prisão no subsolo do prédio da Strega, então preferiu ficar sozinha descansando. tentou cochilar mas assim que se deitou ouviu um forte estalo, como algo que se rompesse. Ela não precisou ver, mas soube que a pulseira feita com o fio de cabelo de Samyaza havia se rompido.
No exato momento que a pulseira se rompeu uma avalanche de sentimentos e sensações a tomaram, ela saiu da cama e ficou em pé andando em círculos pelo quarto. Se olhou no espelho e lá estava a verdade nua e crua, sem o feitiço de Samyaza ela estava velha, flácida, grisalha, manchada e fétida. Porém surpreendentemente isso não foi o maior problema, ela estava totalmente limpa da influência de Samyaza e assim voltara a ser a Belladonna de antes, a Belladonna antes de ser convencidas a usar a pulseira. A primeira coisa que lembrou foi de Betânia, Betânia morta.
     — Ora foda-se a vadia da Betânia — Ela falou rindo, mas o riso era forçado.
Sem nem entender o motivo perdeu as forças nas pernas e caiu ajoelhada no tapete. A filha estava morta e a culpa era dela, toda dela. Ela não queria pensar naquilo, não queria de jeito algum evocar aqueles pensamentos mas eles vieram sem convite e como se fossem um filme ela viu novamente o dia do parto de Betânia, como pegou a menina no colo e a achou a criatura mais linda do universo. Sem lembrou que segundo depois teve a vontade de apertar o pescocinho fino da recém nacida pois ela era linda demais e Belladonna sabia que aquela juventude genuina nunca mais habitaria o seu corpo de mulher adulta. lembrar disso a fez sentir anciã de vômito, nojo de si mesma por ter odiado um bebê, um bebê tão lindo e precioso. As lágrimas começaram a verter dos olhos como cachoeiras, ela tentou gritar por Ahiliel mas a voz não saiu da garganta, apenas um chiado baixo e melancólico. Sabia que Betânia estava morta.
Morta.
Morta.
Morta.
A culpa era dela.
Péssima mãe, a pior das mães.
Se lembrou de todas as vezes em que desejou ter abortado a menina e dessa novamente desejou mas foi diferente, não desejou isso por odiar a filha e sim por odiar a si mesma. Betânia não merecia ter nascido de uma mulher tão ruim, era isso que ela sentia naquele momento. Sentiu a necessidade de chamar por Isaura mas quando olhou em volta se lembrou que não estava mais no antigo casarão e que Isaura agora era morta, apenas uma alma no inferno.
"O que aconteceu comigo?" Ela pensou mil vezes sem achar uma resposta. Lembrou da expressão do rosto das crianças mortas no jantar que dera a família Salvaterra, pareciam bonecos caídos no chão. Elizangela? Elizangela era uma boa mulher, mãe de um casal de filhos e foi metralhada. Belladonna ouviu mentalmente sua própria gargalhada ao desfilar entre os cadáver e de com satisfação ajudar Ahiliel a arrastar todos para o porão afim de serem derretidos com ácido. Isso foi demais, ela ficou de quatro no chão e vomitou.
Uriel? Uriel era seu melhor amigo, e ele estava longe e ela sabia que nunca mais seriam amigos de novo, e Doralice? Ela nunca foi próxima desta mas sabia que podia contar com ela, mas agora não mais. Estava sozinha, Belladonna estava absolutamente sozinha, não havia ninguém que gostasse dela e ela sabia. Aquela sensação de solidão foi tão avassaladora que em fim conseguiu gritar, um grito agudo de dor como o uivo de um cão ferido. Rolou por cima do próprio vomito, as pernas se esfregando uma na outra e os braços envolvendo o corpo. Foi então que lembrou de alguém que talvez pudesse ajudar.
     — S-se-sete Saias... — Ela sussurrou
— Me ajude... Por favor me ajude...
Ali caida chão pode ver nitidamente os sapatos de alto fino e a barra do vestido de seda negra se materializando diante dos olhos.
     — O que foi? — Sete Saias falou olhando para baixo com a expressão fria.
     — Eu... Eu estou com dor, muita dor.
Sete Saias se abaixou e percorrendo com os olhos os pulsos de Belladonna disse:
     — Os fios de cabelo de Samyaza desapareceram. Como você se livrou deles?
     — Não sei... Só sei que eu não estou aguentando de dor...
     — Eu avisei, Uriel avisou, Doralice avisou, aliás todo mundo avisou mas você não quis ouvir. — Sete Saias voltou a ficar em pé.
      — Eu quero... queria... — Belladonna sussurrou.
     — Queria o que? Voltar no tempo? Desfazer o que já foi feito? O relógio não gira para trás.
     — Mas... — Belladonna tentou falar.
     — Eu sei que doi, sou uma Pombagira se lembra? Consigo ler as energias e a energia que está emanando da sua alma é lamentável, é a coisa mais cheia de remorso que eu já vi.
     — Porque? Porque eu sinto tanto remorso? — Belladonna perguntou.
     — Porque não era inteiramente a sua vontade, você não tomou as decisões de mente limpa.
     — Samyaza estava em manipulando?
     — Por Deus, não, ela não te manipulava no sentido de te fazer ser algo que não é, o que ela fez foi vedar partes suas e intensificar outras. As pulseiras que te deu não eram magia para ficar jovem, elas fizeram isso sim no seu externo mas a maior interferência veio no interno.
     — Eu não queria fazer aquelas coisas... Eu juro.
     — Quem Jura, mente. Se você não tivesse a índole maligna não teria feito nada, a pulseira não poderia te obrigar a fazer coisa alguma. O que a pulseira fez foi vedar o seu bom senso e acentuar a vontade de fazer coisas ruins. — Sete Saias Explicou.
     — Eu preciso de ajuda... — Belladonna pediu.
     — Precisa sim, mas eu não posso fazer nada. Belladonna eu conheci a sua mãe, ela era exatamente como você. Quando eu as demais o Pombagiras soubemos que você existia tomamos a decisão errada, a certa seria ter te passado por uma máquina de fazer carne moída enquanto ainda era um bebê, mas não, eu com esse meu coração cigano me deixei levar pela esperança de que você seria diferente. Você sabe como foi o fim da sua mãe, e você sabe que está trilhando o mesmo caminho.
     — Não estou, eu não sou como a minha mãe! Sarana não tinha remorso! Não tinha! — Belladonna tentou gritar mas não teve muito efeito.
     — Claro que ela tinha. Você se lembra que ela era associada a Sete Encruzilhadas e que ele na verdade é um anjo caído? Adivinhe o que ele deu a ela de presente?
     — Sarana usava pulseiras de cabelo de anjo? — Belladonna se espantou.
     — Doze pulseiras em um único braço. Sete Encruzilhadas é um anjo caído fraco, agora as doze pulseiras que ele deu a Sarana não valhem nem metade desta uma que Samyaza te deu. — Sete Saias falou.
     — Eu quero parar com isso... — Belladonna disse.
     — Mas como? Como Belladonna? Samyaza precisa de você, não é questão de gosto ou de amizade, ela precisa de usar nos planos dela, e para piorar ela é uma das senhoras do inferno, isso significa que se você cortar os pulsos e se matar ela acha a sua alma no andar de baixo e te usa do mesmo jeito. É um beco sem saída.
     — Estou condenada... — Belladonna choramingou com lágrimas escorrendo pela face.
     — Você não é vítima, fez as suas escolhas, lide com as consequências. E infelizmente esse seu remorso nao vai durar muito tempo, o anjo está vindo para cá, isso significa que meu tempo aqui acabou.
Belladonna olhou para cima mas Sete Saias não estava mais lá, desapareceu, então Ahiliel abriu a porta do quarto.
     — Já embalei tudo lá em baixo, já colocou as roupas na mala... — Ele parou de falar quando viu o estado dela.
     — Me deixe em paz... — Belladonna respondeu.
     — Você... Esta velha... Ai não me diga que a pulseira arrebentou? — Ele correu e se ajoelhou ao lado do corpo dela — Me deixe ver os pulsos, ah sim elas sumiram, e eu imagino que o fio de cabelo da sua colher de pau também deve ter sumido.
     — Porque? Porque Samyaza me liberou? Ela achou engraçado me por diante da realidade suja? — Belladonna começou a chorar novamente.
     — Você acha que Samyaza rompeu as pulseiras de propósito? Claro que não, isso foi acidental, porém eu imaginava que pudesse acontecer. Foi aquela cadeia, tinha selos angelicais desenhados por todo lado, tantos selos assim podem interferir na energia de um anjo, eu mesmo estou até agora com zumbido no ouvido. Os selos devem ter enfraquecido os fios de cabelo que formavam as pulseiras.
     — Mas e agora? — Belladonna perguntou.
     — Samyaza Já previa que algo assim pudesse acontecer então me deu alguns fios de cabelo para reposição. Espere ai. — Ahiliel saiu do quarto correndo correndo e quando voltou trouxe uma pequena caixa de veludo azul marinho nas mãos, mostrou para Belladonna, abriu e lá estava uma mecha do cabelo de Samyaza que concerteza era composta por pelo menos cem fios de cabelo loiro reluzente.

