Médium Diva Belladonna Ep. III



Médium Diva Belladonna



Episódio III
"Assombrada"



Novembro de 1975.
Sete horas da manhã, o velho Mustang saiu do celeiro do jardim dos fundos para rodar por toda a região entregando convites para a festa de Maria Quitéria, os mais longínquos tiveram de receber através do correio. Cinqüenta Médiuns foram convidados, seriam cinqüenta e uma entidades em terra no dia sendo que Belladonna também seria "Cavalo" de sua senhoras a Pombagira Sete Saias das Sete Encruzilhadas. O velho carro bebia gasolina como um alcoólatra bebe cachaça, mas foi eficiente.


Mãe Rebecca de Oxum era a convidada mais ilustre, ela era a Médium de Maria Quitéria. Rebecca era uma amiga de longa data de Belladonna.


Todo o mês de novembro passou voando, Uriel estava acabado de tão cansado. Ele foi ate a Consolação atrás de ajudantes costumeiras para servirem de garçonetes na festa e contratou algumas travestis da Rua Major Sertório (local de alta concentração de prostituição no centro da capital de São Paulo na decada de setenta) que eram amigas de Belladonna, cada uma receberia quinhentos cruzeiros pelo trabalho na noite da festa, sendo que esse valor era praticamente um salário mínimo que um operário ganhava em um mês de serviço.


Tudo pronto, pouca comida foi encomendada, geralmente sobrava, mas uma quantidade exorbitante de bebida estava armazenada no dormitório vago do térreo.
O andar térreo do casarão possuía muitos cômodos, o grande Salão, dois lavabos, um quarto de banho, uma grande cozinha, area de serviço, um escritorio (que Belladonna adaptou para ser sua biblioteca), e três dormitórios pequenos para os funcionários na época em que o cabaré estava em ativa. Isaura e Uriel ocupavam dois destes dormitórios, por mais que o segundo andar tivesse doze suites desocupadas nenhum dos dois queria dormir lá e preferiam os pequenos cômodos.
O terceiro dormitório era completamente vazio, utilizado para armazenar coisas temporárias.
A roupa que Belladonna usaria no dia ja havia sido encomendada com muita antecedência, os preparativos estavam completos.


O dia da festa chegou.
No mesmo dia mais cedo Belladonna fez os sacrifícios referentes a entidades que ela cultuava. Sábado treze de Dezembro de 1975, dia de Santa Lúzia, data propícia para atividades mediunicas.
O piso do salão foi devidamente encerado, parecia um espelho. As cortinas chegaram, vermelhas como sangue, iam do teto ao chão escondendo as janelas. Entre elas saiam das paredes os castiçais dourados, cada um com tres velas de doze horas acesas.
A festa estava marcada para as oito da noite mas as sete horas ja haviam convidados na casa, as dez garçonetes foram vestidas com ternos pretos de corte feminino que Belladonna tinha visto em uma uma revista de Coco Chanel, elas serviam champagne em taças túlipa. Isaura coordenava todo o serviço, mas neste dia ela não estava vestida com a costumeiramente saia lapis e os casacos de lã coloridas que tanto usava, não, Belladonna amava Isaura como se ela fosse da sua própria família e por isso no dia da festa ela fazia questão de vesti-la com luxo. Isaura usava um vestido verde musgo de malha, era justo no busto e solto até os pés. No pescoço ela usava um colar de perolas de oito voltas e o seu cabelo grisalho estava preso em uma trança camarão mas a habitual franja na testa ela fez questão de manter.
Uriel estava despojado, usava uma camisa polo azul marinho e uma calça social com vincos aparentes, um sapato de saltos carrapetas como os de bota country, mas era um sapato de bico quadrado muito vistoso que Belladonna havia encomendado de um sapateiro muito conceituado da rua São Caetano.


As oito horas e meia todos os convidados ja estavam la, todos levaram o acompanhantes que o convite dava direito completando cem pessoas no salão, talvez um pouco mais.


A maioria dos convidados eram de religiões de matriz africana como Umbanda, Candomblé, Batuque e Osha, por isso Belladonna permitiu que tres tambores atabaques fossem colocados no salão em cima do palco, os tocadores ja estavam lá em cima tocando suavemente.
Oito e meia da noite e o salão ja estava lotado, todos esperavam ansiosamente que Belladonna descesse a escada junto com Rebecca.
Rebecca chegou e como de costume entrou pelo portão do jardim dos fundos, e pela área de serviço subiu para o segundo andar onde em um dos quartos se vestiu. Ela se arrumou com primor, o seu vestido era marrom escuro cheio de aplicações de pedrarias vermelhas, era um modelo justo na cintura com uma saia armada muito volumosa, o decote era quadrado muito elegante e as mangas eram compridas e justas até os pulsos. O cabelo era preso em um coque banana e ela usava um colar com um crucifixo invertido dourado, símbolo de rebeldia. A maquiagem era pesada, os olhos eram carregados com sombra preta e um lápis muito pigmentado na linha dágua, cílios postiços tão compridos que pesavam. O batom era marrom em tom mais claro que o vestido, e ela usava brincos tassel de correntinhas de ouro.


As nove horas Belladonna saiu de seu quarto no terceiro andar, ela estava primorosa usando um vestido rosa com o busto todo bordado com pequenas miçangas brancas formando delicados arabescos e uma gargantilha do mesmo tecido e com a mesma aplicação de miçangas. A saia era armada com tule branco e ela usava unhas postiças peroladas.


