Médium Diva Belladonna Ep. II
Médium Diva Belladonna
Episódio II
"A Descida"
Outubro de 1975
Dez e meia da manhã, o sol entrava no casarão fazendo os vitrais coloridos das janelas refletirem luzes de todas as cores no piso do grande salão. Todas as cortinas do térreo e do segundo piso tinham sido levadas ao tintureiro, isso deixou o casarão bem claro.
A campainha tocou, Uriel abriu a porta, era um entregador com o carregamento de oito caixas de champagne. A semana toda entregas estavam chegando, afinal em dezembro era o mês de anual festa de Maria Quitéria, por ser um e evento tão importante os preparativos começavam em outubro. Uriel eram o incumbido de tudo, Belladonna nunca foi boa com números, não conseguia organizar nada.
Assim que Uriel conferiu as caixas pagou e despachou o entregador a campainha tocou novamente. Ele abriu a porta achando que era outra entrega mas teve uma amarga surpresa, era Betânia, a filha de Belladonna. Ela estava vestida com calças jeans de cintura muito alta, a camisa cacherrel preta enfiada por dentro da calça, um par de coturnos velhos, o cabelo pintado de vermelho vivo era muito bagunçado e ela tinha um piercing de argola no nariz. Uriel olhou pra ela sem disfarçar o desgosto e disse:
- Oh... Olá Betânia. A sua mãe está dormindo.
Betânia entrou de supetão e disse:
- Oi Uriel, eu ja imaginava, nunca vi ela acordar antes das três da tarde, mas é uma emergência. Você pode ir chamar ela por favor? Eu preciso muito falar com ela.
Uriel respondeu:
- Sim claro. Eu volto em um minuto. Porque não vai para a cozinha, Isaura vai te servir um pedaço de bolo enquanto espera.
Betânia respondeu grosseira:
- Uriel não me trate como criança, eu tenho vinte anos, bolos não me atrem. Só chame ela por favor. Vá rápido.
Uriel não falou nada, apenas subiu as escadas indo para o quarto de Belladonna. Assim que chegou ele bateu na porta e como de costume ninguém atendeu. Ele entrou e Bella estava esparramada na cama, as cortinas fechadas deixavam o quarto um breu, nenhuma cortina do terceiro piso foi removida. A boca de Belladonna estava suja com chocolate e haviam embalagens de bombom espalhadas por todo lado. Uriel fez menção de acorda-la mas teve uma sensação estranha, algo lhe dizia para voltar para o salão. Ele correu, desceu as escadas o mais rapido que pôde, viu a porta da frente aberta e correu para ver o que estava acontecendo, ele viu Betânia subindo na lambreta e indo embora com um livro grosso em baixo do braço. Mesmo de longe ele reconheceu o livro.
Ele foi ate o antigo escritório que Belladonna tinha transformado em uma biblioteca, a porta estava aberta a fechadura arrombada, la dentro na ultima estante havia um espaço vago, o livro tinha sido roubado dali. Justo aquele livro...
Ele foi ate o quarto de Belladonna e dessa vez a acordou de verdade, ele a sacudiu pelos ombros ate ela abrir os olhos assustada. Ela indagou:
- Por Jeová! O que foi? Porque me acordou? Eu acabei de dormir!
Ele falou:
- Aconteceu um problema.
Belladonna sentou na cama e perguntou:
- Pra você me acordar deve ter sido grave. O que foi?
Uriel contou:
- Agora pouco Betânia veio aqui. Ela disse que precisava falar com você, que era urgente. Eu vim te acordar, mas tive a sensação que havia algo errado e voltei para o salão. Betânia tinha ido embora, ela roubou um livro da sua biblioteca.
Belladonna deu um pulo de cama e pegou o robby que estava jogado sobre a cadeira da penteadeira, enquanto ela se vestia disse:
- Mas como você me deixa ela sozinha na casa! Você não sabe que aquela puta não é de confiança?
Uriel desconfortável respondeu:
- Quando eu tinha meus poderes eu conseguia ler as intenções das pessoas, agora não consigo mais. É difícil se acostumar, me perdoe, eu só não pensei que ela fosse fazer isso.
Belladonna respondeu:
- A culpa não é sua, a culpa é minha, fui eu que pari aquela desgraça, a culpa é minha porque se eu tivesse abortado nada disso estaria acontecendo.
Os dois desceram até a biblioteca e quando Belladonna entrou ela logo viu qual livro a filha tinha surrupiado e o ódio subiu a cabeça, ela ficou vermelha e berrou:
- Cazzo Putana! Eu não creio que ela roubou o meu Draconis Nigrum! Meu Deus! Meu Deus do céu! Eu não creio! Como pode! Minha Santa Marta me ajude a não matar minha própria filha!
Uriel falou:
- Não vai precisar matar, ela com certeza vai tentar usar o livro e vai morrer sozinha.
Belladonna disse:
- O problema dela é inveja, ela queria ter os meus dons, mas nasceu seca, não consegue ver um palmo diante da cara.
Uriel falou:
- Por isso ela se voltou pra Wicca, ela quer ser como você.
Belladonna respondeu:
- Quer ser como eu? Na Wicca? E desde quando Wicca ensina alguém a ser médium? Essas malucas lêem Brumas de Avalon e acham que são feiticeiras!
Uriel disse:
- Essa menina é uma vândala. Não fique tão nervosa, vamos resolver isso, pegar o livro de volta e esquecer esse assunto.
Belladonna foi ate a porta da biblioteca e examinou a fechadura aberta, ela disse:
- Ela abriu isso com um grampo. Como ela teve tempo de fazer isso?
