RODA DAS PRINCESAS 2021 - CAPITULO 10

 Felipe Caprini
RODA DAS PRINCESAS 


Capítulo 10
"Meu Anjinho"




 

❤ - I 

Meia Noite e Mulambo foram para longe, para o sul, centenas de quilómetros até uma região que no tempo em que eram vivos era como a terra do café, ali a muito tempo atrás existiu o Cabaré de Maria Quitéria, o famoso "Cabaré de Fogo".

A casa estava abandonada, era um grande casarão de alvenaria que naquele momento já era um lugar sem vida semi destruído, tomado por plantas e ninhos de pássaros. Não havia mais porta, eles entraram pelo buraco onde antes era a entrada principal, entraram no grande salãoe subiram pela escadaria que já estava com alguns degraus faltando. Na parte de cima seguiram por um longo corredor já sem teto, assim foram até o último quarto. Mulambo entrou e viu tudo destruído, porém ainda havia uma penteadeira perto da janela, o espelho estava quebrado mas era sim a penteadeira original que Quitéria e outras que vieram depois utilizaram no auge no cabaré.

Mulambo foi para o meio do quarto e girou com os braços abertos fazendo sua saia abrir. 

— Você se lembra desse lugar também, não?

— Sim, eu estive muitas vezes com você nesse quarto. 

— Você era o homem mais rico da cidade e todos me conheciam como Magnata Meia Noite...

— mas você insista em me chamar pelo meu nome de batismo...

Mulambo jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada escandalosa, então beijou a testa de Meia Noite.

— Eu olhava pra você e dizia "Principe Samuel"...

 

Meia Noite olhou para o teto quebrado do quarto, estava meio sem jeito.

— Você era a única que eu permitia me chamar assim...

— Feche os olhos e não abra até eu dizer que pode entendeu? 

 

Meia Noite cobriu os dois Olhos com as mãos. Em alguns instantes ele começou a ouvir música, era som de violinos.

— Agora sim... Abra os olhos! — Mulambo disse animada.


Ele abriu os olhos e viu o inacreditável, como se tivesse voltado ao tempo, o quarto estava como antigamente, as grandes janelas estavam intactas, os candelabros de prata com tres velas cada estavam acesos e estapalhados pelo quarto, o papel de parede cor de rosa estava ali na parede junto a um quadro, uma tela de tinta óleo que retratava o nascimento de Afrodite. O assoalho estava encerado e a cama arrumada com uma colcha de cetim cor de areia, os travesseiros encapados com seda cor de ameixa, a mesinha de cabeceira era o mesmo e sobre ele uma pilha de envelopes, cartas que ela recebia de muitos homens apaixonados.

— Magia... — Meia Noite observava tudo embasbacado — Você usou suas memórias, não foi?

— Sim, isso que voce está vendo são as minhas lembranças. Agora veja isso! — Mulambo fechou os olhos e seu corpo foi tomado por um brilho vermelho, em seguida o brilho se dissipou dando lugar a um vestido de camurça verde escura com detalhes dourados no decote e um cinto feito com circulos de couro em forma de flores. O cabelo ainda um tanto bagunçado, mas estonteantemente encantadora.

Ele com os seus belos olhos verdes avaliou o vestido.

— É o vestido que você usou no dia em que te conheci.

— Sim senhor, esse era meu vestido predileto.


Meia Noite se levantou e puxando Mulambo pelos cotovelos ele a trouxe para o meio do quarto.

— Vamos dançar! Mas não aquelas danças empapadas dos granfinos, mas sim como dançamos quando ninguém estava olhando.


Mulambo pós as mãos nos ombros dele e ele as mãos nos quadris dela, e assim começaram a dançar. Em alguns Momentos ela se separava dele e girava com o vestido rodado, e ele sempre a acompanhava. Esta era uma dança que um dia foi sedutora, mas nesta noite foi uma dança cheia de saudade.

Eles pararam de dançar bruscamente quando perceberam alguém se aproximando.

Uma voz de mulher interrompeu aquele momento, a voz vinha do corredor.


— Que nostalgia... Esse lugar guarda grandes memórias...


As lembranças de Mulambo se apagaram e o quarto voltou a sua realidade em ruínas. Mulambo murmurou:

— O diabo em pessoa...