Ela desceu o primeiro lance de escadas ate o segundo piso e bateu na porta do quarto que rebeca estava se arrumando. Rebecca abriu a porta sorriu vendo a amiga tao bela e disse:
- Linda! Lindíssima!


Belladonna falou:
- Você que está! Quitéria vai amar essa roupa, é a cara dela, parece tão...


Rebecca completou:
- Cara?


Belladonna disse:
- Com certeza. Onde comprou?


Rebecca respondeu:
- Mandei fazer! Ano passado a Sabrina da Padilha veio com um vestido igual o meu, e a Quitéria não gosto nada nada. Agora me fala, eu nunca achei que Sete Saias gostava de rosa.


Belladonna disse:
- Ela não gosta. Ela não esta em posição de exigir nada. Vamos descer? A festa so realmente começa quando você desce as escadas.


Rebecca respondeu:
- Eu? A festa começa com Quitéria rodando no salão.


As duas deram as mãos e foram juntas para o topo da escada que dava no salão, ao serem vistas a multidão aplaudiu com vigor, alguns ate assobiaram e gritaram para homenagear Belladonna que era a atual dona da casa e Rebecca que carregava a primeira dona em sua vida. Elas desceram a escada e o público abriu passagem, Belladonna soltou a mão de Rebecca a deixando livre para que ela fosse para o meio do salão. Foi então que os atabaques tocarem com mais força, as pessoas fizeram uma roda e Rebecca no meio dançava girando, a saia abria como se fosse um leque. Foi então que ela caiu de joelhos e arqueou o corpo para trás dando uma alta gargalhada. Maria Quitéria chegou.
As pessoas em volta rodaram uma a uma como um efeito cascata, todas as entidades desceram em seus cavalos, a gritaria era quase ensurdecedora e em seguida o som de palmas deu lugar a balbúrdia.


Maria Quitéria se levantou e foi receber os comprimentos dos presentes e dos amigos do passado, falou com todos ate chegar em Sete Saias que nessa altura ja ocupava o corpo de Belladonna.
Elas se abraçaram, Quitéria então disse:
- Esse lugar ainda me encanta.


Sete Saias respondeu:
- Sim, a mim também.


Quitéria disse:
- Você sabe que um grande mal vai acontecer com a sua menina.


Sete Saias disse:
- E o que eu posso fazer quanto a isso? Ela foi se envolver com Samyaza, nem eu nem você podemos fazer nada a respeito.


Quitéria falou:
- É uma pena. Eu vejo tanto potencial nessa menina. Mas ela esta fadada a erros assim como todas nós.


Sete Saias respondeu:
- Não existe nada de novo sobre a terra, tudo que aconteceu se repete. Ela um dia será uma de nós, e pra isso tera que comer o pão que o diabo amassou tal como nós.


Quitéria sorriu e disse:
- É a mais pura verdade.


Sete Saias e ela foram dançar, beberam, riram, se divertiram como se estivessem vivas.


Em um determinado momento Quiteria foi ate as três grandes pinturas no salão e disse:
- Detesto isso.


Rosa Vermelha que estava próxima perguntou:
- Porque? Eu, você e Padilha fomos as três donas desse cabaré, merecemos homenagens, e as pinturas são belíssimas. Eu nunca fui tão magra, mas adorei ser pintada assim.


Quitéria respondeu:
- Você foi genial, e assumiu o cabaré de modo legítimo. Mas essa do meio me matou pra roubar o que era meu. Usurpadoras não deviam receber honrarias iguais a de conquistadoras.


Maria Padilha chegou na conversa, ela estava incorporada em Sabrina, uma moça loira que aparentava trinta anos. Disse:
- Essa do meio sou eu mesma, a que te fez chafurdar na lama e te matou dentro de sua própria casa. Nada pode apagar essa humilhação da sua história Quitéria.


Rosa Vermelha revirou os olhos e disse:
- Vão brigar de novo? Mas é todo ano isso, ja deu. Uma matou a outra, todo mundo sabe. Alias todos mundo aqui já está farto dessa ladainha. Essa festa é em homenagem a Quitéria, por ela ter fundado o Cabaré, vamos nos divertir e pronto.


Quitéria se virou, olhou para Padilha com desdém e disse:
- Essa festa é minha, você nem tinha que estar aqui.


Padilha cerrou os olhos e disse:
- Desculpe, é que tenho por habito roubar tudo que é seu. E a atual dona da casa serve a Sete Saias que me tem como sua amizade preferida, ela nunca me negará um convite, pelo contrário, ela faz absoluta questão da minha presença.


Quitéria disse:
- Sete Saias nunca soube escolher as amizades.


Padilha respondeu:
- E você sabe? Porque a sua "amiga" moura a última vez que soube tentou destruir você... De novo.


Quitéria séria disse:
- Minha relação com Sete Catacumbas não é da sua conta.


Padilha disse:
- Verdade, eu nunca tive domínio sobre as rusgas entre as putas de rua.


Quitéria muito nervosa levantou o braço para bater em Padilha mas Rosa Vermelha segurou o pulso dela a tempo e disse:
- Se fizer isso a festa acaba. Eu acabo com ela. Isso aqui não é um campo de batalha.


Quitéria de um modo brusco recolheu o braço e disse:
- Essa guerra vai continuar no outro lado. Espere pra ver.


Ela se afastou, foi dançar com os rapazes, "Exus". Era melhor ficar longe de Maria Padilha.


Rosa Vermelha falou para Padilha:
- Porquê é tão ácida com Quitéria? Na época que eu e você vivemos juntas aqui nesta casa eu nunca vi esse tipo de comportamento seu.