Uriel respondeu timido:
- Eu fui no seu quarto, subi as duas escadarias ate o terceiro andar e ainda andei o corredor imenso ate chegar na sua porta, a casa é muito grande.
Belladonna zombou:
- Então se eu estivesse no sotom e você tivesse que ir ate lá teria dado tempo daquela pilantra roubar em tudo que é meu? A pirralha ia fazer a limpa na minha casa? Ah esquece.
Uriel falou:
- O que vai fazer? Vai atrás dela?
Belladonna falou:
- Ir atrás dela onde? Na casa do pai? Nos puteiros da cidade? Onde? Eu não faço ideia de onde ela se mete, o buraco que ela se esconde.
Uriel disse:
- Tente se acalmar.
Belladonna disse:
- Vou esperar, ela vai dar notícias logo. Quer saber do que mais? Eu vou voltar pra cama e dormir. Se essa vagabunda acha que eu vou ficar com olheiras por causa dela ela se enganou. Eu vou ficar zen, vou deitar e ficar calma.
Belladonna subiu as escadas pisando duro e voltou para o quarto. Uriel se sentou por alguns instantes no banco estofado dentro da biblioteca, Isaura veio da cozinha com uma xícara de chá de camomila e deu para ele que indagou:
- O que é isso?
Ela falou:
- Camomila. Serve pra acalmar.
Ele deu um gole no chá e respondeu:
- Não seria melhor levar um desse pra Bella?
Isaura disse:
- Eu abasteci o armarinho do quarto dela com licor de menta, conhaque, Rum... Ela vai beber e se acalmar.
Uriel bebeu todo o chá, agradeceu a Isaura, se levantou e voltou a organizar os preparativos pra festa.
Dez da noite
O telefone toca, Isaura atende, Uriel quando se aproxima ouve ela falando o nome "Eduardo" e então ja sobe correndo as escadas atrás de Belladonna. Quando ele entra no quarto ela está vendo televisão deitada na cama usando um pijama de seda branca. Assim que ele entrou Belladonna falou:
- Venha, vai começar agora Gabriela, eu amo essa novela, mesmo Sônia Braga sendo tão feia eu relevo pelo talento. Sente aqui Uri, olha ja começou.
O tema de abertura da novela já ecoava na casa, pois os televisores do quarto de Belladonna no terceiro piso e o do quarto de Isaura no térreo estavam sintonizados no mesmo canal. Uriel recusando o convite disse:
- Obrigado, mas não gosto dessa novela. Eu vim te avisar que Eduardo esta no telefone, Isaura atendeu.
Belladonna vidrada na novela perguntou:
- Que Eduardo? Aquele Eduardo?
Uriel impaciente disse:
- Eduardo, seu ex marido e pai da sua filha.
Ela se levantou, calçou as pantufas de camurça branca e desceu as escadas em silêncio. Quando chegou na base da escada que dava para o salão, que era onde ficava o unico aparelho de telefone da casa ela viu Isaura pendurada nele falando com o homem. Eduardo era um homem ja idoso, a velhice o deixou rabugento e por isso Isaura se indentificava muito com a senilidade dele.
Belladonna pigarreou, Isaura se despediu no telefone e entregou para ela que ja começou dizendo:
- O que foi Eduardo? O que aconteceu?
Ele respondeu, a ligação chiava um pouco, ou talvez a voz dele ja estivesse rouca. Ele disse:
- Bella, a Betânia esta desmaiada no quarto. Ela andou fazendo aquelas coisas, tentando imitar você. Faz horas que ela está caida no tapete e não se move, está respirando mas... Está estranha, eu achei melhor te avisar antes de ligar para a ambulância.
Belladonna respondeu:
- Mais cedo ela veio aqui, enganou Uriel e roubou um dos meus livros. Tem como você ver se tem um livro grande e grosso com ela?
Ele respondeu:
- Ela está abraçada em um livro assim, capa preta e o desenho de uma serpente com asas na capa.
Belladonna respondeu:
- Eu vou precisar ir ai resolver isso. Avise a sua esposinha que eu estou chegando.
Ela desligou o telefone, Uriel estava descendo a escada e perguntou:
- Ele disse algo sobre Betânia?
Belladonna respondeu:
- Problemão meu querido, vamos ter que descascar esse abacaxi. Ligue o Mustang, coloque a maleta no porta-malas. Nos vamos pra casa do Eduardo agora.
Uriel trocou de roupa, se vestiu com uma jaqueta de couro e calcas pretas, usava sapatos de couro e um charmoso boné preto com um bordado em forma de coração vermelho. Ele ligou o carro, repôs a agua do radiador, passou um pano com álcool no estofamento, abriu o portão do jardim dos fundos e ficou esperando. Ele ligou o rádio do carro e a cantora Cláudia gritou cantando "Deixa eu dizer", que era a música de trabalho do disco de mesmo nome lançado em 1973. Por mais que Uriel não fosse humano, ele era apaixonado por música. Todos os Anjos sabem cantar, é um pré requisito, mas eles so cantam louvores ao Deus maior. Quando Uriel conheceu as composições humanas cheias de emoção ficou maravilhado.
Distraído ele cantarolava junto com o rádio quando Belladonna abriu a porta de trás e entrou. Ela estava vestida com uma camisa de cetim roxo escuro com mangas longas e decote canoa deixando os ombros a mostra, uma calça preta boca sino, um par de ankle boots pretas com salto grosso quadrado e amarração na frente. Ela levava a tira colo uma pequena bolsa com franjas, seu cabelo estava solto dividido ao meio e de tão comprido chegava ate abaixo da cintura, ela usava no dedo médio da mão esquerda um anel com uma enorme turmalina azul e nas orelhas um par de brincos grandes em forma de aranhas preteadas que pendiam de tão grandes. Sua maquiagem era neutra, apenas um lápis basico preto nos olhos e um batom rosa nude.