Meia Noite comprimentou a mulher que entrou no quarto.

— Boas Noites Maria Padilha.

 

Maria Padilha sorriu para ele.

— Olá meu querido.


Ela entrou no quarto caminhando devagar como uma gata, vestia um espartilho preto com cordões prateados na amarração das costas, A saia de rendas negras era tão longa que arrastava a barra no chão escondendo por completo o seus sapatos. Entre os seios de Padilha ficava notório o cabo de uma adaga que ela escondia no busto, nas mãos ela tinha um leque negro sem estampas, um anel de pedra vermelha no dedo anelar e na outra mão ostentava uma pulseira de correntes prateadas. O cabelo estava penteado para o lado e a sua maquiagem era bem forte, o batom era cor de vinho e seus olhos extremamente negros com sombra azul marinho esfumaçada até as sombrancelhas, usava também um par de brincos longos de correntes de prata em forma de tassel.


— A Vadia pensa que é francesa... Sempre tentou ser como Quitéria... — Mulambo zombou.


Padilha então fez cara de sinismo.

— Vadia eu? Ora eu chamaria uma mulher de vadia em poucos casos... Por exemplo, se a uma irmã matasse a outra por motivo de inveja e  ciumes, aí sim esse mulher seria uma vadia completa, mil vezes vadia!

— Mas deixe de ser vaca! Eu nunca tive inveja de você! Você que sempre quis me ver na lama!

— Esse quarto era meu! — Padilha bateu o pé no piso lascado — Você me matou e depois assumiu este cabaré, o meu cabaré! Dormiu na minha cama e...

— Cale essa boca! Seu cabaré? Sua cama? Essa casa foi construída por Quitéria, você a matou e tomou tudo o que era dela, eu apenas tomei a herança de Quitéria para mim! Eu merecia ela! Eu! — Mucambo gritou.

— Calma moças, essa cama pertenceu a Quitéria, a você Padilha, a você Mulambo e depois passou para Rosa Vermelha, não briguem por isso. — Meia Noite Pediu.


Padilha andou até onde Meia Noite estava.

— Melhor deixar que eu e ela... Bom Meia Noite, quero falar com ela a sós.

— Não. Olhe Padilha a última que deixei vocês a sós você acabou morta. — Meia Noite respondeu.

— Vendo por esse lado, melhor que você fique.


Mulambo cruzou os braços e começou a bater o pé direito no chão mostrando que estava nervosa. 

— Suzana você pode fazer o favor de ir embora? Seria muita gentileza se pudesse sair daqui. Digo, imediatamente!

— Não fique me chamando de Suzana, eu por acaso te chamo de Francisca? E eu so vou embora depois que eu colocar tudo em pratos limpos. Se bem que a palavra "limpo" não combina com você... Mulambenta...


Mulambo avançou para Cima de Padilha com os dedos das mãos esticados para unhar o rosto da irmã, mas foi impedida por Meia Noite que a segurou pela cintura a afastando de Padilha.

Mulambo gritava:

— Eu vou rasgar ela toda! Me solta! Eu quero acabar com ela!


Padilha abriu seu leque e começou a se abanar cheia de deboche.

— Circo dos Horrores, sua selvagem...

— Mulambo pare de agir desse jeito! — Meia Noite a continha com dificuldades, a mulher parecia um siri na lata — E você Padilha não de uma de superior, já que você é tão salvagem quanto ela! Dá pra vocês conversarem na paz?!


— As duas Rainhas do tabuleiro de xadrez são iguais mas o destino ordena que elas sejam eternas inimigas. — Padilha falou.

— Conversa fiada! Xadrez uma porra! — Mulambo gritou.


Padilha olhou de soslaio.

— Eu me dirigi ao Meia Noite. Eu sei que você sequer sabe o que é xadrez, o único jogo que voce sabia era truco... E jogava bêbada aos berros batendo as mãos na mesa com estardalhaço! Sua mulherzinha baixa!

— Eu não entendo como você pode ser minha Irmã... Eu não lhe reconheço em nada! ... Em nada...

 

Uma voz masculina e imponente se ouviu vindo pelo corredor. 

— Deixem de besteira, vamos enterrar o passado hoje.

 

Mulambo abaixo os olhos e cumprimentou homem que vinha se aproximando.

— Boa Noite Tranca Ruas. 