Padilha respondeu:
- Isso porquê eu e você tínhamos respeito. Uma pela outra, e respeito até dos inimigos. Mas Quitéria não, ela me menosprezava quando eu era jovem, por muitas vezes me humilhou. Matar ela e cravar essa humilhação eterna na história dela foi a melhor vingança de todas, e eu faço questão de manter essa memória viva.


Sete Saias puxou Cigana para dançar, elas bailavam com leques nas mãos e o público aplaudia quando elas giravam.


A festa foi maravilhosa, correu madrugada a dentro. As seis horas da manhã os raios do sol nascente ja invadiam o céu, e uma a uma as entidades foram se despedindo e desincorporando dos seus médiuns que sairam do casarão acabados, nada parecidos com a forma elegante que estavam no início da noite.
Belladonna acordou, olhou para o salão e viu o chiqueiro que estava com cacos de vidro das taças a garrafas por todo lado, cinzas de cigarro no chão, até algumas peças de roupa alguem havia esquecido jogado por ali, isso tudo era sinal que a festa tinha sido perfeita.


Maria Quitéria ainda estava em terra, ela esperava para falar com ela.
Belladonna se aproximou, a abraçou e pergunto:
- Gostou da festa Dona Quitéria?


Quitéria respondeu:
- Amei, foi um inferno, do jeito que eu gosto. Espero que a do ano que vem seja tão boa quanto. Eu te concederei mais um ano de prosperidade financeira para que possa manter essa casa.


Belladonna agradeceu:
- Muito obrigada. Eu farei o meu melhor.


Quitéria deu as mãos para ela e disse:
- Porém existe um mal que nem eu nem Sete Saias temos como evitar. Você terá de passar por ele.


A expressão de Belladonna mudou, franziu a testa e perguntou:
- O que será? Prejuízos?


Quitéria respondeu:
- Por mais que você tenha tantos dons quanto eu tive quando era viva, os dons nunca me livraram dos erros. Eu errei muito e paguei caro por cada falha. Sua vida financeira eu vou segurar, mas dinheiro não impedirá que o sofrimento turve o seu coração. Você tem que ser forte, pois no pior dos momentos eu lamento dizer mas estará sozinha.


Belladonna não compreendeu bem, ela estava cansada, sonolenta. Quitéria se despediu e partiu, Rebecca também foi embora. Uriel pagou as garçonetes, ele e Isaura foram se deitar. A festa acabou, a casa estava vazia novamente. Belladonna subiu para o quarto, caiu na cama como um pedra e dormiu um sono pesado.


Ela dormiu ate as quatro horas da tarde do domingo, acordou com Uriel a sacudindo pelos ombros. Ela ainda estava cansada, custou a abrir os olhos. A pulseira dourada que havia ganhado de Samyaza estava quente, ficava assim toda vez que Uriel se aproximava. Ele disse:
- Hora de acordar e se arrumar.


Ela praguejou:
- Porra de vida... Porque eu não posso dormir?


Uriel respondeu:
- Porque tem uma cliente marcada para as seis horas.


Belladonna respondeu:
- Como você marca uma cliente assim? No dia seguinte da festa...


Ele respondeu:
- Com certeza você não faz a menor ideia de quanto aquela festa custou, mas eu sim, e foi caro, fez um rombo nas finanças. Vamos começar a repor esse dinheiro desde já.


Ela se sentou na cama e falou:
- Sabe porque você não foi para o inferno quando perdeu as asas? Porque Satã é contra pessoas chatas lá.


Uriel disse:
- Pare de bobagem e vá pra banheira, você está fedendo.


Ela se levantou, foi para o banheiro que ficava nas dependências do quarto, tirou o vestido, que por sinal estava todo amassado, deu para Uriel e disse:
- Peça pra Isaura mandar esse vestido para o tintureiro.


Uriel pegou o vestido, embolou e jogou na lata de lixo, a grande armação de tule quase não coube na lata e ele teve de pisar em cima pra enfiar tudo dentro.
Ele disse:
- Tintureiro coisa nenhuma, você estragou essa roupa, perda total! Está manchada de vinho, queimada de cigarro e... Está cheirando a urina.


Belladonna entrou na banheira de água quente e se esparramou. Respondeu:
- Você ja sabia que isso ia acontecer não é? Por isso me fez comprar um vestido barato.


Uriel pegou uma tina de agata, encheu com água e shampoo, pos no chão na direção de onde a cabeça dela estava, pesgou um pente de marfim, molhou na tina e passou no cabelo dela dando trancos para desfazer os nós. Ela resmungou pela dor e ele disse:
- Quer ter cabelo comprido e não quer cuidar dá nisso. Está parecendo uma mendiga. E sim, eu ja sabia que você ia a avacalhar com o vestido, por isso peguei um barato e pedi pra bordei aquelas miçangas.


Ela perguntou:
- Mas me conta, como foi a festa?


Uriel contou:
- Mulambo ficou bebada. Bom eu não sei se ela ficou realmente bêbada ou se ela é esquisita daquele jeito mesmo, não sei dizer. Figueira ficou rogando praga em todo mundo. Quitéria e Padilha quase saíram no tapa. Menina ficou nervosa com tiriri e jogou whisky na cara dele, disse que nunca mais põe os pés aqui, mas como você ja sabe...


Belladonna remendou:
- Ela fala isso todo ano.


Uriel continuou:
- Sim e sempre volta. João Caveira aterrorizou Isaura ameaçando chamar um espírito no corpo dela, foi hilário, mas tive que dar o remédio do coração pra ela antes da hora porque ela entrou em pânico. Não sei quem mas alguém quebrou uma das luminárias de vidro fumê, mas já agendei a visita do restaurador.