Assim que ela entrou no automóvel Uriel deu partida e eles foram então para a região norte rumo a cidade de Marília. Duas horas depois Mustang estacionou na porta da casa simples de Eduardo. Uriel desligou o carro e falou com Belladonna:
- Chegamos, quer que eu vá na frente e te anuncie?
Belladonna respondeu:
- Não. Vamos juntos. Eu detesto vir aqui, você sabe que isso tudo é território Kaianguangue, eu não me sinto confortável com isso.
Uriel passou a mão pelo seus cachos louros, olhou no espelho retrovisor checando se estava bonito, os olhos azuis estavam claros como sempre. Ele disse:
- Kaianguangues? Ah Bella eu não creio que ainda exista força indígena por aqui, faz muito tempo que os Deuses deles se recolheram, e mesmo que tiver alguma coisa eu duvido que viria te afrontar. Vamos lá.
Ele desceu do carro e abriu a porta de trás para Belladonna descer, quando ela saiu olhou para o casebre de telhas de barro e viu que Eduardo ja estava na porta. Ele aparentava sessenta anos, era um homem alto, grisalho, cavanhaque, usava uma camisa xadrez marrom e branca, uma calça caqui bege e mocassins marrom escuro. Era um perfeito velho. Assim que ela o viu disse:
- Olá meu velho amigo, estava nos esperando?
Ele se aproximou dela, a beijou no rosto e disse:
- Eu reconheço o ronco do motor desse Mustang a quilômetros de distância. Você está idêntica ao dia que eu te conheci. Parece mais nova que sua própria filha.
Envaidecida Belladonna respondeu:
- Obrigada, uma pessoa como eu tem alguns privilégios. Você também está ótimo.
Ele riu e disse:
- Não precisa mentir. Eu fiz sessenta e três anos, estou velho. Quisera eu ter os mesmos privilégios que você tem para conservar a aparência que tinha quando te conheci.
Uriel interrompeu:
- Tudo bem Eduardo?
Eduardo apertou a mão de Uriel e o comprimento dizendo:
- Olha ai mais um que dorme no formol. Você está ótimo menino.
Uriel sorriu. Os tres entraram na casa, era uma residência simples de dois quartos, sala, cozinha e um banheiro. Belladonna olhou o lugar e sentiu vontade de sair correndo, ela detestava ambientes familiares, lembravam a infância. Ela deu falta pela dona da casa e perguntou:
- Eduardo onde esta a sua senhora?
Ele abaixou o olhar e disse:
- Ela foi para a casa da irmã. Quando soube que você vinha ela preferiu não ficar.
Belladonna falou entre os dentes:
- Covarde.
Eduardo respondeu:
- Você devia ser grata, ela é quem criou a sua filha, e criou com muito amor.
Belladonna fingiu não ouvir, mudou de assunto:
- Ela é masoquista? Me mostre cadê a menina?
Eduardo riu, foi até o apertado corredor e abriu a porta do quarto da filha, disse:
- Está aqui. Veja a situação.
Belladonna e Uriel entraram, o quarto era preto, as paredes pintadas de preto, todos os móveis pretos, ate a roupa de cama era preta. Haviam pentagramas desenhados por toda parte e cristais falsos em cima do criado mudo. Betania estava caida no chão vestindo um conjunto de moleton preto. Ela ainda estava abraçada com o livro.
Uriel olhou tudo e comentou:
- Ela não entendeu nada. Quando dizemos "magia negra" significa magia pesada, e não magia preta, não significa que tudo tem que ser da cor preta. Ela pintou tudo de preto feito uma gótica. Essa menina é o que?
Belladonna falou:
- Eu gosto de preto, é chique. Mas isso aqui é o quarto de uma louca. Eduardo como deixou ela fazer isso no quarto?
Eduardo deu de ombros.
Uriel apontou para um cigarro em cima da penteadeira e disse:
- Ela anda abusando daquilo, por isso anda fazendo essas besteiras.
Belladonna pulou o corpo da menina caida no chão, foi ate a penteadeira, pegou o cigarro e aproximou do nariz, cheirou e disse:
- Mas é maconha mesmo... Sábia disso Eduardo? Essa porra além de maluca também é maconheira.
Eduardo em pé no batente da porta respondeu:
- Sabia. Mas eu não tenho muito o que fazer. Betânia é... Incontrolável. E você é a ultima pessoa que pode falar mal de maconheiros, você planta maconha naquela sua estufa que eu sei.
Uriel respondeu por ela:
- Mas não é pra usar Eduardo, é pra vender.
Belladonna se abaixou e tocou a testa da filha no chão. Esperou alguns segundos, olhou para Uriel e disse:
- Ta oca, sem alma.
Uriel se aproximou, se abaixou ao lado de Belladonna e pôs a mão no peito de Betânia, sentiu a energia e disse:
- Um corpo sem alma morre. Ela está viva. A alma não foi extraída, ela está cativa mas ainda existe.
Belladonna puxou o livro que a menina abraçava, segurou com as duas mãos e disse:
- Revele seus segredos.
O livro se abriu sozinho e as paginas rolaram ate se abrirem uma em especial, no título do texto estava escrito "Samyaza".
Uriel leu o nome e disse:
- Samyaza? Ela não conseguiria invocar ela de modo algum. Samyaza não.
Belladonna respondeu:
- Eu tenho uma pendência com ela. Com certeza Samyaza estava a espreita e aproveitou a deixa pra me forçar a ir até a casa dela.
Uriel perguntou:
- Qual das casas? Ela tem palácios tanto em Nibiru quanto em Gehinom.