NO INFERNO
     — É a legião de Kakuseisha? — Samyaza perguntou olhando pela janela a multidão ao longe.
     — Acredito que sim, e isso explica a trepidação, estão batendo aço para assustar. — Sahahiel respondeu.
     — Mas não assusta. Kakuseisha pensa que eu sou como os humanos? Bobagem, pura bobagem. Eu estava aqui quando as guerras mais horríveis aconteceram e lutei na maioria delas, não vai ser uma legião de possessão que vai me fazer tremer. Onde está Safira?
     — Não sei, sumiu, estava no quarto mas quando fui ver havia desaparecido. — Sahahiel respondeu.
     — Tudo bem.
     — Então eu mando um batalhão para lá? — Sahahiel perguntou.
     — Não, meus soldados não serão desperdiçados com isso, deixe eles serem alimentados e descansarem, so os tire do subsolo se for realmente necessário. Eu mesma vou resolver isso.
     — A senhora vai sozinha? — Sahahiel perguntou preocupada.
     — Sim vou, mas não ache que é um ato de orgulho ou vaidade, eu preciso mostrar para Satanas que eu não sou mais a antiga subalterna, eu sou maior do que ele jamais imaginou. O fato de ele mandar Kakuseisha sozinho significa que me vê como uma leve ameaça, e para levar essa guerra adianta preciso levar a ameaça a outro nível.