— Boa Noite.

— Então a conversa vai ser mesmo seria não é? — dissd Meia Noite.



❤ - II

Era mais uma Noite de consulta na casa de Dama da Noite, e mesmo com a dona da casa ausente alguns espíritos estavam incorporados em seus médiuns atendendo ao povo. Figueira estava incorporada em seu cavalo, naquela noite ela não se demorou nas consultas, logo liberou o corpo do jovem e saiu daquela sala agitada.

Era muita gente e muito barulho e ela não gostava disso. Figueira saiu do terreiro e desceu a escadaria com passos lentos enquanto sua saia e negra ondulava com o vento, ela pretendia ir falar com Menina para espairecer, porém quando chegou no meio da escadaria ela viu que não era menina que estava na base lhe aguardando, era outra mulher. Desceu os últimos degraus com as mãos na cintura, as unhas pintadas de preto. Ao chegar ao último degrau ela ficou face a face com Maria Quiteria.

— Dona Quitéria, o que lhe trás aqui está noite?


Quitéria olhando fixamente para ela também pôs as mãos na cintura e projetou o busto. Usando um tom de récita na voz ela limpou a garganta.

— E disse-lhes uma parábola, olhai para a Figueira, e para todas as árvores; quando já têm rebentado, vós sabeis por vós mesmos, vendo-as, que perto está já o verão. Assim também vós, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto. Em verdade vos digo que não passará esta geração até que tudo aconteça. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não hão de passar.


Figueira olhou para Quitéria com uma expressão de incógnita.

— Voce acaba de recitar o desfecho da Parábola da Figueira Maldita contada por Cristo, Bíblia Sagrada, Novo Testamento, livro de Lucas, Capitulo vinte e um, do vigésimo nono ao trigésimo terceiro versículo.


Quitéria então franziu a testa.

— O filho de Deus disse que para todo o sempre a Figueira será uma árvore maldita.

— Diga logo a que veio Quitéria. — Figueira se mostrou impaciente.

— Eu vim aqui atrás de você.



❤ - III

Tranca Ruas sentou em uma cadeira quebrada que faltava um dos pés, mas como os espíritos são leves como vento não teve problema em sentar nela.

Em um lado do quarto estava Padilha, do outro Mulambo. E Meia Noite ali  sentindo-se avulso na história. 

— Bom, isso parece ser questão de família, eu não vou me meter. Já estou de saída. — Ele foi saindo.

— Você tem sim participação nisso, eu bem sei. Fique aqui, vamos todos falar sobre o passado. — Tranca Ruas pediu.


Mulambo Então abriu a boca para falar mas antes de pronúnciar uma sequer palavra ela foi interrompida por Tranca Ruas que usou um tom áspero:

— Não dou a miníma pros sentimentos que você teve ou tem por mim. Esse sua paixão azeda só me trouxe problemas. Pare. Agora eu estou aqui para falar do que você me fez. Eu preciso falar disso, eu sinto que se eu falar tudo o que eu sinto sobre isso eu vou poder ter paz. Entenda Maria Mulambo, nada do que você sente de bom ou de ruim por mim e Padilha vai te salvar dessa culpa. Ele tinha seu sangue também. Desculpe estar sendo rude mas eu estou no meu direito e você sabe que eu estou.


Mulambo recuou alguns passos e se encostou na parede. Ela olhou para tranca ruas e pode ver o quão belo ele era, ela o achava perfeito. Tranca Ruas vestia um terno preto de corte um mais longo como era a moda antigamente, a camisa era de algodão simples e preto, a gravata era vermelha cor de sangue, a calça era preta e também bem simples, o sapato era com salto carrapeta e sua cor negra engraxada o deixava reluzindo a luz da lua que entrava pelas frestas do telhado quebrado. Uma mão repolsava sobre a coxa o mostrando um belo anel de ouro com a insígnia de sua família, afinal ele vinha de um clã nobre. A sua barba era espessa e possuía sombrancelhas grossas, o cabelo era cumprido o suficiente para tocar os olhos mas ele o mantinha penteado para trás.

Padilha foi até a janela fingiu que olhava para o lado de fora quando na verdade só não queria olhar para Tranca Ruas. Ela lutava contra a dor que sentia ao tratar daquele assunto.