Eduardo ouvindo aquilo tudo perguntou:
- Samyaza? Nibiru? Gehinom? Podem me explicar o que é?
Belladonna se levantou e disse:
- Os anjos foram criados aos poucos, em uma destas criações sete nasceram, os sete magnânimos, entre eles estava Samyaza e Uriel. Nibiru é a terra dos anjos, onde eles moram. Gehinom é uma das províncias do mundo que a maioria chama de Inferno.
Eduardo balançou a cabeça e disse:
- Ah sim... Legal. Eu achava que todo anjo tinha EL no fim do nome.
Uriel se levantou e disse:
- Sim está informação é correta. Porém alguns anjos receberam apelidos, como Heilel que é mais conhecido por Lucifer. O nome real de Samyaza é Urakabarameel, mas ela é mais famosa pelo apelido.
Belladonna falou:
- Vamos ter que levar Betânia lá pra casa.
Eduardo disse:
- Vai levar a Betânia? Mas assim? E se a policia parar o carro de vocês?
Belladonna respondeu:
- Não se preocupe com a polícia. Vamos enrolar ela no tapete e jogar no banco de trás do Mustang.
Eduardo reclamou:
- Enrolar minha filha no tapete? Como se fosse um cadáver? Não não, desse jeito não.
Belladonna respondeu:
- Não seja fresco, vai querer chamar uma limousine pra levar ela? Ajude logo a meter ela no carro. Se o dia amanhecer e ela não acordar ela morre.
Entendendo a gravidade da situação Eduardo mesmo contra vontade ajudou Uriel a enrolar Betânia no Tapete do quarto. Uriel carregou ela no ombro até o carro, Belladonna abriu a porta e ele colocou o corpo lá dentro ajeitando para não machucar a moça. Uriel apertou a mão de Eduardo se despedindo, Belladonna apanhou o livro, saiu da casa, na calçada deu um beijo no rosto dele e disse:
- Eu sei o quanto você ama essa menina, e eu prometo que amanhã eu trarei ela de volta.
Ela entrou no carro, dessa vez no banco do carona. Uriel deu a partida e eles voltaram rumo ao casarão. Eduardo ficou olhando o carro virar a esquina, ele nunca havia deixado de amar Bella.
No caminho Belladonna e Uriel começaram a conversar, ele puxou assunto:
- Bella, você não sente mais nada por ele?
Belladonna examinava o livro para ver se estava em perfeito estado, com os olhos baixos ela disse:
- Eu amo ele. Mas como um amigo. Toda a minha história com ele foi um erro. Foi muito bom conhecer ele mas... Casar foi uma péssima idéia.
Uriel continuou:
- Quanto tempo de casamento?
Belladonna respondeu:
- Só dois anos. Foram três anos de namoro e dois de casamento. Você chegou na minha vida logo após a separação.
Uriel prestava atenção na estrada, as mãos firmes no volante. Ele continuou:
- Porque separou?
Belladonna fechou o livro, pôs no colo e disse:
- Porque eu não nasci pra ser casada. Eu não nasci pra ser mãe.
Uriel prosseguiu:
- Você pensou em abortar quando ficou gravida?
Belladonna respondeu:
- Sim foi a primeira coisa que eu pensei. Mas Isaura contou pro Eduardo que eu estava grávida, e ele implorou que eu tivesse a criança. Isaura achava que se eu fosse mãe eu encontraria a verdadeira felicidade. Eduardo se ajoelhou a os meus pés e chorou, pediu a menina. Eu cedi mas com a condição que ele seria o único responsável pela criança. Eu cuidei dela um ano, e depois ele foi embora de casa e levou ela junto. Minha casa não era segura para se criar um bebê.
Uriel continuou a falar:
- E porque você detesta tanto ela? Porque odeia a sua filha?
Belladonna respondeu:
- Se eu odiasse ela eu não estaria levando ela pra minha casa no meio da madrugada.
Uriel falou:
- Mas eu não vejo carinho seu por ela. Parece que você gosta mais de mim,da Isaura do que dela.
Belladonna encostou a cabeça no encosto do banco, suspirou fundo e disse:
- Na minha família quando nasciam pessoas como eu... Médiuns, Bruxas e tudo mais... Recebiamos um conselho que foi passado pelo meu ancestral que orientava que nós não tivéssemos filhos. Ele dizia que ao ter um filho nos veriamos a morte na face dele. Eu não acreditava nisso ate Betânia nascer. Quando ela nasceu eu vi nela a minha morte. A minha família segue se multiplicando através dos que nascem normais, os paranormais realmente não devem procriar. Betânia está com vinte anos, e por mais que eu use dos meus metodos pra me manter com essa aparência jovial... Eu tenho quarenta e seis anos. Eu sou mortal. Toda vez que eu me lembro de Betânia eu me lembro que sou mãe de uma mulher, que sou velha e que meu tempo esta correndo.
Uriel respondeu:
- Eu respeito, mas nunca vou entender isso.
Belladonna falou:
- Claro, você é um imortal.
Uriel tirou uma das mãos do volante e pagou na mão dela. Disse:
- No dia que você desencarnar eu prometo te seguir no mundo espíritual.
Ela retribuiu acariciando a mão dele.
Duas horas depois chegaram, Isaura estava acordada e esperando no jardim quando o Mustang entrou. Assim que Belladonna saiu do carro ela olhou para Isaura e perguntou:
- Oxê Isa? Ta em pé essa hora porquê? Ja são tres e meia da manhã.
Isaura também era médium, podia ver e falar com espíritos. Porém o nível de mediunidade dela não era 1% comparado com o de Belladonna. Ela disse:
- Bella, tem visita pra você.