A sala toda começou a trepidar, os vidros das janelas racharam e o espelho gigante estourou em um milhão de cacos.
     — Sahahiel, você tem dez minutos para evacuar todos andares da superfície, leve todos os hóspedes, servos e escravos para as masmorras, quem ficar a nível do solo vai morrer. —Samyaza disse e então se sentou no chão para desamarrar as fitas das sapatilhas de Balé.
Sahahiel deu meia volta e correu, Samyaza acabou de remover as sapatilhas e ficou descalça, então saltou por uma das janelas e abrindo as asas planou até os pés tocarem a grama do jardim.
O chão tremia, cada passo que um dos possessos dava equivalia ao peso da pata de um elefante africano adulto, os setecentos vinham correndo a toda velocidade e então todos a cercavam, em um círculo perfeito bufavam e rosnava como animais raivosos.
     — Vai nos enfrentar sozinha? — Um deles perguntou.
     — Vou sim. Kakuseisha eu sei que é você que fala pela boca deles, e sei que não está longe, então eu vou matar todos e em seguida vou te pegar e vou te torturar até você ficar irreconhecível.
     — Regente do Gehinom, eu sou o consorte do imperador, você não me assuta.

Todos os possessos deram um passo a mais para frente e então Samyaza bateu as asas e uma onda de choque se formou, como a onda de uma bomba detonada, todos eles explodiram em nuvens de fumaça negra, não restou um. Ela bateu novamente as asas mas dessa vez simplesmente alçou vôo e então algumas centenas de metros adiante pousou diante de Kakuseisha que a olhava com os olhos arregalados.
     — Como... — Ele esboçou falar.
     — Como destruí todas aquelas almas? Porque sim, eu as destruí, não mais existirão, sem reencarnação, sem punição, sem Samsara, nada, sumiram para todo o sempre.
     — Impossível, nada neste universo desaparece, as coisas mudam de forma e de lugar, mas continuam a existir eternamente. — Kakuseisha a corrigiu.
Samyaza meneou a cabeça levemente com um sorriso nos lábios.
     — Você está correto se está a falar de ordem natural. Porém eu sou aliada de um Deus com D maiúsculo, um que põe medo em todos os outros, afinal eles até fugiram não é mesmo? Eu sou aliada de Sharir Malaun e é com o poder que ele me deu que eu posso destruir todas as coisas. — Ela Falou.
Kakuseisha sacou da cintura uma adaga de lâmina de aço polido e apontou para Samyaza.
     — Então tente me destruir.
     — O plano é justamente esse.

Era hora da guerra, hora do ataque, mas tudo parou, o tempo congelou Samyaza olhou em volta e se viu como em uma pintura, nem a brisa soprava, nem um som se ouvia, até que uma voz masculina soou dentro de sua própria cabeça.
     — Pare um segundo. — A voz imponente e gentil disse.
     — Sharir? Meu senhor? — Belladonna perguntou mentalmente.
     — Sim.
     — Mas meu senhor, porque me impede me destruir esse demônio?
     — Pode destruir, eu não me importo. Parei o tempo pois estou ficando mais forte.
     — Mais forte?
     — Sim. Mais tarde revelarei a fonte de minha força, mas agora neste breve momento de silêncio eu desejo saber.
     — Saber o que meu senhor?
     — Desejo conhecer todas peças do jogo de Xadrez. — Sharir Malaun sussurrou.
     — Como Assim? — Samyaza questionou.
     — Através de você, você que conhece todos eles, eu irei sondar cada um.

Samyaza sentiu uma leve dor de cabeça, Sharir estava dentro da mente dela percorrendo memórias como se fosse eletricidade percorrendo cabos de energia, então chegou em um nome, Uriel, e através da memória dela ele saltou para a memoria coletiva do universo, a memória do todo sobre tudo, o local onde o universo guarda os acontecimentos como se fosse um enorme banco de dados, ere como uma gigantesca galáxia cheio de esferas de cristal, cada esfera era o registro sobre um ser
 e lá encontrou o nome de Uriel também. Então enlaçado a esfera de nome dele viu as de Matiyah, Doralice, Belladonna, Ahiliel, Vampira, Sete Saias e de outros.
Sharir escolheu a esmo um destes para sondar, para conhecer, e em milésimos de segundo estava em Roma diante de Ahiliel, não no hoje nem no agora, mas na memória.

Ahiliel

Algumas semanas antes Belladonna conduziu o massacre da família Salvaterra durante um jantar.
Após metralhar todos e depois ver a morte de Cassandra alguns quilômetros dali, Ahiliel teve de recolher os corpos e cavar uma cova muito profunda, uma vala comum no jardim do fundo da casa de Belladonna. Sharir pairou sobre essa memória, Ahiliel metendo a pá no solo e jogando a terra para fora do buraco, ele era baixinho, media por volta de um metro e sessenta e cinco mas tinha o corpo forte com braços definidos e um peitoral pronunciado. Por ser um anjo ele era realmente mais forte que um ser humano, a terra não oferecia resistência, após cavar um buraco de cerca de dois metros quadrados ele atirou os corpos dentro como se não fossem nada, caíram amontoados no buraco como bonecos de borracha. Com todos ali dentro amassados ele derramou sobre dois galões inteiros de gasolina, o que dava cerca de dez litros, estalou os dedos e uma faísca se formou na palma da mão, ele olhou mais uma vez para os corpos e atirou a faísca abaixo, o fogaréu subiu em uma labareda enorme. Ele ficou ali sentado de pernas cruzadas vendo tudo queimar, conforme a gasolina ia se acabando a gordura do corpo dos cadavers entrava em combustão como óleo em uma tocha e fogo só tendia a aumentar.
Foi então que ouviu entre os estalidos dos corpos fritando um piar sofrido. Ergueu a cabeça e começou a prestar atenção, as árvores a volta chacoalhavam no ritmo do vento em um farfalhar de folhas secas invernais mas isso não atrapalhou, atento em qualquer som ele ficou parado até ouvir o pio de novo.
Rapidamente levantou e passou a procurar entre as árvores do fundo jardim, o fogo da cova iluminava tudo naquela noite fria e ele podia ver com clareza. Lá na árvore mais distante estava um malicioso gato de pelos escuros preso ao tronco da árvore com um das patas enfiadas dentro de um buraco na madeira.
     — Saia daí demônio! — Ahiliel ordenou mas o gato ignorou completamente.
Ahiliel então projetou o rosto para frente e seus olhos azuis brilharam como lanternas, o pelo do gato ficou mais escuro e o bicho se soltou da árvore ganindo agoniado até cair no chão sem vida, a carne derreteu e o couro colou nos ossos.
     — De todos os animais os felinos são os mais parceiros com os humanos. Sujos. — ele sussurrou enquanto pisava nas costelas do gato morto esperando ouvir os osso quebraremm
Mas então novamente ouviu o piar desesperado de um pássaro e olhou para dentro eo buraco onde o gato havia antes metido a pata e viu lá no fundo um pardal ferido.
Com a ponta do dedo indicador Ahiliel traçou o contorno do buraco no tronco da árvore e ele se expandiu ate ficar viável enfiar a mão. Assim fez e tirou de lá o pardal cor de caramelo que tinha uma asa quebrada e um corte no peito.
     — Pobrezinho... — Ahiliel lamentou fechando o animal dentro das mãos e levando os lábios para assoprar dentro ar de cura.
Assim que o fôlego atingiu o pássaro ele reduziu por um segundo e então o corte do peito estava imediatamente cicatrizado, mas o sopro de cura não era o suficiente para colar ossos quebrados, então ele levou o pássaro para dentro da casa em seu quarto no segundo andar, lá Ahiliel esvaziou uma caixa de sapatos, fez muitos furos na tampa a nas laterais e colocou o pássaro dentro, também pôs uma tampinha de garrafa com água, desceu até a cozinha e cortou uma fatia de maçã onde pos também na caixa, depois voltou para o jardim para cobrir a vala com terra e esquecer que um dia os Salvaterra haviam existido.
Ahiliel não precisava dormir, era um anjo, mas podia entrar em estado de hibernação se quisesse para descansar, e foi isso que fez, tirou toda a roupa, liberou as asas e se deitou de bruços na grande cama com a caixa do passarinho no criado mudo, ali fechou os olhos e se desligou por horas.
Quando acordou ouviu o piar sofrido do passarinho, abriu a caixa e viu que ele havia comido parte da maçã, mas a asa quebrada estava em um ângulo torto e Ahiliel compreendeu que quando soprou o fôlego de cura isso acelerou demais a natureza do pássaro que acabou por cicatrizar a asa colando os ossos tortos.
Desceu as escadas a na cozinha apanhou palitos de churrasco, guardanapos e fita adesiva, voltou para o quarto e pegou o passarinho, murmurou para ele uma ladainha, feitiço de esmorecer, o bichinho caiu mole em sono profundo, então com muito cuidado Ahiliel o pos em cima da cama e com a ponta dos dedos quebrou novamente a asa, o passarinho soltou um suspiro, então ele construiu uma tala prendendo a asa na posição correta que deveria estar para voltar a funcionar.
Demorou três semanas para a asa ficar totalmente restaurada,
Todos os dias Ahiliel trazia água e comida e algumas vezes levava a caixa para o lado de fora para o passarinho tomar sol. Quando ficou curado ele levou a caixa para o meio da grande plantação de milho que ficava vizinha a casa de Belladonna e deixou o passarinho sair, assim que o bichinho voou subiu para o céu mas deu meia volta e pousou no ombro de Ahiliel dando bicadinhas na bochecha dele em ato de profundo agradecimento.
Ahiliel voltou para casa feliz e foi resolver um dos muitos problemas de Belladonna.
Dois dias depois enquanto estava no centro da cidade a caminho do tintureiro ele sentiu um arrepio e o pardal veio a sua mente. Por ter se apegado ao bicho ele podia sentir quando havia algo de errado. Deu meia volta imediatamente e pisou no acelerador até chegar em casa, saiu do carro correu pela rua tentando sentir onde o passarinho estava, não achou, voltou para casa e na entrada viu um menino de aproximadamente nove anos de idade com um estilingue nas mãos, o pardal e mais meia duzia de passarinhos estavam mortos espalhados pelo gramado. O menino sorriu para Ahiliel e disse:
     — Olha tio, eu que matei.
Ahiliel olhou de volta para a criança, os olhos lacrimejando de puro ódio.
     — Porque fez isso?
     — Porque? É divertido. — o menino deu de ombros e em seguida chutou um dos passarinhos mortos e riu.
Ahiliel olhou em volta e constatou que não havia ninguém por perto, então agarrou o menino tampando a boca e levou para dentro da casa, a criança se remexia e se debatia mas ele a segurou firme, entrou na cozinha, abriu a porta do forno e a colocou dentro, fechou a porta e girou o botão do gaz. O menino batia no vidro desesperado gritando e chorando.
     — Você tem sorte de eu não ligar o fogo seu pedaço de merda! — Ahiliel praguejou enquanto segurava a porta do forno fechada.
Logo o menino parou de bater no vidro, os lábios ficaram roxos e o coração parou.
Ele abriu o forno e pegou o corpo flácido do garoto, o colocou em um saco de lixo, foi ate o grande espelho da sala, passou o dedo pela superfície de vidro desenhando seu próprio selo e assim invocando um portal para o inferno em uma regiao pouco habitada, ali arremessou o saco para dentro, esperou paea ouvir barulho do peso batendo contra o solo, fechou o portal e caso encerrado.
Depois saiu para a entrada da casa e recolheu todos os passarinhos, estavam duros e frios, os levou para os fundos e com uma colher cavou um buraco, colheu folhas e forrou, deitou os passarinhos ali dentro e enterrou junto as raízes de uma amoreira.
Enquanto enterrava ia cantando em ritmo de cantiga de ninar:

"O vento do montanha
O bafo do vulcão,
As nuvens passageiras
Brisa rasteira no chão,
Pequeno passarinho
No céu quer voar
Pequeno passarinho
No céu foi morar..."

No fim estava tão triste que murmurou baixinho:
     — Pai porque fez isso? Porque criou essa raça imunda? Veja o que eles fazem... Eu muitas vezes me questionei se devia ter permanecido no céu a teu lado, mas não, eu não ajudarei a pastorear esses porcos. Não existe demônio no inferno que seja pior que a raça humana. Porque aquele filhote de desgraça matou os passarinhos? Porque eles sempre destroem tudo que é puro? A resposta é a mesma de sempre, ele é humano e é isso que humanos fazem — Ele falava e as lágrimas rolavam pelo rosto pálido.

De repented ficou em pé, passou o braço pelo rosto para secar as lágrimas e olhou para cima, ouviu um piar tímido vindo do topo de um carvalho a poucos metros dali. Com a visão apurada que tinha observou as palhas de um pequeno ninho e uma mamãe passarinho alimentando os filhotes que acabaram de eclodir. Ahiliel sorriu para eles e sussurrou:
     — Abençoados sejam criaturas inocentes deste mundo.

No dia seguinte logo pela manhã apertam a campainha, era uma mulher robusta de cabelos curtos e casaco de lã verde claro, estava acompanhado de um homem barrigudo vestindo roupa social, o casal parecia ser de classe alta mas estavam acabados e as olheiras saltavam no rosto.
     — Por favor eu estou procurando meu filho, ele tem dez anos e se chama Aurélio, veja... — Ela mostrou uma foto do menino — Ele não tem costume de brincar na rua mas ontem nossa empregada faltou e eu fiquei distraída e ele acabou saindo, creio que estava com um estilingue.
     — Estilingue? — Ahiliel perguntou com um sorriso cínico.
     — Sim ele gosta de matar passarinhos. — a mãe comentou como se não fosse nada.
     — Jura? Eu entendo. Não vi o menino mas deixe seu telefone, seu eu souber de algo te ligo.

A mulher agradeceu, anotou o número do telefone no verso da foto e a entregou a Ahiliel. Ele fechou a porta e encarou a foto do menino.
     — Então quer dizer que ele gostava de matar os passarinhos? Ela disse isso como se fosse algo absolutamente normal... — Ele pensou em voz alta.
     — Quem era? — Belladonna perguntou descendo as escadas e indo tomar café na cozinha.
     — Uma mulher procurando uma criança desaparecida. — Ahiliel respondeu a seguindo para lá.
     — Criança? Vi uma criança aqui ontem, um menino que estava perambulando ai na frente atirando pedras com um estilingue. — Belladonna comentou.
     — Você está enganada, não havia nenhuma criança aqui. — Ahiliel afirmou categoricamente.
Belladonna deu de ombros e foi até a cafeteira, se serviu e quando se sentou a mesa passou os olhos por toda a cozinha, tudo normal exceto por um estilingue em cima da bancada ao lado do forno.
      — Ai não... Ahiliel o que você fez? — ela perguntou apontando para o brinquedo.
     — Eu? Eu fiz justiça. — Ele respondeu com um sorriso no rosto.

Sharir Malaun viu tudo aquilo e ficou admirado por Ahiliel ser como era, matava humanos sem remorso, odiava humanos, mas ainda assim era de certo modo... bom. Como um assassino pode ser bom? Mas no caso Ahiliel era.

Sharir logo saiu desta memória e pulou para outra ao lado, e quando deu por si estava nas memórias de uma velha de cabelos brancos que ele a primeira vista não a reconheceu pois agora ela era novamente jovem, mas ao prestar atenção nos olhos soube quem era.
     — Doralice? — ele falou para si mesmo.
Sim era Doralice em uma de suas memórias de infância.

(Continua...)

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