— Mulambo, recentemente encontrei Tranca Ruas na Praia. Ele queria falar sobre o passado mas eu achei melhor ter essa conversa junto com Você. Afinal tudo te envolve. — Disse Padilha.


Tranca Ruas suspirou fundo, fechou os olhos por um instante, e só depois começou a falar. A sua voz grave dava peso as palavras. 

— Mulambo eu te conheci primeiro. Quando a minha primeira esposa ficou doente eu passei a ir ao Cabaré todas as noites que podia. Sabe, pode parecer cruel o que vou dizer mas eu não gostava dela, e a doença dela me deu liberdade.

— Nem ela gostava de você. Foi um casamento arranjado pelas suas familias. — disse Mulambo.

— Bom... Foi isso mesmo. Quando eu vinha a este cabaré eu só via Mulambo com as moças e sequer sabia da existência de Padilha. Eu gostava muito de você Mulambo. Porém eu nunca lhe amei.

— Escreva na testa "Eu Não Amo Mulambo". Você já deixou isso claro. Prossiga sem ficar falando isso toda hora.


Padilha deu um Riso cínico.

Tranca Ruas pigarreou e olhou para ela.

— Quando Quitéria te colocou no comando você se ausentou do salão e Mulambo ficava para vigiar as moças. Mas quando Mulambo abriu o cabaré dela, quando ela foi para o Cabaré Boca da Mata você voltou a frenquentar o salão e... no dia que te vi pela primeira vez imediatamente me apaixonei. Quando minha esposa faleceu...

— Assassinada. — Mulambo interrompeu.


Padilha revirou os Olhos de aborrecimento.

— Vai começar com suas fofocas? Boca de Matilde...


Tranca Ruas ergueu a mão dando sinal para que o deixassem falar. 

— Eu sei bem que Maria Padilha fez um feitiço para que a minha falecida esposa perdesse a vida. Mas acredite, eu fiquei por deveras grato.

— Nossa... Essa sim é uma reunião de gente de bem! — Meia Noite gargalhiu.

— Se fossemos bons nos não estaríamos aqui. O lugar dos mortos é no outro mundo, estamos nesse ainda exatamente porque somos todos errados. E não dê uma de bom moço, eu sei bem que voce fez muitas coisas que um herói jamais faria.


Tranca Ruas continuou:

— Eu não gostava daquela mulher, nem por um dia eu gostei dela, e ela também me detestava. Eu amei somente Padilha e depois de alguns anos... me casei com ela em segredo. Todos pensavam que ela me servia como uma prostituta, mas na verdade ela já era minha esposa.

— Por que? Porque escondeu o casamento? Tinha vergonha dela ser do cabaré? — Mulambo perguntou.

— Não, — Padilha interveio — ele nunca teve vergonha de mim. Quem exigiu sigilo fui eu.

— Não tinha motivo de ter vergonha, se até Luis XV teve sua Du Barry, eu sendo um mero oficial podia me casar com quem quisesse. Mas Padilha ficou grávida e pediu sigilo pois temia pela criança, ela não queria que ele sofresse. Você sabe bem que a sociedade veria o bebê como um bastardo, um "Filho-de-Puta". Por isso ela queria que eu ficasse com o bebê até que ela pudesse sair do Cabaré e vir viver comigo no norte, eu já estava procurando uma boa propriedade em Salvador.

— O meu bebê se chamava Filipe. Saudades Do Meu Anjinho... — Padilha disse entristecida —  No dia em que Você pôs fogo na casa e matou nos dois, Filipe estava em um passeio com a sua babá.


— Não! Não! A culpa não foi minha! — Mulambo balançava a cabeça em negação — Eu não sabia que vocês estavam bebados. Já havia quatros anos que vocês tinham me excluído de tudo. Eu... eu estava com raiva e quando Meia Noite conseguiu pra mim aqueles latões de querosene eu fui lá... eu só fui "dar um susto".

— Mulambo aquele dia Padilha tinha dito que já poderia deixar o Cabaré nas mãos de Rosa Vermelha e que nos iríamos em fim embora juntos viver a vida com nosso filho, como uma família. Nós bebemos para comemorar. Quando você ateou fogo na minha casa, nós de tão bêbados não levantamos nem da cama, morremos ali deitados. Nos morremos abraçados. — disse Tranca Ruas.