Uriel descarregou o corpo enrolado no tapete e segurando o volume no ombro ele entrou na casa.
Belladonna falou com Isaura:
- Visita essa hora? Quem é?
Isaura disse:
- É a... Melhor você mesma ver.
Uma mulher saiu da casa pela porta de vidro e ficou em pé em cima do deck de madeira, ela usava um longo vestido preto com a barra em rendas, a saia armada como as do século dezoito, um espartilho tão apertado que os seios quase saltavam para fora. O cabelo dela era castanho escuro e muito volumoso, usava brincos de argola dourados e um batom preto. Ela pôs as duas mãos na cintura e abriu um sorriso largo.
Belladonna quando a viu também sorriu e disse com a voz animada:
- Mas vejam só se não é a Dona Maria Mulambo! Desde o ano passado que eu não te vejo.
Maria Mulambo falou:
- Estava te esperando. Temos muito a fazer hoje.
Belladonna se aproximou e disse:
- Mulambo mil perdões, mas hoje eu estou ocupadissima. Minha filha...
Mulambo interrompeu:
- A alma dela está com Samyaza. Eu vim justamente por isso.
Belladonna estranhou e perguntou:
- Mas não é a Sete a Saias que deveria estar aqui? Foi ela que jurou ser minha guardiã.
Mulambo falou:
- Sim e eu estou aqui a pedido dela. Uma mão lava a outra, eu devo uns favores pra ela e ela me pediu pra cuidar das coisas hoje. O que vamos fazer é algo que ela não pode. Só eu mesma faria.
Belladonna abriu os olhos de modo expressivo e falou:
- Fazer algo que ela não faria? Você se refere a ir lá, ir no Inferno?
Mulambo respondem:
- Isso ai. Você sabe que Sete Saias tem o nome mais sujo que pau de galinheiro lá em baixo. Desde aquela confusão que ela fez com o consorte do Imperador... Ela pagou o que devia, mas foi "gentilmente" aconselhada a não dar as caras por um tempo.
Belladonna falou:
- Entendo. Mas eu tenho muito receio de ir lá e Samyaza não me deixar voltar. Ela não é de confiança.
Mulambo falou:
- Ela vai te deixar voltar sim. Ela precisa de você aqui.
As duas entraram, passaram pelo longo corredor mas não foram para o salão, ao contrário, foram para a área de serviço onde havia uma pequena porta que dava acesso a escada para o porão. Mulambo desceu primeiro, Belladonna quando desceu fez degraus da velha escada rangerem.
O porão era de paredes de terra, sem revestimento algum, terra vermelha. Nas paredes a cada um metro e meio se podia ver as grossas colunas de sustentação da casa. No vão livre do meio havia uma mesa antiga e sobre ela um castiçal com sete velas acesas, Uriel ja havia descido antes e acendido. Ele colocou Betânia no chão, ela estava mais palida que antes, os labios estavam ficando roxos. O lugar era muito escuro, mais para o fundo havia toda a tubulação da casa, de água e de esgoto.
Uriel cruzou os braços sobre o peito e falou:
- A menina está se afastando.
Mulambo se moveu para perto de Bella, mas antes olhou para ele e disse:
- Nos vamos resolver isso já, não se preocupe.
Uriel disse com um tom de voz preocupado:
- Eu não aconselho a ir falar com minha irmã. Ela é famosa por ser mentirosa. Dos sete ela sempre foi a mais mergulhada em iniqüidade. Você sabe que ela ja enganou muitos humanos, ela ja fez coisas terríveis.
Maria Mulambo falou em resposta:
- Você também ja fez coisas terriveis Anjo do Sol. Não se faça de superior, você e Samyaza são farinha do mesmo saco. Como você mesmo disse, são irmãos.
Belladonna falou para Uriel:
- Não se preocupe meu querido, Samyaza não me fará nenhum mal.
Mulambo disse:
- Então vamos logo.
Belladonna perguntou:
- Qual vai ser o procedimento?
Mulambo orientou:
- Se deite no chão, eu vou empurrar seu espírito para fora do corpo e ai eu te levo para Gehinom.
Belladonna se deitou no tapete ao lado de Betânia, ali no chão ela olhou para Uriel e disse:
- Se eu morrer, faça um velório lindo. Me vista com aquele meu vestido vermelho, o que tem o decote cavado, faço questão de ser velada aqui mesmo.
Uriel sorriu em concordância.
Mulambo ficou em cima de Belladonna, o corpo dela entre os pés de Mulambo que disse:
- Eu não sou tão delicada quanto Sete Saias, a queda vai ser brusca. Outra coisa, eu vou te guiar até a casa de Samyaza, mas eu não vou me envolver em nada. Suas questões são suas.
Belladonna fechou os olhos, Mulambo se inclinou sobre ela pondo as mãos sobre os ombros e a empurrou para baixo com força.
Uriel observou o corpo de Belladonna ficar sozinho enquanto o espirito desceu para dentro da terra.
Belladonna sentiu um baque nas costas, abriu os olhos assustada e sentou. Olhou para cima e viu um céu negro, sem estrelas, sem lua. Olhou em volta e viu que estava em uma praça redonda de paralelepípedos, haviam estatuas de serpentes por todos os lados que seguravam tochas para iluminar o lugar.
Mulambo estava em pé ao lado dela e disse:
- Bem vinda ao marco zero do Gehinom. Esta é a sexta província do inferno.
Belladonna se levantou, ajeitou os brincos na orelha e perguntou:
- Meu corpo está na minha casa ainda?
Mulambo respondeu:
- Sim.
Belladonna perguntou:
- A dobra do tempo é aquela que Sete Saias me disse uma vez?
Mulambo respondeu:
- Sim, uma hora na terra é um dia no inferno.
Belladonna disse:
- Então Betânia esta aqui faz uma semana quase. Vamos indo?
Mulambo apontou para frente e disse:
- Minha carruagem já chegou, ali veja. Vamos lá.
Elas andaram ate um escadaria, desceram cerca de doze degraus e avistaram a carruagem. Era uma cabine colonial azul escura com puxadores de ouro nas portas, não haviam cavalos, a carruagem era puxada por seis homens presos a arreios nos ombros, eles estavam nús e usavam freios nas bocas que eram amarrados nas redeas que ficavam na mão do cocheiro.
Belladonna observou curiosa e perguntou:
- Porque esses homens estão assim?
Mulambo respondeu:
- Não existem animais no inferno, nada de cavalos. Você possivelmente vai ver sim algum animal por aqui mas na verdade são espíritos envurtardos. Com a ausência de cavalos, os coches são puxados por pessoas da mais baixa classe.
Belladonna perguntou mais:
- Baixa classe? Como assim?
Mulambo disse:
- Gente que durante a vida fez o que não devia. Esses seis ai irritaram muito Rosa Caveira quando eram vivos, e quando morreram ela fez o que quis deles. Aliás eu disse que essa carruagem é minha mas na verdade não, é de Rosa Caveira. Mas como eu ja te disse hoje uma mão lava a outra, nós moças estamos sempre ajudando umas as outras.
O cocheiro avistou as duas, desceu apressado e abriu a porta para elas entrarem na Cabine. Belladonna achou engraçado pois ele tinha a aparência de uma criança esquelética, os ossos estavam a mostra nas partes que o terninho preto não cobria.
Elas entraram e Mulambo disse alto:
- Vamos falar com Samyaza.
O cocheiro deu um grito fino, os homens-cavalos começaram a andar, pegaram uma estrada esburacada, dentro da carruagem Mulambo e Belladonna chacoalhavam sem parar.
Estavam uma sentada diante da outra, Mulambo pegou um leque bordado com latejoulas roxas que estava em cima do banco e começou a se abanar. Ela olhou para Belladonna e disse:
- Escute meu bem, por mais que eu ame a linda da Sete Saias, eu não estou fazendo isso tudo de graça. Você vai ter que fazer uma coisa por mim.
Belladonna sentou ereta e respondeu:
- Eu ja imaginava. Sim pode dizer.
Mulambo falou:
- O meu clã, nós Pombagiras... Nós não somos bem vistas por Samyaza e pelos que são como ela. Mas eu preciso de uma audiência. Tenho passado por sérios problemas e ela pode me ajudar.
Belladonna respondeu:
- E você acha que eu teria como marcar essa audiência?
Mulambo respondeu:
- Sim. É claro que seres humanos comuns não são nada para Samyaza, mas quando eu soube que ela tinha pedido a alma da sua filha eu vi que existe algo de importante em você. Nos duas sabemos que a sua filha não tem capacidade de invocar nem um diabo zombeteiro, mas Samyaza foi ate ela. Ela fez isso pra voce ter que ir atrás da menina. Ela quer falar com você.
Belladonna respondeu:
- Mas tudo isso apenas para falar comigo? Não creio. Ela podia ter mandado um mensageiro, uma carta, qualquer coisa.
Mulambo disse:
- Se ela armou esse circo todo é porque precisa falar pessoalmente. Você sabe que Ela não pode ir na terra, esta proibida, e se ela mandasse um mensageiro a informação iria vazar. Na terra, no céu ou no inferno, fofoca existe em todo lugar.
O cocheiro soltou novamente um grito fino e a carruagem parou. Ele abriu a porta para que as moças descessem mas apenas Belladonna saiu, ela perguntou:
- Mulambo você não vem?
Mulambo falou:
- Não. Samyaza quer privacidade. Eu vou dar um volta, me espere aqui se sair antes que eu volte. Se eu chegar antes te espero. Vá logo, e não se esqueça de falar da minha audiência.
Belladonna se virou e viu o palácio de Samyaza.
Era um castelo quadrado, como um caixote. Pelo número de janelas Bella contou oito andares, o que fazia o seu casarão parecer um barraco perto daquela construção.
Tudo era cercado por grandes pés de acácia e haviam bandeiras brancas por todos os lados. Ela caminhou ate o portal de entrada viu um enorme porta arqueada talhada com figuras de anjos. Ao lado havia uma pequena mesa onde um homem de pele albina estava sentado organizando papéis. Ela foi ate ele e disse:
- Com licença, eu gostaria de falar com Samyaza.
O homem não olhou para ela, de um modo rude ele disse:
- Tem hora marcada?
Belladonna falou:
- Não, mas...
Ele a barrou:
- Somente com hora marcada.
Belladonna falou:
- Desculpe mas eu creio que é Samyaza que deseja falar comigo.
O homem zombou:
- Ah sim, jura? Otimo.
Belladonna disse:
- Ela está sim a minha espera. Por favor não pode ver se...
Ele bufou, abriu uma pasta onde havia uma lista de nomes e perguntou:
- Fale seu nome, se estiver aqui você entra. Se não, sem chance.
Belladonna falou:
- Eu me chamo Diva Belladonna.
O homem perguntou:
- Esse é seu nome inteiro?
Ela disse:
- Não não. Meu nome é Milena Diva Belladonna di Gilli e Agrippa von Nesttesheim.
Ele ergueu a folha com a lista e disse:
- Oh! Mil perdões, ela esta a sua espera.
O homem se levantou e deu três tapas fortes na porta, um outro homem muito alto abriu uma pequena fresta e perguntou com a voz grave:
- O que foi?
O homem da lista disse para ele:
- A convidada de Madame Samyaza está aqui, faça ela entrar já!
E porta dupla se abriu, era uma porta dupla de aproximadamente cinco metros de altura, fazia um som estralado nas dobradiças enormes. O homem da porta disse:
- Entre senhora.
Belladonna Entrou e viu a maravilha do lugar, o salão de entrada era grande e muito alto, no teto se podia ver afrescos com pinturas belissimas, todas retratando anjos. O chao era preto e branco como um tabuleiro de xadrez. Haviam servos parados em pé a cada dois metros segurando castiçais com velas, e uma grande lareira que iluminava tudo deixando o salão de paredes claras em tom alaranjado pelo fogo.
O homem guiou Belladonna ate uma porta no fim do salão que ao se abrir deu passagem para uma escadaria em espiral. Ele parou próximo a porta e disse:
- A senhora deve subir sozinha. No topo da escada Madame Samyaza está lhe esperando.
A escada era de pedra, larga, ela subiu inúmeros degraus ate chegar em um corredor amplo e escuro mas que tinha uma forte iluminação vindo do final. Ela andou pelo corredor ate chegar na claridade e viu a entrada de um salão, lá estava Samyaza.
O salão redondo, todas as paredes eram cobertas por espelhos que iam do piso ao teto. O chão era verde, espelhado. No fundo do salão havia um gramofone tocando um suave som parecido com o daquelas caixinhas de musica francesas.
Samyasa estava usando um vestido branco semi transparente, ela dançava balé, no salão, nos pés usava sapatilhas de ponta e quando rodopiava abria as longas asas brancas que tinha nas costas fazendo um vento forte na sala. Ela era extremamente parecida com Uriel, as poucas diferenças estavam em ela ter seios, longas asas cujo quando abertas davam mais de de sete metros de ponta a ponta, e os cabelos que eram da mesma cor dos de Uriel porém os dela eram muito compridos, chegavam as coxas caindo em cachos dourados. Os olhos dela eram um pouco maiores que os dele. Ela era belíssima.
Assim que percebeu a presença de Belladonna ela fechou as asas e deu vários rodopios rapidos na ponta das sapatilhas brancas ate se aproximar o suficiente. Com uma voz adocicada e quase infantil ela disse:
- Diva Belladonna! É um prazer te-la em minha humilde residência.
Belladonna sorriu e falou:
- O prazer é todo meu Madame.
Samyaza caminhava na ponta das sapatilhas, ela apontou para um sofá de veludo rosado no canto e disse:
- Não gostaria de se sentar ali? Vamos conversar.
Belladonna se sentou e falou:
- Eu vim aqui para falar com a senhora, mas pelo visto é a senhora que quer falar comigo, não?
Samyaza deu mais um giro abrindo as asas e jogando lufadas de vento por toda a sala, e disse:
- Sim. Trazer sua filha para cá foi só um modo de convidar você para vir aqui. Não se preocupe, eu vou enviar a alma dela de volta daqui assim que nos acertarmos.
Belladonna estava com muito medo, mas disfarçava bem. Sorrindo ela disse:
- Sou toda ouvidos.
Samyaza falou:
- Quando meu irmãozinho caiu em desgraça eu permiti que ele ficasse sob a sua tutela. Agora quem precisa de um favorzinho sou eu.
Belladonna disse:
- Sim, diga.
Samyaza falou:
- Preciso que mate um ser humano.
Belladonna perguntou:
- Como? Porque eu? Com todo o poder que você tem não seria trivial tirar a vida de alguém?
Samyaza respondeu:
- É um profeta.
Belladonna ficou pálida, ela disse:
- Um profeta? Você quer que eu mate um profeta?
Samyaza respondeu:
- Sim. Você sabe, profetas tem toda aquela proteção contra os seres espírituais, por mais que eu seja forte, eu não posso tocar nele.
Belladonna falou:
- Sim eu sei que magia não afeta os profetas, exatamente por isso que eu não entendo como eu mataria ele.
Samyaza respondeu:
- Nenhuma magia o afeta, mas existe uma lei que ate um profeta esta sujeito, o livre arbítrio. Se você escolher matar ele, nada a impedirá. Dê um tiro nele, com uma arma normal dessas que os humanos tem, o corpo dele vai morrer, a alma vai voltar para o criador e eu vou ganhar tempo até ele voltar a nascer.
Belladonna perguntou:
- Mas porque eu? Porque me escolheu para essa tarefa?
Samyaza respondeu:
- Ninguém aceitou. Todos os vivos que pude alcançar recusaram. Você sabe, matar um profeta causa a condenação da alma de quem o fizer... Mas a sua alma ja está condenada, você é a única que eu pude alcançar que não tem nada a perder.
Belladonna falou:
- Posso sim fazer isso, mas a alma da minha filha é pouca paga.
Samyaza respondeu:
- Eu sei. Eu tenho uma coisa a mais para te oferecer como pagamento. Algo que voce deseja muito.
Belladonna perguntou:
- Que tesouro é esse?
Samyaza disse:
- Tempo. Eu posso te dar tempo. Você é humana, e nenhum humano pode viver mais do que cento e vinte e cinco anos desde o decreto de Metusalah. Mas... Quando você chegar a essa idade eu posso te dar mais cinqüenta anos de vida. Você quer?
Belladonna disse:
- Sim. Sim eu quero.
Samyaza falou:
- Então assim será.
Os olhos de Belladonna brilharam ao ouvir aquelas palavras. Ela projetou os ombros para frente e disse:
- Que garantias me dá que cumprirá essa promessa?
Samyaza disse:
- Garantias? Minha palavra não basta? Aposto que Uriel andou me difamando não é?
Belladonna falou:
- Nao é questão disso, é natural que todo acordo envolva garantias. Simplesmente natural.
Samyaza se abaixou, ficou agaixada bem próximo a Belladonna. Ela arrancou um fio de cabelo dourado da própria cabeça e enrolou no pulso de Bella. O fio de cabelo engrossou e se tornou uma pulseira de ouro. Samyaza ergueu o pulso dela e disse:
- Veja, este é o juramento de um anjo, o fio de cabelo. Nos cabelos é que está o nosso poder. Isso aqui é a prova que manterei minha palavra. Veja como sou honesta.
Belladonna olhou para a jóias e se sentiu poderosa. Mas havia mais a se pedir. Ela disse:
- Madame Samyaza, eu aceito esse trabalho, mas preciso fazer outro pedido.
Samyaza se levantou, voltou a ficar na ponta dos pés e disse com uma expressão fria?
- Não basta isto? O que mais quer?
Belladonna disse:
- Não é nada que custe. Na verdade uma pessoa gostaria de ter uma audiência com a senhora.
Samyaza deu um giro, parou e falou:
- Uma audiência? Só isso? Certo, não me custa nada receber essa sua pessoa. Quem seria?
Belladonna respondeu:
- Dona Maria Mulambo. Espirito da minha terra.
Samyaza ergueu uma sombrancelha com uma expressão de nojo e disse:
- Mulambo? Pombagira?
Belladonna respondeu:
- Sim. Exato.
Samyaza falou:
- Detesto Pombagiras.
Belladonna falou:
- Eu sei, mas será um favor, afinal ela que me trouxe aqui.
Samyaza respondeu:
- Assim que sair mande o guardião da porta marcar uma audiência. Mostre a pulseira e ele lhe obedecerá.
Belladonna disse:
- E minha filha?
Samyaza disse:
- Já está te esperando lá na entrada. Assim que ela sair da minha casa a alma volta para o corpo.
Belladonna perguntou:
- E as instruções sobre o trabalho?
Samyaza falou:
- Em breve você sonhará comigo e no sonho te direi tudo que precisa saber. Agora pode ir, volte pra sua realidade. Eu vou voltar a praticar o meu balé.
Belladonna se levantou, fez uma reverência com as mãos e se retirou. Ela desceu a escadaria em espiral e na porta de baixo o homem que a guiou ainda a esperava. Ele não disse nada, apenas a acompanhou ate a saída. Quando chegou na porta Betânia estava lá em pé, ela tremia e chorava muito assustada. Assim que viu Belladonna ela disse:
- Mãe? Mãe que lugar é esse?
Belladonna sem a menor paciência nada falou, somente empurrou Betânia para fora do salão e assim que ela saiu o corpo se desfez e ela sumiu.
Belladonna foi até o albino guardião do lado de fora da porta e disse:
- Samyaza quer que marque um horário para uma audiência com Maria Mulambo.
Ele fez uma expressão negativa mas assim que viu a pulseira no pulso dela ela sorriu, folheou um grande livro ate achar um horário, anotou no livro usando uma pena e em seguida anotou em um cartão vermelho e entregou para Belladonna.
Ela deu as costas e foi rumo a onde a Carruagem de Mulambo já estava a espera.
O cocheiro abriu a porta da cabine e ela entrou, Mulambo estava lá impaciente. Perguntou:
- Conseguiu marcar uma audiência em meu nome?
Belladonna entregou o cartão vermelho e disse:
- Sim, está marcado aqui.
Quando Mulambo viu a pulseira no braço dela gritou:
- Você ficou louca!
Belladonna respondeu:
- Porque? Por isso? Isso é a garantia de que Samyaza vai cumprir a palavra.
Mulambo disse:
- Não meu bem, isso ai significa muito mais. Você vai entender ainda.
O cocheiro levou as duas até o marco zero Gehinom, e de lá elas voltaram para a terra.
No porão Belladonna se levantou desesperada, o corpo doia, estava sem ar nos pulmões. Betânia ja estava acordada, ela ainda chorava, parecia em choque.
Mulambo não estava, não voltou com ela.
Uriel ajudou Belladonna a se erguer, ela perguntou:
- Quanto tempo fiquei ausente?
Ele disse:
- Uns cinco minutos. Essa pulseira é o que penso que é?
Belladonna falou:
- Falamos disso depois. Agora vamos levar Betânia para o pai.
Betânia se levantou também e perguntou:
- O que aconteceu? O que foi tudo isso?
Belladonna deu um forte tapa no rosto dela, tão forte que a cabeça inteira se inclinou para a esquerda. Muito seria ela disse:
- Se você se atrever a roubar qualquer coisa minha de novo eu te mato. Tive de ir naquele buraco te buscar, e além disso você me fez gastar gasolina de um mês só hoje! Você vai ficar calada, não quero ouvir um pio. Vá para o carro! Anda! Anda!
Betânia subiu apressada as escadas, foi para fora e entrou no Mustang.
Uriel e Belladonna também foram para o carro.
As seis e vinte da manhã eles chegaram em Marília, na casa de Eduardo.
Betânia não disse nada, só saiu do carro e correu pra dentro.
Uriel deu partida, o carro foi para a estrada.
Quando ele olhou para Belladonna viu que ela estava dormindo, cansada pela descida ao inferno.
Ele acelerou mustang e murmurou:
- Essa Pulseira é uma cilada... O que será que você prometeu fazer Bella... O que será que Samyaza vai fazer com você?
Magnífico a cada capítulo anciosa pelo 3 :)
ResponderExcluirVc é 10 cara.. Tô encantada!
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