Belladonna perguntou:
- E de resto alguma novidade?


Uriel disse:
- Houveram muitos comentários sobre essa sua nova pulseira dourada.


Belladonna perguntou:
- Que tipo de comentários?


Uriel disse:
- Muitas Entidades lamentaram você estar usando isso.


Belladonna disse:
- Eles devem imaginar coisas sobre meu assunto com Samyaza. Deixe isso pra lá. Tem mais alguma novidade?


Ele parou de pentear o cabelo dela, pegou um cabeça e encheu com a água quente da banheira enxaguando as madeixas dela e foi dizendo:
- Bem... Sim. Eduardo ligou, está preocupado com Betânia.


Belladonna perguntou:
- Porque? O que ela fez?


Uriel falou:
- Ela virou evangélica. Não sai mais da igreja.


Belladonna riu e respondeu:
- Até dias atrás ela estava dançando nua no matagal nos ritos de wicca e fumando maconha, agora vira crente? Me diz se eu não tenho razão quando eu digo que devia ter abortado?


Uriel disse:
- Você sabe, os crentes são assim, fazem as cagadas e ai se convertem, como se virar crente fizesse o passado deles sumir. Hipocrisia pura.


Belladonna disse:
- Se eu ver essa menina eu vou dar tanto tapa nela... Ela vai virar santa depois que eu martirizar essa cadela.


Uriel disse:
- Ela é confusa. Deixe pra lá.


Belladonna se arrumou, vestiu uma calça corsário preta, uma camisa de botões laranja que ela amarrava em nó abaixo do busto deixando a barriga de fora, calçava sandálias de tiras estilo lolita e o cabelo preso em um rabo de cavalo. Ela desceu as escadas e foi para o deck no jardim, mas se irritou ao ver que estava chovendo. Ela amava ficar no jardim, sentir a brisa da noite, mas não era possível naquele momento. Ela então chamou uriel e disse:
- Eu vou atender no sotom.


Ele falou:
- Mas Bella, a cliente vai ter que subir tres escadas? Não é muita coisa?


Belladonna respondeu:
- A mulher está vindo aqui numa tarde de domingo, ela vai subir sim, todos precisam fazer sacrifícios.


Eles subiram para o sotom. A escada ficava em uma porta discreta no segundo terceiro andar no fim do corredor, quem não prestasse atenção não veria a pequena entrada para a estreita escadinha que dava no sotom, que era o vão livre entre o telhado e o teto da casa. Isaura sempre limpava ali, era uma espécie de sala onde Belladonna guardava as substâncias raras que usava nos trabalhos. Havia um enorme gaveteiro de madeira, um armário de quatro portas e varias prateleiras com centenas de potes de vidro com as coisas mais bizarras que se pode imaginar. Diante daquilo havia uma mesa redonda de madeira com duas cadeiras e ao lado um sofa de couro preto, tudo sobre um tapete de estampa de onça. A claridade era pouca, havia apenas uma janela mas que permanecia fechada para não entrar umidade. Não havia fiação elétrica, apenas os três pisos da casa tinham instalações elétricas, quando Belladonna comprou o casarão ele não tinha nem encanamentos, nem instalações elétricas ou telefônicas, Belladonna mandou modernizar tudo, menos o porão e o sotom por serem ambientes pouco usuais.


Quando Belladonna subiu logo se atirou no sofá. Quando Uriel subiu ele passou os olhos pelo lugar e começou a reclamar:
- Será possível! Olha que bagunça! Isaura organizou aqui não faz nem uma semana. Custa você quando abrir uma gaveta, fechar assim que pegar o que precisa. Custa fechar as portas dos armários?


Belladonna disse:
- Essas coisas triviais não prendem minha atenção.


Uriel berrou quando viu um copo de suco pela metade em uma das pratileiras:
- Não acredito! Um copo de suco podre cheio de formigas!


Belladonna zombou:
- Ora essa nunca viu formigas na vida?


Ele pegou o copo e desceu as escadas resmungando. Desceu até o primeiro piso e colocou o copo dentro da pia. Neste instante a campainha tocou e ele foi antender.
Ao abrir a porta principal viu a jovem mulher que ali estava, ela era baixinha, magra, usava um sobretudo rosa claro, botas sintéticas brancas até o joelho e o cabelo era penteado todo para um lado só, duro pelo excesso de laquê. a maquiagem dela era forte, com tanto blush que parecia ter levado tapas nas bochechas.Uriel a examinou com o olhar tentando entender porque alguem sairia na rua vestida daquela forma, mas a decada de setenta nao foi um bom periodo para a moda, então ele não poderia julga-la.
Uriel perguntou:
- Pois não?


Ela disse:
- Boa tarde, me chamo Agnes, marquei hora com a médium Diva Belladonna.


Ele disse:
- Sim ela está a sua espera, me acompanhe por favor.


Ele delicadamente pegou o guarda-chuva molhado das mãos dela e pôs em um vaso de cerâmica que ficava proximo a porta. Ela o seguiu pela escada para o segundo piso, depois subiu a outra escada para o terceiro piso, depois no fim do corredor subiu a escada para o sotom. Belladonna já estava lá com o tarô sobre a mesa diante de uma vela acesa e comprimentou:
- Boa tarde, quase noite. Como você está?


Ela respondeu:
- Bem, obrigada. A Senhora é a Diva Belladonna?


Belladonna respondeu:
- Eu mesma. Sente-se, vamos conversar.


Uriel pigarreou e disse:
- Trouxe o pagamento?


Agnes tirou o maço de notas do bolso interno do sobretudo, deu para Uriel e se sentou. Ele conferiu o valor, os duzentos mil cruzeiros estavam completos, ele piscou para Belladonna que disse:
- Vamos começar. O que te trás aqui?


Agnes disse:
- Bom, eu sou do Rio de Janeiro. Meu tio faleceu e eu sendo a única herdeira, já que ele não tinha filhos, vim aqui para São Paulo afim de tomar posso dos bens. Tudo o que ele deixou foi uma casa ali no bairro do Brás, uma casa antiga. Eu ja tentei alugar o lugar quatro vezes, mas sempre os moradores vão embora dizendo que a casa é mal assombrada. Eu particularmente não acreditava, mas eu acabei me mudando para a casa, e... Bom, estou apavorada.


Belladonna perguntou:
- O que acontece na casa? Me relate tudo de anormal que você viu ou ouviu os outros moradores falarem.


Agnes falou:
- Os outros moradores relataram sons estranhos, sons...


Belladonna falou:
- Que tipo de sons?


Agnes disse:
- Eu sei que parece bizarro tanto os outros moradores quanto eu ouvimos um burro zurrando, e sons de passos fortes.


Belladonna disse:
- Mas o que você acha que é?


Agnes se levantou da cadeira, desamarrou o sobretudo e mostrou o busto nú para Belladonna que viu bem abaixo dos seios uma enorme marca de mordida que deixou pele roxa.


Belladonna impressionada disse:
- O que foi isso?


Agnes respondeu:
- Eu não sei. Um dia acordei com dor no meio da noite e quando olhei no espelho essa marca estava aqui. Ja faz um mês e ainda não saiu.


Belladonna falou:
- Mostre para o Uriel.


Agnes fechou o sobretudo rapidamente e disse:
- Não, não vou mostrar meu corpo para um homem.


Belladonna disse:
- Imagine que ele é um médico. Uriel é... Expert em assuntos paranormais.


Timida Agnes se virou e abriu novamente o busto para Uriel ver.
Ele olhou bem e perguntou:
- Ainda dói?


Agnes respondeu:
- Só quando eu toco.


Ele se aproximou e disse:
- Eu vou por minha mão em cima do hematoma e vou dizer um nome. Me diga se sentir algo de anormal me avise.


Ele pôs a mão inteira na marca e disse:
- Kadosh Jeová Rafah.


Agnes empurrou a mão dele com força e disse:
- Ai! Doeu!


Belladonna perguntou:
- Doeu como?


Agnes disse:
- Foi tipo uma pontada, uma agulhada. Que nome é esse?


Belladonna disse:
- Ele acabou de dizer, você consegue repetir?


Agnes falou:
- Não... Eu... Eu não me lembro.


Belladonna disse:
- Ele falou Kadosh Jeová Rafah, que significa "o Sagrado Deus te cura". Quando esse nome é dito na frente de alguem... De alguem com esse tipo de problema, a pessoa sente dor.


Uriel falou para Belladonna:
- Eu vou ate ao jardim, vou na estufa e ja volto.


Belladonna falou:
- Vamos abrir o tarô. Sente-se. Me diga seu nome inteiro.


Agnes se sentou e falou:
- Agnes Maria dos Santos Souza.


Belladonna se concentrou, embaralhaou e tirou tres cartas, A roda da Fortuna, o heremita e o cinco de copas. Ela analisou e disse:
- Nessa casa... Essa casa tem dono. Ela foi dada como pagamento a alguém. E este alguém está lá dentro.


Agnes perguntou:
- Mas quem? Quem esta la dentro?


Belladonna tirou mais uma carta, a lua. Ela disse:
- É algo secreto, escondido. Eu precisaria ir lá para saber.


Agnes perguntou:
- Quanto custaria para você ir lá?


Belladonna falou:
- Um milhão de cruzeiros.

Agnes disse:
- Nossa mas um salário meu inteiro.


Belladonna disse:
- A sua paz valhe menos?


Agnes disse:
- Não. Eu aceito. Aquele imovel valhe muito, e eu preciso alugar logo.


Uriel voltou, entrou no Sotom com uma pequena folha na mão e um balde em baixo do braço. Ele disse para Agnes:
- Ponha isso na sua boca.


Agnes estranhou mas pôs a folha na boca. Segundos depois ela sentiu uma enorme vontade de vomitar, Uriel posicionou o balde na frente dela, ela se ajoelhou e vomitou. Assim que acabou ela olhou para dentro do balde e assustada perguntou:
- O que é isso?


Uriel olhou e disse:
- Pelo. Voce vomitou pelo cinza. Como se fosse...


Belladonna completou:
- Pelo de Burro. A folha de amargoseira é uma poderosa exorcista. Os adeptos de religião afro brasileira chamam essa folha de para-raio. Ela fez você por pra fora o que te afligia. Olhe o hematoma agora.


Quando Agnes abriu de novo o sobretudo e olhou o corpo a marca de mordida estava clara, quase sumindo. Ela disse:
- Nossa! Está curando... Vocês realmente entendem desses assuntos heim... Estou impressionada.


Belladonna disse:
- Então, que dia quer que eu vá na sua casa?


Agnes disse:
- Amanhã dá? Eu tenho maxima urgência nesse assunto.


Uriel disse:
- Sim, amanhã as seis da tarde esteja aqui e nós iremos.


Agnes se levantou esperançosas e Uriel a levou até a saída.
Quando ele voltou Belladonna ja estava no terceiro piso, dentro do seu quarto. Ele entrou e viu ela sentada na cama olhando para a porta de vidro da sacada, as gotas de chuva batiam nela, a luz do dia nublado deixava tudo meio branco. Ele perguntou:
- Esta tudo bem?


Ela virou o rosto para onde ele estava e disse:
- Uriel tem um demônio dentro daquela casa. Espíritos não deixam marcas como aquela, a moça estava quase possessa. E ela relatar que tem forma de Burro... Você sabe que uma legião inteira de filhos de Lilith são chamados de Asnos.


Ele respondeu:
- Eu sei. Você está com medo?


Belladonna falou:
- Sim. Eu sou uma Médium. Eu sempre digo que sou uma médium. Mas você sabe da minha real natureza.


Uriel disse:
- Sim Bella, você é uma bruxa, e uma bruxa de magia negra. E todas as bruxas desse tipo são servas de demônios. Mas você nunca serviu nenhum. Não tem que temer confrontar um deles.


Ela falou:
- Não quero ser como minha mãe e meu pai. Você sabe o que aconteceu com eles?


Uriel respondeu:
- Não. Na verdade você nunca me disse. Isaura também não gosta de falar nesse assunto, então eu não pergunto.


Belladonna falou:
- Minha mãe era uma bruxa hindu. No caso ela não era indiana, nem nunca foi a índia mas foi ensinada pela tia dela essa magia oriental. Quando eu nasci ela teve a mesma rejeição por mim que eu tenho por Betânia, então me deu. Ela me entregou para um homem da linhagem cruzada do Clã Agripa e do clã Gilli. Ele me criou como filha e me ensinou tudo que sabia. Eu nunca soube quem é meu pai biológico, mas esse que me criou me amou muito. Era um bom pai.


Uriel perguntou:
- Qual era o nome dele?


Belladonna se levantou, foi ate o guarda-roupa, abriu a porta e pegou uma caixa de madeira cor de caramelo, ela abriu e pegou uma foto preto e branco de um homem de barba e deu para Uriel ver. Ele falou:
- É ele?


Belladonna disse:
- Sim. Aqui no Brasil ele usava o nome de João, mas o nome real era Jorn Klaus. Ele era um bruxo poderosissimo.


Uriel perguntou:
- Como ele morreu?


Belladonna falou:
- Pra me prometeger. Ele morreu me protegendo de um demonio. Ele servia um, eu não ouzo dizer o nome dele. Meu pai era doente, o demônio mantinha ele vivo em troca de oferendas. Todo mês uma criança sumia.


Uriel disse:
- A tradicional oferenda de vidas humanas. Horrível isso.


Belladonna falou:
- Um dia o demônio exigiu que eu fosse sacrificada. Meu pai negou. O demônio ameaçou mata-lo se ele não me desse. Papai aceitou a morte, mas não me deu para ele. Ele me amava demais. Eu tinha doze anos, lembro como se fosse hoje.


Uriel disse:
- Sinto muito. Mas Belladonna ele era um bruxo de magia negra, amar você não o redimiu por ter matado as outras crianças.


Belladonna disse:
- Eu sei. Eu sei bem disso.


Uriel perguntou:
- E sua mãe? Tem foto dela?


Belladonna disse:
- Não. Ela se chamava Sarana. Foi crucificada de cabeça para baixo pelo próprio imperador.


Uriel sentou do lado de a Belladonna na cama e perguntou:
- Você está me dizendo que sua mãe carnal era Sarana? A que tentou fazer a Roda das Princesa para reencarnar um espírito morto em um corpo vivo?


Belladonna disse:
- Sim. Ela fez isso, servia aquele Sete Encruzilhadas. Ele é um anjo como você, mas muito perverso.


Uriel disse:
- O caso Roda das Princesas teve muita repercussão, todos no céu ou no inferno conhecem, desde de o Papa Leão ninguem tentava fazer algo tão grande. Nós dos Céu estávamos prestes a intervir quando Lucifer apareceu. Ele jogou aquele espirito que pretendia reencarnar em um buraco no inferno. E de fato pregou Sarana em uma cruz de ponta cabeça para servir de exemplo. Ele não aceita que humanos tenham poder que possa se comparar ao dele, por isso fez o que fez. Se Sarana tivesse concluido o que pretendia, ela teria se tornado imortal.


Belladonna disse:
- O imperador não permite mesmo. Eu sei que ela é quem caçou esse fim, mas foi... Foi pavoroso.

Uriel Perguntou:
- Mas como sabe dessa história? Dos detalhes?


Belladonna disse:
- Sete Saias me contou, ela estava lá no dia. Ela viu o imperador fazer aquilo com a minha mãe. Eu conheci Sete Saias justamente por que eu andava atrás de pistas sobre a Roda das Princesas, então a encontrei.

Uriel perguntou:
- Porque nunca me contou isso? Faz quase vinte anos que estou aqui e nunca soube de nada sobre isso.


Belladonna disse:
- Não gosto de falar disso. E em toda minha vida como médium eu nunca enfrentei um demônio, eu sempre passei desapercebida, via eles, as vezes falei com alguns, mas nunca fui opositora.


Uriel perguntou:
- Quer passar esse trabalho a diante?


Belladonna respondeu :
- Não. Seria covardia, e eu não sou covarde. Vou enfrentar isso. Aliás, nós dois vamos. Mas eu preciso me concentrar muito, fortalecer o meu espírito.


Uriel a abraçou e a beijou na bochecha e disse:
- A história de seus pais não se repetirá com voce, eu não vou deixar.

Segunda feira, as seis da tarde em ponto Agnes tocou a campainha, ela tinho ido até a casa de Belladonna de táxi e dali eles partiriam até a casa no Brás. Isaura abriu a porta e pediu para ela entrar enquanto Belladonna e Uriel estavam acabando de se arrumar nos pisos superiores.
Uriel desceu as escadas carregando uma grande mala de couro, e ele estava vestido com uma camisa de mangas compridas azul escura e uma simples calça jeans, calçava um par de botas de couro marrom, o cabelo estava louro brilhante cheio de cachos. Ele comprimentou Agnes e recebeu dela o dinheiro, depois foi para o jardim dos fundos e guardou a mala no porta-malas do mustang, tirou o carro de lá, deu meia volta e ficou na frente da casa esperando.
Uns vinte minutos depois Belladonna desceu as escadas vestida com uma bata púrpura ate o meio da coxa com um decote cavado que deixava parte do soutien preto a mostra, ela vestia também uma calça preta muito justa e um par de scarpins também pretos. O cabelo estava preso em um coque, e ela usava um batom marrom escuro e lapis preto nos olhos deixando a pela ainda mais branca. Na mão esquerda ela usava um anel com um grande quartzo rosa no dedo anelar e as unhas eram compridas e pintadas de tom rosado.


Ela viu Agnes e disse:
- Olá meu bem. Podemos ir?


Agnes se levantou, Belladonna se despediu de Isaura. Elas saíram e entraram no mustang e Uriel deu partida, pegaram o caminho rumo ao Brás.
Meia hora depois chegaram lá, Uriel estacionou bem na porta da casa. Belladonna desceu e viu o sobrado, não era uma mansão mas era uma casa ampla com um jardim seco na entrada que no meio tinha um chafariz desativado.




Agnes disse:
- Devo entrar com vocês?


Belladonna respondeu:
- Não. Faça o seguinte, na esquina eu vi um restaurante, fique lá e conte uma hora. Depois venha.


Agnes deu a chave da casa para ela e partiu.


Uriel tirou a mala do carro, ele e Belladonna entraram no jardim, foram ate a porta principal e abriram, entraram no que parecia ser a sala da casa. O imóvel estava praticamente vazio, apenas alguns móveis velhos estavam ali cobertos com lençóis.
Assim que Belladonna pôs o pé para dentro ela disse:
- Uriel está sentindo? Essa presença...


Ele respondeu:
- Sim. Vem do andar de cima. E... Pelo visto...


Ela completou:
- Ele não esta se escondendo, está... Nos chamando.


Uriel colocou a mala no chão, abriu e tirou de dentro um maço de folhas de amargoseira e uma bengala curta feita de madeira de sabugueiro. Belladonna também mexeu na mala e tirou de lá um frasco com a mistura de doze óleos sagrados, que eram Sândalo, Cássia, Cedro, Cipreste, Olíbano, Galbano, Hissopo, Mirra, Murta, Benjoim, Ládano e Nardo que eram óleos muito poderosos para a expulsão de energias negativas.
Na parede direita da Sala havia a escada para o andar de cima, eles subiram, Belladonna ia passado o oleo nas paredes, a cada metro ela molhava o dedo no óleo e passava na casa. De repente eles ouviram o zurrar do asno, vinha do corredor.


Belladonna foi ate lá ver, e o animal estava lá, era um asno grande com os olhos vermelhos. Ela falou com ele:
- Quem é você? O que faz aqui?


Ele riu, a boca do asno não se movia mas ainda assim ele falava:
- Hum... Uma feiticeira... Eu sou filho de Seirim e Lilith, meu nome é Jürgen. Me ajude feiticeira, eu estou preso aqui.


Belladonna disse:
- Preso? Como? Quem te prendeu aqui?


O asno foi se aproximando, o casco fazia barulho no assoalho. Ele disse:
- Cem anos atras uma mulher me prendeu aqui. Ela fez uma armadilha, me selou aqui. Me tire daqui e eu vou realizar todos os seus desejos.


Belladonna respondeu:
- Eu não vim aqui para te socorrer, vim pra te mandar embora.


O asno zurrou alto e disse:
- Me mandar embora? Eu vou te rasgar ao meio!


Belladonna falou:
- Você não teve força nem para sair daqui, agora pouco estava implorando minha ajuda para ser liberto, e agora quer me ameaçar? Ridículo!


O asno disparou, correu na direção de Belladonna, ela fugiu dele correndo na direção de Uriel que puxou para um dos quartos e rapidamente fechou a porta.
Ele disse:
- Não se apavore. Jürgen é um nome genérico de serviçais. Quando ele diz que é filho de Lilith e Seirim ele deve estar falando dos que criaram ele, mas não conta como filho, ele não é um demônio, ele é um subalterno.


Belladonna falou:
- Bem notei, ele disse estar preso aqui há cem anos, e pelo visto ele não era importante o bastante para alguem vir atrás dele.


Belladonna passou óleo na porta para impedir do asno entrar. Uriel disse:
- Ainda assim ele pode fazer muita merda.


Belladonna disse:
- Faça o tetragramaton, desse no chão. Faça aqui mesmo nesse comodo. Eu vou atrair ele pra cá.

Uriel tirou do bolso da calça um pequeno giz e desenhou no chão a estrela YHWH, o símbolo mais poderoso de todos. Este simbolo era a real assinatura de Deus. Enquanto Uriel desenhava ele repetia quatro nomes do Deus meior "Elohim, Adonai, Rabbi, Jehová" sem parar. Quando a grande estrela estava pronta ele pronunciou uma sere de nomes para trazer a luz de Deus sobre o simbolo:
- Elohim, Adonai, El Shaday, Haarieh Mishevet Yehuda, Rabbi, Allah, Eloah, Jehova!




Belladonna abriu a porta do quarto e berrou:
- Asno de bosta! Asno de bosta!


O asno apareceu bem diante dela e antes que ela pudesse correr ele abocanhou o ombro de Belladonna morendendo com força. Ela grito de dor e para se defender jogou todo o óleo que tinha no frasco nele queimando o focinho do asno que soltou o ombro dela e recuou.


Uriel perguntou:
- Você está bem? Consegue movimentar o braço?


Ele pôs a mão sobre o ombro ferido e disse:
- Sim tudo bem. Esse asno de bosta não é de nada.


O bicho zurrou alto novamente e gritou furioso!
- Vou rasgar vocês dois! Vou rasgar!


Belladonna andou para o meio do círculo e disse:
- Então vem, seu merda! Eu to aqui na sua frente, o que foi? Perdeu a coragem?


O asno falou:
- Não me tenha como inferior! Não me tenha como fraco!


Belladonna zombou:
- Você é uma bosta! Está usando forma de burro mas para ornar com a sua estupidez devia se fantasiar de Ernesto Geisel!


Uriel não conseguiu conter o riso a gargalhou, o bicho correu para cima dela, mas assim que entrou no círculo ele pegou fogo se tornando uma bola de flamejante. Belladonna e Uriel se afastaram, o asno zurrava alto sem parar. Alguns minutos depois ele tomou a real forma que tinha, era um homem de mais ou menos um metro de altura, de pele cinza, calvo e com dentes muito grandes. Quando ele percebeu que estava dentro do tetragramaton ficou mais bravo ainda e zurrava sem parar.


Belladonna olhou e perguntou:
- Então esse é você de verdade. Me conte, quem te prendeu aqui nesta casa?


O homenzinho falou:
- Foi uma bruxa, não sei o nome. Ela me trancou aqui para que eu trabalhasse para ela aqui dentro. Ela era a primeira dona dessa casa, ela que construiu, mas ela morreu e não me soltou.


Uriel perguntou para ele:
- O último dono, que morreu aqui dentro, você que matou?


Ele respondeu:
- O velho? Sim. Não. Não foi por querer, eu me mostrei para ele e ele caiu duro.


Belladonna disse:
- Seu diabrete de bosta, tem feito muita merda hein...


Uriel perguntou para Belladonna:
- O que vamos fazer com ele?


Ela disse:
- Mandar pra casa. Vou mandar ele para o inferno.


O homenzinho falou:
- Não! Não posso ir pra lá! Eles vão me rasgar! Me deixe solto! Eu nunca mais volto aqui! Eu juro!


Belladonna disse:
- Não pense que eu sou uma pessoas sem misericórdia, mas infelizmente você tem que partir. Eu vou rezar para você ir embora.


Uriel pôs as mãos tampando os ouvidos e disse:
- Sabe que eu não posso ouvir essa reza, então vou virar de costas.


Belladonna pegou no bolso da calça uma medalha pequena de ouro mostrou para o burro e disse:
- Sabe o que é isso?


Ele falou assustado:
- Um berloque de Bento de Núrsia... Oh moça não faça isso... Eu imploro!


Belladonna disse:
- Bento de Núrsia ou São Bento criou um dos exorcismos mais eficientes. Eu não sou muito católica, mas sei essa reza.


Uriel se afastou mais, abaixado perto da parede ele apertou as mãos nos ouvidos para não ouvir.
Belladonna rezou:
- Crux Sacra Sihi Mihi Lux! Non Draco Sihi Mihi Dux! Vade Retro Satanás! Nunqüan Suad Mihi Vana! Sunt Mala Qüae Libas! Ipse Venena Bibas!


Uma luz muito forte tomou conta da sala como um ralampago, e em um segundo não havia mais nada ali além do desenho do tetragramaton no chão sem nada em cima.


Belladonna tocou no ombro de Uriel, ele se virou, tirou as mãos das orelhas e disse:
- E ai? Deu certo?


Ela falou ofegante:
- Sim, ele foi embora. Vamos pra casa, estou podre.


Uriel se levantou e disse:
- Você acha mesmo que aquele capeta sabia quem é Ernesto Geisel?


Belladonna disse:
- Ele está no Brasil faz cem anos, se não souber quem é o presidente... É um caso perdido.


Uriel falou:
- Esta ficando cada vez mais forte Bella.


Ele disse:
- Sim, escreva um livro sobre mim, Belladonna a exorcista de burros.


Os dois riram, o trabalho chegou ao fim. Eles desceram as escadas, pegaram a mala e foram para o carro. Passaram no restaurante onde Agnes estava e informaram que a tarefa havia sido concluida, entregaram a chave da casa e voltaram para o casarão.


Mais uma cliente satisfeita.


O ano acabou, 1975 passou.

Mas 1976 seria um ano muito agitado, e com certeza trágico.

Comentários

  1. Amando loucamente essa história ! Obrigada por essa linda obra ,Felipe !

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  2. Felipe, parabéns! Extremamente envolvente a história! Vc tem o dom! ;-)

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  3. Maravilhoso mister Caprini maravilhoso

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  4. Obaaa cheguei aqui adorando esta história

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  5. Obrigada por compartilhar estas ricas com nós. Obrigada de 🖤

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