— Nem foi o fogo que nos matou, morremos pela fumaça. — Padilha lamentou.

— Sim. — disse Tranca Ruas.

— Pelo fato de não querer expor o meu filho eu ainda não o tinha registrado. Mesmo com três anos de idade o meu anjinho ainda não tinha documentos. Por isso quando a babá voltou com ele e soube da nossa morte ela o levou para a família de Tranca Ruas, mas meu bebê foi rejeitado por eles. Então ela o deixou com um padre, ele enviou o menino para a roda dos injeitados. Meu bebê foi para um orfanato e morreu sozinho, foi pego pela tuberculose. Ele morreu sozinho! — Padilha berrou furiosa, se abaixou e agarrou um punhado de poeira no chão do quarto, atirou o pó para o alto.

Tranca Ruas, Meia Noite e Mulambo ficaram admirados quando as particular de poeira por um momento se juntaram ate formar a imagem do rosto de uma criança de bochechas gordinhas sorrindo.

— Esse era ele? Ele... ele era lindo. — Disse Meia Noite com pesar.

— Mulambo, por inveja você me matou, por ciúme Tranca Ruas foi junto. Mas isso não pesa tanto afinal nos éramos adultos e envolvidos em muitas coisas ruins. Mas a morte de Filipe você vai carregar para sempre. Você matou meu filho. Ele era meu, mas ele também era seu, seu sobrinho. — disse Padilha.


Mulambo olhou para a figura desvanecendo na nuvem de pó, seu queixo começou a tremer, seus olhos se encheram de lágrimas.


— Olhe Padilha, ela não deu um tiro nele ou coisa assim, ela nem sabia que ele existia. — Tranca Ruas tentou amenizar — Eu também creio que ela não queria nos matar, aquele incêndio foi só uma das muitas maluquices que Mulambo fazia, se ela soubesse o que iria causar ela não teria feito.

— Que absurdo é esse? Essa vagabunda destruiu a minha vida e agora ela é inocente?! Durante toda a minha infância e adolescência eu relevei as mardas que ela fazia, sempre a defendi e a protegi, fiz tudo por ela, mas olha só onde isso me levou. — Padilha cuspiu no chão e apontou o dedo indicador no rosto de Mulambo — Você é um lixo e eu te odeio!


Mulambo agilmente estalou um forte tapa no rosto de Padilha, o que a fez cair sentada e com a voz calma disse:

— Me Ofenda mais uma vez. Vamos, me ofenda... Estou louca pra te rasgar inteira...


Meia Noite levantou com intenção de separar as duas e impedir a briga mas Tranca Ruas lhe fez um sinal com as mãos para que ele deixasse as duas resolverem aquilo do jeito delas.

Mulambo foi na direção do Tranca Ruas e se agaixou próxima a cadeira que ele estava. Ela segurou uma de das mãos dele e então começou a dizer:

— Depois do incendio eu fugi. Mas Rosana, ou melhor, a Rosa Vermelha me mandou uma carta pedindo que eu fosse até o Cabaré ver o que fazer com os pertences de Padilha. Foi naquele dia, um ano depois da morte de vocês que eu soube da existência de Filipi. Eu achei uma carta sua, uma que você havia escrito para ela mencionando a criança.

Eu fui atrás do menin...


Mulambo foi interrompida por um puxão de cabelo, Padilha pegou o cabelo da irmã e puxou com tanta força que ela caiu para trás, Padilha imediatamente a envolveu em um mata-leão, Mulambo esperneava dando socos no braço que lhe comprimia o pescoço, por fim acertou uma cotovelada nas costelas da outra que afrouxou os braços e assim Mulambo pode se soltar. 

Padilha bembeou mas não caiu, empurrou Mulambo pelos ombro e com as costas das mãos ela bateu um tapa estridente no rosto da irmã.

Mulambo cerrou o punho e com toda força dirigiu o murro no rosto de Padilha, mas antes que ela atingisse o seu pulso foi contido pela mão de Tranca Ruas que segurou seu braço e a imobizou, Meia Noite se pôs na frente de Padilha a impedindo de atacar.

— Primeiro vamos acabar a conversa, depois eu e Meia Noite vamos embora e vocês ficam a sós e resolvem suas questões.


Padilha e Mulambo se encaravam com expressões de odio, elas realmente tinham muita coisa pra resolver.

Mulambo a fitou com olhar de desprezo.

— Se a Mãe visse no que você se tornou...

— Não coloque ela no meio! Tudo que a nossa Mãe queria para nós duas era... Ela lutou pra que nunca nenhuma de nós sofresse o que ela sofreu. Infelizmente ela morreu antes que pudesse nos salvar do sofrimento. Por isso não coloque ela no meio dessa conversa podre! Respeite a memória dela!

— Não me fale de respeito, hipocrisia do caralho...

— Você é uma ingrata.


Mulambo se voltou para Tranca Ruas e continou a contar a historia:

— Como o eu dizia, eu fui atrás do menino. Eu procurei em todos os orfanatos. Mas quando eu achei ele... O achei em uma cova de Órfãos. Ela já estava morto. Me disseram que ele tinha pego tifo ou tuberculose. Se eu soubesse que Filipi existia eu não teria deixado isso acontecer, eu teria...

— Teria o que?! — Padilha berrou — Teria criado meu filho?!

— Teria! — Mulambo gritou para ela, depois abaixou a voz e se dirigiu a Tranca Ruas — Teria sim.


Ele então pousou a mão no ombro de Mulambo.

— Eu sei... Eu não duvido disso.

— Eu removi o corpinho dele do cemitério de órfãos, comprei um jazigo para ele. Na lápide eu coloquei o seu sobrenome no nome dele, ficou Filipi Albuquerque. Comprei uma estátua de anjinho e pedi pra porem sobre o túmulo. E você não tem ideia de quantas vezes fui até aquela tumba pedir perdão a ele, eu era tia dele... Mas...


As lágrimas de Mulambo escorriam pelo se rosto, ela abaixou a cabeça para que ninguém pudesse ver seus olhos vermelhos.


— Eu precisava ouvir isso de você. Agora Mulambo, nos estamos em paz. — Tranca Ruas lhe de deu um forte e demorado abraço, e cochichou em seu ouvido — Agora está tudo bem.


— Obrigada. — ela respondeu com a voz fraquinha.


— Padilha, — Tranca Ruas chamou — está disposta a perdoar sua irmã está noite?

— Com certeza não. — Padilha olhou para a irmã pelo canto dos olhos.

— Não vou discutir isso, coração é terra que ninguém pisa. Mas se não vai resolver nada, vamos embora. Eu sei que seu assunto com Mulambo são mágoas de toda uma vida, e eu pretendia deixar vocês a sós pra que falassem disso... Mas não essa noite. Vamos embora.


Padilha colocou as duas mãos na cintura, prejetou o busto para frente e de uma maneira grosseira ela olhou para Mulabo.

— Eu não te Perdôo. E te odeio por cada momento que vívi ao seu lado desde o dia que você nasceu. Mas isso e assunto para um outro dia. Nos ainda vamos nos encontrar e por as coisas em pratos limpos.

— Vá embora logo. E não se preocupe, eu também tenho décadas de odio pra vomitar em cima de ti, mas eu não tenho pressa...


Padilha seguiu Tranca Ruas e os dois saíram do Cabaré em ruínas.


Meia Noite abraçou Mulambo por trás carinhosamente.

— Deixe isso pra lá Mulambo... Não valhe a pena voltar a brigar com Padilha por coisas que aconteceram a tanto tempo... Seja superior e não toque mais nesses assuntos.

— Desculpe meu amor... Mas eu não sou superior. Superioridade épara os Santos. Eu sou um diabo.

— De qualquer forma eu vou ficar do seu lado.


Mulambo se virou e então deu um delicado beijo nos lábios pálidos daquele belo homem.

— Obrigada por ter me acompanhado.

— Eu que agradeço, foi uma noite muito emocionante — ele sorriu.


Comentários

  1. Nossa!!!!! Sem fôlego aqui!!!! 👏👏👏👏👏👏♥️🌹

    ResponderExcluir
  2. Extremamente apaixonado por essa sequência de contos ❤ por mim seria como uma novela, com um capítulo por dia mas sem ter fim...

    ResponderExcluir
  3. Então na emoção ou melhor na minha posso ver e entende com outros olhos os conflitos da alma. Mesmo sabendo queque um conto uma história. História que tem bastante coerencias com os conflitos mentais é humano. Opinião minha.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas